Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P3630
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ARMINDO MONTEIRO
Descritores: COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
PENA DE EXPULSÃO
FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: SJ20081126036303
Data do Acordão: 11/26/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - De vários sectores da doutrina e jurisprudência se recolhe a ideia de alargar, na determinação da medida concreta da pena, os limites em que a sua “magnitude” é passível de revista, particularmente a correcção do procedimento ou das operações da determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais da determinação, a falta da indicação dos seus factores relevantes ou, ao invés, a falta de indicação dos factores que irrelevam ou são inadmissíveis. Mas também há quem advogue que as questões da justiça ou oportunidade estariam subtraídas ao controle do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como as formas de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas não já a determinação, dentro daqueles quadros, do quantum exacto da pena, para o que o controle da revista seria manifestamente inadequado – cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, § 254.
II - Enquanto tarefa aplicativa de direito, que se destaca da mera contraposição questão de facto - questão de direito, concorrendo notas de discricionariedade, toda ela juridicamente vinculada, a fixação da pena pondera pressupostos ou conjuntos de pressupostos que, não dizendo respeito nem ao tipo de ilícito nem da culpa, nem mesmo da punibilidade, contendem com a maior ou menor gravidade do crime como um todo e relevam para a determinação da pena, respeitando, essencialmente, às suas consequências jurídicas.
III - Estando em causa a prática pelo arguido de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, e tendo em consideração que:
- o arguido AP desenvolveu com assiduidade a venda de produtos estupefacientes, dela vivendo entre os últimos meses de 2004 e Junho de 2005;
- vendeu, assim, a várias pessoas, pelo menos a 16, em diversas vezes, heroína e cocaína, pelo menos com o peso total de 28,74 e 4,08 g, respectivamente, e 1,574 g de haxixe, que lhes foram apreendidas;
- na sequência de uma busca à residência que partilhava com o irmão em T…, foram-lhe encontrados 37,556 g de cocaína e 79,884 g de heroína, bem como cafeína e paracetamol, como material de “corte”;
- após o desaparecimento, por alguns meses, do cenário do tráfico, o arguido recomeçou-o, por volta dos últimos meses de 2005, primeiros de 2006, sendo contactado, para o seu telemóvel, por diversas pessoas, combinando entregar-lhes estupefacientes, para além de outros locais, em E…, C…, CF… ou P…;
- o arguido AP deslocava-se a tais pontos de encontro, primeiro no seu veículo com a matrícula 8…, da marca Fiat, modelo Punto, de cor vermelha e, posteriormente, no veículo automóvel da marca Honda, modelo Civic, de cor cinzenta, com a matrícula 1…, fazendo-se acompanhar, por vezes, pelo arguido AC, com quem residia, em P…, quando se encontrava na zona do Algarve;
- nesse circunstancialismo de tempo e lugar, o arguido forneceu estupefacientes pelo menos a 3 dezenas de pessoas, não se apurando o tipo e as quantidades realmente fornecidas, identificando-se, no entanto, alguns dos adquirentes e espécies de estupefacientes;
- entre Março e Julho de 2006 o arguido, com o irmão, vendeu a AD, em 3 dias diferentes, um pacote de cocaína, pelo preço de € 15, e, ainda, um pacote de um mesmo produto a RS;
- no mesmo período, o arguido e o AC, este uma vez, venderam heroína a RS;
- igualmente AD, no mesmo período, por diversas vezes, adquiriu estupefacientes a ambos os arguidos;
- durante cerca de 3 anos e até Julho de 2006, JR adquiriu haxixe e heroína, no máximo até 4 g, ao preço de € 20 o grama;
- no Verão de 2005, e após a operação policial no M…, ambos os arguidos venderam, por diversas vezes, ao JR, em C…, heroína e cocaína;
- OL adquiriu estupefacientes nos 3 anos anteriores a Julho de 2006, fazendo-o até Maio ou Junho de 2005 no M…;
- nos meses que antecederam Julho de 2006, JR comprou por diversas vezes heroína ao arguido AP;
- mercê da busca domiciliária de que foi alvo foram-lhe encontrados, em 11-07-2006, € 3240 em notas do BE, um Honda Civic, de matrícula 1…, um medicamento de nome Redrate, uma tesoura, cápsulas Diclofenac, drageias Maxilase, um recorte em plástico para embalar estupefacientes, uma máquina fotográfica e dois telemóveis, tudo produto da venda de estupefacientes;
- o arguido já se dedicava ao tráfico de estupefacientes desde data anterior – 2001/2002 – ao que encetou entre os últimos meses de 2004 e primeiros de 2005, concentrado no M…;
- não obstante se não ter quantificado inteiramente o volume de vendas – pelo não apuramento do preço, doses vendidas, espécie de produto traficado e, em parte, os seus concretos adquirentes –, a inferir da circunstância de viver exclusivamente do tráfico durante a residência no M…, deter produtos estupefacientes numa busca efectuada, e, na feita ao seu domicílio em 11-07-2006, € 3240 e uma viatura, tudo produto do tráfico (producta sceleris), o tempo por que perdurou, nalguns casos desencadeando-se já nos 3 anos antecedentes ao que este desenvolveu no M…, à luz das regras da experiência e da vida, que fornecem critérios de orientação na definição dos factos provados, probabilidades fortes de as coisas terem acontecido de uma dada forma, o tráfico assumiu uma expressão significativa, que não é descaracterizada em absoluto pela indemonstração daqueles dados, ficando, contudo, a descoberto o grau de entrosamento nele do arguido, a sua absoluta indiferença quanto aos efeitos maléficos, de todos consabido, como sua consequência, movido pela ganância do lucro fácil, que lhe permitia até viver sem trabalhar;
- nenhuma circunstância atenuativa, com ou sem relevo, acorre em favor do arguido;
- o quantum de pena a fixar há-de repercutir o indispensável a que se não ponham irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade da norma jurídica violada e, por essa via, os sentimentos de segurança e confiança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais;
os critérios de dosimetria da pena fixados no art. 71.º, n.º 1, do CP conduzem a que se julgue justa e adequada a pena de 7 anos de prisão.
IV - O art. 30.º, n.º 4, da CRP, estipula que nenhuma pena acessória envolve necessariamente a perda de direitos civis, profissionais e políticos, repercutindo-se aquele no art. 65.º, n.º 1, do CP, impedindo a aplicação ope legis dos efeitos penais da condenação e das penas acessórias de expulsão, demandando uma indagação casuística da condição do condenado de forma a estabelecer-se um consistente ajustamento da acção à reacção eventualmente de desencadear.
V - Este STJ, no seu acórdão de fixação de jurisprudência n.º 14/96, de 07-11-1996 (DR, I Série-A, n.º 275, de 27-11-1996, e BMJ 461.º/54), afirmou a sua não automaticidade, antes devendo averiguar-se, caso a caso, a sua necessidade, sujeita a indispensável e fundamentada justificação, na esteira, aliás, da jurisprudência do TC inscrita nos Acs. n.ºs 282/86, 284/89, 288/94 e 41/95 (DR, I Série, de 11-11-1986, 22-06-1989, 17-06-1994 e 27-04-1995, respectivamente).
VI - Tendo o tribunal indagado a condição pessoal, social e familiar do arguido, sem autorização de residência válida na data dos factos, não configurando a sua situação qualquer das excepções à expulsão inscritas no art. 135.º da Lei 23/2007, de 04-07 – ter nascido em Portugal, ter filhos aqui nascidos e residentes sobre os quais exerça efectivo poder paternal, ter aqui residência desde idade inferior a 10 anos –, a expulsão não representa ofensa a princípios de proporcionalidade, necessidade e proibição de excesso.
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça :

Em processo comum sob o n.º 406/06 .ITA , 1.ª Sec. , do 2.º Juízo Criminal de Faro , com intervenção do tribunal colectivo , foram submetidos a julgamento :

AA e BB, vindo , a final , a ser condenados :

-o arguido AA , como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes , previsto e punível pelo artigo 21º, nº 1 do Decreto-lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 7 anos de prisão; e

-o arguido AA , ainda , na pena acessória de expulsão pelo prazo de 7 anos (artigo 101º do Decreto-lei nº 244/98, de 8 de Agosto, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 97/99, de 26 de Julho e Decreto-lei nº 4/2001, de 10 de Janeiro e artigo 34º do Decreto-lei nº 15/93, de 22 de Janeiro);

- o arguido BB , como autor material de dois crimes de uso de documento falso, ambos previstos e puníveis pelo artigo 256º, nº 1, alínea c) e nº 3, do Código Penal, na pena de um ano de prisão para cada crime;

Procedendo ao cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido, nos termos do disposto no artigo 77º do Código Penal, o arguido BB foi condenado na pena única de 5 anos de prisão;

-o arguido BB foi , ainda , condenado na pena acessória de expulsão pelo prazo de 10 anos (artigo 101º do Decreto-lei nº 244/98, de 8 de Agosto, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 97/99, de 26 de Julho e Decreto-lei nº 4/2001, de 10 de Janeiro e artigo 34º do Decreto-lei nº 15/93, de 22 de Janeiro);

I .Os arguidos interpuseram recurso para o Tribunal da Relação , que lhes negou provimento .

II.De novo irresignados interpuseram recurso para o STJ , não sendo admitido o do arguido BB , apresentando o arguido AA as seguintes conclusões :

O tribunal não considerou para efeitos de determinação da pena a confissão integral e sem reservas do arguido .

O tribunal não levou em apreço uma série de circunstâncias atendíveis, enumeradas no n.º 2 do art.º 71.º , do CP , na concretização e graduação da pena e que , não fazendo parte do tipo , abonam em favor do arguido .

Não foi levado em consideração o critério orientador das penas que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem ser sempre executadas com um sentido pedagógico e ressocializador .

A pena peca por excessiva , mais adequada e justa à reinserção social do agente quando a sua pena for cumprida .

O tribunal não considerou que quem confessa e colabora com a justiça deve ter uma pena condigna com a sua conduta, por representar a assunção do acto e a correspondente atitude de arrependimento do agente .

Foram insuficientemente valoradas as circunstâncias aludidas nas als. a) , d) e e) , do art.º 71.º , do CP , que não põem em causa a defesa do ordenamento jurídico e dentro dos limites da culpa , devem situar a pena ligeiramente nos limites do mínimo da moldura , capaz de satisfazer os fins de prevenção e a reinserção do agente .

Também foi violado o princípio de que a pena de expulsão não é de aplicação automática , nos termos do art.º 65.º n.º 1 , do CP , já que não averiguaram as condições sociais , familiares e os laços que o recorrente tem com o território nacional , havendo insuficiência para a decisão da matéria de facto provada , face ao estatuído no art.º 374.º n.º 2 e 379.º a) , do CP , não contendo a decisão um exame crítico das provas .

Deve , assim , o arguido ser condenado numa pena não superior aos mínimos legais , cifrada em 5 anos de prisão , face à confissão integral e sem reservas e ao seu arrependimento , revogando-se a pena acessória de expulsão do território português .

III . Colhidos os legais vistos , cumpre decidir , considerando que o Colectivo teve por provados os seguintes factos:

1. Desde data não determinada, mas no final do ano de 2004, a Polícia de Segurança Pública de Faro teve referências de que num aglomerado de casas denominado ‘Monte do Russo”, ou “Monte Sucupira”, sito em Vale da Venda, área da comarca de Faro, uma pessoa Cabo-verdiana, o arguido AA, na altura conhecido pelo nome de “Carlos”, vivia exclusivamente da venda de produtos estupefacientes, mormente cocaína e heroína, actividade essa que a partir do final do ano de 2004, início do ano de 2005, se estendeu a vários outros residentes no local;
2. De igual modo, tal local e indivíduo, eram referenciados por vários consumidores e vendedores de heroína e cocaína que se deslocavam ao Monte Sucupira para os adquirir;
3. Com efeito, era no local em referência que era fornecida heroína e cocaína a vários indivíduos que posteriormente a vendiam, designadamente junto ao café B..., em Faro, sendo que alguns estes indivíduos actualmente já foram condenados pela prática do crime de tráfico de estupefacientes;
4. Na sequência de tais referências, a Polícia de Segurança Pública encetou diligências de vigilância ao referido local, tendo constatado que o arguido AA, na altura conhecido por “Carlos”, era um dos principais fornecedores de tais produtos, vendendo praticamente todos os dias heroína e cocaína a terceiros que ali se deslocavam para o efeito, alguns dos quais abaixo se identificarão;
5. Assim, o arguido AA, no período que medeia entre Dezembro de 2004 e Junho de 2005, no Monte Sucupira, vendeu, por diversas vezes, heroína e cocaína, designadamente a:
5.1. JD;
5.2. AF;
5.3. CM;
5.4. CV;
5.5. JH;
5.6. EA;
5.7. FR;
5.8. LD;
5.9. LS;
5.10.FC;
5.11.MV;
5.12.RS;
5.13.JV;
5.14.MR;
5.15.RS;
5.16.JS;
6. No Monte Sucupira:
6.1. No dia 21 de Dezembro de 2004, por volta das 15.55 horas e no dia 22 de Dezembro de 2004, cerca das 14.00 horas, o arguido AA vendeu heroína e cocaína a JDe AF;
6.2. Nos dias 17 e 18 de Janeiro de 2005, pelas 16.37 horas e 13.05 horas, respectivamente, o arguido AA vendeu produtos da mesma natureza a JD;
6.3. No dia 18 de Janeiro de 2005, JD foi abordado pela Polícia de Segurança Pública, no Sítio da Falfosa, área da comarca de Faro e tinha na sua posse 8,22 gramas de heroína;
7. Por sua vez, AF, adquiria ao arguido AA, com periodicidade diária, heroína e cocaína, no valor aproximado de € 40 ou € 50;
8. No dia 1 de Fevereiro de 2005, cerca das 12.30 horas, o arguido AA e seu irmão, AO, conhecido por “Pedro” que se encontravam no interior do veículo do arguido com a matricula 00-00-ED, venderam a LS, pelo valor de € 35, 1,21 gramas de cocaína e 2,19 gramas de heroína;
9. No dia 21 de Fevereiro de 2005, cerca das 16.15 horas, MV, dirigiu-se ao Monte Sucupira, no veículo com a matrícula QH-00-00, conduzido por Ângelo AT. Uma vez aí, contactou com o arguido AA, entregando-lhe dinheiro e recebendo produtos estupefacientes em troca;
10. MV foi seguido e abordado pela Polícia de Segurança Pública, pelas 16.25 horas, em Faro, tendo na sua posse dois sacos, um com o peso de 2,19 gramas de heroína e um pacote com o peso de 0,87 gramas de cocaína que haviam sido comprados por MV ao arguido AA pelo valor de € 30;
11. No dia 19 de Março de 2005, cerca das 15.40 horas, CM, deslocou-se ao Monte Sucupira, no ciclomotor com a matrícula 2-FAR-00-00, conduzido por RS. Uma vez aí, contactou com o arguido AA, que lhe entregou produto estupefaciente em troca de dinheiro. CM foi abordado pela Polícia de Segurança Pública em Faro, cerca das 16.20 horas desse mesmo dia, tendo na sua posse três panfletos de heroína com o peso de 3, 65 gramas. Esta heroína fora entregue a CM pelo arguido AA;
12. No dia 26 de Abril de 2005, o arguido AA vendeu a RS e FS 0,174 gramas de haxixe e 3,018 gramas de heroína;
13. No dia 13 de Maio de 2005, cerca das 15.20 horas, o arguido AA foi contactado por JH, que ali se deslocara acompanhado por MR e MG. O arguido AA entregou a JH produtos estupefacientes, recebendo dinheiro em troca. Os referidos indivíduos foram seguidos pela Polícia de Segurança Pública e abordados junto à Rotunda da Cadeia, em Faro, pelas 15.50 horas aproximadamente, tendo na sua posse 2,86 gramas de heroína e 1,35 gramas de cocaína;
14. No dia 17 de Maio de 2005, cerca das 11. 10 horas, HB dirigiu-se ao Monte Sucupira no veículo 00-00-DX, onde adquiriu heroína ao arguido AA. Foi seguido e abordado pela Polícia de Segurança Pública cerca das 11.40 horas, em Faro, tendo na sua posse um pó acastanhado 0,95 grama de heroína;
15. Pelas 12.11 horas do dia 17 de Maio de 2005, chegou ao Monte Sucupira MS, que se fazia transportar no ciclomotor com a matrícula 2-FAR-00-00. Uma vez ali, contactou o arguido AA, a quem entregou dinheiro, recebendo em troca heroína e cocaína. MS foi seguido e abordado pela Polícia de Segurança Pública junto à Rotunda da Cadeia (rotunda situada junto ao Estabelecimento Prisional Regional de Faro) tendo na sua posse 0,90 gramas de heroína, 0,65 gramas de cocaína e um fragmento com o peso de 1,40 gramas de haxixe;
16. No dia 8 de Junho de 2005, pelas 15.00 horas, AL deslocou-se ao Monte Sucupira, tendo contactado o arguido AA, de quem recebeu droga em troca de dinheiro. AL foi seguido e abordado pela Polícia de Segurança Pública, em Faro, tendo na sua posse uma embalagem com o peso de 0,89 gramas de heroína;
17. Na sequência dos factos anteriormente descritos, no dia 1 de Julho de 2005, a Polícia de Segurança Pública de Faro, efectuou diligências de busca e detenções o âmbito do inquérito 514/05.6 TAFAR, que deu origem a estes autos, sendo que, nessa ocasião, o arguido AA, se encontrava ausente do país, há poucos dias;
18. No interior da residência que este arguido partilhara até poucos dias antes, com seu irmão, o referido AO, residência essa sita no Sítio do Troto, em Almansil, foram encontrados, além de vários objectos relacionados com a actividade ora em referência:
18.1.Três sacos de plástico contendo no seu interior 37,556 gramas de cocaína;
18.2.vários sacos de plástico contendo 79,844 gramas de heroína;
18.3.1 saco de plástico contendo cafeína e paracetamol com o peso de 382 gramas, substâncias que eram utilizadas para o “corte” de heroína e cocaína;
19. Após a efectivação das diligências supra referidas no âmbito daquele inquérito com as consequentes detenções e durante alguns meses, as autoridades policiais perderam o paradeiro do arguido AA;
20. Não obstante em data não determinada por volta dos últimos meses do ano de 2005 e primeiros meses do ano de 2006 , o arguido AA , começou novamente a ser referenciado pelas autoridades e indivíduos ligados ao consumo e venda de estupefacientes , contactando com vários destes .
21. Para tanto os interessados contactavam o arguido AA através do telemóvel 96000000 , combinando os encontros de entrega de produtos estupefacientes em várias zonas , nomeadamente mas não exclusivamente , Estói , Chaveca , Conceição de Faro ou Patacão.
22. O arguido AA deslocou –se a tais pontos de encontro , primeiro no veículo com matrícula 00-00-GI , de marca FIAT , modelo Punto , cor vermelha , e , posteriormente , no veículo automóvel da marca Honda , modelo Civic , de cor cinzenta, com a matrícula 00-00-DT ( veículo de que é proprietário AA ), fazendo-se acompanhar , por vezes , pelo arguido BB , com quem residia em Pechão , quando se encontrava na zona do Algarve .
23. Efectuadas intercepções telefónicas ao supra aludido telemóvel, pertença do arguido AA, constatou-se que:
23.1. No dia 3 de Junho de 2006, cerca das 19.00 horas, o arguido AA contactou com um indivíduo de nome André, o qual lhe perguntou se possuía alguma “murraça” e “açúcar”, referindo-se a heroína e cocaína, respondendo o arguido que sim. Nessa mesma conversa, o arguido AA combinou encontrar-se com o referido André num caminho de terra batida para a entrega;
23.2. No dia 4 de Junho de 2006, cerca das 00.00 horas, um indivíduo desconhecido contactou telefonicamente o arguido AA dizendo-lhe que pretendia adquirir “um de tinto”, significando isso, que queria um saco de heroína. O arguido negou-se a fazê-lo, dado o adiantado da hora, a pequena quantidade pretendida e o facto do referido indivíduo já não se abastecer nele há algum tempo;
23.3. No dia 5 de Junho de 2006, pelas 13.20 horas, o arguido AA foi contactado por um indivíduo estrangeiro que pretendia “branca”, referindo-se a cocaína. Passados alguns minutos, o mesmo indivíduo volta a estabelecer ligação, tendo o arguido acedido a vender-lhe cocaína por € 10;
23.4. No dia 5 de Junho de 2006, pelas 14.10 horas, o arguido AA acordou entregar produtos estupefacientes a um indivíduo que dava pelo nome de JB (e que é JT), combinando encontrar-se junto a um café. Nessa data pelas 14.42 horas, o arguido AA combinou entregar “as duas”, isto é, cocaína e heroína ao João;
23.5. No dia 7 de Junho de 2006, pelas 10.07 horas, o arguido AA combinou entregar dois ou três sacos de “castanho”, referindo-se a heroína, um indivíduo desconhecido, em Almansil;
23.6. No dia 7 de Junho de 2006, pelas 12.55 horas, o arguido AA recebeu uma mensagem escrita onde lhe era pedido “dois sacos de heroína sem corte - Era o seguinte o texto da mensagem: “podes traser 2 do tinto sin cort”;
23.7. No dia 9 de Junho de 2006, pelas 16.51 horas, o arguido AA combinou encontrar-se com um indivíduo que se intitulou como professor numa ponte entre Santa Bárbara de Nexe e Estói, a quem combinou entregar três doses de droga;
23.8. No dia 9 de Junho de 2006, pelas 22.46 horas, o arguido AA combinou encontrar-se uma hora depois com um indivíduo seu conhecido, que se identificou como o “Moço da Bicicleta”, para entregar dois pacotes de droga;
23.9. No dia 10 de Junho de 2006, pelas 18.20 horas, o arguido AA combinou encontrar-se daí a meia hora com um indivíduo desconhecido para entregar produto estupefaciente, dizendo-lhe que era de melhor quantidade à que lhe vendera anteriormente;
23.10. No dia 10 de Junho de 2006, cerca das 21.13 horas, o arguido AA combinou encontrar-se com o já referido “Moço da Bicicleta”, daí a meia hora, no mesmo sítio da estrada, o qual lhe disse no contacto telefónico: “É pai quatro”, referindo-se à quantidade de produto que pretendia;
23.11. No dia 11 de Junho de 2006, pelas 17.28 horas, o arguido AA combinou encontrar-se na Rotunda da Makro, com uma pessoa do sexo feminino, conhecida da pessoa a que acima se fez referência e que se identificou como “Professor”, a qual lhe disse: “agora é um”, referindo-se à quantidade de droga pretendida;
23.12. No dia 11 de Junho de 2006, pelas 21.29 horas, o arguido AA combinou encontrar-se na Rotunda dos Salgados com um indivíduo desconhecido que referiu querer “uma coisinha fixe”, referindo-se a produtos estupefacientes;
23.13. No dia 13 de Junho de 2006, o arguido AA recebeu uma chamada de um indivíduo desconhecido, consumidor de estupefacientes, que o avisou para ter cuidado, referindo que “passaram dois carros da bófia”;
23.14. No dia 13 de Junho de 2006, cerca das 18.36 horas, o arguido AA combinou encontrar-se nas imediações da Quinta dos Poetas com um indivíduo desconhecido que lhe disse “vê lá ai um saco maiorzinho”, tendo o arguido dito à cautela para o mesmo não falar nisso;
23.15. No dia 14 de Junho de 2006, pelas 19.00 horas, o arguido AA foi contactado por um indivíduo estrangeiro que queria “leite”, referindo-se a cocaína. Porém, o arguido não dispunha de tal produto, dizendo que tinha outro, referindo-se a heroína;
23.16. No dia 15 de Junho de 2006, cerca das 12.16 horas, o arguido AA combinou encontrar-se com o indivíduo a que acima se fez referência e que dá pelo nome de JB (JT), o qual disse ao arguido que “era o mesmo do outro dia” acrescentando “duzentos”, referindo-se ao valor que despenderia em droga;
23.17. No dia 15 de Junho de 2006, cerca das 22.28 horas, o arguido AA foi contactado pelo “Moço da Bicicleta”, com o qual combinou encontrar-se daí a uma hora, dizendo que era “quase cem”;
23.18. No dia 16 de Junho de 2006, cerca das 15.00 horas, o arguido AA foi contactado pelo “Ricardo do Porche”, com o qual combinou encontrar-se daí a 20 minutos, em local onde já se haviam encontrado, tendo o último perguntado: “o leite é bom?”, referindo-se à cocaína. Obteve resposta positiva por parte do arguido;
23.19. No dia 16 de Junho de 2006, pelas 15.55 horas, o arguido AA foi contactado por um cliente habitual, JJR, o qual reclamou por a cocaína ser de fraca qualidade, respondendo o arguido que os outros clientes gostavam;
23.20. No dia 16 de Junho de 2006, cerca das 19.40 horas o arguido AA foi contactado por uma pessoa do sexo feminino, a qual lhe pediu ‘dessa melhorzinha”, referindo-se a estupefacientes;
23.21.No dia 17 de Junho de 2006, cerca das 12.03 horas, o arguido AA foi contactado pelo já referido José Bolha, com o qual combinou encontrar-se no local habitual, o qual lhe pediu para “guardar o mesmo e mais quatro”;
23.22.No dia 17 de Junho de 2006, pelas 14.58 horas, o arguido AA combinou encontrar-se com um indivíduo desconhecido, que lhe perguntou se ele tinha “leite de 10”. O arguido respondeu que “tinha tudo”;
23.23.No dia 17 de Junho de 2006, cerca das 23.00 horas, o arguido AA foi contactado por uma pessoa do sexo feminino, com a qual combinou encontrar-se um quarto de hora depois, para entregar “um”, referindo-se a uma embalagem de estupefaciente;
23.24.No dia 18 de Junho de 2006, cerca das 22.24 horas, o arguido AA combinou encontrar-se dali a 20 minutos, com o “Moço da Bicicleta” no sítio habitual, junto ao pinheiro, para lhe entregar “três”, referindo-se a três embalagens de estupefaciente;
23.25.No dia 18 de Junho de 2006, pelas 22.50 horas, arguido AA foi contactado por uma pessoa do sexo feminino, residente no Chelote, Faro, a qual lhe pergunta se ele lhe pode entregar pouco dinheiro de produto, por alegadamente lhe ter sido dito que o mesmo não se desloca a certas horas da noite, para fazer entregas e pequenas quantidades. Não obstante, o arguido anuiu nessa entrega;
23.26.No dia 19 de Junho de 2006, pelas 13.34 horas, o arguido AA recebeu um telefonema de um indivíduo desconhecido, por se ter atrasado na entrega de estupefaciente. Disse tal indivíduo: “daqui a pouco tens ali vinte à tua espera, é assim que vocês se fodem… com essas secas que dão”;
23.27.No dia 19 de Junho de 2006, cerca das 13.40 horas, o arguido AA foi contactado pelo já várias vezes referido “JB”, o qual lhe encomendou ‘duas e meia “, “duzentos mais alguns” combinando encontrar-se “naquele sítio”, referindo-se a estupefaciente que pretendia adquirir e ao local habitual de entrega do mesmo;
23.28.No dia 19 de Junho de 2006, pelas 14.25 horas, na sequência da conversa anterior, encontrando-se o arguido AA já nas imediações da residência do “JB”, este diz-lhe para preparar “logo aí dezasseis”;
23.29.Nessa mesma data, pelas 15.50 horas, o arguido AA recebeu uma chamada a interpelá-lo “então moço que raio foi aquela que tu me deste”; “sabe a sal”; “a branca que tu me deste sabe a sal. Eu tenho a branca aqui... eu pus a branca de lado, eu gora quando for contigo levo-te a branca que é para tu veres!”, ao que o arguido anuiu;
23.30.Pelas 20 horas do mesmo dia, o arguido AA foi contactado por um indivíduo que dava pelo nome de “Padeiro”, que lhe pediu “A ver se arranjas o leite melhor”.., “Vá, vá que eu tenho um moço que coiso, quer investir”;
23.31.Pelas 15 horas e 27 minutos do dia 20 de Junho de 2006, o arguido AA foi contactado novamente pelo referido “Padeiro”, que reclamava da qualidade da cocaína que lhe adquirira: “o leite é só aquilo?”; aquilo é comprimido meu”, tendo o arguido respondido “que era igual ao da outra vez, tendo o Padeiro respondido “é igual não, igual o cacete. Provei com o moço.., aquilo ficou lá, branco, branco bué de pasta”;
23.32. No dia 22 de Junho de 2006, cerca das 11.57 horas, o arguido AA foi contactado pelo “JB”, combinando encontrar-se com o mesmo para a entrega de produto estupefaciente. “JB” queixou-se que o material é da fraca qualidade, que tinha mais corte e que o pessoal estava queixar-se;
23.33.No dia 22 de Junho de 2006, pelas 12.25 horas, o arguido AA foi novamente contactado pelo “JB”, que lhe disse: “vê lá que são dezassete ou dezoito”, referindo-se a gramas de estupefacientes:
23.34.No dia 23 de Junho de 2006, pelas 17.09 horas, o arguido AA é contactado pelo “Cota” perguntando-lhe “é um né”, ao que aquele respondeu “é dois”, referindo-se a pacotes de produto estupefaciente;
23.35.No dia 23 de Junho de 2006, pelas 17.37 horas, o arguido AA foi contactado pelo “Padeiro”, que lhe perguntou se “inda era a mesma coisa”, tendo o arguido respondido afirmativamente e que só ele é que reclamava. Referia-se o “Padeiro” à qualidade dos produtos estupefacientes fornecidos pelo arguido;
23.36.No dia 23 de Junho de 2006,pelas 18.44 horas, o arguido AA foi contactado por um indivíduo do sexo masculino, que se intitulou como o Moço do Rover Cinzento, com o qual combinou encontrar-se na ponte, dai a 10 minutos, para lhe entregar “dois de tinto”, referindo-se a dois sacos ou gramas de heroína;
23.37.Na mesma data, pelas 18.51 horas, o arguido AA foi contactado pelo mesmo indivíduo que lhe encomendou “mais um rês”, referindo-se a pacotes ou gramas de estupefaciente;
23.38.No dia 25 de Junho de 2006, o arguido AA foi contactado por uma pessoa do sexo feminino de Olhão da Restauração que lhe encomendou “em princípio três, um”, referindo-se a quantidades de produtos estupefacientes, combinando encontrar-se dali a um quarto de hora;
23.39.No dia 26 de Junho de 2006, pelas 20.51 horas, o arguido AA recebeu uma chamada de um indivíduo que dava pelo nome de ‘Vitalino”, combinando encontrar-se com ele no local habitual, numa ponte entre Estói e a Estrada de Santa Bárbara de Nexe, para lhe entregar duas cenas”, tratando-se de 2 gramas ou pacotes de estupefaciente;
23.40.No dia 26 de Junho de 2006, cerca das 21.22 horas, o arguido AA foi contactado novamente pela mulher de Olhão da Restauração, combinando encontrar-se daí a 5 minutos para lhe entregar 100 € de estupefaciente;
23.41.No dia 27 de Junho de 2006, pelas 12.26 horas, o arguido AA foi contactado pelo “JB”, o qual reclamou do produto por ele entregue na última vez, tendo combinado encontrar-se daí a pouco tempo para proceder a nova entrega. Antes de se encontrarem os arguidos estabeleceram contacto telefónico por mais duas vezes, numa das quais o “JB” disse ao arguido para mudar de local, uma vez que estava à frente da residência de um polícia à civil;
23.42.No dia 29 de Junho de 2006, cerca das 12.54 horas, o arguido AA foi contactado pelo “JB”, o qual lhe disse” hã, bela merda que me deste no outro dia, hã”, tendo o arguido respondido que o corte adicionado ao produto não prestava, mas que não teve intenção de o enganar. O João referiu que tinha conseguido despachar tudo, mas que só lhe ficava com produto “provando primeiro” e que o mesmo tinha que o compensar, pois “além de fraca ainda os sacos são pequenos”. O arguido disse que não havia problema, combinando encontrar-se mais tarde;
23.43.No mesmo dia, pelas 16.23 horas, o arguido AA falou novamente com “JB”, dizendo-lhe que já tem diferente e combinando encontrar-se no dia seguinte pela manhã, para “JB” experimentar e para a entrega;
23.44.No dia seguinte, 30 de Junho de 2006, pelas 11.21 horas, JB telefonou ao arguido AA, apressando-o para se deslocar à sua residência, o que veio a ocorrer pelas 11.42 horas, altura em que o arguido AA o contactou a informá-lo da sua chegada ao local;
23.45.Pelas 19.35 horas do dia 30 de Junho de 2006, o arguido AA foi contactado por um indivíduo de nome Ribeiro, seu cliente assíduo, com o qual combinou encontrar-se daí a 40 minutos para lhe entregar “dois”, referindo-se a quantidades de estupefaciente;
23.46.No dia 1 de Julho de 2006, pelas 22.21 horas, o arguido AA combinou entregar de seguida “dois de branca” (referindo-se a quantidade de cocaína), à sua cliente de Olhão da Restauração já acima referida;
23.47.Pelas 11.14 horas do dia 2 de Julho de 2006, o arguido AA combinou encontrar-se daí a meia hora com JB, para lhe entregar produto estupefaciente, acedendo fazer-lhe um preço mais baixo, por ser de mais fraca qualidade;
23.48.Nesse mesmo dia, pelas 11.30 horas, o arguido AA foi contactado novamente pelo JB, que anulou o negócio anteriormente combinado, alegadamente por os seus clientes fumarem a droga e não gostarem dela por ser fraca e de mau gosto;
23.49.No dia 7 de Julho de 2006, o arguido AA foi contactado por um indivíduo estrangeiro, o qual lhe referiu “é fraco isso pá, tem muito corte” e lhe pediu “uma pedra daquela de cinquenta”, “para ver como tá só”, ao que o arguido respondeu não ter dessa, pedindo o indivíduo estrangeiro que o arguido levasse a outra;
23.50.Pelas 23.40 horas desse dia, o mesmo indivíduo estrangeiro encomendou ao arguido AA dois sacos de “branca”, referindo-se a cocaína, e três de “tinto” (referindo-se a heroína), por € 100, combinando encontrar-se dali a 20 minutos em local já conhecido de ambos;
23.51.No dia 9 de Julho de 2006, cerca das 00.17 horas, o arguido AA foi contactado por uma pessoa do sexo feminino do Chelote, sua cliente, que lhe encomendou “dois”, combinando encontrar-se de seguida para a transacção;
23.52.No dia 9 de Julho de 2006, pelas 00.37 horas, o arguido AA foi contactado por um indivíduo taxista que queria encomendar “duas”. Este negócio não se concretizou, por o arguido estar em Quarteira e não ter consigo estupefacientes;
24. Todos os contactos telefónicos descritos tinham como finalidade a aquisição de produtos estupefacientes, principalmente heroína e cocaína, combinando-se, por esse meio, a natureza, qualidade, quantidade e horas e locais para a transacção;
25. Em algumas dessas entregas, o arguido AA fazia-se acompanhar pelo arguido BB, com o qual residia. Concretamente, o BB acompanhou o AA nas seguintes situações:
25.1.No dia 12 de Junho de 2006, quando os dois arguidos foram às imediações do empreendimento denominado Monte dos Poetas, sito entre Pechão e Olhão da Restauração, entregar droga a uma pessoa que não foi possível apurar, conduzia uma Mercedes e a duas outras pessoas do sexo feminino que conduziam um Citroen com a matrícula 00-00-FL;
25.2. No dia 19 de Junho de 2006, os dois arguidos deslocaram-se à Rua ..., em Faro, e enquanto o AA entregou estupefaciente a JT (conhecido como JB), o BB recebeu de uma rapariga que acompanhava aquele JT o preço do estupefaciente transaccionado;
25.3. Em datas não concretamente apuradas, mas ocorridas entre Março e Julho de 2006, em três dias diferentes dos três ou 4 meses anteriores à detenção dos arguidos, estes venderam, na rotunda da Makro, no Areal Gordo, Rio Seco, Faro, a AD um pacote de cocaína de cada vez, pelo preço de 15 € cada pacote;
25.4. Em data não concretamente apurada, mas ocorrida entre Março e Julho de 2006, pelo menos uma vez, os arguidos venderam, na rotunda da Makro, junto à Estrada de Estói para Moncarapacho, a RC um pacote de heroína;
26. Foi por intermédio do referido número de telemóvel, que o arguido AA combinou vários encontros com aqueles adquirentes de heroína e cocaína, que entregava em locais, que variavam desde Estói até à Chaveca, Conceição de Faro, ou Patacão;
27. Logrou, ainda, apurar-se que em várias datas não determinadas do período que medeia entre os meses de Março e Julho de 2006, o arguido AA e, numa das ocasiões, também o arguido BB, venderam estupefaciente, nomeadamente heroína, a AC, junto à Estrada de Estói para Moncarapacho;
28. Para o efeito, este último contactava previamente com o arguido AA, através do telemóvel com o nº 966 727 481, combinando o local de encontro;
29. Os arguidos, nos termos referidos em 27 supra, faziam-se deslocar no veículo Honda Civic com a matrícula 00-00- DT e vendiam a RC cerca de 1 grama a 20 €, cada grama;
30. Também, no período compreendido sensivelmente entre os meses de Março e Julho de 2006, AD adquiriu várias vezes produtos estupefacientes a ambos os arguidos na zona do Rio Seco, em Faro;
31. AD comprava cerca de 1 grama, pelo valor de € 20, contactando também previamente os arguidos através do telemóvel referido;
32. Por sua vez, JRadquiriu haxixe e heroína durante cerca de três anos até ao mês de Julho de 2006 ao arguido AA, em quantidades que variavam , no máximo de 4 gramas, a € 20 euros, cada grama;
33. Inicialmente, JR adquiria tal produto ao arguido AA no Monte Sucupira;
34. Ulteriormente, alguns meses depois da operação policial levada a cabo no Monte Sucupira, no Verão de 2005, o arguido AA contactou JR junto ao Hospital Distrital e Faro, dizendo-lhe que tinha droga da boa para vender e entregando-lhe o respectivo contacto telefónico, já referido;
35. Nessa altura, o arguido em causa pediu a JR para o tratar por “Chalé” e não por “Carlos”, como era anteriormente conhecido;
36. A partir dessa altura, ambos os arguidos venderam heroína e cocaína por diversas vezes a LL, na zona da Ferradeira, na Conceição de Faro;
37. Também OL adquiriu produtos estupefacientes ao arguido AA nos dois ou três anos anteriores a Julho 2006 e até essa data, fazendo-o inicialmente até Maio ou Junho de 2005, no Monte Sucupira;
38. Depois de estar alguns meses afastado, em data não determinada do último trimestre de 2005, o arguido AA reapareceu na zona de Brancanes, em Olhão da Restauração;
39. Aí, o mesmo contactou LL, dizendo-lhe que tinha boa droga para vender e fornecendo o seu número de telefone;
40. A partir daí, JR começou a encontrar-se com o arguido AA na zona da estrada do Areal Gordo para Pechão, junto a um pinheiro, onde, esporadicamente, lhe comprava heroína;
41. Quando se deslocavam ambos os arguidos ao local de entrega, eram os dois arguidos BB que faziam o negócio;
42. Por sua vez, também nos meses que antecederam Julho de 2006, JMR comprou, por diversas vezes, heroína ao arguido AA, entregando o dinheiro a AA e recebendo dele o produto estupefaciente;
43. No dia 11 de Julho de 2006, pelas 14.30 horas em concretização de mandados de busca domiciliários, foram apreendidos ao arguido AA:
43.1. o montante de € 3.240, em notas do Banco Central Europeu;
43.2. um veículo automóvel, da marca Honda, modelo Civic, com a matrícula 00-00-DT;
43.3. uma caixa de um medicamento chamado Redrate contendo sete carteiras de pó;
43.4. uma tesoura de cor amarela;
43.5.uma caixa de cápsulas Diclofenac Labesfal, contendo 21 unidades;
43.6.uma caixa de drageias de marca Maxilase, contendo 10 unidades;
43.7. uma máquina fotográfica da marca Minolta e respectivo estojo;
43.8. um recorte em plástico de cor branco, próprio para embalar estupefaciente e
43.9. dois telemóveis, sendo um da marca Nokia, modelo 1100 e outro da marca Samsung e uma bateria / também desta marca;
44. O valor supra descrito, bem como o veículo e os telemóveis eram produto resultante da venda de produtos estupefacientes, única actividade a que o arguido AA se dedicava, sendo o veículo utilizado para o transporte e entrega de tais produtos e os telemóveis para os contactos;
45. Por sua vez, os restantes produtos e objecto destinavam-se ao corte e embalagem das referidas substâncias;
46. Nessa mesma data, o arguido BB tinha na sua posse:
46.1.um telemóvel da marca Nokia;
46.2. um cartão de utente do Ministério da Saúde, com o número 5000000000;
46.3. um documento da Direcção-Geral dos Impostos, a que corresponde o N.I.F. 20000000000;
46.4. um cartão de inscrição consular emitido pela embaixada de Cabo Verde em Portugal, com o nº 1000000;
46.5. uma fotocópia de um passaporte, emitido pela República de Cabo Verde com o no 30000000;
46.6. um cartão da Segurança Social portuguesa, com o nº 11000000000 e
46.7. um cartão de sócio do sindicato dos Trabalhadores da Construção do Sul e Sector corticeiro, documentos estes emitidos pelas entidades competentes entre os anos de 2002 e 2005 , em nome de FC, nacional de Cabo Verde, nascido a 21 de Outubro de 1968, filho de BR e de FD, conforme o teor de folhas 824 e seguintes dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
47. A cópia de passaporte , o cartão de inscrição consular e o cartão de sócio do Sindicato tinham aposta a fotografia do arguido BB, no local próprio para o efeito;
48. Para lograr obter estes documentos, o arguido BB muniu-se de uma certidão de nascimento e de um bilhete de identidade de tal indivíduo, que arranjou em Cabo Verde e na posse dos mesmos, obteve em Portugal o passaporte cuja cópia se encontra junta aos autos e os restantes documentos descritos;
49. O arguido BB bem sabia que os dados identificativos constantes os referidos documentos não eram os seus;
50. Não obstante, não se inibiu de iludir as autoridades, fazendo crer que assim era, para os obter e usar, induzindo, desse modo, em erro quanto à sua verdadeira identidade;
51. Aliás, este arguido BB já obtivera e usara a identidade de AGM, nascido a 6 de Janeiro de 1964, em Cabo Verde, filho de AGF e de MVA, tendo obtido com estes dados um passaporte e o bilhete e identidade com o nº 100000000, o último deles emitido em 23 de Maio de 2002;
52. Para tanto, o arguido apresentou certidão de nascimento, onde constavam tais dados, documento esse que arranjou em circunstâncias não determinadas, através de terceiros;
53. O arguido utilizou esta última identidade, sensivelmente a partir de 1996 até ao ano de 2002, devido ao facto de ter sido condenado e expulso de território nacional, quando utilizava os seus verdadeiros elementos de identidade e correspondentes documentos;
54. Posteriormente, o arguido BB foi condenado pela prática de crime com a identidade de AGM;
55. O arguido logrou evadir-se do estabelecimento prisional onde cumpria pena, no ano de 2001, e passou a utilizar a identidade supra referida de VC, até à data dos factos;
56. O arguido em causa actuou da forma descrita, com o intuito de auferir vantagens, designadamente de permanecer em território nacional e de não ser localizado para cumprir as penas a que fora condenado, prejudicando, ainda o Estado e a confiança que os referidos documentos postulam;
57. Ao utilizar cada uma das identidades referidas e ao munir-se e usar os documentos referentes a cada uma delas, o arguido BB actuou o abrigo de uma só resolução criminosa;
58. Nenhum dos arguidos desempenhava qualquer profissão remunerada, nem possuía rendimentos, vivendo ambos em exclusivo dos proventos obtidos com a actividade de venda de heroína e cocaína;
59. Os arguidos conheciam a natureza e características estupefacientes dos produtos que vendiam a terceiros, bem sabendo que a sua aquisição, detenção e venda eram proibidos;
60. Sabiam de igual modo, que muitos dos produtos que vendiam, não se destinavam ao consumo imediato de quem os adquiria, mas também à venda a terceiros;
61. Actuaram os arguidos sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei penal;
62. Por acórdão de 20 de Outubro de 1992, proferido no âmbito dos autos de processo comum colectivo nº 3299/92 do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Loulé, foi o arguido BB condenado pela prática, em 10 de Outubro de 1991, de um crime de tráfico, na pena de 7 anos de prisão e cem mil escudos de multa;
63. Por despacho de 28 de Novembro de 1994, foi concedida ao arguido a liberdade condicional, a qual veio a ser revogada por despacho de 18 de Fevereiro de 1997;
64. Por sentença de 19 de Abril de 1996, proferida no âmbito dos autos de processo especial sumário nº 115/96.8TFLSB do 1º Juízo, 1ª Secção do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, foi o arguido condenado pela prática, em 18 de Abril de 1996, de um crime de violação de ordem de expulsão, na pena de 7 meses de prisão e expulsão do país, interditando-se a entrada do arguido em Portugal pelo período de 15 anos;
65. Por acórdão de 22 de Fevereiro de 2000, proferido no âmbito dos autos de processo comum colectivo nº 1006/98.3GDLLE do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Loulé, foi o arguido (com o nome de AGM) condenado pela prática, em 25 de Outubro de 1998, de um crime de tráfico, na pena e 7 anos e 6 meses de prisão;
66. Por sentença de 19 de Janeiro de 2006, proferida no âmbito dos autos de processo especial sumário nº 30/06.9PQLSB do 2º Juízo, 1ª Secção do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, foi o arguido (com o nome de VC ) condenado pela prática, em 18 de Janeiro de 2006, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 80 dias de multa, pena que se está extinta pelo pagamento;
67. O arguido BB foi condenado por decisão transitada em julgado, na pena de prisão de sete anos de prisão, pela prática de factos afins aos destes autos, cometidos em 1991, tendo estado preso até ao ano de 1994;
68. Foi igualmente condenado por decisão transitada em julgado em 8 de Março de 2000, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, cometido em 25 de Outubro de 1998, na pena de prisão de 7 anos e seis meses;
69. Cumpriu pena à ordem destes autos, até que se evadiu em 10 de Maio de 2001;
70. As referidas penas não lhe serviram de advertência suficiente para o afastar da prática de novos ilícitos criminais;

Outros factos resultantes da discussão:

71. O arguido AA é cidadão cabo-verdiano, oriundo de um agregado familiar com um estrato sócio-económico e cultural bastante desfavorecido, cujos meios de subsistência provinham apenas da agricultura e pastorícia, facto que esteve na génese de um período de imigração do progenitor para Portugal, até 1996;
72. Aos 15 anos de idade, e após a conclusão do 7° ano de escolaridade, o arguido AA começou a coadjuvar a família, nas actividades agrícolas, tendo posteriormente, aquando da aquisição de habilitação própria para condução de veículos, decorridos três anos, trabalhado como condutor de transportes públicos, em moldes regulares até à sua imigração para Portugal, em 1998, onde detinha algumas referências familiares – primos;
73. Em Portugal, fixou residência em Lisboa, integrando o agregado familiar de um primo, que lhe facultou colocação laboral, como indiferenciado, no sector da construção civil, actividade que caracteriza o seu percurso profissional em Portugal;
74. Decorrido um curto período de tempo autonomizou-se daquele agregado familiar, passando a viver junto com um outro primo;
75. Embora com residência fixa em Lisboa, maioritariamente trabalhava na região do Alentejo e Algarve, pernoitando em alojamentos cedidos pelas entidades patronais;
76. Em 2001, dois irmãos do arguido AA imigraram igualmente para Portugal, um deles encontra-se, no momento, na Suiça e outro está preso em cumprimento de pena, com quem mantinha contacto próximo;
77. De 2002 a 2005, AA, deslocou-se por três vezes ao país de origem, onde iniciou uma relação marital, tendo uma filha com cerca de dois anos de idade;
78. Á data da reclusão, tinha voltado a fixar residência no Algarve, na zona de Pechão, junto do co-arguido BB;
79. No meio prisional, o arguido AA tem registado um padrão comportamental coadunante com as normas vigentes no mesmo, usufruindo de apoio exterior, traduzido nas visitas de primos;
80. Por sentença de 28 de Julho de 2003, proferida no âmbito dos autos de processo especial sumário nº 1426/03.3GFSNT do 1º Juízo de Competência Especializada Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Sintra, foi o arguido condenado pela prática, em 27 de Julho de 2003, de um crime de condução em estado de embriaguês, numa pena de 90 dias de multa;
81. O arguido BB é nacional de Cabo Verde
82. O arguido BB descende de uma família numerosa (fratria de oito elementos) e dotada de fracos recursos económicos, sendo a actividade dos elementos activos do agregado familiar a agricultura e pastorícia;
83. Aos 6 anos de idade começou a ajudar os pais nas actividades de agro-pecuária.
84. Frequentou a escola, em idade não apurada, tendo concluído o 1° ciclo do ensino básico;
85. Quando tinha cerca de 14 ou 15 anos de idade começou a fumar “erva”, em Cabo Verde;
86. Veio para Portugal em 1989, com 24 anos, altura em que teve contactos com o consumo de heroína e cocaína;
87. No nosso País trabalhou na construção civil;
88. Estabeleceu uma primeira união de facto quando tinha cerca de 22 anos, no contexto da qual nasceram dois filhos;
89. Tem um terceiro filho, nascido no âmbito de um relacionamento mais recente;
90. Desde que regressou ao Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz, em 2006, mantém um comportamento ajustado às normas institucionais;
91. Encontra-se inactivo, embora já tenha solicitado ocupação laboral;

IV. De vários sectores da doutrina e jurisprudência se recolhe a ideia em alargar , na determinação da medida concreta da pena, os limites em que a sua “ magnitude “ é passível de revista , particularmente a correcção do procedimento ou das operações da determinação , do desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais da determinação , a falta da indicação dos factores relevantes dela ou , ao invés , a falta de indicação dos factores que irrelevam ou são inadmissíveis , mas também há quem advogue que as questões da justiça ou oportunidade estariam subtraídas ao controle do tribunal de revista , enquanto outros distinguem: a questão do limite ou moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista , assim como as formas de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção , não já a determinação da pena dentro daqueles quadros , do ” quantum “ exacto da pena , para o que o controle da revista seria manifestamente inadequado , explicita o Prof. Figueiredo Dias , in Direito Penal Português –As consequências Jurídicas do Crime , § 254 .

Enquanto tarefa aplicativa de direito , que se destaca da mera contraposição questão de facto –questão de direito , concorrendo notas de discricionaridade , toda ela juridicamente vinculada , a fixação da pena pondera pressupostos ou conjunto de pressupostos , que não dizendo respeito nem ao tipo de ilícito e nem da culpa , nem mesmo da punibilidade , ou seja circunstâncias que contendem com a maior ou menor gravidade do crime como um todo e relevam para a determinação da pena , respeitando, essencialmente , às suas consequências jurídicas .

O arguido clama deste STJ , em reponderação do decidido em termos de pena pela sua redução fazendo apelo a um leque de circunstâncias atenuativas da sua responsabilidade criminal , à cabeça das quais intromete a sua confissão integral e sem reservas , que uma leitura atenta da decisão de 1.ª instância revela –cfr. fls . 1806 –não ter tido lugar , pois , transcreve-se , “ O arguido AA não prestou declarações quanto aos factos de que vinha acusado “ , com o que se rotula de imerecido o reparo .

V. Isto posto , dir-se –à que ao arguido foi aplicada a pena de 7 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes , numa moldura abstracta de 4 a 12 anos de prisão , aditando-se que para além de aquela atenuante ser de arredar nenhuma das demais invocadas acode em seu favor .

A atenuantes previstas na alíneas a) , d ) e e ) do n.º 2 , do art.º 71.º , do CP , referentes ao grau de ilicitude , modo de execução , gravidade das consequências , condições pessoais e situação económica do arguido bem como à conduta anterior e posterior ao facto criminoso , respectivamente , não são configuráveis e nem mesmo a prevista na alínea c) , atinente aos sentimentos manifestados na prática do crime , fins ou motivos determinantes do agente , se observa , como a seguir se demonstrará pelo enunciado , sintético , mas suficientemente compreensivo , do acervo factual de que foi agente .

E assim se pode concluir que :

- o arguido desenvolveu com assiduidade , dela vivendo entre os últimos meses de 2004 e Junho de 2005 no Monte Sucupira ;

-vendeu , assim , a diversas pessoas , pelo menos a 16 , em diversas vezes , heroína e cocaína , pelo menos com o peso total de 28,74 e 4,o8 grs. , respectivamente , e 1, 574 grs. de haxixe , que lhes foram apreendidas ;

-Na sequência de uma busca à residência que partilhava com o irmão em Troto , Almansil , foram-lhe encontradas 37, 556 grs . de cocaína e 79, 884 grs . de heroína ; bem como cafeína e paracetamol, como material de “ corte “ ;

-Após o desaparecimento , por alguns meses , do cenário do tráfico , o arguido recomeça –o , por volta dos últimos meses do ano de 2005, primeiros de 2006 , sendo contactado para o seu telemóvel , por diversas pessoas , combinando entregar-lhes estupefacientes , para além de outros locais , em Estói, Chaveca, Conceição de Faro ou Patacão .

-O arguido AA deslocava-se a tais pontos de encontro, primeiro no seu veículo com a matrícula 00-00-GI, da marca Fiat, modelo Punto, cor vermelha e, posteriormente, no veículo automóvel da marca Honda, modelo Civic, de cor cinzenta, com a matrícula 00-00-DT , fazendo-se acompanhar, por vezes, pelo arguido BB, com quem residia, em Pechão, quando se encontrava na zona do Algarve .

- Nesse circunstancialismo de tempo e lugar o arguido forneceu , pelo menos , a 3 dezenas de pessoas estupefacientes , não se apurando o tipo e as quantidades realmente fornecidas , identificando-se , no entanto , alguns dos adquirentes e espécimes de estupefacientes .

-Entre Março e Julho de 2006 o arguido , com o irmão , vendeu a AD em 3 dias diferentes , um pacote de cocaína , pelo preço de 15 € e , ainda , um pacote de um mesmo produto a RC ;

-No mesmo período o arguido e o BB , este uma vez , venderam heroína a RC ;

-Igualmente AD , no mesmo período , por diversas vezes , adquiriu estupefacientes a ambos os arguidos ;

-Durante cerca de 3 anos e até Julho de 2006 , LL adquiriu haxixe e heroína , no máximo até 4 grs . , ao preço 20 € cada grama ;

-No Verão de 2005 e após a operação policial no Monte Sucupira ambos os arguidos venderam , por diversas vezes , ao JR, em Conceição de Faro –Ferradeira , heroína e cocaína ;

-OL adquiriu estupefacientes nos 3 anos anteriores a Julho de 2006 , fazendo-o até Maio ou Junho de 2005 no Monte Sucupira ;

-nos meses que antecedem Julho de 2006 JMR comprou por diversas vezes heroína ao arguido ;

-Mercê da busca domiciliária de que foi alvo foram-lhe encontrados em 11 de Julho de 2006 , 3.240 € em notas do BE , um Honda Civic , de matrícula 00-00-DT , um medicamento de nome Redrate , uma tesoura , cápsulas Diclofenac , drageias Maxilase , um recorte em plástico para embalar estupefacientes ,uma máquina fotográfica e dois telemóveis , tudo produto da venda de estupefacientes .

2. Como nota de ponderação a de que o arguido já se dedicava ao tráfico de estupefacientes desde data anterior -2001/2002 – ao que encetou entre os últimos meses de 2004 e primeiros de 2005 , concentrado no Monte Sucupira .

Não obstante se não ter quantificado inteiramente o volume de vendas , pelo não apuramento do preço , dose vendidas , espécie de produto traficado e em parte os seus concretos adquirentes , a inferir da circunstância de viver exclusivamente do tráfico durante a residência no Monte Sucupira , deter produtos estupefacientes numa busca efectuada e na feita ao seu domicílio em 11 de Julho de 2006 , 3240 € e uma viatura , tudo produto do tráfico ( “ producta sceleris “ ) o tempo por que perdurou , nalguns casos desencadeando-se já nos 3 anos antecedentes ao que este desenvolveu no Monte Sucupira , à luz das regras da experiência e da vida , que fornecem critérios de orientação na definição dos factos provados , probabilidades fortes de as coisas terem acontecido de uma da forma , assumiu uma expressão significativa , que não é descaracterizada em absoluto pela indemonstração daqueles dados , ficando , contudo , a descoberto o grau de entrosamento nele do arguido , a sua absoluta indiferença para os efeitos maléficos , de todos consabido , como sua consequência , movido pela ganância do lucro fácil , que lhe permitia até viver sem trabalhar.

A dimensão do tráfico está objectivada , ainda , pelo concurso da circunstância de a heroína e cocaína ser , depois , transaccionada pelos seus adquirentes em Faro e que o arguido vendia praticamente heroína e cocaína , praticamente todos os dias , a terceiros que ali se deslocavam para o efeito, alguns dos quais foram supraidentificados .

VI. Sustentar a verificação das atenuantes previstas nas als . a) , d) e e ) , do n.º 2 , do art.º 71.º , do CP , quando a gravidade do ilícito está vista , quer por respeitar , na sua essência , aos estupefacientes mais perniciosos à saúde individual e pública , à forma de execução , desde há anos , embora com assiduidade ao longo dos últimos meses de 2004 e primeiros de 2005 , e retomada após um interregno com termo nos últimos meses de 2005 e até aos primeiros de 2005 , realizando o arguido a dinâmica do processo , contactado para o seu telemóvel , conhecedor da linguagem cifrada usada , combinando , depois , a entrega do produto em diversas zonas do Algarve , sendo muito elevado o demérito da sua acção.

O tráfico de estupefacientes , atento o seu efeito criminógeno , situa-se ao nível dos mais graves do ordenamento jurídico e o traficante é havido como inimigo da própria sociedade .

Não se descortina , também , em que medida as suas condições sociais e económicas revertam em seu favor , longe de nelas se achar justificação para a prática daquele ilícito , pois o arguido trabalhou na construção civil , como indiferenciado no nosso País.

E o mesmo se diga das suas condições anteriores ao cometimento do crime , pois que se o arguido trabalhava não cumpria mais do que um dever seu :

Os sentimentos manifestados na prática são dos mais censuráveis , pertencendo aos ditos inferiores , dominados pela ganância do lucro fácil , sobrepondo-se aos do seu sustento por modo legítimo , este socialmente incensurável .

Ao fim e ao cabo em favor do arguido nenhuma circunstância atenuativa , com ou sem relevo , acorre em seu favor .

Agindo por decisão de consciência , ou seja com persistente, temporalmente , vontade criminosa , elevado grau de violação de lei , de ilicitude , o “ quantum “ de pena a fixar há-de repercutir o indispensável a que se não ponham irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e , por essa via , os sentimentos de segurança e confiança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais- cfr. Direito Penal Português-As Consequências Jurídicas do Crime , § 330 , do Prof. Figueiredo Dias .

E a flagelo que traduz a prática do crime de tráfico de estupefacientes , de que são vítimas , entre nós , as camadas mais jovens da sociedade e seu agregado familiar , importa forte intervenção punitiva , dentro dos limites consentidos pela culpa , sem esquecer que a vertente da prevenção especial só entra em jogo se o agente se mostrar carecido de socialização; se, em contrário , o agente do crime dela não carece a defesa do ordenamento jurídico pode descer ao mínimo da moldura penal , mas o arguido carece de um evidente défice de socialização , que a sua anterior condenação de viatura em estado de embriaguez decididamente não adensa , todavia a pena jamais podia fixar-se no seu mínimo legal de 4 anos .

A proposta sancionatória no limiar mínimo, para um tráfico com a expressão documentada , já não seria “ comunitariamente suportável “ (…) “ sem se põr irremediavelmente em causa a sua função tutelar” , segundo as palavras do Prof. Figueiredo Dias , in Direito Penal Português –As Consequências Jurídicas do Crime , § 305 , de protecção dos concretos bens jurídicos , essenciais à vida em comunidade e de prevenção , quer geral positiva de integração quer de prevenção especial de socialização .

Ao longo de tempo considerável o arguido não se deixou contramotivar eticamente por forma a não reiterar no tráfico , por isso , atendendo ao seu dolo intenso e levado grau de ilicitude , sem menosprezar prementes razões de prevenção , os critérios de dosimetria da pena fixados no art.º 71.º n.º 1 , do CP, conduzem a que se julgue justa e adequada a pena de 7 anos de prisão .

VII . Quanto à pena acessória de expulsão , por 7 anos do território nacional:

O art.º 30.º n.º 4 , da CRP, estipula que nenhuma pena acessória envolve necessariamente a perda de direitos civis , profissionais e políticas , repercutindo-se aquele no art.º 65.º n.º 1 , do CP , impedindo a aplicação “ ope legis “ dos efeitos penais da condenação e das penas acessórias de expulsão , demandando uma indagação casuística da condição do condenado de forma a estabelecer-se um consistente ajustamento da acção à reacção eventualmente de desencadear.

Este STJ no seu Ac. n.º 14/96 , de 7/11/96 , de fixação de jurisprudência , publicado no DR, I Série -A , n.º 275 , de 27.11.96 e BMJ 461 , pág. 54 , afirmou a sua não automaticidade , antes devendo averiguar-se , caso a caso , a sua necessidade , sujeita a indispensável e fundamentada justificação , na esteira , aliás , da jurisprudência do TC inscrita nos Acs . n.ºs 282/86 , 284/89 , 288/94 e 41/95 , in DR I Série , de 11.11.86 , 22.6.89 , 17.6.94 e 27.4.95 , respectivamente .

Do que se trata é de evitar o efeito automático em caso de condenação por certos crimes , por forma a impedir-se que medidas acessórias conduzam cegamente a uma estigmatização da pessoa visada e a um efeito dificultador da sua ressocialização ; assim se impõe um eficaz controle jurisdicional da existência de uma culpa que dite a necessidade em nome da defesa da sociedade e do castigo do agente , é a consideração de autorizada doutrina sufragada pelos constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira , in Constituição Anotada , ed. 1993 , pág. 198 –cfr. , ainda , os Acs. do TC n.º 16/84 , 91/84 , 310/85 , 75/86 e 94/86 , entre outros .

VIII . A pena acessória de expulsão foi decretada , no acórdão condenatório de 1.ª instância , com base nos art.º s 34.º , do Dec.º-Lei 15/93 , de 22/1 e 101 .º , do Decreto-Lei n.º 244/98 ,de 8/8 , que foi alterado por seu turno pelo Dec.º-Lei n.º 4/2001 , de 10/1 , dispondo aquele art.º 101 .º , que :

“ 1 - A pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a 6 meses de prisão efectiva ou em pena de multa em alternativa à pena de prisão superior a 6 meses.

2 - A mesma pena pode ser imposta a um cidadão estrangeiro residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a 1 ano de prisão, devendo, porém, ter-se em conta, na sua aplicação, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, a eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal.

3 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a pena acessória de expulsão só pode ser aplicada ao estrangeiro com residência permanente quando a sua conduta constitua uma ameaça suficientemente grave para a ordem pública ou segurança nacional.

4 - Não será aplicada a pena acessória de expulsão aos estrangeiros residentes, nos seguintes casos:

a) Nascidos em território português e aqui residam habitualmente; b) Tenham filhos menores residentes em território português sobre os quais exerçam efectivamente o poder paternal à data da prática dos factos que determinaram a aplicação da pena, e a quem assegurem o sustento e a educação, desde que a menoridade se mantenha no momento previsível de execução da pena;

c) Que se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam habitualmente.

5 (…) “ .

IX. O arguido alega que o tribunal aplicou automaticamente a pena acessória de expulsão do território nacional por 7 anos , como decorrência directa da condenação , ao arrepio do art.º 65.º n.º 1 , do CP , não indagando as condições pessoais do arguido , que a impediriam , mas sem , contudo , as alegar, deixando ao tribunal o poder , que não tem , de as adivinhar .

Este STJ , como aliás resulta do antecedente tem firmado a necessidade de ela se dever pautar por critérios de razoabilidade e proporcionalidade , com respeito pela vida familiar e profissional , só se justificando quando fortes razões de índole protectora da ordem e segurança públicas , de prevenção do crime coloquem em ruptura o equilíbrio entre aqueles valores , por isso importa indagar a sua idade , profissão , agregado familiar , tempo de permanência em território nacional , ligações ao país de acolhimento e de origem , gravidade do ilícito , etc .

O tribunal indagou e fixou que o arguido vive em Portugal desde que emigrou de Cabo Verde em 1998 , aqui tendo alguns primos , ocupando-se na construção civil em trabalho indiferenciado .

Nunca estabeleceu um agregado familiar em Portugal , vivendo com primos e pernoitando em alojamentos cedidos pelas entidades patronais na região do Alentejo e Algarve ; um dos dois irmãos que se fixaram em Portugal um está preso e outro emigrou para a Suíça e à data da sua prisão achava-se a viver com o co-arguido BB .

Mais se comprovou que de 2002 a 2005 se deslocou por 3 vezes a Cabo Verde , o que significa que não cortou a sua ligação com o país de origem, onde , de resto , iniciou uma ligação marital de que nasceu uma filha , com pouco mais de dois anos , que não se demonstrou residir em Portugal .

Com Portugal , o mínimo que se pode dizer é que o arguido nunca teve uma ligação afectiva profunda , que , a sê-lo , implicaria habitação própria , estável , na companhia da que é mãe da filha e desta , em lugar de vivências por favor em casa de primos e das entidades patronais , além de que não deixaria caducar a autorização de residência .

Se é certo que alguns dos familiares mais directos se não acham em Cabo verde também é verdade que a convivência com os irmãos em Portugal está prejudicada pois um emigrou e outro está preso .

IX . O crime praticado pelo arguido é de extrema gravidade , atentatório de valores fundamentais de subsistência comunitária , que nem mesmo o sentimento humanitário e de respeito pela manutenção da integridade familiar, que enforma a Lei n.º 23/07 , de 4/7 , que entrou a vigorar depois da prolação do acórdão condenatório de 1.ª instância , regulamentando o regime jurídico da entrada , permanência , saúde e afastamento de estrangeiros do território nacional , pode obstar à expulsão do nosso território , como elemento pernicioso que é à ordem jurídica do país que o acolheu .

Lembra-se o que o STJ decidiu no seu Ac. de 9.6.2004 , in CJ , STJ , Ano XII , TII , 2004 , 224 e segs . , que os tipos de crimes ligados à droga , nas sociedades modernas , geram enorme perturbação e comoção social , tanto pelos riscos e danos para bens e valores fundamentais com incidência na saúde física e psíquica de milhares de cidadãos , especialmente jovens , quais forças devastadoras do cidadão , família , coesão social , comportamentos desviantes conexos , sobretudo percursos de criminalidade adjacente , como pela geração de lucros subterrâneos , alimentando economias paralelas , que pela reciclagem de capitais contaminam a economia colectiva .

O tribunal indagou a condição pessoal , social e familiar do arguido , sem autorização de residência válida na data dos factos , vertendo aquela condição de forma suficientemente esclarecedora nos art.ºs 71.º a 77 .º , do elenco dos factos provados , não configurando a sua situação qualquer das excepções à expulsão inscritas no art.º 135 .º daquela Lei : o ter nascido em Portugal , filhos aqui nascidos sobre os quais exerça efectivo exercício do poder paternal ,residentes em Portugal , não se achando em Portugal a residir desde idade inferior a 10 anos -als . a) , b) e d) -pelo que não representa a expulsão ofensa a princípios da proporcionalidade , necessidade e proibição de excesso .

O preceito harmoniza-se , em parte , com o princípio enunciado no artigo 36º, n.º 6, da Constituição dispondo que :

“ 6. Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.” .

Por seu turno o Ac. do TC n.º 232/2004 , de 31/3 , do TC , além do mais , veio:

-Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação das disposições conjugadas dos artigos 33º, n.º 1, e 36º, n.º 6, da Constituição, das normas do artigo 101º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e n.º 2, e do artigo 125º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, na sua versão originária, da norma do artigo 68º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março, e da norma do artigo 34º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, enquanto aplicáveis a cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional ( sublinhado nosso) .

Esta protecção constitucional dada à família, como afirmam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., anotação V ao artigo 67º, pág. 351), significa a protecção da unidade da família e a manifestação mais relevante desta ideia é o direito à convivência, ou seja, o direito dos membros do agregado familiar a viverem juntos.

A Lei n.º 23/07 , de 4/7 , transpondo , entretanto , entre outras , a Directiva n.º 2003/86/CE , do Conselho de 22/9 , em vista do reagrupamento familiar , revogou aquele Dec.º-Lei n.º 244/98 , de 8/8 , sendo o art.º 151.º daquela a repetição do antecedente art.º 101 .º .

Não se pode afirmar , pois , que o tribunal se quedou numa indagação lacunar dos factos impeditiva de bem decidir de direito , que , para preencher o vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito havia de resultar do texto da decisão recorrida por si só ou em conjugação com as regras da experiência –art.º 410.º n.º 2 a) , do CPP .

E afirmar que o tribunal não procedeu ao exame crítico das provas, de certo quanto às fundamentadoras desta pena acessória , porque o tribunal de 1.ª instância , em face dos factos provados , e avaliando a sua gravidade , face à ausência de factos consubstanciadores de qualquer proibição da expulsão , examinando-os e fazendo um juízo valorativo em consonância , emitiu fundadamente , explicitando o “ iter “ decisório, a proibição de permanência em território nacional , por aquele tempo –que poderia atingir 10 anos -, sem ofender princípios de solidariedade , acolhimento e de convivência entre estrangeiros e nacionais .

O exame crítico das provas , previsto para fundamentação das decisões judiciais penais , no art.º 374.º n-º 2 , do CPP , é a menção das razões porque certas provas merecem credibilidade e outras não e as instâncias dedicaram às produzidas tempo de reflexão e ponderação para , face à lei vigente na data da condenação em 1.ª instância e à lei nova , já considerada na apreciação do recurso na 2.ª , pela opção da expulsão , cumprindo aquele ónus legal .

X. Termos em que se nega provimento ao recurso .

Condena-se ao pagamento de 10 Uc,s de taxa de justiça , acrescendo a procuradoria de 1/2 .

Lisboa, 26 de Novembro de 2008


Armindo Monteiro (relator)
Santos Cabral