Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça
I. Os autores AA e BB intentaram no Tribunal do Trabalho de Braga acções declarativas emergentes de contrato individual de trabalho, respectivamente com o nº 562/05.6 e 566/05.9 (posteriormente apensadas) contra as Ré “CC – Instituto de Desenvolvimento e Inovação Tecnológica …”; “DD –…, Lda” e EE, pedindo que fosse declarado que a rescisão dos contratos de trabalho pelos autores foi efectuada com justa causa e, em consequência, condenar-se a 1ª R. a pagar ao A. AA a quantia de € 33.502,02 e ao A. BB a quantia de € 32.692,16 a título de indemnização, além do pagamento de salários entre a data da rescisão e da decisão que a julgue válida, bem como dos demais créditos laborais, tudo acrescido dos juros legais desde a data da instauração da acção até efectivo pagamento.
Subsidiariamente, caso improceda o pedido principal, peticionaram, por ordem decrescente, a mesma condenação acima descrita, mas para as duas primeiras rés solidariamente; para a 2ª R. isoladamente e para o 3º R. também isoladamente.
Alegaram, para tanto, e em síntese, que celebraram contratos de trabalho com a 1ª R.: o A. AA, em 21/10/1997 e o A. BB em 08/10/1997; que, em 04/05/2005, os AA. comunicaram, por escrito, às RR. a rescisão unilateral dos contratos existentes, alegando, no essencial, o não pagamento dos vencimentos, incluindo o subsídio de alimentação, que lhe eram devidos.
Os RR. contestaram.
A 1ª e o 3º RR. excepcionaram a sua ilegitimidade processual, alegando que os AA. eram apenas trabalhadores da 2ª R..
Excepcionaram também os RR. a caducidade do direito dos AA. resolverem o contrato de trabalho pelo decurso do prazo de 30 dias definido no art. 442º, nº 1 do CT.
Alegaram ainda o abuso de direito por parte dos AA., na invocação da justa causa de resolução.
Mais impugnaram factos alegados e os valores peticionados.
Concluíram pela improcedência das acções e pela sua absolvição da instância ou, caso assim não se entenda, do pedido.
Houve resposta dos AA., concluindo como na petição inicial.
No saneador, foi relegada para a decisão final a apreciação das excepções de ilegitimidade e de caducidade invocadas pelas RR e foi dispensada a selecção de factos assentes e a organização da base instrutória.
Procedeu-se a julgamento, com gravação da prova, após o que foi proferida sentença que, julgando as acções parcialmente procedentes, decidiu:
- No que respeita à acção intentada pelo A. AA:
1. julgar procedente e provada a justa causa para resolução do contrato de trabalho por iniciativa do requerente AA;
2. condenar a R. "CC" a pagar ao A. AA a quantia de €22.403,40, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde o vencimento de cada uma das respectivas quantias parciais supra calculadas, até integral pagamento;
3. absolver a 1ª R. do restante pedido;
4. absolver os restantes réus "DD, Lda." e Dr. EE da totalidade do pedido formulado.
- No que respeita à acção intentada pelo A. BB:
1. julgar procedente e provada a justa causa para resolução do contrato de trabalho por iniciativa do requerente BB;
2. condenar a R. "CC" a pagar ao A. BB a quantia de €21.535,40, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde o vencimento de cada uma das respectivas quantias parciais supra calculadas, até integral pagamento;
3. absolver a 1ª R. do restante pedido;
4. absolver os restantes réus "DD, Lda." e Dr. EE da totalidade do pedido formulado.
Inconformada, a 1ª R. interpôs recurso destas decisões, incluindo da decisão sobre a matéria de facto fixada pela 1ª instância.
Por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, após apreciação do recurso relativamente à matéria de facto, foi determinado que se consideravam como não escritos os pontos 58º a 61º da matéria de facto, por conclusivos, e o demais que era objecto de apelação da R. foi julgado improcedente, tendo, em conformidade, sido confirmada a sentença proferida na 1ª instância.II. Novamente inconformada, a 1ª R. interpôs a presente revista, pelo requerimento de fls. 551, tendo apresentado alegações a fls. 560-584, em que, como questão prévia, arguiu a nulidade do acórdão recorrido, e em que formulou as seguintes conclusões:
Questão Prévia: nulidade do acórdão:
1. O acórdão recorrido encontra-se, desde logo, maculado pela absoluta omissão de pronúncia sobre todas as questões suscitadas pela Recorrente no recurso de apelação, designadamente no que concerne à invocada questão da excepção da ilegitimidade da recorrente para a presente demanda, em consonância, aliás, com posição assumida na Primeira Instância.
2. Nesta sede, a Recorrente invocou que, em Janeiro de 2005, e nos meses subsequentes, os Recorridos não se encontravam contratualmente vinculados à Recorrente, CC, mas antes à 2ª Ré, DD, Lda., com quem mantinham em vigor um contrato sem termo, celebrado em 13 de Maio de 2002, e pelo qual se obrigaram a exercer as funções de Engenheiro de Sistemas e Informática.
3. Assim, a Recorrente, CC, é parte ilegítima na presente acção, não tendo à data da resolução do contrato de trabalho, operada pelos Recorridos, poder de fiscalização, direcção e autoridade sobre os mesmos.
4. De igual modo, a retribuição do labor a pagar aos Recorridos não era da responsabilidade da Apelante, CC, em razão do que concluiu pela verificação da excepção da sua ilegitimidade e, consequente, absolvição da acção ou dos pedidos.
5. No entanto, o Tribunal a quo, nem sequer em nota de marginália, se pronunciou sobre esta importante questão colocada à sua apreciação, o que, atenta a fulcral importância para a boa decisão da causa, segundo as várias questões plausíveis da questão de direito, é inquestionável que tal tivesse acontecido, donde a nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 668°, n.° 1, alínea d) e 721° do Cód. Proc. Civil, o que expressamente se argui para os devidos e legais efeitos.
Do Mérito
6. Sem prejuízo da invocada nulidade do acórdão recorrido, a Recorrente reitera tudo o supra alegado acerca da sua ilegitimidade para a presente demanda.
7. Do cotejo da prova produzida nos autos, é inquestionável que, em 31 de Dezembro de 2004, os Recorridos cessaram o vínculo contratual que mantinham com a Recorrente, CC, pelo que, em Janeiro de 2005, e nos meses subsequentes, os Recorridos encontravam-se contratualmente vinculados à 2ª Ré, DD, Lda., com quem mantinham em vigor um contrato sem termo, celebrado em 13 de Maio de 2002.
8. Os Recorridos, AA e BB, celebraram com a sociedade por quotas DD Lda., contratos de trabalho sem termo, respectivamente em 13 de Março de 2002 e 21 de Maio de 2002.
9. Em 2 de Dezembro de 2002, os Requeridos, solicitaram à DD Lda. a concessão de licença sem vencimento por 25 meses, que foi aceite, sendo que, nessa mesma data, celebraram um novo contrato a termo certo, com a Recorrente, por um período de 25 meses.
10. A Recorrente comunicou aos Recorridos, no dia 14 de Dezembro de 2004, a intenção de fazer cessar os contratos de trabalho a termo certo, a partir do dia 31 de Dezembro de 2004.
11. Esta comunicação foi válida e tempestivamente efectuada – e não foi impugnada pelos Recorridos –, não tendo os referidos contratos excedido a sua duração máxima prevista na lei, pelo que, após as comunicações efectuadas, os contratos a termo certo caducaram, deixando de persistir qualquer relação de trabalho subordinado entre AA e BB e a Recorrente.
12. Por sua vez, os contratos sem termo celebrados entre os Recorridos e a DD Lda. deixaram de estar suspensos, dado que o prazo da sua suspensão tinha já decorrido e, em consequência, voltaram a produzir todos os efeitos normais, com todos os direitos e obrigações que daí decorrem para ambas as partes.
13. Face ao exposto, é indiscutível que, a partir de 1 de Janeiro de 2005, a obrigação de pagar a retribuição aos Recorridos impendia sobre a DD Lda., uma vez que era com esta entidade que tinham sido celebrados os contratos de trabalho sem termo, em vigor naquele momento.
14. Assim, na medida em que é sobre o DD Lda. que recai o dever de pagar a retribuição aos trabalhadores, é também sobre esta entidade que recai a obrigação do pagamento da indemnização pela eventual resolução do contrato com justa [causa],
15. Pelo que a Recorrente, CC, é parte ilegítima na presente acção, não tendo à data da resolução do contrato de trabalho, operada pelos Recorridos, poder de fiscalização, direcção e autoridade sobre os mesmos, o que é conducente à absolvição da acção ou dos pedidos, o que expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos.
16. Noutra perspectiva, por carta enviada à 2ª Ré e à Recorrente, CC, datada de 2 de Maio de 2005, os Recorridos comunicaram a suspensão da prestação de trabalho, nos termos do disposto no n° 1, do art. 3.°, da Lei n.°17/86, de 14 de Junho.
17. Na hipótese de falta de pagamento dos salários, resulta do disposto no art. 364°, n.° 2 do Cód. do Trabalho que: "O trabalhador tem a faculdade de suspender ou de resolver o contrato de trabalho decorridos, respectivamente 15 ou 60 dias após o não pagamento da retribuição (...) " (sublinhado nosso).
18. Assim, tendo os trabalhadores optado por suspender o contrato de trabalho, por carta datada de 02 de Maio de 2005, não podiam, posteriormente, por carta datada de 04 de Maio, rescindir o mesmo contrato de trabalho, com o mesmo fundamento – neste sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07.10.2002, Processo n.°0210633, n."convencional JTRP00032662, in www.dgsi.pt/jtrp.
19. Consequentemente, a resolução do contrato por parte dos Apelados, além de desprovida de qualquer fundamento legal relativamente à Recorrente, pelas razões anteriormente explanadas, é manifestamente ilícita, contrariamente ao que foi considerado na decisão em apreço.
20. Ainda sem prescindir e noutra perspectiva, in casu, não estão verificados os pressupostos para a resolução do contrato de trabalho, com justa causa, por parte dos trabalhadores, nos termos do art.441°, n.° 2 do Cód. do Trabalho, contrariamente ao que foi considerado na decisão sob censura.
21. Como bem se refere na decisão em crise, a justa causa (subjectiva) deve ser aferida em concreto, segundo os critérios de apreciação da justa causa disciplinar, indicados nos art. 396°, n.° 2 do Cód. do Trabalho, com as necessárias adaptações.
22. Nesta conformidade, são três os requisitos cumulativos para que o trabalhador possa resolver o contrato de trabalho, com justa causa e direito a indemnização prevista no art. 443°, n.° 1 do Cód. Trabalho: (i) comportamento da entidade empregadora enquadrável em qualquer das alíneas do art. 441°, n.° 2 do Código do Trabalho (elemento de natureza objectiva); (ii) que esse comportamento possa ser imputado à entidade empregadora a título de culpa (elemento de natureza subjectiva); (iii) que tal comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, em termos de não ser exigível ao trabalhador a conservação do vínculo laboral (elemento causal).
23. Relativamente ao elemento objectivo, falta de pagamento da retribuição, este está demonstrado nos autos, pelo que será desnecessário qualquer comentário adicional.
24. No que concerne ao elemento de natureza subjectiva, culpa da entidade patronal, para a hipótese, que só como tal se equaciona, de se considerar a Recorrente, como entidade patronal dos Recorridos, cumpre ressaltar que a Recorrente é uma Associação sem fins lucrativos, cujo objecto social é o exercício e apoio de actividade de investigação científica e de demonstração e desenvolvimento tecnológico e de promoção da metrologia e certificação de produtos, com vista ao fomento de novas tecnologias e sua transferência para a indústria e que tem vindo a atravessar graves dificuldades económico-financeiras.
25. A conjuntura económica adversa e a precariedade da actividade económica exercida pela Recorrente acarretaram-lhe inúmeras dificuldades financeiras, conforme, aliás, se alcança do relatório da Sra. Perita de fls. do processo.
26. O Tribunal "a quo" fez tábua rasa do relatório pericial, bem como dos depoimentos das testemunhas que confirmaram as graves dificuldades financeiras que a Apelante, CC, atravessava.
27. Deste modo, isto é, por razões objectivas, conjunturais, externas à sua vontade, a Recorrente viu-se impedida de pagar as retribuições aos seus colaboradores, pelo que, a admitir-se que os Recorridos eram funcionários da Recorrente CC, no que se não concede, sempre se teria de concluir que a entidade patronal não agiu com culpa, contrariamente ao que foi decidido pelo Tribunal recorrido.
28. Por último, no que tange ao elemento causal – impossibilidade de subsistência do vínculo laboral –, é inquestionável que o mesmo também não se verifica, contrariamente ao que foi decidido na decisão em apreço.
29. Em 2 de Maio, os Recorridos comunicaram à 2ª Ré e Recorrente, CC, que suspendiam o contrato de trabalho em virtude de não pagamento das remunerações de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2005, conforme documento de fls. 318 e 320 dos autos, sendo que tal suspensão do contrato tinha início em 13 de Maio de 2005.
30. Apenas dois dias depois, ou seja, em 4 de Maio, e sem que houvesse qualquer alteração das circunstâncias que levaram à suspensão dos contratos de trabalho, os Recorridos decidem resolver os contratos.
31. Este comportamento é demonstrativo que o não pagamento tempestivo dos salários não comprometia a relação laboral e não foi decisivo para justificar a ruptura do contrato de trabalho, pois só nesta perspectiva se entende que os Recorridos tenham optado, inicialmente, pela suspensão do contrato de trabalho, em detrimento da resolução imediata dos mesmos.
32. Noutra perspectiva, os Recorridos nem sequer aguardaram pelo início (ou decurso) do prazo da suspensão do contrato de trabalho, ou seja, 13 de Maio, para procederem à resolução do contrato de trabalho, pelo que, assim sendo, é inquestionável que o exercício do direito de resolução do contrato é ilegítimo, na medida em que viola os ditames da boa-fé contratual.
33. Com efeito, tendo inicialmente invocado uma situação de suspensão do contrato, para determinada data, com todas as consequências que tal acarreta, é inadmissível que os Recorridos apenas dois dias sobre tal comunicação viessem invocar a resolução do contrato, com justa causa, impossibilitando, assim, que a entidade patronal pudesse adoptar medidas tendentes à não verificação de tal situação, designadamente através do pagamento dos salários em atraso, o que, aliás, veio a acontecer em 11 de Maio de 2005, ou seja, antes da data inicialmente considerado para a suspensão do contrato.
34. Em síntese, não tendo ocorrido qualquer alteração das circunstâncias entre o momento da comunicação da suspensão do contrato de trabalho e o da resolução do mesmo, e tendo em consideração o reduzido – para não dizer insignificante – lapso de tempo entre ambas as comunicações, é inquestionável que o não pagamento tempestivo dos salários não comprometia a relação laboral e não foi decisivo para justificar a ruptura do contrato de trabalho e que, por outro lado, o exercício do direito de resolução do contrato é ilegítimo, na medida em que viola os ditames da boa-fé contratual.
35. Face ao exposto, não ocorreu justa causa para a resolução do contrato de trabalho por parte dos Recorridos, com as consequências daí decorrentes, ou seja, o não reconhecimento do direito indemnizatório a que alude no art. 443° do Código de Trabalho.
36. Pelo que, ao assim não ter decidido, a decisão em crise fez uma incorrecta interpretação dos factos e desadequada aplicação do Direito, designadamente das disposições legais supra citadas – arts. 139°, 331°, 355°, 364°, 388°, 396°, 441°, n.°1 e 443° do Cód. Trabalho –, que violou, devendo por isso, ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente dos pedidos formulados.
Pede que seja revogado o acórdão recorrido, com a consequente absolvição da Recorrente dos pedidos contra si formulados.
Os AA. contra-alegaram, defendendo a improcedência da revista.
No seu douto Parecer, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se no sentido de não dever ser apreciada a denominada “questão prévia” relacionada com a alegada omissão de pronúncia imputada ao acórdão da Relação, por a mesma não ter sido arguida, expressa e separadamente, no requerimento de interposição da revista, conforme determina o art. 77.º do CPT, devendo, no restante, ser negada a revista.
III. Colhidos os vistos, cumpre decidir.
As instâncias deram como provados os seguintes factos:
A) Matéria de facto atinente ao processo 562/05.6TTBRG intentado por AA:
1. Em 21 de Outubro de 1997 foi celebrado entre a 1ª Ré e o A. um contrato denominado de "contrato de prestação de serviços" com início em 21 de Outubro de 1997, renovável por períodos de um ano se não fosse denunciado com a antecedência mínima de quinze dias.
2. Nos termos do referido contrato, o A. obrigava-se a exercer para a 1ª Ré a actividade de engenheiro de informática, em local e horários previamente determinados, mediante a retribuição mensal de 150 000$00, trabalhando o autor sob as ordens, direcção e fiscalização da 1ª ré.
3. Em 1 de Janeiro de 1999 o A. e a 1ª Ré celebraram um novo contrato, denominado "contrato de trabalho a termo certo", com início em 1 de Janeiro de 1999, pelo prazo de um ano, renovável nos termos gerais.
4. Nos termos do referido contrato, o A. obrigou-se a prestar a sua actividade profissional com a categoria de técnico analista de informática, no mesmo local e no mesmo horário do contrato celebrado em 21 de Outubro de 1997 e também sob a direcção, orientação e fiscalização da 1ª Ré, mediante a retribuição mensal de 216 000$00.
5. Em 2002, foi constituída a sociedade por quotas "DD, Lda.", ora 2ª Ré, registada na Conservatória respectiva em 13 de Março de 2002.
6. Esta sociedade tem a sua sede no mesmo local da 1ª Ré, a qual é também sócia maioritária da 2ª Ré.
7. A criação desta sociedade teve por finalidade servir de complemento à actividade que a 1ª Ré exercia a título de consultoria e de apoio à obtenção e acompanhamento de apoios financeiros a projectos apresentados por empresas da região de Braga.
8. Necessidade essa que adveio da alteração das regras de pagamento dos referidos financiamentos, designadamente no que diz respeito ao pagamento dos encargos com pessoal que exercia actividades de acompanhamento e implementação desses projectos.
9. Apesar de formalmente os órgãos sociais de uma e de outra serem distintos, na realidade quem sempre geriu a 1ª e a 2ª Rés foi a Direcção da 1ª Ré, por sua vez sócia maioritária da 2ª ré.
10. No âmbito da criação daquela sociedade e dentro das finalidades para que a mesma foi criada, a 1ª Ré entendeu proceder à transferência de vários trabalhadores da 1ª Ré para a 2ª Ré, entre eles o A.
11. Nesse sentido, foi celebrado entre o A. e a 2ª Ré em 13 de Maio de 2002 um contrato de trabalho sem termo com início naquele dia.
12. Por a transferência dos trabalhadores ser no interesse de ambas as Rés, foi também elaborado e assinado um aditamento ao referido contrato pelo qual era garantido ao trabalhador que todos os direitos inerentes à antiguidade da prestação do seu trabalho retroagiam à data da celebração do contrato de 1 de Janeiro de 1999.
13. Contrato este celebrado com a primeira Ré.
14. Apesar de naquele contrato de trabalho figurar como entidade patronal a 2ª Ré, na realidade o A. sempre continuou a exercer a sua actividade para a primeira ré.
15. A actividade do A. consistia essencialmente na instalação e desenvolvimento de programas e projectos financiados por entidades públicas ou privadas.
16. Financiamentos esses que eram o resultante de contratos celebrados entre a 1ª Ré e os seus clientes.
17. Assim, a 1ª Ré organizava e apresentava projectos de desenvolvimento no sentido de obter financiamentos para a sua aplicação, fazendo esta actividade sob contrato com terceiros.
18. Na organização dos processos tendentes à obtenção dos financiamentos, a primeira Ré apresentava o A. como um dos seus quadros técnicos, anexando o respectivo curriculum para avalizar a validade técnica dos projectos apresentados.
19. Após a obtenção do financiamento, a 1ª Ré cuidava da sua concretização e aplicação material, com a instalação e desenvolvimento de software e hardware.
20. E acompanhava o desenvolvimento desses projectos ao longo de algum tempo, exercendo funções de consultadoria.
21. Sendo o A. um dos trabalhadores responsáveis pela instalação, desenvolvimento, análise e acompanhamento desses projectos, ao nível do sistema informático.
22. Os projectos em que o A. trabalhava eram da responsabilidade e destinavam-se a clientes da 1ª Ré.
23. Pois a 2ª Ré quase que não exercia nenhuma actividade para terceiros, a não ser os referidos nos precedentes factos 7º e 8º.
24. Em 2 de Dezembro de 2002, o A. voltou novamente a assinar outro contrato de trabalho a termo certo com a 1ª ré.
25. Para o efeito e seguindo instruções emanadas da gerência da 1ª ré, o A. redigiu e assinou uma comunicação escrita à 2ª Ré a pedir lhe fosse concedida licença sem vencimento por 22 meses.
26. E imediatamente após a assinatura e entrega daquela comunicação, assinou um contrato de trabalho a termo certo com a primeira ré, com início em 2 de Dezembro de 2002, pelo prazo previsto de vinte e dois meses.
27. Mediante o pagamento da quantia de € 1 992,45 mensais.
28. E nos demais termos constantes do respectivo documento escrito aqui dado como reproduzido e constante de fls. 27 e 28 dos autos.
29. Por esse contrato, mais uma vez o A. se obrigou a prestar à 1ª Ré a sua actividade de engenheiro informático, agora com a categoria de técnico superior, mediante horário e local de trabalho por ela previamente determinado e sempre sob a sua direcção e fiscalização.
30. Desde 21 de Outubro de 1997 e até ao dia 5 de Maio de 2005 o A. sempre exerceu a sua actividade sob a direcção, orientação e fiscalização da primeira ré.
31. Elaborando os projectos e programas informáticos que lhe eram destinados pela gerência da primeira ré.
32. Contactando e sendo contactado pelos clientes da primeira ré.
33. Entregando à primeira ré todos os projectos e programas resultantes da sua actividade.
34. Exercida dentro do horário e no local que lhe eram destinados pela primeira ré.
35. Em 14 de Dezembro de 2004, a 1ª ré entregou ao A. uma comunicação escrita na qual lhe comunicava a intenção de fazer cessar o contrato de trabalho que entre ambos vigorava, com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 2004.
36. Apesar daquela comunicação, o A. continuou a exercer a sua actividade para a 1ª Ré, no mesmo local de trabalho, com o mesmo horário e sempre sob a direcção e fiscalização da primeira ré.
37. Elaborando e analisando os programas e projectos que lhe eram propostos ou apresentados pela primeira ré.
38. Contactando os respectivos clientes.
39. E desempenhando exactamente as mesmas funções que sempre desempenhou para a primeira Ré.
40. O A. deixou, porém, de receber o respectivo vencimento, o qual, em 1 de Janeiro de 2005, era no montante de € 2.082,08.
41. Assim, não foram pagos ao A. os vencimentos correspondentes aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2005, num total de € 2.082,08 x 4 = € 8.328,32.
42. Também não foi pago ao A. o subsídio de alimentação referente àqueles quatro meses, apesar de o A. ter continuado a trabalhar para a primeira ré durante esse período, num total de 4,49 x 22 x 4 = € 395,12.
43. Em 4 de Maio de 2005, o A. enviou às Rés uma comunicação escrita, presente nos autos e aqui dada como reproduzida, na qual procedia à resolução unilateral do contrato de trabalho existente, por falta de pagamento da retribuição salarial, com os seguintes fundamentos:
“a) falta de pagamento atempado das retribuições salariais correspondentes aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2005, o que constitui justa causa de despedimento nos termos na al. a) do nº 2 do art. 441º do Código do Trabalho;
b) violação culposa das minhas garantias legais e convencionais (al. b) do mesmo número) porque ao longo dos últimos anos tenho prestado a minha (…) sem qualquer perspectiva de continuidade de exercício da minha actividade profissional (…);
c) lesão culposa dos meus interesses patrimoniais (al.e) do mesmo número) pois a falta de pagamento das retribuições originou o incumprimento de obrigações por mim assumidas perante terceiros com o risco de instauração de procedimentos judiciais executivos e a consequente penhora de bens pessoais.”
44. Apesar de considerar que a sua entidade patronal era a primeira ré, o A., por mera cautela, enviou também a referida comunicação à segunda ré.
45. A 1ª Ré, após ter enviado ao A. a carta a denunciar o contrato com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 2004, minutou um novo contrato de trabalho a termo certo, com início em 1 de Janeiro de 2005 e termo em 31 de Maio de 2005, que pretendia que o autor aceitasse, tendo este se recusado a assinar o mesmo por pretender garantias de efectividade nas suas funções.
46. Face a esta atitude do A., a 1ª Ré deixou então de proceder ao pagamento dos respectivos salários desde Janeiro de 2005, numa tentativa de o levar a aceitar aquele novo contrato de trabalho a termo certo, o que viria a conseguir em relação a dois outros colegas do autor que se encontravam nas mesmas circunstâncias.
47. A omissão dos pagamentos dos salários originou uma grave situação económico-financeira para o A., que se viu impossibilitado de cumprir com obrigações assumidas para com terceiros, designadamente o pagamento de um crédito hipotecário contraído para aquisição da sua casa de habitação.
48. Tendo de se socorrer de dinheiro emprestado por familiares para efectuar o pagamento dessas prestações.
49. Ao A. não foram pagos os montantes correspondentes às férias e subsídios de férias vencidos em 1 de Janeiro de 2005 e não gozados.
50. Bem como os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal correspondente ao tempo de serviço prestado no ano de 2005.
51. O A. desempenhou sempre as suas funções melhor descritas ao longo deste articulado, desde 21 de Outubro de 1997 até 5 de Maio de 2005, sob a direcção, orientação e fiscalização da 1ª Ré, de forma diligente e responsável.
52. Em local e horários sempre por ela determinados.
53. Sendo para ela que desempenhou toda a sua actividade ao longo dos oito anos em que com ela manteve relações laborais.
54. Os contratos assinados com a segunda Ré tiveram como finalidade a satisfação dos interesses da 1ª Ré e foi segundo as instruções por ela fornecidas que o A. os assinou.
55. Até porque a 2ª Ré nunca desenvolveu qualquer actividade que não fosse a de servir de retaguarda a trabalhadores da 1ª Ré.
56. Em 2002, foram criadas a FF, Lda., a GG, Lda. e a aqui 2ª Ré DD, Lda.
57. O 3º Réu é Presidente da Direcção da 1ª Ré, órgão colegial, e não do Conselho de Administração, sendo que, nos termos dos estatutos do CC, ora 1ª Ré, o órgão de administração do mesmo tem natureza colegial, designando-se por Direcção, sendo que para obrigar a 1ª Ré é necessário a assinatura conjunta de dois directores.
58- (1).
59. Em 11 Maio de 2005, o autor recebeu as retribuições em atraso relativas aos meses não pagos de remuneração.
60. Em 2 de Maio de 2005, o autor comunicou às duas primeiras rés que suspendia o contrato de trabalho que mantinha com as duas empresas por não pagamento das remunerações de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2005, conforme documento de fls. 320, tendo decidido, dois dias depois, resolver o mesmo contrato através da comunicação referida em 43º ao constatar, em conversa mantida com os responsáveis daquelas rés, que a situação de não pagamento pela entidade patronal iria manter-se.
B) Matéria de facto atinente ao processo apenso aos autos, intentado por BB:
1. Em 8 de Outubro de 1997 foi celebrado entre a 1ª Ré e o A. um contrato denominado de "contrato de prestação de serviços" com início na mesma data, renovável por períodos de um ano se não fosse denunciado com a antecedência mínima de quinze dias.
2. Nos termos do referido contrato, o A. obrigava-se a exercer para a 1ª Ré a actividade de engenheiro de informática, em local e horários previamente determinados, mediante a retribuição mensal de 140 000$00, trabalhando o autor sob as ordens, direcção e fiscalização da 1ª ré.
3. Em 1 de Janeiro de 1999, o A. e a 1ª Ré celebraram um novo contrato, denominado "contrato de trabalho a termo certo", com início em 1 de Janeiro de 1999, pelo prazo de um ano, renovável nos termos gerais.
4. Nos termos do referido contrato, o A. obrigou-se a prestar a sua actividade profissional com a categoria de técnico analista de informática, no mesmo local e no mesmo horário do contrato celebrado em 21 de Outubro de 1997 e também sob a direcção, orientação e fiscalização da 1ª Ré, mediante a retribuição mensal de 216 000$00.
5. Em 2002 foi constituída a sociedade por quotas "DD, Lda.", ora 2ª Ré, registada na Conservatória respectiva em 13 de Março de 2002.
6. Esta sociedade tem a sua sede no mesmo local da 1ª Ré, a qual é também sócia maioritária da 2ª Ré.
7. A criação desta sociedade teve por finalidade servir de complemento à actividade que a 1ª Ré exercia a título de consultoria e de apoio à obtenção e acompanhamento de apoios financeiros a projectos apresentados por empresas da região de Braga.
8. Necessidade essa que adveio da alteração das regras de pagamento dos referidos financiamentos, designadamente no que diz respeito ao pagamento dos encargos com pessoal que exercia actividades de acompanhamento e implementação desses projectos.
9. Apesar de formalmente os órgãos sociais de uma e de outra serem distintos, na realidade quem sempre geriu a 1ª e a 2ª Rés foi a Direcção da 1ª Ré, por sua vez sócia maioritária da 2ª ré.
10. No âmbito da criação daquela sociedade e dentro das finalidades para que a mesma foi criada, a 1ª Ré entendeu proceder à transferência de vários trabalhadores da 1ª Ré para a 2ª Ré, entre eles o A.
11. Nesse sentido, foi celebrado entre o A. e a 2ª Ré em 21 de Maio de 2002 um contrato de trabalho sem termo com início naquele dia.
12. Por a transferência dos trabalhadores ser no interesse de ambas as Rés, foi também elaborado e assinado um aditamento ao referido contrato pelo qual era garantido ao trabalhador que todos os direitos inerentes à antiguidade da prestação do seu trabalho retroagiam à data da celebração do contrato de 8 de Outubro de 1997.
13. Contrato este celebrado com a primeira Ré.
14. Apesar de naquele contrato de trabalho figurar como entidade patronal a 2ª Ré, na realidade o A. sempre continuou a exercer a sua actividade para a primeira ré.
15. A actividade do A. consistia essencialmente na manutenção, instalação e configuração de todo o “hardware” e serviços de rede existente nas instalações da 1ª ré.
16. Além dessa actividade principal, o A., sempre sob as ordens, direcção e fiscalização da 1ª Ré e no âmbito dos contratos por ela celebrados com terceiros, participava na elaboração, orçamentação, aquisição de materiais e programas necessários à implantação dos projectos desenvolvidos pela 1ª Ré.
17. Esses projectos eram encomendados pelos clientes da 1ª Ré, que os elaborava, apresentava a financiamentos públicos ou privados e procedia posteriormente à sua implementação, desenvolvimento e acompanhamento.
18. O A. era responsável pela instalação de todos os projectos que implicasse a existência de serviços em rede, podendo esses programas ser colocados nas instalações físicas dos clientes, às quais o A. se deslocava.
19. Ou alojados em sites criados pela 1ª Ré e instalados no seu próprio hardware.
20. A 1ª Ré organizava e apresentava projectos de desenvolvimento no sentido de obter financiamentos para a sua aplicação, fazendo esta actividade sob contrato com terceiros.
21. Na organização dos processos tendentes à obtenção dos financiamentos, a primeira Ré apresentava o A. como um dos seus quadros técnicos, anexando o respectivo curriculum para avalizar a validade técnica dos projectos apresentados.
22. Após a obtenção do financiamento, a 1ª Ré cuidava da sua concretização e aplicação material, com a instalação e desenvolvimento de software e hardware, acompanhando o desenvolvimento desses projectos ao longo de algum tempo, exercendo funções de consultadoria e sendo o A. um dos trabalhadores responsáveis pela instalação, desenvolvimento, análise e acompanhamento desses projectos, ao nível do sistema de redes.
23. Os projectos em que o A. trabalhava eram da responsabilidade e destinavam-se a clientes da 1ª Ré.
24. Pois a 2ª Ré quase que não exercia nenhuma actividade para terceiros, a não ser os referidos nos factos 7º e 8º.
25. Em 2 de Dezembro de 2002, o A. voltou novamente a assinar outro contrato de trabalho a termo certo com a 1ª ré.
26. Para o efeito e seguindo instruções emanadas da gerência da 1ª ré, o A. redigiu e assinou uma comunicação escrita à 2ª Ré a pedir lhe fosse concedida licença sem vencimento por 13 meses.
27. E imediatamente após a assinatura e entrega daquela comunicação, assinou um contrato de trabalho a termo certo com a primeira ré, com início em 2 de Dezembro de 2002, pelo prazo previsto de vinte e dois meses.
28. Mediante o pagamento da quantia de € 1.992,45 mensais.
29. E nos demais termos constantes do respectivo documento escrito aqui dado como reproduzido e constante de fls. 28 e 29 dos autos.
30. Por esse contrato, mais uma vez o A. se obrigou a prestar à 1ª Ré a sua actividade de engenheiro informático, agora com a categoria de engenheiro de sistemas e informático, mediante horário e local de trabalho por ela previamente determinado e sempre sob a sua direcção e fiscalização.
31. Em 2 de Janeiro de 2004 e sem que tivesse sido denunciado aquele contrato a termo incerto, o A. voltou a celebrar com a 1ª Ré novo contrato de trabalho, agora a termo certo, com início naquela data, válido por um ano e prorrogável nos termos gerais.
32. Por este contrato, o A. obrigava-se a desempenhar para a 1ª Ré, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, a actividade de coordenador técnico dos projectos a realizar pela 1ª Ré, no âmbito da actividade por si desenvolvida, mediante a retribuição mensal de €2.043,26.
33. O local de trabalho, mais uma vez, seriam as instalações da 1ª ré e o horário de trabalho era o constante da cláusula 2ª do mesmo contrato, ou seja, sete horas e trinta minutos por dia, tudo conforme documento de fls. 31 e 32 que se dá por reproduzido.
34. Também mais uma vez na sequência das instruções que lhe foram dadas pela 1ª Ré, o A. fez com a segunda ré um acordo de suspensão do seu contrato de trabalho enquanto estivesse em vigor o contrato de trabalho celebrado com a 1ª ré com referência ao ano de 2004.
35. Desde 8 de Outubro de 1997 e até ao dia 5 de Maio de 2005 o A. sempre exerceu a sua actividade sob a direcção, orientação e fiscalização da primeira ré.
36. Elaborando os projectos e programas informáticos que lhe eram destinados pela gerência da primeira ré.
37. Contactando e sendo contactado pelos clientes da primeira ré.
38. Entregando à primeira ré todos os projectos e programas resultantes da sua actividade.
39. Exercida dentro do horário e no local que, de forma ininterrupta sempre lhe foram destinados pela primeira ré.
40. Em 10 de Dezembro de 2004 a 1ª ré entregou ao A. uma comunicação escrita na qual lhe comunicava a intenção de fazer cessar o contrato de trabalho que entre ambos vigorava, com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 2004.
41. Apesar daquela comunicação, o A. continuou a exercer a sua actividade para a 1ª Ré, no mesmo local de trabalho, com o mesmo horário e sempre sob a direcção e fiscalização da primeira ré.
42. Elaborando e analisando os programas e projectos que lhe eram propostos ou apresentados pela primeira ré, designadamente ao nível dos serviços de rede.
43. Contactando os respectivos clientes.
44. E desempenhando exactamente as mesmas funções que sempre desempenhou para a primeira Ré.
45. O A. deixou, porém, de receber o respectivo vencimento, o qual, em 1 de Janeiro de 2005, era no montante de € 2.043,26.
46. Não foram pagos ao A. os vencimentos correspondentes aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2005, num total de € 2.043,26 x 4 = € 8.173,26.
47. Também não foi pago ao A,. o subsídio de alimentação referente àqueles quatro meses, apesar de o A. ter continuado a trabalhar para a primeira ré durante esse período, num total de 4,49 x 22 x 4 = € 395,12.
48. Em 4 de Maio de 2005, o A. enviou às Rés uma comunicação escrita, presente nos autos e aqui dada como reproduzida, na qual procedia à resolução unilateral do contrato de trabalho existente, por falta de pagamento da retribuição salarial, com os seguintes fundamentos:
“a) falta de pagamento atempado das retribuições salariais correspondentes aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2005, o que constitui justa causa de despedimento nos termos na al. a) do nº 2 do art. 441º do Código do Trabalho;
b) violação culposa das minhas garantias legais e convencionais (al.b) do mesmo número) porque ao longo dos últimos anos tenho prestado a minha (…) sem qualquer perspectiva de continuidade de exercício da minha actividade profissional (…);
c) lesão culposa dos meus interesses patrimoniais (al. e) do mesmo número) pois a falta de pagamento das retribuições originou o incumprimento de obrigações por mim assumidas perante terceiros com o risco de instauração de procedimentos judiciais executivos e a consequente penhora de bens pessoais.”
49. Apesar de considerar que a sua entidade patronal era, de facto, a primeira ré, o A., por mera cautela, enviou também a referida comunicação à segunda ré.
50. Ao A. não foram pagos os montantes correspondentes às férias e subsídios de férias vencidos em 1 de Janeiro de 2005 e não gozados.
51. Bem como os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal correspondente ao tempo de serviço prestado no ano de 2005.
52. O A. desempenhou sempre as suas funções desde 21 de Outubro de 1997 até 5 de Maio de 2005, sob a direcção, orientação e fiscalização da 1ª Ré, fazendo-o de forma diligente e responsável.
53. Em local e horários sempre por ela determinados.
54. Sendo para ela que desempenhou toda a sua actividade ao longo dos oito anos em que com ela manteve relações laborais.
55. Os contratos assinados com a segunda Ré tiveram como finalidade a satisfação dos interesses da 1ª Ré e foi segundo as instruções por ela fornecidas que o A. os assinou.
56. A 2ª Ré nunca desenvolveu qualquer actividade que não fosse a de servir de retaguarda a trabalhadores da 1ª Ré.
57. O A. BB, por força do não pagamento das remunerações durante mais de quatro meses, viu-se impossibilitado de cumprir com obrigações assumidas para com terceiros, atravessando dificuldades económica na sua vida pessoal e familiar.
58. Em 2002, foram criadas a FF, Lda., a GG Lda. e a aqui 2ª DD, Lda.
59. O 3º Réu é Presidente da Direcção da 1ª Ré e não do Conselho de Administração, sendo que, nos termos dos estatutos do CC, ora 1ª Ré, o órgão de administração do mesmo tem natureza colegial, designando-se por Direcção, sendo que para obrigar a 1ª Ré é necessário a assinatura conjunta de dois directores.
60. Em 11 Maio de 2005, o autor recebeu as retribuições em atraso relativas aos meses não pagos de remuneração.
61. As alternâncias formais de entidade patronal tinham como finalidade, além da satisfação dos interesses económicos das empresas Rés, evitar que o A. pudesse, atento o decurso do tempo, converter os contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo.
62- (2).
63. Em 2 de Maio de 2005, o autor comunicou às duas primeiras rés que suspendia o contrato de trabalho que mantinha com as duas empresas por não pagamento das remunerações de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2005, conforme documento de fls. 318 do processo principal, tendo decidido, dois dias depois, resolver o mesmo contrato através da comunicação referida em 43º ao constatar, em conversa mantida com os responsáveis daquelas rés, que a situação de não pagamento pela entidade patronal iria manter-se.
IV. A). Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, o objecto dos recursos é delimitado pelas respectivas conclusões (art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1 do CPC, na redacção em vigor à data da propositura das acções), as questões em apreço na revista interposta pela R. prendem-se com:
1 - A nulidade do acórdão da Relação, invocada apenas nas alegações da revista como “questão prévia”;
2 - A de, alegadamente, a R. não ser a entidade patronal dos AA. à data em que os mesmos resolveram os respectivos contratos de trabalho, o que ditaria a ilegitimidade daquela ou a improcedência da acção;
3 - (Im)possibilidade legal da resolução dos referidos contratos de trabalho, após a comunicação das suspensão dos mesmos, e
4 - (In)existência dos pressupostos para a resolução com justa causa dos contratos de trabalho operada pelos AA.
B). Antes de entrarmos no conhecimento dessas questões, importa apreciar o seguinte ponto.
Como é sabido, integra-se nos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça o conhecimento, mesmo oficioso, de saber se o elenco apresentado como contendo a matéria de facto dada como provada nas instâncias, v.g. no acórdão recorrido da Relação, se circunscreve, efectivamente, a dados com tal natureza ou se contém matéria que envolva juízos de direito, de valor ou conclusivos a que haja de ser considerada matéria de direito.
E pese embora as expressões “trabalhar sob a direcção, orientação e fiscalização” ou “trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização” de alguém seja utilizada na linguagem comum para traduzir uma realidade fáctica e, nessa medida, possa, em certas circunstâncias, ser considerada como matéria de facto, isso não sucede quando numa acção o thema decidendum consiste justamente em saber se determinado contrato reveste ou não, natureza laboral, ou quando a solução jurídica depende de apurar a quem, em concreto, o trabalhador prestava a sua actividade, isto é, quem era a sua entidade empregadora, se A se B.
Nestas hipóteses, as referidas expressões se valessem como verdadeira e própria matéria de facto, já encerrariam ou poderiam encerrar a resolução da concreta questão de direito que é objecto da acção, o que implica que tenham de se considerar não escritas as respectivas respostas, nessa parte, nos termos do n.º 4 do art.º 464º do Código de Processo Civil.
Ora, no caso dos autos, uma das questões em debate é, justamente, a de saber quem, em determinado período temporal relevante, era a entidade empregadora dos AA., se a 1ª R., CC, se a 2ª R. DD.
E, assim sendo, as expressões acima referidas, salvo nos casos em que integram os dizeres do clausulado dos respectivos contratos e com esse alcance – em que, claramente, assumem a natureza de dados de facto a subsumir juridicamente, a par dos demais pertinentes factos apurados –, são de ter por não escritas e de eliminar das respostas.
Nesse quadro, decide-se eliminar das respostas à matéria de facto, constantes de III deste acórdão, as seguintes expressões:
A) Da matéria de facto atinente à acção intentada pelo A. AA:
“trabalhando o autor sob as ordens, direcção e fiscalização da 1ª ré”, constante dos facto 2;
“sob a sua direcção e fiscalização”, constante do facto 29º;
“sob a direcção, orientação e fiscalização da primeira ré”, constante do facto 30º;
“e sempre sob a direcção e fiscalização da primeira ré”, constante do facto 36º;
“sob a direcção, orientação e fiscalização da 1ª Ré”, constante do facto 51º.
Passando esses factos a ter as seguintes redacções:
Facto 2º - “Nos termos do referido contrato, o A. obrigava-se a exercer para a 1ª a Ré a actividade de engenheiro de informática, em local e horários previamente determinados, mediante a retribuição mensal de 150.000$00”;
Facto 29º - “Por esse contrato, mais uma vez o A. se obrigou a prestar a 1ª Ré a sua actividade de engenheiro informático, agora com a categoria de técnico superior, mediante horário e local de trabalho por ela previamente determinado”;
Factos 30º e 31º - “Desde 21 de Outubro de 1997 e até ao dia 5 de Maio de 2005 o A. sempre exerceu a sua actividade, elaborando os projectos e programas informáticos que lhe eram destinados pela gerência da 1ª ré”;
Facto 36º - “Apesar daquela comunicação, o A. continuou a exercer a sua actividade para a 1ª Ré, no mesmo local de trabalho , com o mesmo horário”;
Facto 51º - “O A. desempenhou sempre as suas funções melhor descritas ao longo deste articulado, desde 21 de Outubro de 1997 até 5 de Maio de 2005, de forma diligente e responsável”;
B) Da matéria de facto atinente à acção intentada pelo A. BB:
“sob as ordens, direcção e fiscalização da 1ª ré”, constante dos factos 2º, 16º e 32º;
“sob a direcção, orientação e fiscalização da 1ª Ré”, constante do facto 4º;
“e sempre sob a sua direcção e fiscalização”, constante do facto 30º;
“sob a direcção, orientação e fiscalização da primeira ré”, constante do facto 35º;
“e sempre sob a direcção e fiscalização da primeira ré”, constante do facto 41º;
“sob a direcção, orientação e fiscalização da 1ª ré”, constante do facto 52º;
Passando esses factos a ter as seguintes redacções:
Facto 2º - “Nos termos do referido contrato, o A. obrigava-se a exercer para a 1ª Ré a actividade de engenheiro de informática, em local e horários previamente determinados, mediante a retribuição mensal de 140.000$00”;
Facto 4º - “Nos termos do referido contrato, o A. obrigou-se a prestar a sua actividade profissional com a categoria de técnico analista de informática, no mesmo local e no mesmo horário do contrato celebrado em 21 de Outubro de 1997, mediante a retribuição mensal de 216.000$00”;
Facto 16º - “Além dessa actividade principal, o A., sempre no âmbito dos contratos pela 1ª Ré celebrados com terceiros, participava na elaboração, orçamentação, aquisição de materiais e programas necessários à implantação dos projectos desenvolvidos pela 1ª Ré”;
Facto 30º - “Por esse contrato, mais uma vez o A. se obrigou a prestar à 1ª Ré a sua actividade de engenheiro informático, agora com a categoria de engenheiro de sistemas e informático, mediante horário e local de trabalho por ela previamente indicado”;
Facto 32º - “Por este contrato, o A. obrigava-se a desempenhar para a 1ª Ré a actividade de coordenador técnico dos projectos a realizar pela 1ª Ré, no âmbito da actividade por si desenvolvida, mediante a retribuição mensal de € 2.043,26”;
Factos 35º e 36º - “Desde 8 de Outubro de 1997 e até ao dia 5 de Maio de 2005 o A. sempre exerceu a sua actividade, elaborando os projectos e programas informáticos que lhe eram destinados pela gerência da primeira ré”;
Facto 41º - “Apesar daquela comunicação, o A. continuou a exercer a sua actividade para a 1ª Ré, no mesmo local de trabalho, com o mesmo horário”;
Facto 52º e 53º - “O A. desempenhou sempre as suas funções desde 21 de Outubro de 1997 até 5 de Maio de 2005, fazendo-o de forma diligente e responsável, em local e horários sempre determinados pela 1ª Ré”.
No mais, mantém-se a factualidade dada como provada no acórdão recorrido, por não haver fundamento legal para a alterar.
C). Apreciemos agora as questões acima referidas:
1 – Da nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia
Invocou a R., com a denominação de “questão prévia”, nas conclusões 1ª a 5ª das suas alegações, que o acórdão recorrido não se pronunciou sobre a questão que havia suscitado no seu recurso de apelação relativa à excepção da sua ilegitimidade para a demanda, pois invocara aí que, em Janeiro de 2005 e meses subsequentes, os AA. não se encontravam contratualmente vinculados à recorrente, mas antes à 2ª R., pelo que, à data da resolução dos contratos, não tinha sobre aqueles poder de fiscalização, direcção ou autoridade.
Acontece porém, tal como supra aludido, que a R. arguiu a nulidade do acórdão proferido pela Relação, como “questão prévia”, na alegação da revista, e não no próprio requerimento de interposição da mesma.
Ora, é entendimento uniforme desta Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça que a arguição de nulidades de acórdão da Relação tem de ser feita, expressa e separadamente, no requerimento de interposição da revista, sob pena de ser inatendível (3) .
Efectivamente, dispõe o art. 77º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) que “A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso”.
E este regime é aplicável aos acórdãos da Relação, nos termos conjugados dos art.º 1º, nº 2, al. a) do CPT e 716.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), uma vez que as razões de celeridade e economia processuais que o justificam – permitir ao tribunal a quo aperceber-se de forma mais rápida e clara da censura produzida, facultando-lhe o eventual suprimento – mostram-se mais prementes quando está em causa uma decisão da 2.ª instância, pois que a lei autonomiza, neste caso, a fase da interposição de recurso, da fase alegatória.
Ora, a arguição da nulidade do acórdão da Relação, omitida no requerimento de interposição do recurso, de fls. 549, apresentado em 31.10.2008, e feita só no momento da apresentação, em 17.12.2008, da alegação da revista (a fls. 560 a 584), não cumpre com o desiderato visado com a referida regra processual, pois não permite que o tribunal recorrido, quando aprecia o requerimento de interposição, facilmente se aperceba de quais os vícios apontados à decisão impugnada e respectivos fundamentos, de modo a que, rapidamente, deles tome conhecimento, procedendo, se for caso disso, à sanação, do que poderá resultar a desnecessidade de subsistir o recurso.
Assim, impondo-se que o recorrente enuncie a referida nulidade no requerimento de interposição da revista, e não o tendo feito no caso em apreço, não pode a mesma ser conhecida, dada a intempestividade da sua arguição.
Face ao exposto, não se conhece da arguida nulidade do acórdão recorrido.
2 – A questão de, alegadamente, não ser a R. recorrente a empregadora dos AA..
Para além de ter invocado a nulidade do acórdão recorrido, nos termos sobreditos, a R. recorrente alega, nas conclusões 6ª a 15ª, que, a partir de 1 de Janeiro de 2005, deixou de ser a empregadora dos AA. – sendo-o a 2ª R., DD – pelo que não estava obrigada a pagar-lhes as retribuições invocadas como fundamento da resolução dos contratos de trabalho por eles operadas.
Renova aí o entendimento de que é parte ilegítima, na acção, com as respectivas consequências, ou, se assim não se entender, que essa situação deve ditar a sua absolvição dos pedidos.
Conhecendo:
A questão da alegada ilegitimidade está ultrapassada, dado que foi acima decidido não conhecer da nulidade do acórdão recorrido por invocada omissão de pronúncia sobre a questão que ora nos ocupa.
Esta, embora não possa ser apreciada em sede de ilegitimidade processual, pode ser apreciada na outra vertente que lhe está associada, que vem também abordada na revista e que se situa no plano do mérito da acção.
A sentença da 1ª instância abordou, expressamente, a questão, tendo concluído que era a ora recorrente, 1ª R., que assumiu a posição de entidade empregadora dos AA., inclusive à data da resolução dos contratos de trabalho por estes, tendo o acórdão recorrido deixado intocadas as respectivas conclusão e fundamentação.
A sentença discorreu assim:
“Para saber qual a entidade patronal dos Engs. AA e BB, ajuda preciosa colheremos necessariamente da factologia apurada.
Provou-se que o autor AA, desde 21 de Outubro de 1997 e até ao dia 5 de Maio de 2005, sempre exerceu a sua actividade sob a direcção, orientação e fiscalização da primeira ré, elaborando os projectos e programas informáticos que lhe eram destinados pela gerência da primeira ré, contactando e sendo contactado pelos clientes da primeira ré e entregando a esta todos os projectos e programas resultantes da sua actividade, exercida dentro do horário e no local que lhe eram destinados pela primeira ré.
Provou-se igualmente que o autor BB desempenhou sempre as suas funções desde 21 de Outubro de 1997 até 5 de Maio de 2005, sob a direcção, orientação e fiscalização da 1ª Ré, em local e horários sempre por ela determinados, sendo para ela que desempenhou toda a sua actividade ao longo dos oito anos em que com ela manteve relações laborais.
Estes factos acontecem num contexto em que “a 2ª Ré nunca desenvolveu qualquer actividade que não fosse a de servir de retaguarda a trabalhadores da 1ª Ré.”, tendo os contratos assinados com a segunda Ré tido como finalidade a satisfação dos interesses da 1ª Ré.
Sabemos que como será sempre a realidade factual que determina a forma jurídica e não o inverso, ou seja, a vontade das partes não pode afastar a subordinação jurídica quando ela estiver presente.
Por sua vez, nos termos do art. 12º do Código do Trabalho, presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente:
a) Haja uma inserção na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realização da prestação sob as orientações deste;
b) Realização do labor num local indicado pela empresa beneficiária e existência de horário predefinido;
c) Retribuição do labor paga pelo beneficiário da actividade e dependência económica – note-se que os autores não tinham outra actividade que não esta e dela retiravam o seu sustento;
d) Instrumentos de trabalho sejam do beneficiário da actividade;
e) Prestação laboral superior a 90 dias.
Como facilmente se conclui todos esses requisitos se encontram abundantemente verificados no caso em apreço relativamente à 1ª ré.
É claro que se poderia configurar nos autos uma situação em que existe um contrato de trabalho celebrado com uma pluralidade de empregadores, conforme surge regulado no art. 92º do CT.
Como diz Catarina Carvalho –“Algumas Questões Sobre a Empresa E O Direito Do Trabalho No Novo Código Do Trabalho”, in A Reforma do Código do Trabalho, Coimbra Editora, pags. 438 e ss. – “Esta relação jurídica caracteriza-se pela existência de um único vínculo contratual que liga o trabalhador a uma pluralidade de entidades, as quais assumem concomitantemente a posição de entidade empregadora. Deparamos, assim, com um caso de contitularidade da posição de empregador, a qual pode ser originária ou sucessiva. Em ambas as hipóteses, temos sempre uma relação laboral "entre duas partes", não existindo qualquer vestígio de "triangularidade", característica de outras configurações (designadamente, da cedência ocasional), embora uma dessas "partes" seja integrada por várias entidades. Trata-se, assim, de mais um instrumento jurídico a que as partes podem recorrer para conseguirem a circulação interempresarial de trabalhadores (ver, desenvolvidamente, Ac. do Tribunal da Relação do Porto, com o nº convencional: JTRP00039033, Relator: Machado da Silva, de 27-03-2006, disponível no sítio da DGSI)”.
Assim, na situação presente, poderia configurar-se, pelo menos do ponto de vista formal, um exemplo de contitularidade sucessiva traduzida numa modificação subjectiva do contrato de trabalho, pois, tendo os trabalhadores celebrado o negócio jurídico com uma única empresa do grupo, para quem desenvolviam inicialmente a sua actividade, passam, a partir de certo momento, a realizá-la também para outras entidades pertencentes a esta configuração empresarial, as quais assumem a posição de empregador ao lado do primeiro contraente.
Perante tal quadro fáctico, aplicar-se-ia o disposto no art. 92º, nº 3, do CT, que estabelece: “Os empregadores beneficiários da prestação de trabalho são solidariamente responsáveis pelo cumprimento das obrigações que decorram do contrato de trabalho celebrado nos termos dos números anteriores cujo credor seja o trabalhador ou terceiros”.
Todavia, julgamos bem não ser essa a solução mais adequada para qualificar a relação entre os autores e os diferentes réus à luz, desde logo, da matéria alegada pelos autores.
É a realidade factual que determina a forma jurídica e não o inverso, ou seja, a vontade das partes não pode afastar a subordinação jurídica quando ela estiver presente.
Ora, sucede que aqui a 2ª ré não tem qualquer autonomia perante a 1ª ré: foi criada exclusivamente para permitir o fluxo de fundos comunitários de molde a poderem os trabalhadores continuar a exercer as mesmas funções para o mesmo empregador, no caso a 1ª ré; tal conclusão resulta clara a partir da descrição dos factos provados.
Donde, terá que concluir-se que a entidade patronal dos autores foi, do primeiro ao último dia, a CC e só esta”.
Analisada a questão, concordamos com a referida solução defendida na sentença – e não alterada no acórdão recorrido –, e, em termos genéricos e essenciais, subscrevemos a fundamentação que suportou essa solução, isto não obstante a eliminação a que procedemos, acima em IV. B) do presente acórdão, das expressões “sob a direcção, orientação e fiscalização” e outras similares.
É que, apesar da eliminação dessas expressões, a factualidade assente suporta a conclusão a que a sentença chegou, como, aliás, já se podia intuir, dalgum modo, da própria sentença, na medida em que concretizou os dados de facto reveladores da existência de uma situação de subordinação jurídica dos AA. em relação à R. recorrente, situação que, para ela e para nós também, constitui a “pedra de toque” da natureza laboral de uma relação jurídica e também de quem é o efectivo empregador.
Ora, dessa factualidade provada retiramos índices suficientemente fortes, num juízo global, de que os AA. sempre estiveram integrados na organização económica da R. recorrente e submetidos, na realidade, aos poderes de direcção e de fiscalização desta, não obstante haver períodos cobertos por escritos em que figurava a 2ª R. DD como empregadora.
Afiguram-se-nos particularmente significativos, no sentido das referidas integração e submissão – aliás, alguns deles salientados na sentença - os seguintes factos avaliados em conjunto:
Apesar de, no contrato de trabalho sem termo, celebrado, em 13.5.2002, com o A. AA figurar como entidade patronal a 2ª R., na realidade o A. sempre continuou a exercer a sua actividade para a primeira ré (11 e 14), actividade depois discriminada nos factos seguintes;
Na organização dos processos tendentes à obtenção dos financiamentos, a primeira ré apresentava o A. como um dos seus quadros técnicos (18);
Desde 21.10.1997 e até ao dia 5.5.2005 esse A. sempre exerceu a sua actividade para a 1ª R., dentro do horário e no local que lhe eram destinados por esta, mesmo após a mesma ter comunicado a intenção de fazer cessar o contrato a termo de 2.12-2002, com efeitos a partir de 31.12.2004 (24, 30 a 39);
O facto de a 1ª Ré ter deixado de proceder ao pagamento ao A. AA dos salários desde Janeiro de 2005, não obstante já ter feito cessar o aludido contrato a termo de 2.12.2002, o que reforça a ideia de que a efectiva empregadora era ela e não a 2ª R.. (46).
E idênticos ou similares factos, com igual força indiciária de que a empregadora do outro A., BB, era também a R. recorrente (1ª R.) se mostram assentes.
Podemos citar, a propósito, os factos 11, 14 , 21, 31, 35 a 39, 40, 41, 52 a 55 e 61 (neste último deu-se como assente que as alternâncias formais de entidade patronal tinham como finalidade, além do mais, evitar que o referido A. pudesse, atento o decurso do tempo, converter os contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo).
No contexto referido, entendemos, à semelhança da sentença, que a empregadora dos AA., mesmo no período posterior a 1 de Janeiro de 2005 (abrangendo, portanto, o período até à efectivação da resolução dos contratos pelos AA.), sempre foi a 1ª ré.
3 - Da (im)possibilidade legal da resolução dos referidos contratos de trabalho, após a comunicação das suspensão dos mesmos.
Antes de mais, cumpre consignar o regime legal aplicável in casu.
Atendendo a que os factos invocados como fundamentos da justa causa de resolução dos contratos de trabalho por parte dos AA. ocorreram após 1 de Dezembro de 2003, data da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, é o regime desse Código o aplicável à averiguação da mencionada justa causa, nos termos dos art.ºs 3º, n.º 1 e 8º, n.º 1 da referida Lei.
Admitindo a hipótese de ser considerada a entidade patronal dos AA., invoca a R. recorrente que, tendo os AA., mediante carta datada de 02.05.2005, comunicado a suspensão da prestação de trabalho, não podiam, posteriormente, por carta datada de 04.05.2005, rescindir o mesmo contrato de trabalho, com o mesmo fundamento de falta de pagamento dos salários. Tendo-o feito, é tal resolução, para além de infundada, ilícita.
Defende ainda a R. que a resolução do contrato não é fundamentada em justa causa.
Esta questão não foi apreciada na 1ª instância uma vez que não fora aí suscitada pelas RR., vindo apenas a sê-lo na alegação da apelação.
O tribunal da Relação, confirmando a decisão proferida na 1ª instância, apreciou expressamente a questão levantada pela R. recorrente relativa à impossibilidade legal de os AA. procederem à resolução dos respectivos contratos, após terem comunicado a sua suspensão, por falta de pagamento das respectivas retribuições – não obstante referir que se tratava de uma questão nova – afirmando não se verificar essa impossibilidade.
Para tanto, discorreu da seguinte forma:
« (…) vejamos agora se tendo os AA. suspendido o seu contrato de trabalho (não) podem, posteriormente, “rescindir o mesmo contrato de trabalho, com o mesmo fundamento.”
A este propósito vem provado que em 2 de Maio de 2005, os AA. comunicaram às duas primeiras rés que suspendiam o contrato de trabalho que mantinham com as duas empresas por não pagamento das remunerações de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2005, tendo decidido, dois dias depois, resolver o mesmo contrato através da comunicação referida em 43º e 47º, respectivamente, ao constatar, em conversa mantida com os responsáveis daquelas rés, que a situação de não pagamento pela entidade patronal iria manter-se.
Esta questão, que no âmbito da pretérita Lei nº 17/86, de 14-06 (lei dos salários em atraso), rectius do seu art. 3º/1, suscitou alguma controvérsia, mostra-se agora resolvida com a publicação e vigência do actual Código do Trabalho aprovado pela L 99/2003, de 27-8, e designadamente pelo respectivo diploma regulamentar (L 35/2004, de 29-7), ao estabelecer no seu art. 308º/1 que “quando a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongue por um período de 60 dias sobre a data do vencimento, o trabalhador independentemente de ter comunicado a suspensão do contrato de trabalho, pode resolver o contrato nos termos previstos no nº 1 do art. 442º do Código do Trabalho.”
Esta é justamente a situação que se nos depara na hipótese sub iudice, ou seja, após terem comunicado a suspensão do respectivo contrato, os AA. decidiram resolver o mesmo contrato pela comunicação referida em 43 e 47 dos factos provados, ao constatar em conversa mantida com responsáveis das rés, que a invocada situação de não pagamento das remunerações de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2005 iria manter-se.
Como tal situação é aquela que em sede de interpretação meramente declarativa o normativo transcrito, parece-nos, visa tutelar, ao prescrever que “[o trabalhador] independentemente de ter comunicado a suspensão do contrato de trabalho, pode resolver o contrato nos termos previstos no nº 1 do art. 442º do Código do Trabalho” , é manifesto que, também esta questão tem, em consequência, de improceder.
Diga-se, aliás, que esta questão, ora aduzida nas conclusões 51º e 52º da alegação do recurso nos surge como uma questão nova e que, por isso, não foi apreciada na sentença recorrida. Mas sendo assim – como nos parece –, sempre estaria esta Relação impossibilitada de a conhecer, porquanto os recursos destinam-se a obter o reexame de questões já apreciadas pelos tribunais inferiores e não a conhecer de matérias novas não submetidas a exame do tribunal de que se recorre.
Nesta conformidade, e também neste enfoque, a solução é o não sufrágio daquelas conclusões adrede formuladas pela apelante, o que assim hic et nunc se impõe declarar».
Anuímos, no essencial, a este entendimento.
Como decorre das conclusões da revista apresentada pela R., a mesma não questiona a forma ou o período de tempo em que os AA. procederam à resolução, antes enfoca a sua irresignação quanto à não possibilidade de os mesmos terem procedido à resolução do contrato após terem procedido à suspensão do mesmo.
O que faz, diga-se desde já, sem razão.
O art. 308.º, nº 1 da Lei 35/2004, de 29 de Julho (RCT), que regulamenta o Código do Trabalho consigna, expressamente, a possibilidade do trabalhador proceder à resolução do contrato de trabalho por falta de pagamento da retribuição após ter procedido à suspensão do mesmo, pois a expressão, “independentemente” traduz que tal direito à resolução assiste ao trabalhador quer tenha, quer não, procedido, em data anterior, à suspensão do contrato, exactamente por causa da falta de pagamento da retribuição.
O que bem se compreende e está mesmo em correlação lógica, quer com os tempos legalmente previstos para a possibilidade da suspensão e da resolução, quer com os efeitos, ou consequências legais, derivadas do uso de uma ou outra daquelas possibilidades.
É certo que, em ambas as situações, é pressuposto o incumprimento da obrigação principal emergente do contrato de trabalho por parte do empregador e, perante esse incumprimento, é facultada ao trabalhador a “desoneração” do cumprimento da sua contra-prestação, por isso se falando, no âmbito da suspensão, de uma “modalidade atípica de suspensão contratual”, correspondente à adaptação, no foro laboral, à figura da excepção de não cumprimento do contrato (4) .
A suspensão do contrato é transitória e não determina a cessação dos efeitos decorrentes do vínculo, mas antes “congela” tais efeitos, ficando o trabalhador desobrigado de prestar o trabalho face ao não cumprimento, por parte do empregador, da obrigação principal deste de pagar a respectiva retribuição, mantendo-se todos os restantes direitos, deveres e garantias das partes (art. 304.º RCT). Contudo, o vínculo “revitaliza-se” quando o empregador procede ao pagamento das retribuições em dívida, ficando o trabalhador obrigado a, perante esse pagamento – se não resolveu o contrato –, prestar o seu trabalho (art. 305º RCT).
A suspensão é, necessariamente, transitória e cessa pelo retorno do trabalhador à actividade ou com a cessação do vínculo contratual, não se requerendo, em qualquer uma dessas situações um comportamento culposo do empregador (5) .
Com a resolução do contrato, o trabalhador faz cessar, em definitivo, o vínculo que o unia ao empregador, extinguindo-se, dessa forma todos os direitos e deveres que reciprocamente os vinculava.
Como resulta do exposto, a suspensão do contrato não prejudica a posterior resolução do mesmo, nem a resolução está dependente da verificação de qualquer prazo que haja de decorrer após a comunicação da suspensão do contrato.
Como refere Romano Martinez-(6) , a resolução pode ser requerida pelo trabalhador, independentemente de ter pedido a suspensão do contrato, depois de decorridos sessenta dias de incumprimento da prestação retributiva, nos termos previstos no nº 1 do artigo 442.º do CT.
Também Paula Quintas e Hélder Quintas- (7)., em anotação ao art. 364º do CT, consignam que o art. 308.º do RCT “…vem permitir a resolução contratual independentemente do trabalhador ter procedido à suspensão do contrato, resolvendo assim a dúvida que advinha do regime anterior, quanto à autonomia ou dependência dos dois regimes”.
Ou ainda, como refere João Leal Amado- (8), “A suspensão da prestação de trabalho poderá cessar por qualquer das vias estabelecidas no art. 327º do CT. Prevê este preceito que a suspensão cesse em virtude de uma actuação patronal (o pagamento integral das retribuições em dívida e juros de mora), devido a um acordo entre as partes (tendente à regularização das retribuições em dívida e juros de mora) ou por parte do trabalhador (comunicando este ao empregador e ao serviço com competência inspectiva que põe termo à suspensão a partir de determinada data). Acresce, contudo, que a vontade de o trabalhador terminar com a suspensão do contrato tanto poderá redundar no seu regresso ao trabalho como, pelo contrário, traduzir-se na dissolução do vínculo mediante resolução, ao abrigo do disposto no art. 394º. Na verdade, e em tese, nada impede a utilização sucessiva destes dois meios reactivos por parte do trabalhador lesado, modulando a resposta em função da gravidade/duração da mora patronal. Assim, o trabalhador poderá, primeiro, limitar-se a adormecer o contrato e, mais tarde, mantendo-se a falta de pagamento (isto é, avolumando-se a mora patronal), ele poderá matar o vínculo laboral, resolvendo o contrato com justa causa. Esta reacção a dois tempos é, aliás, inteiramente lógica e compreensível, sendo expressamente admitida pelo CT de 2003 e respectiva regulamentação.” (sublinhado nosso).
Ora, no caso dos autos, atentos os factos provados, constata-se que os AA. procederam à resolução dos respectivos contratos de trabalho dois dias depois de terem comunicado à R. que pretendiam suspender os mesmos, e fizeram-no porque, entretanto, vieram a saber que se manteria a situação de não pagamento das suas retribuições (factos provados sob os nºs 60 e 63). Esta situação apresenta-se mesmo como lógica e coerente, pois os AA ao suspenderem os respectivos contratos pressuporiam que a R. procederia, entretanto, ao pagamento das respectivas retribuições e, como tal, não tinham ainda o conhecimento de que essa situação de não pagamento se iria prolongar no tempo, admitindo, assim, estarem perante uma situação, à partida transitória. Através da aludida conversa mantida com os responsáveis das RR., os AA. constataram que esse incumprimento se iria manter e, perante esse dado novo, ponderaram o seu interesse em manter o vínculo, ou em o fazer cessar, tendo, face a esses novos elementos, entendido que preferiam extinguir o contrato.
Como supra se explicitou, nada na lei impedia que pudessem proceder a essa resolução, mostrando-se verificados os respectivos requisitos – de falta de pagamento das retribuições e da tempestividade da comunicação de resolução – como no caso se verificam, e foi afirmado no acórdão recorrido, o que, aliás, não é, sequer, questionado pela R.
Desta forma, improcedem as conclusões da R. formuladas sob os nºs 29º a 36º.
4 – Da (in)existência dos pressupostos para a resolução com justa causa dos contratos de trabalho realizada pelos AA.
Encontrando-se afirmada a possibilidade legal dos AA. procederem à resolução dos respectivos contratos de trabalho, após terem comunicado a suspensão dos mesmos, resta, agora, apreciar se se verificam, no caso, os pressupostos para a afirmação da justa causa dessa resolução.
Na 1ª instância, foi esta questão expressamente apreciada, indagando-se das formalidades inerentes à resolução e da existência da justa causa para o efeito, tendo a sentença afirmado a sua verificação no caso concreto, o que se fez nos seguintes termos:
«Os autores, por carta registada, em 4 de Maio de 2005, enviaram às Rés uma comunicação escrita na qual procediam à resolução unilateral do contrato de trabalho existente designadamente por falta de pagamento atempado das retribuições salariais correspondentes aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2005, o que constitui justa causa de despedimento nos termos na al. a) do nº2 do art. 441º do Código do Trabalho.
Nos termos do disposto no art. 308º da Lei nº35/2004, de 29 de Julho, “quando a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongue por período de 60 dias sobre a data de vencimento, o trabalhador, independentemente de ter comunicado a suspensão do contrato de trabalho, pode resolver o contrato nos termos previstos no nº 1 do art. 442º do Código do Trabalho.
Por sua vez, o art. 441, n.º 1, do Código do Trabalho, determina que, “ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato.”
Por sua vez, o n.º 2 refere que “constituem justa causa de resolução do contrato, nomeadamente, os seguintes comportamentos culposos do empregador:
“ falta culposa do pagamento pontual da retribuição (alínea a) )”.
A declaração de resolução deve ser feita pelo trabalhador por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento desses factos (art. 442º, nº 1 do CT).
Compete ao trabalhador provar a existência do comportamento do empregador (art. 342, n.º 1, do Código Civil), e à entidade patronal demonstrar que esse comportamento não procede de culpa sua, nos termos do art. 799, do mesmo diploma legal.
Provou-se que os autores receberam os vencimentos de Janeiro a Maio de 2005 apenas no dia 11 de Maio desse ano já após terem resolvido o contrato de trabalho.
Importa, desde já, referir que não se verifica a caducidade pelo decurso do prazo de 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos. Quer se entenda, como nós, que o não pagamento de salários pela entidade patronal ao longo de vários meses consubstancia um facto continuado ou duradouro, devendo contar-se apenas a partir do momento em que tiver cessado esse facto gerador do direito de resolução do trabalhador, quer se perfilhe a tese segundo a qual o pagamento de cada remuneração mensal constitui um facto instantâneo e, como tal, deverá computar-se o prazo de 30 dias a partir do não pagamento de cada uma das remunerações mensais em atraso, sempre se concluirá em qualquer das apontadas teses que os autores estariam dentro de prazo de 30 dias para comunicar por escrito a resolução do contrato de trabalho.
Outramente, a secundar-se a tese dos réus, teríamos que a entidade patronal poderia não mais pagar os vencimentos aos autores uma vez que já em Fevereiro de 2005 estes ter-se-iam apercebido desse não pagamento e como tal nunca mais poderiam reagir nos moldes em que o fizeram; solução perversa e insustentável.
Analisando a substância deste fundamento, temos que apenas se verifica justa causa para o trabalhador resolver o contrato de trabalho, motivadamente e com direito a indemnização, desde que se verifiquem os seguintes elementos:
- Comportamento da entidade empregadora enquadrável em qualquer das alíneas do n.º 2, do citado art. 441 (elemento objectivo);
- Que esse comportamento possa ser imputado à entidade empregadora a título de culpa (elemento subjectivo);
- Que tal comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível, a subsistência da relação de trabalho, em termos de não ser exigível ao trabalhador a conservação do vínculo laboral (elemento causal).
Estando assente o primeiro requisito, temos que, como vimos, competiria à 1ª ré demonstrar que esse comportamento (não pagamento durante 5 meses dos salários) não procederia de culpa sua.
Manifestamente, essa prova não foi feita, demonstrando-se, ao invés, que, em relação ao autor AA, a 1ª Ré minutou um novo contrato de trabalho a termo certo, com início em 1 de Janeiro de 2005 e termo em 31 de Maio de 2005, que pretendia que o autor aceitasse, tendo sido a recusa deste a assinar o mesmo por pretender garantias de efectividade nas suas funções que levou a 1ª Ré a deixar de proceder ao pagamento dos respectivos salários desde Janeiro de 2005, numa tentativa de o levar a aceitar aquele novo contrato de trabalho a termo certo, o que viria a conseguir em relação a dois outros colegas do autor que se encontravam nas mesmas circunstâncias. Do mesmo modo, quanto ao BB não logrou a ré produzir qualquer prova, como lhe competia, no sentido de afastar a culpa existente da sua parte sendo certo que também este autor se viu compelido a resolver o contrato ao constatar, em conversa mantida com os responsáveis das rés, que a situação de não pagamento pela entidade patronal iria manter-se, mesmo após já ter suspenso, em 2 de Maio, o seu contrato de trabalho.
Ao invés, resultou não provado que as dificuldades económicas sentidas pela 1ª ré fossem a causa do não pagamento, durante 5 longos meses, das remunerações dos autores.
Este não pagamento reiterado de vencimentos que iria continuar mesmo após o uso do mecanismo da suspensão de contrato de trabalho pelos trabalhadores tornou imediata e praticamente impossível, a subsistência da relação de trabalho, em termos de não ser exigível ao trabalhador a conservação do vínculo laboral. Tal inferência resulta das normas do senso comum tanto mais que os autores não tinham outra fonte de subsistência, provando-se os requerentes tiveram dificuldade em cumprir com obrigações assumidas para com terceiros por força, atravessando dificuldades económica na sua vida pessoal e familiar. Um terá recorrido à ajuda dos pais, o outro à ajuda estatal, através de uma licença de paternidade, para ir gerindo uma situação de enorme delicadeza, mas naturalmente que cinco meses decorridos a situação tornou-se insustentável, não sendo razoável impor a manutenção do vínculo laboral.
Em síntese, dir-se-á que o primeiro dos fundamentos invocados pelos autores para resolver o contrato com justa causa, mostra-se legítimo e fundado.
No que concerne aos demais fundamentos, dir-se-á que a invocada lesão culposa de interesses patrimoniais constitui não tanto um fundamento autónomo mas uma decorrência do primeiro fundamento já tido como procedente ao passo que uma alegada violação culposa das garantias legais e convencionais por ausência de perspectivas de continuidade de exercício da actividade profissional também não surge claramente delimitada tanto mais que, entendemos nós, os autores mantinham um contrato de trabalho de duração indeterminada com a 1ª ré.
De todo o modo, assiste aos autores justa causa para resolução do contrato por força do preenchimento do pressuposto previsto na alínea a) do art. 441º, nº 2 (falta culposa do pagamento pontual da retribuição)».
No Tribunal da Relação, confirmando-se o decidido na 1ª instância, consignou-se, a este propósito, no acórdão, o seguinte:
«3. Saber se (não) existia justa causa para os AA. resolverem os respectivos contratos de trabalho.
De facto, os AA., por carta registada, em 4 de Maio de 2005, enviaram às Rés uma comunicação escrita na qual procediam à resolução unilateral do contrato de trabalho inter-vigente, invocando, designadamente, falta de pagamento atempado das retribuições salariais correspondentes aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2005, o que – alegam – constitui justa causa de despedimento nos termos na al. a) do nº 2 do art .441º do Código do Trabalho.
É sabido, porém, que, nos termos do disposto no art. 308º da Lei nº35/2004, de 29 de Julho, “quando a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongue por período de 60 dias sobre a data de vencimento, o trabalhador, independentemente de ter comunicado a suspensão do contrato de trabalho, pode resolver o contrato nos termos previstos no nº 1 do art. 442º do Código do Trabalho”.
Por sua vez, no art. 441º/1 do Código do Trabalho (doravante apenas CT), estabelece-se que “ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho”
E no nº 2 explicita-se que “constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
a) falta culposa de pagamento pontual da retribuição”
E como procedimento imposto para o efeito, precisa-se no art. 442º/1 do CT que “a declaração de resolução seja feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento desses factos.”
Todavia, como é sabido, a justa causa (subjectiva) deve ser aferida em concreto, segundo os critérios de apreciação da justa causa disciplinar indicados no art. 396º/2 com as necessárias adaptações, tal como dispõe o art. 441º/4 do CT.
Assim, nesta perspectiva, são três os requisitos cumulativos que sobressaem para que o trabalhador possa resolver o contrato de trabalho:
-Um de natureza objectiva: comportamento do empregador violador dos direitos ou garantias do trabalhador, indicados no nº 2 do art. 441º com carácter meramente exemplicativo;
-Outro de natureza subjectiva: comportamento imputável ao empregador a título de culpa;
-E que desse comportamento resulte uma situação, cuja gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível para o trabalhador a subsistência do vinculo laboral.
Porém, se a prova do comportamento do empregador recai sobre o trabalhador (art. 342º/1 do CC); ao empregador, por seu turno, cabe demonstrar que esse comportamento não provém de culpa sua (art. 799º/1 do CC).
Isto posto, analisando agora a situação em concreto, verificamos que se provou, no essencial e a este propósito, a seguinte factualidade:
- Não foram pagos aos AA. os vencimentos correspondentes aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2005 e que apenas em 11.Maio de 2005, os AA. receberam as retribuições em atraso;
- Em 4.[Maio].2005, com base na falta de pagamento atempado de tais retribuições salariais, os AA. procederam à resolução do respectivo contrato de trabalho.
- A omissão dos pagamentos dos salários originou uma grave situação económico-financeira para o A. AA A., que se viu impossibilitado de cumprir com obrigações assumidas para com terceiros, designadamente o pagamento de um crédito hipotecário contraído para aquisição da sua casa de habitação, tendo de se socorrer de dinheiro emprestado por familiares para efectuar o pagamento dessas prestações.
- O A. BB por força do não pagamento das remunerações durante mais de quatro meses, viu-se impossibilitado de cumprir com obrigações assumidas para com terceiros, atravessando dificuldades económica na sua vida pessoal e familiar.
Ora, como resulta destes factos, está provada objectivamente a falta de pagamento de retribuições salariais aos AA. respeitantes a quatro meses (Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2005), ou seja, os indicados na comunicação de resolução por cada um dos AA. remetida à Ré como fundamento resolutivo do respectivo contrato de trabalho.
Porém, a ré CC não ilidiu outrossim a presunção de culpa na falta de pagamento pontual daquelas retribuições, já que não provou factualidade tendente a demonstrar que envidou todos os esforços para reunir as condições que lhe permitissem efectuar o pagamento atempado de tais retribuições aos demandantes, seus trabalhadores.
Ou, como bem se diz na sentença recorrida, “manifestamente, essa prova não foi feita, demonstrando-se, ao invés, que, em relação ao autor AA, a 1ª Ré minutou um novo contrato de trabalho a termo certo, com início em 1 de Janeiro de 2005 e termo em 31 de Maio de 2005, que pretendia que o autor aceitasse, tendo sido a recusa deste a assinar o mesmo por pretender garantias de efectividade nas suas funções que levou a 1ª Ré a deixar de proceder ao pagamento dos respectivos salários desde Janeiro de 2005, numa tentativa de o levar a aceitar aquele novo contrato de trabalho a termo certo, o que viria a conseguir em relação a dois outros colegas do autor que se encontravam nas mesmas circunstâncias. Do mesmo modo, quanto ao BB não logrou a ré produzir qualquer prova, como lhe competia, no sentido de afastar a culpa existente da sua parte sendo certo que também este autor se viu compelido a resolver o contrato ao constatar, em conversa mantida com os responsáveis das rés, que a situação de não pagamento pela entidade patronal iria manter-se, mesmo após já ter suspenso, em 2 de Maio, o seu contrato.”
Também as invocadas ‘dificuldades económico-financeiras’ não apresentam a virtualidade de ilidir (iuris tantum) a presunção de culpa, porquanto para além de se tratar, como vimos, de facto conclusivo, como tal subsumível ao art. 646º/4 do CPC, outrossim ficamos sem saber, em concreto, qual a real situação da ré, porquanto desconhecemos se existia ou não qualquer passivo e a existir se o mesmo derivou de boa ou má gestão da sua gerência.
De qualquer modo, impunha-se que a R. provasse concretamente e em termos factuais a existência de dificuldades económico-financeiras, bem como as medidas empreendidas para eliminar ou reduzir tais dificuldades bem como de eventual passivo, assim afastando, pela prova do contrário, a culpa presumida decorrente do disposto, em sede de responsabilidade contratual, pelo art. 799º/1 e 350º /2 - ambos do Código Civil.
Não tendo a R./apelante feito a prova de que a falta de pagamento da retribuição não procede de culpa sua e tendo os AA., cumprindo o seu ónus (art. 342º/1 do CC), logrando provar a falta de pagamento das retribuições, afigura-se-nos que ocorreu in casu justa causa para a resolução do contrato, nos termos evidenciados.
Aliás como a tal respeito igualmente se acrescenta na decisão impugnada:
“Este não pagamento reiterado de vencimentos que iria continuar mesmo após o uso do mecanismo da suspensão de contrato de trabalho pelos trabalhadores tornou imediata e praticamente impossível, a subsistência da relação de trabalho, em termos de não ser exigível ao trabalhador a conservação do vínculo laboral. Tal inferência resulta das normas do senso comum tanto mais que os autores não tinham outra fonte de subsistência, provando-se os requerentes tiveram dificuldade em cumprir com obrigações assumidas para com terceiros, atravessando dificuldades económica na sua vida pessoal e familiar. Um terá recorrido à ajuda dos pais, o outro à ajuda estatal, através de uma licença de paternidade, para ir gerindo uma situação de enorme delicadeza, mas naturalmente que cinco meses decorridos a situação tornou-se insustentável, não sendo razoável impor a manutenção do vínculo laboral.”
Assim sendo, dir-se.á, em suma, que o fundamento da falta de pagamento atempado das retribuições invocado pelos autores, para resolver com justa causa o contrato de trabalho que vigorou desde Outubro 1997 e 5.Maio.2005, entre os AA. e a R. CC, se mostra, portanto, ‘legítimo e fundado’, dele decorrendo o direito à indemnização arbitrada a quo.
Consequentemente, na improcedência do acervo conclusivo, deve manter-se a decisão impugnada».
Efectivamente, estando demonstrada a falta de pagamento das retribuições dos AA., referentes aos 4 meses anteriores à data da resolução dos respectivos contratos de trabalho, essa falta é, objectivamente, imputável à R. e, necessariamente, causa prejuízos aos AA., desde logo, por se verem privados da fonte de rendimentos para procederem ao seu sustento e dos respectivos agregados familiares.
A retribuição é o móbil principal para a realização da prestação de trabalho, por parte de qualquer trabalhador, sendo com base nela que o trabalhador organiza a sua vida, assumindo encargos e disponibilizando meios para a sua subsistência, ficando esta em risco perante a falha da percepção desse rendimento.
Assim, a privação por um período já considerável (mais de 4 meses) da retribuição demonstra a inexigibilidade, por parte dos AA., de manterem o vínculo laboral com a R., tanto mais que esta lhes transmitiu que essa falta de pagamento se iria prolongar no tempo.
Como vem sendo jurisprudência firmada por este Supremo, e se consignou, entre outros, no acórdão desta Secção do Supremo (9) proferido em 25.03.2009, o não pagamento da retribuição a que o trabalhador tem direito constitui uma violação dos deveres contratuais a que o empregador está obrigado, sendo que esse incumprimento contratual não se consuma no momento em que o empregador entrou em mora, mas mantém-se enquanto a mora perdurar, agravando, desse modo e cada vez mais, a conduta do empregador e tornando a manutenção do vínculo laboral por parte do trabalhador, cada vez mais insustentável.
Os factos invocados pelo trabalhador para resolver o contrato de trabalho com justa causa têm de ser apreciados, com as devidas adaptações, à luz do conceito de justa causa dada pelo legislador a propósito da justa causa de despedimento por facto imputável ao trabalhador. Todavia, no juízo de prognose acerca da inexigibilidade da manutenção do vínculo laboral, o grau de exigência tem de ser menor do que o utilizado na apreciação da justa causa em caso de despedimento, uma vez que o trabalhador, quando lesado nos seus direitos, não tem formas de reacção alternativas à resolução, ao contrário do que acontece com o empregador que dispõe de sanções disciplinares de natureza conservatória, para reagir a determinada infracção cometida pelo trabalhador.
Ora, atentas as circunstâncias de facto provadas nos autos, em concreto a falta de pagamento da retribuição de cada um dos AA., por mais de 4 meses, com a informação dada aos mesmos, de que essa falta de pagamento se iria prolongar por mais tempo, está demonstrada a violação dos deveres contratuais da R. em relação aos AA., sendo certo que a culpa daquela se presume, desde logo, face a esse comportamento.
Por outro lado, é evidente que não seria exigível aos AA. manterem-se vinculados à R. pois não se encontravam a receber qualquer valor de retribuição, estando, ainda, provado que, cada um deles, por causa disso, passou a ter prejuízos e dificuldades acrescidas, que tornearam com apoios de familiares ou do próprio Estado.
Assim, tal como afirmaram ambas as instâncias, estão, in casu, verificados os requisitos para a resolução do contrato, por parte dos AA., improcedendo, também, as conclusões da revista sob os n.ºs 20.º a 28.º.
V. Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas a cargo da R./recorrente.
Lisboa, 14 de Abril de 2010
Mário Pereira (Relator)
Sousa Peixoto
Sousa Grandão
______________________
(1) - Facto eliminado pelo acórdão da Relação.
(2) - Facto eliminado pelo acórdão da Relação (o qual correspondia, aí, ao facto n.º 61, dada a existência de dois factos com o n.º 25).
(3)- Cfr. acórdãos desta Secção, datados de 16.01.2008, revista nº 1937/07; 27.02.2008, revista nº 2892/07; 07.05.2008, revista nº 148/08; 08.10.2008, revista nº 1328/08; 14.05.2009, revista nº 2315/2008; 17.06.2009, revista n.º 3845/08 e de 25.06.2009, revista nº 4022/08, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
(4)- João Leal Amado, Temas Laborais (90-91), pág. 83.
(5)- Vide Pedro Romano Martinez, “Direito do Trabalho”, Almedina, 3ª edição, pág. 765.
(6)- “Código do Trabalho Anotado”, Almedina, 5ª edição, pág. 641.
(7)- “Código do Trabalho Anotado e Comentado”, Almedina, 4ª edição.
(8)- In “Contrato de Trabalho, à luz do novo Código do Trabalho”, Coimbra editora, 2009, pág. 348-349.
(9)- No âmbito da revista n.º 3767/08 – 4ª Secção, disponível in www.dgsi.pt.