Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | ARMINDO MONTEIRO | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MEDIDA CONCRETA DA PENA TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES PENA DE EXPULSÃO FUNDAMENTAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | SJ20081126036303 | ||
Data do Acordão: | 11/26/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : | I - De vários sectores da doutrina e jurisprudência se recolhe a ideia de alargar, na determinação da medida concreta da pena, os limites em que a sua “magnitude” é passível de revista, particularmente a correcção do procedimento ou das operações da determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais da determinação, a falta da indicação dos seus factores relevantes ou, ao invés, a falta de indicação dos factores que irrelevam ou são inadmissíveis. Mas também há quem advogue que as questões da justiça ou oportunidade estariam subtraídas ao controle do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como as formas de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas não já a determinação, dentro daqueles quadros, do quantum exacto da pena, para o que o controle da revista seria manifestamente inadequado – cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, § 254. II - Enquanto tarefa aplicativa de direito, que se destaca da mera contraposição questão de facto - questão de direito, concorrendo notas de discricionariedade, toda ela juridicamente vinculada, a fixação da pena pondera pressupostos ou conjuntos de pressupostos que, não dizendo respeito nem ao tipo de ilícito nem da culpa, nem mesmo da punibilidade, contendem com a maior ou menor gravidade do crime como um todo e relevam para a determinação da pena, respeitando, essencialmente, às suas consequências jurídicas. III - Estando em causa a prática pelo arguido de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, e tendo em consideração que: - o arguido AP desenvolveu com assiduidade a venda de produtos estupefacientes, dela vivendo entre os últimos meses de 2004 e Junho de 2005; - vendeu, assim, a várias pessoas, pelo menos a 16, em diversas vezes, heroína e cocaína, pelo menos com o peso total de 28,74 e 4,08 g, respectivamente, e 1,574 g de haxixe, que lhes foram apreendidas; - na sequência de uma busca à residência que partilhava com o irmão em T…, foram-lhe encontrados 37,556 g de cocaína e 79,884 g de heroína, bem como cafeína e paracetamol, como material de “corte”; - após o desaparecimento, por alguns meses, do cenário do tráfico, o arguido recomeçou-o, por volta dos últimos meses de 2005, primeiros de 2006, sendo contactado, para o seu telemóvel, por diversas pessoas, combinando entregar-lhes estupefacientes, para além de outros locais, em E…, C…, CF… ou P…; - o arguido AP deslocava-se a tais pontos de encontro, primeiro no seu veículo com a matrícula 8…, da marca Fiat, modelo Punto, de cor vermelha e, posteriormente, no veículo automóvel da marca Honda, modelo Civic, de cor cinzenta, com a matrícula 1…, fazendo-se acompanhar, por vezes, pelo arguido AC, com quem residia, em P…, quando se encontrava na zona do Algarve; - nesse circunstancialismo de tempo e lugar, o arguido forneceu estupefacientes pelo menos a 3 dezenas de pessoas, não se apurando o tipo e as quantidades realmente fornecidas, identificando-se, no entanto, alguns dos adquirentes e espécies de estupefacientes; - entre Março e Julho de 2006 o arguido, com o irmão, vendeu a AD, em 3 dias diferentes, um pacote de cocaína, pelo preço de € 15, e, ainda, um pacote de um mesmo produto a RS; - no mesmo período, o arguido e o AC, este uma vez, venderam heroína a RS; - igualmente AD, no mesmo período, por diversas vezes, adquiriu estupefacientes a ambos os arguidos; - durante cerca de 3 anos e até Julho de 2006, JR adquiriu haxixe e heroína, no máximo até 4 g, ao preço de € 20 o grama; - no Verão de 2005, e após a operação policial no M…, ambos os arguidos venderam, por diversas vezes, ao JR, em C…, heroína e cocaína; - OL adquiriu estupefacientes nos 3 anos anteriores a Julho de 2006, fazendo-o até Maio ou Junho de 2005 no M…; - nos meses que antecederam Julho de 2006, JR comprou por diversas vezes heroína ao arguido AP; - mercê da busca domiciliária de que foi alvo foram-lhe encontrados, em 11-07-2006, € 3240 em notas do BE, um Honda Civic, de matrícula 1…, um medicamento de nome Redrate, uma tesoura, cápsulas Diclofenac, drageias Maxilase, um recorte em plástico para embalar estupefacientes, uma máquina fotográfica e dois telemóveis, tudo produto da venda de estupefacientes; - o arguido já se dedicava ao tráfico de estupefacientes desde data anterior – 2001/2002 – ao que encetou entre os últimos meses de 2004 e primeiros de 2005, concentrado no M…; - não obstante se não ter quantificado inteiramente o volume de vendas – pelo não apuramento do preço, doses vendidas, espécie de produto traficado e, em parte, os seus concretos adquirentes –, a inferir da circunstância de viver exclusivamente do tráfico durante a residência no M…, deter produtos estupefacientes numa busca efectuada, e, na feita ao seu domicílio em 11-07-2006, € 3240 e uma viatura, tudo produto do tráfico (producta sceleris), o tempo por que perdurou, nalguns casos desencadeando-se já nos 3 anos antecedentes ao que este desenvolveu no M…, à luz das regras da experiência e da vida, que fornecem critérios de orientação na definição dos factos provados, probabilidades fortes de as coisas terem acontecido de uma dada forma, o tráfico assumiu uma expressão significativa, que não é descaracterizada em absoluto pela indemonstração daqueles dados, ficando, contudo, a descoberto o grau de entrosamento nele do arguido, a sua absoluta indiferença quanto aos efeitos maléficos, de todos consabido, como sua consequência, movido pela ganância do lucro fácil, que lhe permitia até viver sem trabalhar; - nenhuma circunstância atenuativa, com ou sem relevo, acorre em favor do arguido; - o quantum de pena a fixar há-de repercutir o indispensável a que se não ponham irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade da norma jurídica violada e, por essa via, os sentimentos de segurança e confiança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais; os critérios de dosimetria da pena fixados no art. 71.º, n.º 1, do CP conduzem a que se julgue justa e adequada a pena de 7 anos de prisão. IV - O art. 30.º, n.º 4, da CRP, estipula que nenhuma pena acessória envolve necessariamente a perda de direitos civis, profissionais e políticos, repercutindo-se aquele no art. 65.º, n.º 1, do CP, impedindo a aplicação ope legis dos efeitos penais da condenação e das penas acessórias de expulsão, demandando uma indagação casuística da condição do condenado de forma a estabelecer-se um consistente ajustamento da acção à reacção eventualmente de desencadear. V - Este STJ, no seu acórdão de fixação de jurisprudência n.º 14/96, de 07-11-1996 (DR, I Série-A, n.º 275, de 27-11-1996, e BMJ 461.º/54), afirmou a sua não automaticidade, antes devendo averiguar-se, caso a caso, a sua necessidade, sujeita a indispensável e fundamentada justificação, na esteira, aliás, da jurisprudência do TC inscrita nos Acs. n.ºs 282/86, 284/89, 288/94 e 41/95 (DR, I Série, de 11-11-1986, 22-06-1989, 17-06-1994 e 27-04-1995, respectivamente). VI - Tendo o tribunal indagado a condição pessoal, social e familiar do arguido, sem autorização de residência válida na data dos factos, não configurando a sua situação qualquer das excepções à expulsão inscritas no art. 135.º da Lei 23/2007, de 04-07 – ter nascido em Portugal, ter filhos aqui nascidos e residentes sobre os quais exerça efectivo poder paternal, ter aqui residência desde idade inferior a 10 anos –, a expulsão não representa ofensa a princípios de proporcionalidade, necessidade e proibição de excesso. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça : Em processo comum sob o n.º 406/06 .ITA , 1.ª Sec. , do 2.º Juízo Criminal de Faro , com intervenção do tribunal colectivo , foram submetidos a julgamento : AA e BB, vindo , a final , a ser condenados : -o arguido AA , como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes , previsto e punível pelo artigo 21º, nº 1 do Decreto-lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 7 anos de prisão; e -o arguido AA , ainda , na pena acessória de expulsão pelo prazo de 7 anos (artigo 101º do Decreto-lei nº 244/98, de 8 de Agosto, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 97/99, de 26 de Julho e Decreto-lei nº 4/2001, de 10 de Janeiro e artigo 34º do Decreto-lei nº 15/93, de 22 de Janeiro); - o arguido BB , como autor material de dois crimes de uso de documento falso, ambos previstos e puníveis pelo artigo 256º, nº 1, alínea c) e nº 3, do Código Penal, na pena de um ano de prisão para cada crime; Procedendo ao cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido, nos termos do disposto no artigo 77º do Código Penal, o arguido BB foi condenado na pena única de 5 anos de prisão; -o arguido BB foi , ainda , condenado na pena acessória de expulsão pelo prazo de 10 anos (artigo 101º do Decreto-lei nº 244/98, de 8 de Agosto, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 97/99, de 26 de Julho e Decreto-lei nº 4/2001, de 10 de Janeiro e artigo 34º do Decreto-lei nº 15/93, de 22 de Janeiro); I .Os arguidos interpuseram recurso para o Tribunal da Relação , que lhes negou provimento . II.De novo irresignados interpuseram recurso para o STJ , não sendo admitido o do arguido BB , apresentando o arguido AA as seguintes conclusões : O tribunal não considerou para efeitos de determinação da pena a confissão integral e sem reservas do arguido . O tribunal não levou em apreço uma série de circunstâncias atendíveis, enumeradas no n.º 2 do art.º 71.º , do CP , na concretização e graduação da pena e que , não fazendo parte do tipo , abonam em favor do arguido . Não foi levado em consideração o critério orientador das penas que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem ser sempre executadas com um sentido pedagógico e ressocializador . A pena peca por excessiva , mais adequada e justa à reinserção social do agente quando a sua pena for cumprida . O tribunal não considerou que quem confessa e colabora com a justiça deve ter uma pena condigna com a sua conduta, por representar a assunção do acto e a correspondente atitude de arrependimento do agente . Foram insuficientemente valoradas as circunstâncias aludidas nas als. a) , d) e e) , do art.º 71.º , do CP , que não põem em causa a defesa do ordenamento jurídico e dentro dos limites da culpa , devem situar a pena ligeiramente nos limites do mínimo da moldura , capaz de satisfazer os fins de prevenção e a reinserção do agente . Também foi violado o princípio de que a pena de expulsão não é de aplicação automática , nos termos do art.º 65.º n.º 1 , do CP , já que não averiguaram as condições sociais , familiares e os laços que o recorrente tem com o território nacional , havendo insuficiência para a decisão da matéria de facto provada , face ao estatuído no art.º 374.º n.º 2 e 379.º a) , do CP , não contendo a decisão um exame crítico das provas . Deve , assim , o arguido ser condenado numa pena não superior aos mínimos legais , cifrada em 5 anos de prisão , face à confissão integral e sem reservas e ao seu arrependimento , revogando-se a pena acessória de expulsão do território português . III . Colhidos os legais vistos , cumpre decidir , considerando que o Colectivo teve por provados os seguintes factos: 1. Desde data não determinada, mas no final do ano de 2004, a Polícia de Segurança Pública de Faro teve referências de que num aglomerado de casas denominado ‘Monte do Russo”, ou “Monte Sucupira”, sito em Vale da Venda, área da comarca de Faro, uma pessoa Cabo-verdiana, o arguido AA, na altura conhecido pelo nome de “Carlos”, vivia exclusivamente da venda de produtos estupefacientes, mormente cocaína e heroína, actividade essa que a partir do final do ano de 2004, início do ano de 2005, se estendeu a vários outros residentes no local; Outros factos resultantes da discussão: 71. O arguido AA é cidadão cabo-verdiano, oriundo de um agregado familiar com um estrato sócio-económico e cultural bastante desfavorecido, cujos meios de subsistência provinham apenas da agricultura e pastorícia, facto que esteve na génese de um período de imigração do progenitor para Portugal, até 1996; IV. De vários sectores da doutrina e jurisprudência se recolhe a ideia em alargar , na determinação da medida concreta da pena, os limites em que a sua “ magnitude “ é passível de revista , particularmente a correcção do procedimento ou das operações da determinação , do desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais da determinação , a falta da indicação dos factores relevantes dela ou , ao invés , a falta de indicação dos factores que irrelevam ou são inadmissíveis , mas também há quem advogue que as questões da justiça ou oportunidade estariam subtraídas ao controle do tribunal de revista , enquanto outros distinguem: a questão do limite ou moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista , assim como as formas de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção , não já a determinação da pena dentro daqueles quadros , do ” quantum “ exacto da pena , para o que o controle da revista seria manifestamente inadequado , explicita o Prof. Figueiredo Dias , in Direito Penal Português –As consequências Jurídicas do Crime , § 254 . Enquanto tarefa aplicativa de direito , que se destaca da mera contraposição questão de facto –questão de direito , concorrendo notas de discricionaridade , toda ela juridicamente vinculada , a fixação da pena pondera pressupostos ou conjunto de pressupostos , que não dizendo respeito nem ao tipo de ilícito e nem da culpa , nem mesmo da punibilidade , ou seja circunstâncias que contendem com a maior ou menor gravidade do crime como um todo e relevam para a determinação da pena , respeitando, essencialmente , às suas consequências jurídicas . O arguido clama deste STJ , em reponderação do decidido em termos de pena pela sua redução fazendo apelo a um leque de circunstâncias atenuativas da sua responsabilidade criminal , à cabeça das quais intromete a sua confissão integral e sem reservas , que uma leitura atenta da decisão de 1.ª instância revela –cfr. fls . 1806 –não ter tido lugar , pois , transcreve-se , “ O arguido AA não prestou declarações quanto aos factos de que vinha acusado “ , com o que se rotula de imerecido o reparo . V. Isto posto , dir-se –à que ao arguido foi aplicada a pena de 7 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes , numa moldura abstracta de 4 a 12 anos de prisão , aditando-se que para além de aquela atenuante ser de arredar nenhuma das demais invocadas acode em seu favor . A atenuantes previstas na alíneas a) , d ) e e ) do n.º 2 , do art.º 71.º , do CP , referentes ao grau de ilicitude , modo de execução , gravidade das consequências , condições pessoais e situação económica do arguido bem como à conduta anterior e posterior ao facto criminoso , respectivamente , não são configuráveis e nem mesmo a prevista na alínea c) , atinente aos sentimentos manifestados na prática do crime , fins ou motivos determinantes do agente , se observa , como a seguir se demonstrará pelo enunciado , sintético , mas suficientemente compreensivo , do acervo factual de que foi agente . E assim se pode concluir que : - o arguido desenvolveu com assiduidade , dela vivendo entre os últimos meses de 2004 e Junho de 2005 no Monte Sucupira ; -vendeu , assim , a diversas pessoas , pelo menos a 16 , em diversas vezes , heroína e cocaína , pelo menos com o peso total de 28,74 e 4,o8 grs. , respectivamente , e 1, 574 grs. de haxixe , que lhes foram apreendidas ; -Na sequência de uma busca à residência que partilhava com o irmão em Troto , Almansil , foram-lhe encontradas 37, 556 grs . de cocaína e 79, 884 grs . de heroína ; bem como cafeína e paracetamol, como material de “ corte “ ; -Após o desaparecimento , por alguns meses , do cenário do tráfico , o arguido recomeça –o , por volta dos últimos meses do ano de 2005, primeiros de 2006 , sendo contactado para o seu telemóvel , por diversas pessoas , combinando entregar-lhes estupefacientes , para além de outros locais , em Estói, Chaveca, Conceição de Faro ou Patacão . -O arguido AA deslocava-se a tais pontos de encontro, primeiro no seu veículo com a matrícula 00-00-GI, da marca Fiat, modelo Punto, cor vermelha e, posteriormente, no veículo automóvel da marca Honda, modelo Civic, de cor cinzenta, com a matrícula 00-00-DT , fazendo-se acompanhar, por vezes, pelo arguido BB, com quem residia, em Pechão, quando se encontrava na zona do Algarve . - Nesse circunstancialismo de tempo e lugar o arguido forneceu , pelo menos , a 3 dezenas de pessoas estupefacientes , não se apurando o tipo e as quantidades realmente fornecidas , identificando-se , no entanto , alguns dos adquirentes e espécimes de estupefacientes . -Entre Março e Julho de 2006 o arguido , com o irmão , vendeu a AD em 3 dias diferentes , um pacote de cocaína , pelo preço de 15 € e , ainda , um pacote de um mesmo produto a RC ; -No mesmo período o arguido e o BB , este uma vez , venderam heroína a RC ; -Igualmente AD , no mesmo período , por diversas vezes , adquiriu estupefacientes a ambos os arguidos ; -Durante cerca de 3 anos e até Julho de 2006 , LL adquiriu haxixe e heroína , no máximo até 4 grs . , ao preço 20 € cada grama ; -No Verão de 2005 e após a operação policial no Monte Sucupira ambos os arguidos venderam , por diversas vezes , ao JR, em Conceição de Faro –Ferradeira , heroína e cocaína ; -OL adquiriu estupefacientes nos 3 anos anteriores a Julho de 2006 , fazendo-o até Maio ou Junho de 2005 no Monte Sucupira ; -nos meses que antecedem Julho de 2006 JMR comprou por diversas vezes heroína ao arguido ; -Mercê da busca domiciliária de que foi alvo foram-lhe encontrados em 11 de Julho de 2006 , 3.240 € em notas do BE , um Honda Civic , de matrícula 00-00-DT , um medicamento de nome Redrate , uma tesoura , cápsulas Diclofenac , drageias Maxilase , um recorte em plástico para embalar estupefacientes ,uma máquina fotográfica e dois telemóveis , tudo produto da venda de estupefacientes . 2. Como nota de ponderação a de que o arguido já se dedicava ao tráfico de estupefacientes desde data anterior -2001/2002 – ao que encetou entre os últimos meses de 2004 e primeiros de 2005 , concentrado no Monte Sucupira . Não obstante se não ter quantificado inteiramente o volume de vendas , pelo não apuramento do preço , dose vendidas , espécie de produto traficado e em parte os seus concretos adquirentes , a inferir da circunstância de viver exclusivamente do tráfico durante a residência no Monte Sucupira , deter produtos estupefacientes numa busca efectuada e na feita ao seu domicílio em 11 de Julho de 2006 , 3240 € e uma viatura , tudo produto do tráfico ( “ producta sceleris “ ) o tempo por que perdurou , nalguns casos desencadeando-se já nos 3 anos antecedentes ao que este desenvolveu no Monte Sucupira , à luz das regras da experiência e da vida , que fornecem critérios de orientação na definição dos factos provados , probabilidades fortes de as coisas terem acontecido de uma da forma , assumiu uma expressão significativa , que não é descaracterizada em absoluto pela indemonstração daqueles dados , ficando , contudo , a descoberto o grau de entrosamento nele do arguido , a sua absoluta indiferença para os efeitos maléficos , de todos consabido , como sua consequência , movido pela ganância do lucro fácil , que lhe permitia até viver sem trabalhar. A dimensão do tráfico está objectivada , ainda , pelo concurso da circunstância de a heroína e cocaína ser , depois , transaccionada pelos seus adquirentes em Faro e que o arguido vendia praticamente heroína e cocaína , praticamente todos os dias , a terceiros que ali se deslocavam para o efeito, alguns dos quais foram supraidentificados . VI. Sustentar a verificação das atenuantes previstas nas als . a) , d) e e ) , do n.º 2 , do art.º 71.º , do CP , quando a gravidade do ilícito está vista , quer por respeitar , na sua essência , aos estupefacientes mais perniciosos à saúde individual e pública , à forma de execução , desde há anos , embora com assiduidade ao longo dos últimos meses de 2004 e primeiros de 2005 , e retomada após um interregno com termo nos últimos meses de 2005 e até aos primeiros de 2005 , realizando o arguido a dinâmica do processo , contactado para o seu telemóvel , conhecedor da linguagem cifrada usada , combinando , depois , a entrega do produto em diversas zonas do Algarve , sendo muito elevado o demérito da sua acção. O tráfico de estupefacientes , atento o seu efeito criminógeno , situa-se ao nível dos mais graves do ordenamento jurídico e o traficante é havido como inimigo da própria sociedade . Não se descortina , também , em que medida as suas condições sociais e económicas revertam em seu favor , longe de nelas se achar justificação para a prática daquele ilícito , pois o arguido trabalhou na construção civil , como indiferenciado no nosso País. E o mesmo se diga das suas condições anteriores ao cometimento do crime , pois que se o arguido trabalhava não cumpria mais do que um dever seu : Os sentimentos manifestados na prática são dos mais censuráveis , pertencendo aos ditos inferiores , dominados pela ganância do lucro fácil , sobrepondo-se aos do seu sustento por modo legítimo , este socialmente incensurável . Ao fim e ao cabo em favor do arguido nenhuma circunstância atenuativa , com ou sem relevo , acorre em seu favor . Agindo por decisão de consciência , ou seja com persistente, temporalmente , vontade criminosa , elevado grau de violação de lei , de ilicitude , o “ quantum “ de pena a fixar há-de repercutir o indispensável a que se não ponham irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e , por essa via , os sentimentos de segurança e confiança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais- cfr. Direito Penal Português-As Consequências Jurídicas do Crime , § 330 , do Prof. Figueiredo Dias . E a flagelo que traduz a prática do crime de tráfico de estupefacientes , de que são vítimas , entre nós , as camadas mais jovens da sociedade e seu agregado familiar , importa forte intervenção punitiva , dentro dos limites consentidos pela culpa , sem esquecer que a vertente da prevenção especial só entra em jogo se o agente se mostrar carecido de socialização; se, em contrário , o agente do crime dela não carece a defesa do ordenamento jurídico pode descer ao mínimo da moldura penal , mas o arguido carece de um evidente défice de socialização , que a sua anterior condenação de viatura em estado de embriaguez decididamente não adensa , todavia a pena jamais podia fixar-se no seu mínimo legal de 4 anos . A proposta sancionatória no limiar mínimo, para um tráfico com a expressão documentada , já não seria “ comunitariamente suportável “ (…) “ sem se põr irremediavelmente em causa a sua função tutelar” , segundo as palavras do Prof. Figueiredo Dias , in Direito Penal Português –As Consequências Jurídicas do Crime , § 305 , de protecção dos concretos bens jurídicos , essenciais à vida em comunidade e de prevenção , quer geral positiva de integração quer de prevenção especial de socialização . Ao longo de tempo considerável o arguido não se deixou contramotivar eticamente por forma a não reiterar no tráfico , por isso , atendendo ao seu dolo intenso e levado grau de ilicitude , sem menosprezar prementes razões de prevenção , os critérios de dosimetria da pena fixados no art.º 71.º n.º 1 , do CP, conduzem a que se julgue justa e adequada a pena de 7 anos de prisão . VII . Quanto à pena acessória de expulsão , por 7 anos do território nacional: O art.º 30.º n.º 4 , da CRP, estipula que nenhuma pena acessória envolve necessariamente a perda de direitos civis , profissionais e políticas , repercutindo-se aquele no art.º 65.º n.º 1 , do CP , impedindo a aplicação “ ope legis “ dos efeitos penais da condenação e das penas acessórias de expulsão , demandando uma indagação casuística da condição do condenado de forma a estabelecer-se um consistente ajustamento da acção à reacção eventualmente de desencadear. Este STJ no seu Ac. n.º 14/96 , de 7/11/96 , de fixação de jurisprudência , publicado no DR, I Série -A , n.º 275 , de 27.11.96 e BMJ 461 , pág. 54 , afirmou a sua não automaticidade , antes devendo averiguar-se , caso a caso , a sua necessidade , sujeita a indispensável e fundamentada justificação , na esteira , aliás , da jurisprudência do TC inscrita nos Acs . n.ºs 282/86 , 284/89 , 288/94 e 41/95 , in DR I Série , de 11.11.86 , 22.6.89 , 17.6.94 e 27.4.95 , respectivamente . Do que se trata é de evitar o efeito automático em caso de condenação por certos crimes , por forma a impedir-se que medidas acessórias conduzam cegamente a uma estigmatização da pessoa visada e a um efeito dificultador da sua ressocialização ; assim se impõe um eficaz controle jurisdicional da existência de uma culpa que dite a necessidade em nome da defesa da sociedade e do castigo do agente , é a consideração de autorizada doutrina sufragada pelos constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira , in Constituição Anotada , ed. 1993 , pág. 198 –cfr. , ainda , os Acs. do TC n.º 16/84 , 91/84 , 310/85 , 75/86 e 94/86 , entre outros . VIII . A pena acessória de expulsão foi decretada , no acórdão condenatório de 1.ª instância , com base nos art.º s 34.º , do Dec.º-Lei 15/93 , de 22/1 e 101 .º , do Decreto-Lei n.º 244/98 ,de 8/8 , que foi alterado por seu turno pelo Dec.º-Lei n.º 4/2001 , de 10/1 , dispondo aquele art.º 101 .º , que : “ 1 - A pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a 6 meses de prisão efectiva ou em pena de multa em alternativa à pena de prisão superior a 6 meses. 2 - A mesma pena pode ser imposta a um cidadão estrangeiro residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a 1 ano de prisão, devendo, porém, ter-se em conta, na sua aplicação, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, a eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal. 3 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a pena acessória de expulsão só pode ser aplicada ao estrangeiro com residência permanente quando a sua conduta constitua uma ameaça suficientemente grave para a ordem pública ou segurança nacional. 4 - Não será aplicada a pena acessória de expulsão aos estrangeiros residentes, nos seguintes casos: a) Nascidos em território português e aqui residam habitualmente; b) Tenham filhos menores residentes em território português sobre os quais exerçam efectivamente o poder paternal à data da prática dos factos que determinaram a aplicação da pena, e a quem assegurem o sustento e a educação, desde que a menoridade se mantenha no momento previsível de execução da pena; c) Que se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam habitualmente. 5 (…) “ . IX. O arguido alega que o tribunal aplicou automaticamente a pena acessória de expulsão do território nacional por 7 anos , como decorrência directa da condenação , ao arrepio do art.º 65.º n.º 1 , do CP , não indagando as condições pessoais do arguido , que a impediriam , mas sem , contudo , as alegar, deixando ao tribunal o poder , que não tem , de as adivinhar . Este STJ , como aliás resulta do antecedente tem firmado a necessidade de ela se dever pautar por critérios de razoabilidade e proporcionalidade , com respeito pela vida familiar e profissional , só se justificando quando fortes razões de índole protectora da ordem e segurança públicas , de prevenção do crime coloquem em ruptura o equilíbrio entre aqueles valores , por isso importa indagar a sua idade , profissão , agregado familiar , tempo de permanência em território nacional , ligações ao país de acolhimento e de origem , gravidade do ilícito , etc . O tribunal indagou e fixou que o arguido vive em Portugal desde que emigrou de Cabo Verde em 1998 , aqui tendo alguns primos , ocupando-se na construção civil em trabalho indiferenciado . Nunca estabeleceu um agregado familiar em Portugal , vivendo com primos e pernoitando em alojamentos cedidos pelas entidades patronais na região do Alentejo e Algarve ; um dos dois irmãos que se fixaram em Portugal um está preso e outro emigrou para a Suíça e à data da sua prisão achava-se a viver com o co-arguido BB . Mais se comprovou que de 2002 a 2005 se deslocou por 3 vezes a Cabo Verde , o que significa que não cortou a sua ligação com o país de origem, onde , de resto , iniciou uma ligação marital de que nasceu uma filha , com pouco mais de dois anos , que não se demonstrou residir em Portugal . Com Portugal , o mínimo que se pode dizer é que o arguido nunca teve uma ligação afectiva profunda , que , a sê-lo , implicaria habitação própria , estável , na companhia da que é mãe da filha e desta , em lugar de vivências por favor em casa de primos e das entidades patronais , além de que não deixaria caducar a autorização de residência . Se é certo que alguns dos familiares mais directos se não acham em Cabo verde também é verdade que a convivência com os irmãos em Portugal está prejudicada pois um emigrou e outro está preso . IX . O crime praticado pelo arguido é de extrema gravidade , atentatório de valores fundamentais de subsistência comunitária , que nem mesmo o sentimento humanitário e de respeito pela manutenção da integridade familiar, que enforma a Lei n.º 23/07 , de 4/7 , que entrou a vigorar depois da prolação do acórdão condenatório de 1.ª instância , regulamentando o regime jurídico da entrada , permanência , saúde e afastamento de estrangeiros do território nacional , pode obstar à expulsão do nosso território , como elemento pernicioso que é à ordem jurídica do país que o acolheu . Lembra-se o que o STJ decidiu no seu Ac. de 9.6.2004 , in CJ , STJ , Ano XII , TII , 2004 , 224 e segs . , que os tipos de crimes ligados à droga , nas sociedades modernas , geram enorme perturbação e comoção social , tanto pelos riscos e danos para bens e valores fundamentais com incidência na saúde física e psíquica de milhares de cidadãos , especialmente jovens , quais forças devastadoras do cidadão , família , coesão social , comportamentos desviantes conexos , sobretudo percursos de criminalidade adjacente , como pela geração de lucros subterrâneos , alimentando economias paralelas , que pela reciclagem de capitais contaminam a economia colectiva . O tribunal indagou a condição pessoal , social e familiar do arguido , sem autorização de residência válida na data dos factos , vertendo aquela condição de forma suficientemente esclarecedora nos art.ºs 71.º a 77 .º , do elenco dos factos provados , não configurando a sua situação qualquer das excepções à expulsão inscritas no art.º 135 .º daquela Lei : o ter nascido em Portugal , filhos aqui nascidos sobre os quais exerça efectivo exercício do poder paternal ,residentes em Portugal , não se achando em Portugal a residir desde idade inferior a 10 anos -als . a) , b) e d) -pelo que não representa a expulsão ofensa a princípios da proporcionalidade , necessidade e proibição de excesso . O preceito harmoniza-se , em parte , com o princípio enunciado no artigo 36º, n.º 6, da Constituição dispondo que : “ 6. Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.” . Por seu turno o Ac. do TC n.º 232/2004 , de 31/3 , do TC , além do mais , veio: -Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação das disposições conjugadas dos artigos 33º, n.º 1, e 36º, n.º 6, da Constituição, das normas do artigo 101º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e n.º 2, e do artigo 125º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, na sua versão originária, da norma do artigo 68º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março, e da norma do artigo 34º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, enquanto aplicáveis a cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional ( sublinhado nosso) . Esta protecção constitucional dada à família, como afirmam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., anotação V ao artigo 67º, pág. 351), significa a protecção da unidade da família e a manifestação mais relevante desta ideia é o direito à convivência, ou seja, o direito dos membros do agregado familiar a viverem juntos. A Lei n.º 23/07 , de 4/7 , transpondo , entretanto , entre outras , a Directiva n.º 2003/86/CE , do Conselho de 22/9 , em vista do reagrupamento familiar , revogou aquele Dec.º-Lei n.º 244/98 , de 8/8 , sendo o art.º 151.º daquela a repetição do antecedente art.º 101 .º . Não se pode afirmar , pois , que o tribunal se quedou numa indagação lacunar dos factos impeditiva de bem decidir de direito , que , para preencher o vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito havia de resultar do texto da decisão recorrida por si só ou em conjugação com as regras da experiência –art.º 410.º n.º 2 a) , do CPP . E afirmar que o tribunal não procedeu ao exame crítico das provas, de certo quanto às fundamentadoras desta pena acessória , porque o tribunal de 1.ª instância , em face dos factos provados , e avaliando a sua gravidade , face à ausência de factos consubstanciadores de qualquer proibição da expulsão , examinando-os e fazendo um juízo valorativo em consonância , emitiu fundadamente , explicitando o “ iter “ decisório, a proibição de permanência em território nacional , por aquele tempo –que poderia atingir 10 anos -, sem ofender princípios de solidariedade , acolhimento e de convivência entre estrangeiros e nacionais . O exame crítico das provas , previsto para fundamentação das decisões judiciais penais , no art.º 374.º n-º 2 , do CPP , é a menção das razões porque certas provas merecem credibilidade e outras não e as instâncias dedicaram às produzidas tempo de reflexão e ponderação para , face à lei vigente na data da condenação em 1.ª instância e à lei nova , já considerada na apreciação do recurso na 2.ª , pela opção da expulsão , cumprindo aquele ónus legal . X. Termos em que se nega provimento ao recurso . Condena-se ao pagamento de 10 Uc,s de taxa de justiça , acrescendo a procuradoria de 1/2 . Lisboa, 26 de Novembro de 2008 |