Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
98S097
Nº Convencional: JSTJ00034676
Relator: PADRÃO GONÇALVES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
FUNÇÃO PÚBLICA
CONTRATO DE TRABALHO A PRAZO
CONTRATO DE TRABALHO SEM PRAZO
Nº do Documento: SJ199810280000974
Data do Acordão: 10/28/1998
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N480 ANO1998 PAG236
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 5000/97
Data: 11/19/1997
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional:
Jurisprudência Nacional:
Sumário : No regime de trabalho da função pública, incluindo nesta os Institutos Públicos, o contrato de trabalho com termo não se converte em contrato de trabalho sem termo.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção Social do Supremo Tribunal de
Justiça:
I - A, B, C, D, e E, identificados nos autos, propuseram no Tribunal de Trabalho de Lisboa acção declarativa comum sob a forma ordinária, emergente do contrato de trabalho, contra o Estado
Português pedindo que sejam declarados nulos os seus despedimentos e que o Réu seja declarado, digo, condenado a pagar-lhes as prestações pecuniárias vencidas e vincendas desde a data do despedimento até à da sentença e ainda a reintegrá-los nos seus postos de trabalho com a antiguidade a que têm direito.
Alegaram, em resumo, terem sido admitidos ao serviço do
Réu, através de contratos de trabalho a termo certo, que tiveram duração superior a 3 anos e se destinaram à execução de tarefas necessárias ao normal e permanente funcionamento dos serviços das respectivas Escolas e, em 31 de Agosto de 1994, o Réu fez cessar o contrato que celebrara com elas por rescisão unilateral e sem justa causa.
O Réu contestou impugnando os factos alegados pelas
Autoras e concluindo pela sua absolvição do pedido.
Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu o Réu dos pedidos.
Inconformadas, as Autoras recorreram para a Relação de
Lisboa que julgou o recurso procedente, revogou a sentença recorrida e assim condenou o Réu Estado no pedido, ou seja, a reintegrar as Autoras no seu posto de trabalho e com a antiguidade a que tinham direito, e a pagar às Autoras as prestações pecuniárias vencidas desde a data do despedimento - 31 de Agosto de 1994 - até efectiva reintegração.
Não conformado com esta decisão, o Réu Estado recorreu de revista para este Supremo Tribunal, assim concluindo as suas alegações:
1. - A relação jurídica de emprego na função pública apenas se pode constituir por nomeação e contrato de pessoal, podendo este revestir as formas de contrato administrativo de provimento e de contrato de trabalho a termo certo.
2. - O contrato de trabalho a termo rege-se pela lei geral sobre contratos a termo certo, com as especialidades constantes do Decreto-Lei n. 427/89, de
7 de Dezembro.
3. - Ora, uma das óbvias especialidades desse diploma legal é a de não permitir a constituição de relações de emprego público fora do quadro de modalidades nele previstas.
4. - Não sendo admissível, na Administração Pública, a celebração de contrato de trabalho por tempo indeterminado, é igualmente inaceitável a conversão de contratos a termo em contrato de trabalho sem termo.
5. - Interpretação diversa, como a adoptada no douto acórdão recorrido, equivale a atribuir um conteúdo inconstitucional aos artigos 41, 42 e 47 do Decreto-Lei n. 64-A/89, de 27 de Fevereiro, em conjugação com o disposto no artigo 14, n. 3, do Decreto-Lei n. 427/89, na medida em que lhe permitiria invadir, sem autorização legislativa da Assembleia da República, as bases do âmbito e regime da função pública, matéria que se integra dentro da reserva relativa da competência daquela Assembleia.
6. - Os contratos das Autoras, ora recorridas, terminado o período legalmente admissível da sua renovação, entraram em colisão com normas legal imperativa, devendo, por isso, ser qualificados como nulos.
7. - Assim sendo, a sua cessação não pode de modo algum configurar um despedimento, muito menos um despedimento ilícito, não cabendo às Autoras nem o direito à reintegração, nem o direito às retribuições, previstas no artigo 13 do Decreto-Lei n. 64-A/89, de 29 de
Fevereiro.
8. - O douto acórdão em revista violou, por erro de interpretação, o artigo 14, n. 3, do Decreto-Lei n.
427/89, de 7 de Dezembro, conjugado com os artigos 41,
42 e 47 do Decreto-Lei n. 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido.
Contra-alegaram as Autoras que assim concluíram as suas alegações:
1. - A Administração Pública não está proibida por lei de celebrar contratos de trabalho sem termo.
2. - Desde logo porque, nos termos do artigo 11 da Lei de Bases do Emprego Público, Remunerações e Gestão de
Pessoal (Decreto-Lei 184/89) pode contratar com empresas a prestação de certas actividades laborais, as quais, assim, passam a ser directamente prestadas à Administração por trabalhadores em regime de contrato de trabalho, o qual pode ser com ou sem termo.
3. - Ou seja, onde cabe o mais cabe o menos, não fazendo sentido que a Administração possa contratar indirectamente o trabalho de trabalhadores em regime de contrato de trabalho sem termo e que não o possa fazer directamente.
4. - Acresce que, como é entendimento pacífico da doutrina há que distinguir entre actos de gestão pública e actos de gestão privada, nada na lei impedindo que se aplique à Administração o regime da
L.C.T., havendo até várias situações em que os contratos de trabalho sem termo são a solução imposta legalmente, de que é exemplo a solução prevista no artigo 1 do Decreto-Lei 108/95, de 26 de Maio.
5. - Os Decretos-Leis, 184/89 e 427/89 visam regular realidades diferente da que está em discussão nos autos, isto é, visam regular o regime de emprego público e não incluem a proibição de, em certos casos, a Administração estabelecer contratos de trabalho sem termo.
6. - Como resulta da matéria dada como provada, as categorias das Autoras, aqui recorridas, não incluem funções que, pela sua natureza, as investisse em poderes de autoridade, única situação em que se poderia admitir estar afastada a possibilidade do contrato de trabalho sem termo.
7. - A relação jurídica entre as Autoras e o Réu Estado
é, por isso, uma relação de trabalho e, por tudo o mais que ficou provado nos autos, deu-se a conversão dos seus contratos em contratos de trabalho sem termo, pelo que, assim sendo, o despedimento das Autoras a que o
Réu Estado procedeu é ilícito.
8. - Assim não se entendendo e aplicando-se o regime de nulidade do artigo 15 da L.C.T. e dos artigos 280 e 294 do Código Civil, estas normas assim interpretadas violaram os princípios constitucionais da protecção da confiança, da boa-fé, da igualdade e da segurança no emprego, regulados, nomeadamente, nos artigos 266, 58, n. 1, 13 e 53 da Constituição da República Portuguesa.
9. - Todavia, no caso em apreço é possível, se seguir esta via de solução do problema, uma interpretação das normas legais sobre a invalidade que seja conforme à Constituição.
10. - Tal interpretação é aquela que permite o aproveitamento de negócio jurídico em causa com base na vontade das partes.
11. - A aceitar-se que, no caso em discussão, como é alegado pelo Recorrente, apenas relevariam as normas do
Decreto-Lei 427/89, e mais nenhumas, então teríamos que aplicar os artigos 135 e 141 do C.P.A. e a invalidade estaria sanada pelo decurso do tempo, em obediência ao princípio da segurança jurídica.
12. - Mas tal entendimento não pode colher porque, levado às últimas consequências, teria que se questionar a própria competência material da ordem dos tribunais chamada a pronunciar-se, pois estar-se-ia no domínio de um problema de pura aplicação de regras do
Direito Administrativo, o que não é, no entanto, notoriamente e no caso dos autos, no qual estão em causa actos de gestão privada da Administração Pública.
Termina pedindo a manutenção do acórdão recorrido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - Vêm provados das instâncias os seguintes factos:
1. - A Autora A foi admitida em 4 de Dezembro de 1990 ao serviço da Escola Secundária das Olaias;
2. - Para exercer a actividade de escriturária- -dactilógrafa sob a autoridade e direcção do
Ministério da Educação (M.E.);
3. - Tendo outorgado com o M.E. os acordos cujas fotocópias constantes de folhas 8 a 10 do processo aqui se dão por integralmente reproduzidas;
4. - A Autora B foi admitida ao serviço da Escola
Secundária das Olaias em 25 de Outubro de 1990;
5. - Para exercer a actividade de auxiliar de acção educativa sob a autoridade e direcção do M.E.;
6. - Tendo outorgado com o M.E. os acordos cujas cópias constantes de folhas 11 e 13 dos autos aqui se dão por integralmente reproduzidas;
7. - A Autora C foi admitida ao serviço da Escola Preparatória do Pintor Almada Negreiros em 14 de
Outubro de 1991;
8. - Para exercer a actividade de auxiliar de acção educativa sob a direcção e autoridade do M.E.;
9. - Tendo outorgado com o M.E. o acordo cujas cópias constantes de folhas 14 e 15 dos autos aqui se dão por reproduzidas;
10. Que lhe foi renovado nos termos constantes de folhas 16, que aqui se dão por reproduzidas;
11. - A Autora D foi admitida ao serviço da Escola
Secundária de Miraflores, em 8 de Novembro de 1989;
12. - Para exercer a actividade de auxiliar de acção educativa, sob autoridade direcção do M.E.;
13. - Tendo outorgado os acordos constantes de folhas
18 e 20 dos autos , que aqui se dão por integralmente reproduzidas;
14. - A Autora E foi admitida ao serviço da Escola Preparatória do Pintor Almada Negreiros em 14 de
Outubro de 1991;
15. - Para exercer as funções de auxiliar educativa sob a autoridade e direcção do M.E.;
16. - Tendo outorgado com o M.E. o acordo cujas cópias constantes de folhas 25 e 26 dos autos aqui se dão por reproduzidas;
17. - Que foi renovado nos termos de folha 27, que aqui se dá por integralmente reproduzida;
18. - Em 31 de Agosto de 1994 o M.E. fez cessar os acordos que celebrara com todas as Autoras;
19. - Em 31 de Agosto de 1994 todas as Autoras auferiam a retribuição base de 56400 escudos;
20. - Acrescida de 10143 escudos de subsídio de refeição;
21. As tarefas que a 1. A. desempenhou ao serviço da
Escola onde prestou serviço corresponderam a necessidades permanentes da mesma;
22. - As tarefas que a 2. A. desempenhou ao serviço da
Escola onde prestou serviço corresponderam a necessidades permanentes da mesma;
23. - As tarefas que a 3. A. desempenhou ao serviço da
Escola onde prestou serviço corresponderam a necessidades permanentes da mesma;
24. - As tarefas que a 4. A. desempenhou ao serviço da
Escola onde prestou serviço corresponderam a necessidades permanentes da mesma;
25. - As tarefas que a 5. A. desempenhou ao serviço da
Escola onde prestou serviço corresponderam a necessidades permanentes da mesma;
26. - Após a reforma educativa o número de alunos das escolas onde as Autoras prestavam serviço aumentou levando a um acréscimo de serviço;
27. - A Escola Secundária das Olaias, no ano lectivo de
92/93, via introduzidas turmas do 10. Ano;
28. - E nos anos lectivos de 93/94 e 94/95 turmas do
11 e 12 Anos;
29. - No ano lectivo de 91/92, a Escola Secundária das
Olaias tinha 688 alunos;
30. - No ano lectivo de 94/95, a Escola Secundária das
Olaias tinha 668 alunos;
31. - Entre os anos lectivos de 85/86 e 95/96 a Escola Preparatória do Pintor Almada Negreiros registou o número de alunos dos 5. e 6. anos referido a folhas 93 dos autos cujo teor aqui se dá por reproduzido;
32. - Entre os anos lectivos de 87/88 e 94/95 a Escola
Secundária Miraflores registou o número de alunos referidos a folhas 95 do processo que aqui se dá por reproduzido;
33. - O aumento do número de anos de escolaridade obrigatória levou a um acréscimo de alunos nas escolas, sendo certo que o decréscimo de natalidade tem reflexos na população escolar.
III - Conhecendo de Direito:
3.1. As Autoras celebraram com legais representantes do
Ministério da Educação "contratos de trabalho a termo certo de prestação de serviço não docente", ao abrigo do Decreto-Lei n. 427/89, de 7 de Dezembro, respectivamente, em 4 de Dezembro de 1990, 25 de
Outubro de 1990, 14 de Outubro de 1991, 1 de Julho de
1990 e 14 de Outubro de 1991, Aliás, o contrato celebrado pela A. Maria da Conceição Teixeira, em 1 de
Julho de 1990, ao abrigo do Decreto-Lei n. 427/89, foi já de "renovação", nos termos do artigo 20, desse diploma legal, do anterior "contrato a termo certo", não documentado, nos termos do Decreto-Lei n. 118/86, de 27 de Maio.
Em todos esses contratos consta que "a sua celebração
(é) justificada pelo aumento excepcional e temporário de actividade do estabelecimento de ensino, de acordo com a alínea d) do artigo 18 do Decreto-Lei n. 427/89, de 7 de Dezembro"; que "o contrato caduca no termo do prazo, salvo se a sua renovação for comunicada por escrito ao contratado com a antecedência mínima de oito dias"; que "o contrato não confere ao particular outorgante a qualidade do agente administrativo"; e que
"ao presente contrato aplicar-se-á, supletivamente, em tudo que não contrarie o Decreto-Lei n. 427/89, de 7 de
Dezembro, o disposto no Decreto-Lei n. 64-A/89, de 27 de Fevereiro e demais legislação geral do trabalho".
Os referidos contratos foram renovados por mais de uma vez, não constando dos autos que os contratos e suas renovações tenham sido visadas pelo Tribunal de Contas e publicado no Diário da República.
Por outro lado, tendo o Ministério da Educação, em 31 de Agosto de 1994, feito cessar os "acordos que celebraram com todas as Autoras", não constam dos autos
- por não terem sido alegados e comprovados -, os
"acordos" de renovação (ou comunicações de renovação) que antecederam imediatamente aquela data.
Invocando o serviço prestado ao Ministério da Educação, nas circunstâncias expostas, as Autoras peticionaram fosse declarado nulo o despedimento feito em 31 de
Agosto de 1994 pelo Ministério da Educação, dado que os contratos em questão se tinham convertido em contratos sem termo, por força do regime conjugado dos artigos 44 e 47 do Decreto-Lei n. 64-A/89, de 27 de Fevereiro, pelo que, sendo proibido o despedimento sem justa causa, que no caso não ocorreu, tal despedimento é
"nulo e de nenhum efeito, nos termos do n. 1 do artigo
12 do Decreto-Lei n. 64-A/89".
A 1. instância julgou a acção improcedente, por entender que os referidos contratos a termo certo se não converteram em contratos sem termo, ainda que haja sido excedido o período máximo de duração dos contratos, uma vez que "tais contratos, uma vez ultrapassados os prazos legais, não podem deixar de se considerar como nulos", "ex vi" dos artigos 14, n. 1, do Decreto-Lei n. 427/89 e 294 do Código Civil.
A Relação, pelo acórdão ora recorrido, entendeu diferentemente, assim concluindo: a) - O Réu Estado, ao celebrar um contrato intitulado
"a termo" com as Autoras, para assegurar necessidades permanentes do serviço, violou o artigo 18, n. 1, do
Decreto-Lei n. 427/89, criando uma situação não prevista neste diploma, que constitui lei especial; b) - É a própria lei especial que no seu artigo 14, n.
3, remete para a lei geral, como lei subsidiária, a regulamentação das situações previstas naquele; c) - A lei geral - artigo 41, ns. 1, alínea b), e 2 do
Decreto-Lei n. 64-A/89 comina a nulidade da estipulação do "termo" aposta neste tipo de contratos e não a nulidade do próprio contrato, previsto no artigo 15 da
L.C.T.; d) - Daí a conversão dos contratos em apreço em contratos sem termo; e) - A cominação aplicável à violação referida em a) é, pois, a cominação específica estabelecida no artigo 41, ns. 1, alínea b), e 2 do Decreto-Lei n. 64-A/89 e não a do artigo 15 da L.C.T., dada a consabida excepcionalidade da contratação a prazo, face ao regime regra da contratação sem prazo e porque a solução contrária violaria os princípios gerais da estabilidade e segurança do emprego e o princípio da igualdade entre os trabalhadores em causa e os das empresas privadas, o que, aliás, o próprio Estado reconhece no preâmbulo do
Decreto-Lei n. 81-A/96, de 21 de Junho.
O Réu recorrente, na sua alegação, assenta a sua posição no princípio de que, "não sendo admissível, na Administração Pública, a celebração de contratos de trabalho por tempo indeterminado, é igualmente inaceitável a conversão de contratos a termo em contratos de trabalho sem termo".
3.2. A questão que se coloca no presente recurso é a de saber se os contratos de trabalho a termo certo celebrados pela Administração Pública, enquanto entidade patronal, se convertam em contratos sem termo
- seja por "excedido o limite de renovações e ou a duração de prazo máximo de 3 anos", seja por se não verificar uma situação que consentisse a contratação a termo, no caso não ter havido "aumento excepcional e temporário da actividade do serviço", antes se visasse
"assegurar necessidades permanentes do serviço" -, conferindo, nesse caso, ao trabalhador que foi
"despedido" - no caso, a quem foi comunicado que
"cessara" o acordo de trabalho -, sem precedência de processo disciplinar, o direito à sua reintegração no posto de trabalho ou a respectiva indemnização e o mais devido por um despedimento ilícito.
Tal questão já foi apreciada por este Supremo Tribunal em inúmeros arestos - de que importa destacar os proferidos em 6 de Março de 1996, na revista n. 4395, publicado na C.J. - Acórdãos do Supremo Tribunal de
Justiça, IV - 1, página 264, e em 24 de Abril de 1996, na revista n. 4392, com intervenção de todos os juizes desta Secção Social -, e não descortinamos razão para afastarmos o entendimento aí formado no sentido de que não é consentida a "conversão" do(s) contrato(s) celebrado(s), no caso, como "contrato(s) de trabalho a termo certo", entre a Administração e os trabalhadores em causa.
Daí que desde já adiantemos a conclusão de que, no caso, se não operem, por não ser consentido pela lei - como veremos -, a conversão dos "contratos a termo certo" celebrados pelas Autoras com o Ministério da
Educação - Departamento de Recursos Humanos do Ensino, documentados nos autos, em contratos sem termo, pelo que se não tornou definitivo o vínculo à Administração
Pública, em termos de assistir às Autoras os direitos peticionados, maxime, a sua reintegração.
Dispensando-nos de abordar a evolução do regime dos contratos a termo (ou, como se dizia, a prazo) na função pública, iniciada com o Decreto-Lei n. 35/80, de
14 de Março, remetendo, nesta parte, para os referidos arestos de 6 de Março de 1996 e 24 de Abril de 1996, atentemos no artigo 9 do Decreto-Lei 184/89, de 2 de
Junho - diploma que estabelece "princípios gerais em matéria de emprego público, remunerações e gestão de pessoal da função pública", no uso de devida autorização legislativa - que, no n. 1, permite "excepcionalmente" que "o exercício transitório de funções de carácter subordinado de duração previsível
(...) possa ser assegurado por pessoal a contratar segundo o regime dos contratos de trabalho a termo certo", e, no n. 2, dispõe que o contrato referido no n. 1 "obedece ao disposto na lei geral do trabalho sobre contrato de trabalho a termo, salvo no que respeita à renovação, a qual deve ser expressa e não pode ultrapassar os prazos estabelecidos na lei geral quanto à duração máxima dos contratos a termo". Tal regime aplica-se, nos termos do artigo 2, nos "serviços e organismos da Administração Pública, incluindo os institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos (n. 1) e aos demais serviços elencados no n. 2.
De notar, ainda, que o referido artigo 9 aparece na sequência dos artigos 5 e 7 que estabelecem constituir-se a relação jurídica de emprego na Administração com base em nomeação ou em contrato
(artigo 5) e serem as formas de contrato de pessoal admitidas o contrato administrativo de provimento e o contrato de trabalho a termo certo (artigo 7, n. 2).
No desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pelo
Decreto-Lei n. 184/89, foi publicado o Decreto-Lei n.
427/89, de 7 de Dezembro - que veio a ser alterado pelo
Decreto-Lei n. 407/91, de 17 de Outubro, produzindo essas alterações efeitos reportados à data de entrada em vigor do Decreto-Lei n. 427/89, em 12 de Dezembro de
1989 -, e que dispõe, na parte que ora mais interessa:
"O contrato de trabalho a termo certo não confere a qualidade de agente administrativo e rege-se pela lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo, com os especialidades constantes do presente diploma" - n. 3 do artigo 14 que, no n. 1, consagra a referida norma do artigo 7, n. 2, do Decreto-Lei n. 184/89.
"O contrato de trabalho a termo certo é o acordo bilateral pelo qual uma pessoa não integrada nos quadros assegura, com carácter de subordinação, a satisfação de necessidades transitórias (...)" - n. 1
-, podendo "ainda ser celebrado nos seguintes casos:
(...) d) Aumento excepcional e temporário da actividade do serviço" - n. 2 do artigo 18.
"O contrato de trabalho a termo certo pode ser objecto de renovação, mas a sua duração total nunca poderá exceder um ano (...)" - (n. 1 -, (...) só pode ser celebrado por prazo inferior a seis meses nas situações previstas na alíneas a) e d) do n. 2 do artigo 18 (...)
- n. 2 -, 1, "atingido o prazo máximo de contrato de trabalho a termo certo, não pode ser celebrado novo contrato da mesma natureza e objecto com o mesmo trabalhador antes de decorrido o prazo de seis meses" - n. 5 do artigo 20 na redacção do Decreto-Lei n. 407/91, de 17 de Outubro.
Estão sujeitos a publicação no Diário da República, por extracto: (...) b) O contrato administrativo de provimento e o contrato de trabalho a termo certo, bem como a sua renovação, denúncia e rescisão (n. 1); do extracto da publicação consta a referência à concessão do visto ou à emissão da declaração de conformidade, em todos os casos em que seja exigida pela Lei n. 86/89, de 8 de Setembro, ou à sua dispensabilidade, nos restantes casos - n. 3 do artigo 34.
Refira-se, por fim, que o artigo 37 veio regular a transição do pessoal em situação irregular, que não aproveita às Autoras, e que o artigo 43, n. 1, proíbe a constituição de relações de emprego com carácter subordinado por forma diferente da prevista no diploma.
Antes de analisarmos e aplicarmos as citadas disposições às relações laborais em causa, importa dizer, transcrevendo do acórdão de 23 de Setembro de
1998, na revista n. 144/98, que "a contratação de pessoal pela Administração Pública não é algo que, à partida, se compatibilize ou identifique por inteiro com a contratação de trabalhadores por particulares. À liberdade que a estes assiste, aos critérios de conveniência e oportunidade na contratação, sem pesar outras razões, contrapõem-se a máquina da Administração, reflexo da natureza desta, e a acessibilidade que deve ser garantida aos interessados nos lugares a ocupar, pelo que a automática aplicação de alguns princípios da legislação lateral comum às relações de emprego estabelecidas pela Administração não deixaria de conduzir a óbvios e indesejadas distorções do sistema, abrindo caminho ao proteccionismo de uns tantos com o sacrifício de legítimas expectativas por parte de muitos outros", que, tal como o legislador, têm presente a norma fundamental do n. 2 do artigo 47 da Constituição que dispõe terem "todos os cidadãos o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via do concurso". E também os tribunais deverão ter presente esse comando constitucional, ao apreciar situações como os ora em causa.
Apliquemos, pois, as referidas disposições aos contratos outorgados pela Administração e Autoras.
3.3. Como vimos, os contratos de trabalho a termo certo, regulados nos artigos 18 e seguintes do
Decreto-Lei n. 427/89, visam assegurar a satisfação de "necessidades transitórias dos serviços de duração determinada", podendo ainda ser celebrados, nomeadamente, quando haja "aumento excepcional e temporário da actividade de serviço" - ns. 1 e 2, alínea d) do referido artigo 18.
Como se vê dos respectivos contratos - cfr. folhas 8 a
27 dos autos - a sua celebração é justificada pelo
"aumento excepcional e temporário de actividade" dos estabelecimentos de ensino, "de acordo com a (referida) alínea d) do n. 2 do artigo 18 do Decreto-Lei n.
427/89", quando é certo que se provou não ter havido qualquer "aumento excepcional e temporário de actividade", pois que - factos ns. 21 a 25 - as tarefas desempenhadas pelas Autoras corresponderem a necessidades permanentes das respectivas escolas e, se algum aumento pode ter havido de serviço - cfr. factos ns. 26 e 33 -, esse aumento não era temporário nem se mostra excepcional, seria, simplesmente, normal.
Assim, terá de se concluir que os referidos contratos foram celebrados contra o comando das referidas disposições legais, de carácter imperativo, sendo, por isso, nulos (artigos 280 e 294 do Código Civil).
O artigo 20 do mesmo diploma legal determina, no n. 1, que o contrato de trabalho a termo certo pode ser objecto de renovação, mas a sua duração total" nunca poderá exceder um ano; no n. 2, que, nas situações previstas nas alíneas a) e d) do . 2 do artigo 18, só pode ser celebrado por prazo inferior a 6 meses; no n.
3, que a renovação do contrato é obrigatoriamente comunicada por escrito ao contratado... sob pena de caducidade; e o n. 5 comina que atingido o prazo máximo do contrato, não pode ser celebrado novo contrato da mesma natureza e objecto antes de decorrido o prazo de seis meses.
Ora os contratos e respectivas renovações, celebrados pela Administração e Autoras, violam tais normas, pois, tendo sido celebrados por períodos superiores a 6 meses, nas invocadas situações da alínea d) do n. 2, do artigo 18, foram renovados por idênticos ou superiores prazos. Por outro lado, não constam dos autos - presumindo-se, por isso, que não tenham existido - as comunicações escritas das "renovações" dos contratos das Autoras, a partir de 30 de Junho de 1992 (A. Maria
A. Delgado), de 30 de Junho de 1982 (A. Rosa Carriço), de 30 de Junho de 1993 (A. Maria C. Reis), de Dezembro de 1992 (A. Maria C. Teixeira) e de 30 de Junho de 1993
(A. Maria M. Coelho), admitindo-se que tal facto tenha justificação no n. 5 desse artigo 20: os contratos tinham atingido o prazo máximo, não podiam ser renovados, e só podiam ser celebrados novos contratos decorridos seis meses. Daí que, depois, daquelas datas, as Autoras tenham prestado serviço sem título, por caducidade dos respectivos contratos.
Também se não mostra que os referidos contratos e respectivas renovações tenham sido visados pelo
Tribunal de Contas e publicados, por extracto, no
Diário da República, sendo certo que estavam sujeitos à fiscalização do Tribunal de Contas (artigo 33 do
Decreto-Lei n. 427/89); que não poderiam começar a produzir efeitos em data anterior à do "visto" daquele
Tribunal (artigo 4, n. 1, do Decreto-Lei n. 146-C/80, de 22 de Maio); e que, de igual modo, só poderiam produzir efeitos após tal "publicação", uma vez visados pelo Tribunal de Contas (artigo 3, n. 1, do citado
Decreto-Lei n. 146-C/80). Contratos ineficazes, desde logo.
Perante todo o exposto, impõe-se concluir como no acórdão de 23 de Setembro de 1998, já citado:
"Dispondo-se no n. 1 do artigo 43 ainda do Decreto-Lei n. 427/89 que "a partir da data da entrada em vigor do presente diploma é vedada aos serviços e organismos referidos no artigo 2 a constituição de relações de emprego com carácter subordinado por forma diferente dos previstos no presente diploma"; se a não comunicação por escrito da renovação importa a caducidade do contrato a termo certo na Administração
Pública (artigo 20, n. 3, na redacção do Decreto-Lei n.
407/91, de 17 de Outubro, de efeitos reportados à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n. 427/89), contrariamente ao que se contém no regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n. 64-A/89 (artigo 46, ns. 1 e 2); e se se mostra incompatível com aquele regime a constituição de uma relação de emprego definitivo na Administração Pública por aplicação do disposto no n. 3 do artigo 42 do regime jurídico do Decreto-Lei n.
64-A/89 (considerar-se contrato sem termo o contrato a termo certo não reduzido a escrito) - ou, acrescentamos ora, por aplicação do disposto nos ns. 1, alínea b) e 2 do mesmo regime jurídico (considerar-se a nulidade da estipulação do termo, fora dos casos previstos naquele n. 1) -, julgamos que está excluída a possibilidade de, pelo mecanismo da conversão (artigo 47 do Decreto-Lei n. 64-A/89), a(s) Autora(s) ficar(em) vinculada(s) em definitivo à Administração Pública a partir de um contrato que, como julgamos suficientemente demonstrado, violou várias disposições imperativas do
Decreto-Lei n. 427/89.
Daí que, como decidiu a 1. instância, se julgue(m) o(s) contrato(s) nulo(s), insusceptível(is) de conversão
(artigo 294 do Código Civil, não assistindo à(s)
Autora(s) direito à indemnização e retribuições que o acórdão recorrido lhe(s) atribuiu".
O acórdão recorrido não atentou que, nos termos do n. 3 do artigo 14 do Decreto-Lei n. 427/89, a lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo é aplicável, como lei subsidiária, mas apenas na parte e medida em que aquele diploma não contenha "especialidades", que há que observar em primeira linha, em detrimento daquela lei geral.
Essas especialidades constam, entre outros, das referidas disposições, que os contratos e respectivas renovações violaram, nos termos e com as consequência, qualidade, caducidade e ineficácia) já apontados.
Invocam as Autoras recorridas - a vingar, como vinga, a tese da 1. instância -, a violação dos princípios constitucionais da protecção da confiança, da boa-fé, da igualdade e da segurança no emprego. Mas sem razão.
Não foram violados os princípios da confiança e da boa-fé pois não consta que lhes tenham sido feitas promessas de definitividade dos seus empregos, nem houve alteração legislativa que viesse frustrar legítimas expectativas nesse sentido.
Não houve violação do princípio da igualdade na medida em que, como já foi notado, a contratação de pessoal pela Administração Pública e por particulares obedece a princípios e regras bem distintas, que há que salvaguardar.
Tratando-se de situações desiguais, exigindo diferenciação de tratamento, não é possível concluir pela violação desse princípio fundamental, em casos como o dos autos.
E não houve violação do princípio da segurança no emprego, de que só é possível falar tratando-se de empregos com vínculo não precário, que conferem segurança aos trabalhadores. No caso, as Autoras bem sabiam que eram contratadas a termo certo, com duração limitada por lei, tendo mesmo a duração excedido o prazo legal.
IV - Termos em que se acorda em conceder a revista, julgando-se a acção improcedente, com a consequente absolvição do Réu do pedido.
Custas pelas Autoras recorridas, neste Supremo e nas instâncias.
Lisboa, 28 de Outubro de 1998.
Padrão Gonçalves,
Manuel Pereira,
Almeida Deveza.