Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
45/1999.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: ACESSÃO INDUSTRIAL
REQUISITOS
BENFEITORIAS
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
INTERPRETAÇÃO DE DOCUMENTO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : I - Constituem requisitos da acessão industrial imobiliária: a) que a incorporação realizada resulte de um acto voluntário do interventor na feitura de uma obra, sementeira ou plantação; b) que essa incorporação seja efectivada em terreno que não lhe pertença ou seja propriedade de outrem; c) que os materiais utilizados pertençam ao interventor/autor da incorporação; d) que da incorporação resulte a constituição de uma unidade inseparável, permanente, definitiva e individualizada entre o terreno e a obra, sementeira ou plantação; e) que o valor acrescentado pela obra, sementeira ou plantação adicione valor (económico e substantivo) àquele que o prédio possuía antes de ter sofrido a incorporação; f) que o interventor tenha agido de boa fé (psicológica); e, g) que actue potestativamente de modo a formular uma pretensão de adquirir para si o direito de propriedade da coisa que sofreu a sua intervenção.

II - Para que surja o direito à indemnização por benfeitorias realizadas em terreno alheio torna-se necessário que aquele que as realiza aja na qualidade de possuidor. Não existindo qualquer vínculo possessório entre o benfeitor e a coisa onde os melhoramentos foram efectuados, a incorporação de materiais próprios em terreno alheio, o autor da incorporação não tem direito a ser indemnizado pela obra que haja realizado em terreno alheio.

III - Na interpretação de uma declaração, o intérprete deve considerar como elementos integradores do sentido vertido num texto: 1.º) o teor literal do texto, ou seja, as expressões verbais utilizadas, pois são estas que exprimem o pensamento querido (e deve entender-se que a pessoa se expressou de forma adequada e com a mais correcta forma vocabular); 2.º) as envolventes histórico-sociais que permitam o enquadramento discursivo e a sediação do espaço temporal em que a declaração foi emitida; 3.º) as condicionantes pessoais e subjectivas que determinaram a emissão da declaração.
Decisão Texto Integral:
Recorrente: AA.

Recorrida: BB.

I. – RELATÓRIO.

Em dissensão com o julgado prolatado na apelação que havia sido interposta da decisão da 1.ª instância traz o recorrente, AA, o presente recurso de revista, para o que fá de atender ao sequentes,

I.1. – ANTECEDENTES PROCESSUAIS.

BB instaurou contra AA a presente acção declarativa, com processo ordinário, pedindo a condenação do réu a reconhecer que a autora é comproprietária do prédio urbano sito na Fontinha, Porto Santo, e a entregá-lo à autora, livre e desocupado, bem como a abster-se de quaisquer actos de violência contra a A.

Para tanto, alega, em síntese, que, por óbito de seus pais, o prédio identificado na p.i. ficou a pertencer à autora e demais herdeiros.

A autora habita o prédio desde 1986, e desde Março de 1993 até Março de 1996, ali viveu com o réu, com quem mantinha um relacionamento amoroso.

Este, porém, aproveitando-se da ausência da autora no estrangeiro, introduziu-se novamente na casa, tendo mudado as fechaduras da porta.

O réu recusa sair da casa, ameaçando agredir e matar a autora se lá entrar.

Na contestação apresentada, o réu defende-se, por excepção – ilegitimidade da A., conquanto desacompanhada dos demais herdeiros – e por impugnação, tendo, nesta sede, alegado, em síntese, que:

As anteriores proprietárias, após a realização de escritura de compra e venda, procederam à divisão da casa – que era constituída por um único quarto, tendo construído uma parede que dividiu a divisão ao meio ficando cada um com a área de 9 m22, bem como o quintal adjacente do prédio, com um muro divisório, tendo sido constituídas duas unidades prediais distintas e autónomas, passando a casa virada a sul a ser habitada pela CC, mãe da Autora.

Desde 1947, a casa virada a Sul passou a ser utilizada exclusivamente pelos pais da autora e seus filhos, à vista de todos, como se fosse coisa sua, sem oposição de ninguém, continuadamente e de boa fé.

Em 1992, a mãe da autora e os respectivos filhos autorizaram o réu a construir, no terreno da sua casa, virada a Sul, uma nova casa para servir de habitação à autora e ao réu.

Em 1996, a autora saiu de casa e ausentou-se para a Venezuela, deixando o réu a viver sozinho.

Regressada do estrangeiro, a autora forçou a entrada na dita casa, não tendo o réu consentido.

Em reconvenção, alegando que construiu de raiz a casa acima referida, suportando integralmente o respectivo custo, pede que:

- A autora seja condenada a reconhecer que o réu adquiriu a casa, por acessão;

- Subsidiariamente, seja a autora condenada a indemnizar o réu pelas benfeitorias feitas no imóvel, no valor de Esc. 7.000.000$00.

Foi requerida a intervenção principal dos demais herdeiros, DD e outros, conforme consta de fls. 51 e segs., tendo o incidente sido admitido – cfr. fls. 58.

Foi apresentada réplica, na qual se invocou a compensação. O réu treplicou – cf. fls. 81 e 84.

Após vicissitudes processuais que para a sorte do presente recurso não relevam – cfr. relatório do acórdão revidendo - veio a acção ser decidida pela forma seguinte: a) - Julgou a acção totalmente improcedente, absolveu o réu do pedido; - Julgou a reconvenção totalmente procedente, declarou que o R. é o proprietário do prédio urbano inscrito da respectiva matriz predial urbana sob o art. ...º (por o ter adquirido mediante acessão industrial imobiliária) e condenou a A. e os intervenientes a reconhecer o direito de propriedade do réu; - Determinou a entrega à A. e chamados do quantitativo depositado pelo réu (ou seja, EUR 1.750,00), correspondente ao valor do terreno.

Na apelação mereceram apreciação as sequentes questões: “saber se pode conhecer-se do recurso interposto dos despachos de fls. 438 e ss. e 449; - Na afirmativa, saber se devem, ou não, ser revogados; - Saber se a sentença enferma de nulidade; - Saber se procede a excepção de caducidade invocada pelo apelante; - Saber se o prédio em causa reveste a natureza de «bem comum»; - Saber se estão verificados os requisitos da acessão industrial imobiliária.”

Da apelação que “concedendo provimento ao recurso” se acordou “em revogar a decisão recorrida, na parte em que julgou a reconvenção procedente e determinou a entrega à A. e chamados do quantitativo depositado pelo réu”, vem interposta a presente revista de que cujas alegações se dessume, em sinopse, o sequente,

I.2. – QUADRO CONCLUSIVO.

“I. Verificam-se todos os pressupostos da acessão industrial imobiliária, a favor do recorrente, como invocou em sede de Reconvenção e assim foi julgado em 1.ª Instância.

II. Designadamente, acha-se verificado o pressuposto da boa fé, uma vez que a obra ou incorporação feita pelo ora recorrente, Réu na acção, foi autorizada pelos donos do terreno, a A. BBe chamados.

III. Sendo que a boa fé deve existir no momento da incorporação e o recorrente iniciou as obras em 1992 e estas foram concluídas cm 1993.

IV. Também é certo que a aquisição da propriedade, por via da acessão, é o da verificação dos factos referidos (início e termo das obras) – arts. 1 317.º, alínea d) e 1340.º, n.º 1, do C.C.

V. No momento em que se afere a boa fé, correspondente ao momento de incorporação, ou melhor dizendo, após a conclusão da obra, a A. BBe R. AA mantinham ainda um relacionamento amoroso, que só terminou em 1996, ou seja, três anos após a conclusão das obras.

VI. Um e outro, assim como os chamados, não poderiam ter em mente que a autorização para a incorporação dependia de uma condição "imprópria", qual seja a de os litigantes manterem o relacionamento amoroso, pelos tempos fora e assim, eternamente vinculados a terem que viver no prédio, ambos eles, o que sempre conduziria a uma restrição da liberdade deles, em violação do disposto no art. 271.º, do C.C.

VII. A aquisição, por via da acessão, que é uma aquisição originária não se compadece com a consideração feita no acórdão, de que o R. AA não podia prevalecer-se da incorporação para "extrair benefícios que não lhe haviam sido concedidos". Isto porque, a A. BBe chamados não poderiam transmitir ao R. direitos sobre a casa que não lhes pertencia, mas antes ao R., e desde o momento da incorporação.

VIII. Desde Abril de 1947 que os primitivos proprietários haviam dividido a propriedade, sendo que as casas adquiriram, desde então, individualidade, sendo uma inscrita na matriz sob o art. ....º e outra sob o art. ....º.

São prédios distintos e autónomos, que já o eram muitos anos antes da entrada em vigor do primeiro dos diplomas citados no acórdão em apreço; o DL 46673, de 29 de Novembro de 1965.

IX. Mesmo que, por absurdo, o autor da incorporação tivesse agido de má fé, valeria o disposto nos arts. 216.º, 1273.º e 479.º, do C.C.. Na verdade, tratam-se de benfeitorias úteis (art. 216.º, n.º 3) e tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a levantá-las, se tal for possível, ou, não o sendo, como acontece nos autos, tem que ser satisfeito pelo valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa (art. 1273.º).

Ora, a solução que a Relação encontrou, com a qual se discorda totalmente, conduz a que a A. BBe chamados fiquem donos do prédio (terreno e construção) sem nada pagarem a quem teve o encargo de construir de raiz o prédio urbano.

Mesmo que tivesse existido má fé, não se poderia deixar de atender ao pedido subsidiário feito pelo R. AA, na sua Reconvenção, de ver então satisfeito o seu direito a ser indemnizado pelas benfeitorias feitas.

X. Tendo o douto acórdão decidido como decidiu, desatendendo por completo o pedido reconvencional, feito pelo R. AA, violou as disposições citadas (arts. 1317.º, alínea d); 1340.º; 271.º; 216.º; 1273.º e 479.º, do C.C.).”

I.3. – QUESTÃO A SER OBJECTO DE APREECIAÇÃO.

Em vista das conclusões extractadas supra, estima-se dever ser objecto de apreciação, as questões a seguir enunciadas.

- Acessão Industrial Imobiliária; Requisitos; Boa fé; Benfeitorias.

II. – FUNDAMENTAÇÃO.

II.A. – DE FACTO.

Está definitivamente adquirido a factualidade que a seguir vai transcrita.

“1 - Por escritura pública outorgada em 08.04.1947, na Secretaria da Câmara Municipal do Concelho e Ilha de Porto Santo, EE declarou vender a FF e a CC, que declararam comprar, o direito e acção a três quartas partes de um prédio urbano que serve de moradia, sito no Lugar da F..., P... S..., sobre terreno de GG, cuja casa confina em todas as direcções com o dito GG e o terreno deste confina pelo Norte com HH, Sul com GG, Leste com a Rua da F... e Oeste com o Doutor II, inscrito na respectiva matriz sob o art. 377º – Alínea A).

2 - CC faleceu em 09.01.1993, no estado de viúva de JJ – Alínea B).

3 - A Autora, BB, e as chamadas, DD, LL, MM, NN, OO e PP, são filhas de CC e de JJ – Alínea C).

4 - Na data da escritura referida em A), o prédio ali identificado era composto apenas por uma casa com um quarto com cerca de 3 metros de largura por 6 metros de cumprimento (18 m2) e um quintal com cerca de 119 m2 – Alínea D).

5 - Após a escritura referida em A), FF e a CC dividiram o interior da casa, erguendo uma parede a meio, ficando a casa com dois quartos incomunicáveis, cada um deles com uma área de 9m2 – Alínea E).

6 - FF e CC dividiram, ainda, o quintal em duas partes com um muro divisório – Alínea F).

7 - Na sequência da divisão referida em E) e F) passaram a existir duas casas com os respectivos quintais, uma virada a Sul com a área global de cerca de 35 m2 e outra virada a Norte, com a área de cerca de 102 m2 – Alínea G).

8 - A casa virada a Sul, após a escritura referida em A), passou a ser utilizada exclusivamente por CC, marido e seus filhos, que dela se serviam, com exclusão de outros, para mudarem de vestuário nas mudas das roupas domingueiras, para guardarem objectos pessoais e outros fins caseiros – Alínea H).

9 - Anos após a escritura referida em A), QQ, filho de FF, fez obras de modificação e ampliação na casa e quintal virada a Norte, ocupando todo o referido espaço – Alínea I).

10 - Em 30 de Junho de 1993, no Cartório Notarial de Porto Santo foi outorgada escritura de justificação nos termos da qual se declarou que QQ e mulher RR são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano com a área total de 102,26 m2, ao Sítio da F..., freguesia e concelho de P... S..., a confrontar pelo Norte com FF, sul com GG e pelo Leste e Oeste o mesmo GG, inscrito na respectiva matriz sob o art. ...º -Alínea J).

11 - Presentemente, o prédio a que se reportam os autos encontra-se inscrito da respectiva matriz predial urbana sob o art. ...º e compõe-se no rés-do-chão, por sala, cozinha, casa-de-banho e despensa, e no primeiro andar, por dois quartos e casa-de-banho – Alínea L).

12 – Em 1993, A. e R. mantinham um relacionamento amoroso – Facto 1º da BI.

13 - Esse relacionamento terminou em 1996 – Facto 2º da BI.

14 - Em 1992, a parte sobrante do primitivo prédio, virada a Sul, encontrava-se degradada, chovendo por dentro – Facto 11º da BI.

15 - Como ninguém se servia dela, CC e os filhos autorizaram que o Réu a demolisse e fizesse uma nova casa para servir de habitação à Autora e ao Réu – Facto 12º da BI.

16 - O que o Réu fez, tendo-se iniciado a construção da casa em 1992 – Facto 13º da BI.

17 – Em 1993 as obras estavam concluídas – Facto 14º da BI.

18 - A "casa nova" foi feita de raiz, após prévia demolição da existente – Facto 15º da BI.

19 - E foi feito o rebaixamento do terreno em cerca de 1 metro – Facto 16º da BI.

20 - Tendo tudo sido feito manualmente, sem utilização de máquinas, assim como o transporte dos materiais de e para a estrada próxima – Facto 17º da BI.

21 - Foi o Réu quem pagou todos os trabalhos, custeando a mão-de-obra e os materiais – Facto 18º da BI.

22 - A Autora era doméstica – Facto 19º da BI.

23 - E nada despendeu com a construção da casa – Facto 20º da BI.

24 – O R. gastou na construção cerca de EUR 29.750,00 (vinte e nove mil, setecentos e cinquenta euros) – Facto 21º da BI.

25 - Presentemente o prédio vale cerca de 42.500 € (quarenta e dois mil e quinhentos euros) – Facto 22º da BI.

26 – O valor do solo onde a casa nova foi implantada era, à data, de cerca de 1.750,00 € (mil, setecentos e cinquenta euros), e presentemente de 3.500,00 € (três mil e quinhentos euros) – Facto 23º da BI.”

II.B. – DE DIREITO.

II.B.1. – Acessão Industrial Imobiliária; Requisitos; Boa fé; Benfeitorias.

II.B.1.a) - Acessão Industrial Imobiliária; Requisitos; Boa fé.

De harmonia com o estatuído no n.º1 do artigo 1340.º do Código Civil “[se] alguém, de boa fé, construir obra em terreno alheio, ou nele fizer sementeira ou plantação, e o valor que as obras, sementeiras ou plantação, tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, sementeiras ou plantações”,  “[entende-se que houve boa fé se o autor da obra, sementeira ou plantação desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno” - cfr. n.º 4 do artigo 1340.º, do Código Civil).

Para que o interventor/autor da obra, sementeira ou plantação possa reivindicar, com sucesso, o direito a aceder no direito de propriedade sobre o terreno onde as obras foram incorporadas, exige a lei que estejam verificados os sequentes pressupostos materiais ou substantivos: a) que a incorporação realizada resulte de um acto voluntário do interventor na feitura de uma obra, sementeira ou plantação; b) que essa incorporação seja efectivada em terreno que não lhe pertença ou seja propriedade de outrem; c) que os materiais utilizados na obra, sementeira ou plantação pertençam ao interventor/autor da incorporação; d) que da incorporação da obra, sementeira ou plantação resulte a constituição de uma unidade inseparável, permanente, definitiva e individualizada entre o terreno e a obra, sementeira ou plantação; [[1]/[2]] e) que o valor acrescentado pela obra, sementeira ou plantação acrescente valor (económico e substantivo) aquele que o prédio possuía antes de ter sofrido a incorporação da obra, sementeira ou plantação ser superior ao valor que o prédio tinha antes da incorporação; f) que o interventor da obra, sementeira ou plantação tenha agido de boa fé (psicológica); e g) que actue potestativamente de modo a formular uma pretensão de adquirir para si o direito de propriedade da coisa que sofreu a sua intervenção. [[3]]

O alinhamento dos requisitos substantivos que regem para o instituto jurídico da acessão industrial imobiliária possibilita uma primeira abordagem integradora da questão de facto adquirida para a apreciação do recurso.  

Prende-se com a questão da incorporação ou integração das obras efectuadas em prédio ou espaço que pertencia à mãe da Autora, sendo que, como a casa que estava implantada no terreno se encontrava degradada, a mãe da autora deu autorização para fosse demolida e edificada, no mesmo local, uma nova casa para servir de habitação à autora e ao réu.    

No acórdão recorrido entendeu-se que estando a incorporação dependente de autorização haverá que aquilatar do alcance e lindes que essa autorização comporta ou permite, pois só desta forma se pode medir a boa fé do interventor. [[4]] Ou dito de maneira, tendo a incorporação sido precedida e dependente da autorização do dominus, a aferição da boa fé do interventor terá que ser aferida e balizada pelo exacto conteúdo e alcance que modelou a autorização. A autorização constituiu-se assim um pressuposto substancial e definidor da acção do interventor, desenhando os exactos e precisos contornos, o alcance e os limites de como e em que circunstâncias a intervenção no terreno do autorizante se opera e com que fins.

Com se alcança da decisão de facto adquirida, a proprietária do terreno onde a casa foi implantada e construída e os filhos “autorizaram que o Réu a demolisse e fizesse uma nova casa para servir de habitação à Autora e ao Réu – Facto 12º da BI.”

A autorização conferida ao demandado para construção de uma nova casa teve em vista suprir uma necessidade, qual fosse a falta de casa para habitação da autora e do réu. A questão que vem colocada convoca a questão da interpretação da vontade incorporada na autorização, ou dito de outro modo, saber se a autorização foi conferida tendo como estrito limite a vivência em comunhão de ambos os indivíduos – autora e réu – ou se essa autorização teria sido dada, ainda que neste pressuposto, mas descartando de desenvolvimentos posteriores no relacionamento posterior do casal.

Na interpretação de uma declaração, o intérprete deve considerar como elementos integradores do sentido vertido num texto: a) em primeiro lugar, o teor literal do texto, ou seja, as expressões verbais utilizadas, pois são estas que exprimem o pensamento querido (e deve entender-se que a pessoa se expressou de forma adequada e com a mais correcta forma vocabular), as envolventes histórico-sociais que permitam o enquadramento discursivo e a sediação do espaço temporal em que a declaração foi emitida bem como as condicionantes pessoais e subjectivas que determinaram a emissão da declaração. No dizer de Umberto Eco, a interpretação resulta de uma operação de leitura das expressões locutórias que exprimem, num determinado momento histórico-pessoal, o sentir ou o querer pensado e intencionado de um indivíduo. [[5]]

A declaração que consta do facto provado configura uma intenção de querer conformadora de uma vontade de destinação de uma coisa para um fim determinado. Resulta do teor da facto comprovado que a mãe da autora pretendeu que o casal reconstruísse a casa para nela virem a habitar. Não é possível retirar outro sentido do texto que consta do enunciado. Não é detectável outra intenção que não fosse a condicionante da destinação da casa, qual fosse a de que nela viessem a habitar a autora e o réu enquanto casal ou enquanto par comungado e programado para uma vivência em comum.

Não se descortina, do teor do da declaração, tal como está plasmada no enunciado fáctico, que a declarante quisesse destinar a casa para outro fim que não fosse a habitação em comum do casal ou que tivesse conjecturado uma hipótese em que o casal deixasse de habitar em comunhão. Dir-se-á, como especula o réu, que a declaração emitida não poderia deixar de prever uma situação de ruptura conjugal, dado que, hodiernamente, essa é uma situação comum e normal.

Acedemos que tal pudesse não estar afastada do contexto declaratório, mas para que tal conjectura pudesse ser aceite, deveria ter sido demonstrado pelo demandado. Repontar-se que essa situação hipotética se infere ou dessume da experiência comum e que deveria constituir uma presunção a retirar do sentido declaratório que consta da matéria de facto provada. Porém, como resulta das regras do direito probatório, ao juiz só é licito lançar mão das regras de experiência comum ou as chamadas máximas da experiência [[6]] como forma de completar, integrar e conferir algum grau de verosimilhança a factos que não se encontrem cabalmente comprovados, pelo defluir das provas trazidas ao processo. Não estando em causa suprir eventuais lacunas ou fissuras de sentido nos factos adquiridos para o processo as regras de experiencias e as ilações ou presunções naturais devem ficar arredadas do sentido validante dos enunciados provados.

Ainda que o sentido e alcance de uma declaração seja da competência das instâncias, cabendo tão só a este Tribunal sindicar a utilização normativa que foi usada na modelação do agir quanto ao modo e forma como o processo de interpretação foi utilizado e de se o processo de formação de convicção do julgador não violou as regras que orientam e regem para a avaliação e valoração das provas, o facto é que se nos afigura que a interpretação retirada do contexto enunciador do facto provado não permite outro sentido senão o foi sacado pelo tribunal de instância, sendo que o tribunal da Relação não frustrou qualquer vector ou orientação normativa aplicável para a interpretação do sentido declaratório expresso.

E sendo este o sentido que há-de valer para aquilatar da boa fé com que as obras foram efectuadas na metade do prédio pertencente dir-se-á que no momento em que a incorporação se verificou a boa fé estaria verificada, dado que o condicionalismo que determinou a cedência da casa e do terreno para a reconstrução da casa se encontrava actuante. E assim se terá mantido até que a ruptura se terá consumado, pois que após a consumação da ruptura da comunhão marital o condicionalismo autorizante se esvaneceu ou deliu. A circunstância de ter sobrevindo uma realidade factual que desautoriza ou posterga a autorização inicial inculca a ideia de que a mãe da autora não teria autorizado a reconstrução por não servir os fins ínsitos na mencionada autorização.

Neste momento a aquisição, a benefício do instituto da acessão imobiliária industrial imobiliária, não poderá servir ao demandado, por não se verificar o condicionalismo que determinou a autorização a incorporação de materiais alheios em terreno que lhe não pertencia.

Concluindo, a concessão da autorização de reconstrução da casa não foi feita ao demandado enquanto indivíduo singular, mas sim ao casal, enquanto comunhão de pessoas que se perfilava para habitar na casa que se iria reconstruir. Vale por dizer que a autorização não teria sido facultada se o demandado não tivesse ou mantivesse uma relação de comunhão de mesa e habitação com a autora ou nem sequer a autorização se ponderaria. O demandado desacompanhado da autora não teria obtido autorização para a construção da casa e só o facto de estar a viver em comunhão de mesa e habitação com ela determinou a concessão da autorização para a construção da casa.

Vale assim que, devendo a boa fé ser aquilatada em função dos limites da autorização, ela só é operante e válida se integrada no condicionalismo que a ditou e determinou, não podendo valer fora ou para além desses exactos e concretos limites.

Tem-se, assim, por correcta a interpretação formulada pelo tribunal de 2.ª instância.               

II.B.1.b) – Benfeitorias.

Pede o demandado que seja compensado pelas benfeitorias efectuadas no terreno, pois como ficou provado a incorporação, ainda que aceitando a tese da Relação, foi efectuada a expensas suas e deverão constituir benfeitorias a ser ressarcidas pelo dono do terreno.

Socorrendo, data vénia, do doutrinado no Ac. do STJ de 08-02-2011, relatado pelo Conselheiro Sebastião Povoas: “[…] benfeitoria consiste num melhoramento, ou aperfeiçoamento, feito por quem tem um vinculo à coisa (relação de facto ou de direito), sendo, mais frequentemente, o caso do locatário, do comodatário, do usufrutuário ou, até, do mero detentor ou do possuidor de má fé – cfr. a propósito, o Prof. Vaz Serra, RLJ 106.º-109.º

Pretende-se proteger mesmo o possuidor de má fé, contra um locupletamento injusto do que investiu para suportar o custo das benfeitorias úteis, autorizando-o a proceder ao seu levantamento desde que tal possa ser feito sem prejudicar a coisa onde foram implantadas.
Isto é, o n.º 1, “in fine” do artigo 1273.º do Código Civil reporta-se não ao detrimento da benfeitoria (cujo levantamento implica, em regra, senão a sua destruição mas, pelo menos, o serem-lhe causados danos) mas à danificação significativa da coisa onde as mesmas foram implantadas – cfr. Prof. Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, 1964, I, 274 – e porque assim é, é que o artigo 1273.º do Código Civil utiliza as expressões “(…) levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa (…)” [n.º 1] ou “(…) para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias (…)” [n.º 2]).
Isto porque as benfeitorias úteis implicaram despesas que não sendo importantes para evitar o prejuízo da coisa “têm por resultado o aumento do seu valor objectivo”. Mais que o fim conseguido importa agora o resultado – Prof. Pedro Pais de Vasconcelos, ob. cit., 236 – a concluir que se delas não resultar uma valorização efectiva da coisa, as despesas não poderão ser tidos como benfeitorias úteis.”
As benfeitorias estão, enfim, ligadas ao poder jurídico de transformação que está ínsito no direito de gozar a coisa beneficiando-a para melhor a fruir. (cfr. o Prof. Oliveira Ascensão, apud “Direito Civil – Reais”, 5.ª ed., 109).
Mas são sempre realizadas pelo fruidor (possuidor ou detentor) da coisa, não tendo essa natureza os melhoramentos feitos pelo proprietário.
Se forem realizadas por um terceiro sem qualquer relação com a coisa não terá este o direito a ser indemnizado ao abrigo do disposto no artigo 1273.º do Código Civil mas, eventual e tão-somente, pelo enriquecimento sem causa, se perfilados os respectivos pressupostos.” [[7]]

Para que surja o direito à indemnização por benfeitorias realizadas em terreno alheio torna-se necessário que aquele que as realiza aja na qualidade de possuidor, isto é, exerça, na coisa e relativamente a ela, um poder de facto legitimado por uma das situações jurídicas adiantadas na citação anterior. Não existindo qualquer vínculo possessório entre o benfeitor e a coisa onde os melhoramentos foram efectuados, a incorporação de materiais próprios em terreno alheio, o autor da incorporação não tem direito a ser indemnizado pela obra que haja realizado em terreno alheio.  

Rege para o efeito o artigo 1341.º do Código Civil que faculta ao dono do terreno onde o implante ou incorporação uma de duas opções: a) exigir que a obra seja desfeita e que o terreno seja restituído ao seu primitivo estado à custa do autor dela; b) exercer o direito de aquisição da obra pelo valor fixado segundo as regras do enriquecimento sem causa. “Não está, pois, em causa o valor do implante, mas o que, segundo o disposto no artigo 459.º, o dono do terreno tenha obtido à custa do implante. Como é compreensível, o valor a pagar, por ser determinado pelas regras do enriquecimento sem causa, não põe exceder o do implante, mas não pode deixar de corresponder a uma reparação justa (ex vi, por maioria de razão, do artigo 62.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa).” [[8]]             

Tratando-se de uma faculdade conferida por lei ao dono do terreno onde a obra foi implantada ou incorporada será após o não reconhecimento do direito de acessão ao réu que o dono(a) do terreno onde a obra foi implantada que decidirá, usando de uma das faculdades que a lei lhe concede.

Improcede, igualmente, este fundamento do recurso.       

III. - DECISÃO.

Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo na 1.ª secção do Supremo Tribunal Justiça, em:

- Negar a revista.

- Condenar o recorrente nas custas. 

Lisboa, 9 de Fevereiro de 2012.

           

Gabriel Catarino (Relator)

António Piçarra

Sebastião Póvoas

_______________________________
[1] Por incorporação é entendido “[uma] ligação permanente que provoca a perda da individualidade das coisas unidas ao solo, pela formação de uma coisa única, um corpo único, como dizem P. lima e A. Varela, não desmembrável sem alteração da substância do todo. […] Incorporação traduz, portanto, a ideia de união de uma coisa a outra em termos que impliquem a perda da individualidade física e jurídica da coisa incorporada, e, por decorrência, a impossibilidade de separação das duas coisas sem’ alterar substancialmente o conjunto obtido através daquela união.” - Cfr. Quirino Soares, In “Acessão e Benfeitorias”, Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano IV, Tomo I, pág. 12.  

[2] A acessão pressupõe que uma coisa se una ou incorpore de forma inseparável (definitiva, permanente) a outra. Não basta a mera adjunção, justaposição ou um simples nexo de afectação ou destino: é necessário que a coisa se una a outra ou se integre ou incorpore (faça corpo) com a outra, sendo que esta inseparabilidade deve ser entendida em sentido económico e não meramente material. Consequentemente, duas ou mais coisas encontram-se unidas de modo inseparável quando a desincorporação, embora física e materialmente possível, destruísse ou danificasse gravemente a coisa principal. – cfr. Mónica Jardim e Dulce Lopes, in “Acessão Industrial Imobiliária e Usucapião versus Destaque”, publicado em “O Urbanismo, o Ordenamento do Território e os Tribunais”, 2010, Almedina, págs. 757 a 812.  

[3] A tese da necessidade de uma manifestação de vontade do interventor para o exercício do direito de aceder no direito de propriedade não é uniforme. Assim para os Professores PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in “Código Civil Anotado”, vol. III, págs. 165 e 166, a aquisição ocorre automaticamente, ipso iure, desde o momento da incorporação. De facto, estes autores, apesar de não combaterem, de jure condendo, a razoabilidade da tese segundo a qual a aquisição por acessão supõe o prévio exercício de um direito potestativo, consideram que ela não tem “cabimento no quadro das soluções consagradas na lei.”

“Com efeito (dizem):

“ – quando, no domínio da acessão, o legislador quis introduzir uma solução inquestionavelmente potestativa, como é a hipótese do artigo 1343.º, usou a expressão «pode adquirir» (que é a adequada à natureza do direito, aí, consagrado), bem diferente da do artigo 1340.º, em que usa a fórmula «adquire» (uma vez realizados os factos ali previstos);

– se o legislador não tivesse pensado a aquisição como automática, ter-se-ia preocupado, a exemplo do que sucede nos artigos 1333.º, n.º 4 e 1335.º, n.ºs 1 e 2, com as consequências de o beneficiário da acessão não pretender adquirir o direito de propriedade que a acessão lhe faculta;

– em se tratando de obras ou plantações, a renúncia do proprietário do terreno ao direito potestativo implicaria a constituição do direito de superfície, e, por isso, a necessidade de dar a tal acto de renúncia a forma solene da escritura pública.

“Do lado tese potestativa, “perfilam-se argumentos baseados no sentido das expressões usadas pelo legislador (que revelam o carácter facultativo que se quis atribuir à acessão) e não faltam, também, apelos ao sistema.

Assim, é o caso de o legislador ter estabelecido uma reciprocidade entre a aquisição por acessão e o pagamento (o titular «adquire pagando», segundo os termos dos artigos 1339.º e 1340.º, «faz seu... contanto que indemnize», de acordo com o n.º1, do artigo 1333.º), reciprocidade que se não conciliaria com a automaticidade e imperatividade da aquisição, pois que, neste caso, a contrapartida resumir-se-ia à obrigação de pagar aqueles valor e indemnização; é, também, a explícita expressão contida no artigo 1343.º, onde se afirma que «o construtor pode adquirir... pagando»; é, finalmente, o conteúdo de outros artigos que expressam, em específicas regulamentações, o carácter facultativo que o legislador pretendeu atribuir à acessão (1333.º, n.º 2 e 1340.º, n.º 2, que subordinam a aquisição a uma licitação, e 1333.º, n.º 3, 1334.º, 1335.º e 1341.º, onde se prevêem hipóteses em que o beneficiário não queira exercer o direito de acessão).

[…]

A defesa da tese potestativa alimenta-se, por fim, das alegadas melhores virtualidades da aquisição facultativa para satisfazer a maior parte dos interesses envolvidos no fenómeno da acessão.

Diz-se, em resumo:

– a tese da imperatividade da aquisição equivale a impor ao beneficiário o pagamento de uma indemnização que ele pode não estar em condições de prestar de imediato;

– equivale, ainda, a sujeitar o dono do terreno à perda do domínio (no caso de ser o sacrificado) sem a contrapartida do pagamento simultâneo da correspondente indemnização;

– a tese potestativa possibilita o arranjo consensual do conflito, o que não sucede com a da imperatividade, pois, segundo esta, a solução daquele resulta automaticamente da realização dos factos contidos na previsão da lei;

– com a aquisição automática, o risco começaria logo a correr por conta do beneficiário da acessão, o que não seria, em muitos casos, justo, pois ele podia desconhecer, ainda, a incorporação.” ” (cfr. QUIRINO SOARES, ― “Acessão e Benfeitorias”, in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano IV, Tomo I, pág. 21).

Na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, e só a título de exemplo, os Acórdãos de 07-04-2011 (Conselheiro Moreira Alves) onde se doutrinou: “I- A acessão verifica-se sempre que com a coisa que é propriedade de alguém se une ou incorpora outra coisa que não lhe pertencia (art. 1325.º do CC), constituindo uma das formas de aquisição originária do direito de propriedade, reportando-se a aquisição do direito ao momento da verificação dos respectivos factos (art. 1317.º do CC), i.e., ao momento da união ou da incorporação. II- É pacífico, na doutrina e jurisprudência, que tal união ou incorporação há-de traduzir-se numa ligação das duas coisas, definitiva e permanente, de tal modo que seja impossível a sua separação sem alterar a própria substância da coisa que, assim, terá de formar uma unidade económica distinta da anteriormente existente. III- Na hipótese do art. 1340.º do CC, trata-se de construção ou obra em terreno alheio, enquanto na prevista no art. 1343. do CC, a construção tem de ser efectuada em terreno do construtor, prolongando-se, porém, em terreno alheio. Neste último caso, é essencial que a construção ocupe os dois terrenos. IV- A acessão tem carácter potestativo, necessitando, para se operar a aquisição, da manifestação de vontade do beneficiário nesse sentido, sem que a outra parte se possa opor à aquisição, desde que verificados os respectivos requisitos. V- A previsão do art. 1343.º do CC apenas se aplica quando fique provado que a maior parte da construção tenha sido implantada em terreno próprio do incorporante e só uma pequena parte da construção ocupe o terreno alheio. De contrário, cai-se na previsão geral do art. 1340.º do CC.” E ainda o Ac do STJ de 22-06-2005 (Oliveira Barros) :” I - Nos termos do art. 1325º C.Civ., a acessão industrial imobiliária ocorre quando com um prédio que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que não lhe pertence, daí advindo uma ligação material, definitiva e permanente entre a coisa acrescida e o prédio e a impossibilidade de separação das duas coisas sem alteração substancial do todo obtido através dessa união. II - Constituindo, fundamentalmente, um modo de resolução do conflito de direitos entre o dono da obra e o dono do solo, a acessão industrial imobiliária é, conforme arts.1316º e 1317º, al.d), C. Civ., uma forma potestativa de aquisição originária do direito de propriedade, de reconhecimento necessariamente judicial, em que o pagamento do valor do prédio funciona como condição suspensiva da sua transmissão, embora com efeito retroactivo ao momento da incorporação. III - Os pressupostos substantivos da acessão industrial imobiliária, estabelecidos no art.1340º C. Civ., são os seguintes : a) - a incorporação consistente no acto voluntário de realização da obra, sementeira ou plantação; b) - a natureza alheia do terreno sobre o qual é erguida a construção, lançada a sementeira ou efectuada a plantação; c) - a pertinência inicial dos materiais ao autor da incorporação; d) - a formação de um todo único entre o terreno e a obra; e) - o maior valor da obra relativamente ao terreno; e f) - a boa fé do autor da incorporação. IV - Não agindo de boa fé quem sabe ou admite que a construção é feita em terreno alheio, a boa fé exigida para este efeito consiste, conforme nº4º do mesmo art.1340º, em o autor da obra desconhecer que o terreno era alheio ou em a incorporação ter sido autorizada pelos donos do terreno, e deve existir no momento da construção. V - Na falta de autorização expressa, a autorização pode revestir a forma tácita, ou seja, pode assentar em factos que, com toda a probabilidade, a revelem, ou seja, em situações em que a autorização resulta de um negócio que pretende ter por consequência a transmissão do prédio a favor do autor da incorporação, como é, por exemplo, o caso de um contrato translativo nulo por falta da forma legal. VI – É ainda pressuposto da acessão industrial imobiliária o pagamento do valor que o prédio tinha antes da obra.” 

Cfr. ainda a propósito da necessidade de uma manifestação de vontade (positiva) impulsionadora do autor da incorporação que pretenda accionar a aquisição do direito, por acessão industrial imobiliária, Oliveira Ascensão, José, in “Estudos sobre a Superfície e a Acessão”, Colecção Scientia Ivridica”, Livraria Cruz - Braga, 1973, pág. 50-64. “Quando dizemos que a acessão é potestativa, significamos que é necessária uma manifestação de vontade do sujeito para que a aquisição do direito sobre a coisa alheia se dê; há, pois, um verdadeiro direito potestativo. Quando dizemos que a aquisição não é automática temos principalmente em vista a exclusão de uma aquisição imediata, que se daria çogo que se verificasse a situação material da união inseparável das coisas”.     
[4] Queda transcrito o troço de acórdão adrede. “Importa ainda ter presente o alcance dessa autorização, a qual pode ser condicionada ou limitada pelo dono do terreno. E, se o for, há que ter necessariamente em conta essas restrições.
Com efeito, a permissão dada por alguém a um terceiro para levantar no seu terreno uma obra, para criar ali um novo valor económico com materiais desse terceiro, permissão essa que se supõe incondicionada, é bem diferente, da autorização dada com determinada finalidade.
Compreende-se que assim, seja, já que a aquisição do direito de propriedade por acessão traduz uma derrogação do princípio geral consagrado na expressão latina “superficies solo cedit” estando, por isso, mesmo sujeita a requisitos legais particularmente exigentes.

Ora, como decorre da factualidade provada nesta acção, «Maria José Vasconcelos e os filhos (entre os quais se inclui a autora, ora apelante) autorizaram o réu a demolir a construção existente no terreno e a fazer uma nova casa para servir de habitação à autora e ao réu» – ponto 15 dos factos provados.
É, assim, indiscutível que, tendo sido dada ao réu uma autorização negociada, com efeitos determinados quanto ao benefício a retirar pelo autor da incorporação, não pode agora prevalecer-se desse facto para dele extrair outros benefícios que lhe não foram concedidos.

O terreno onde se encontra implantada a moradia constitui um prédio rústico indiviso, já que a sua divisão em lotes, levada a cabo pelas anteriores proprietárias do terreno foi apenas de facto, que não de direito (cf. pontos 4, 5, 6 e 7, dos factos provados). Ora, tal circunstância constituiu também factor impeditivo à peticionada aquisição, por acessão, do direito de propriedade relativamente àquela.

”Com efeito, a constituição de direitos reais, nos quais se inclui obviamente o direito de propriedade, só pode incidir sobre coisas individualizadas (coisas certas e determinadas) e autonomizadas – Direitos Reais do Prof. Henrique Mesquita, págs. 12/13 – autonomização essa que, no que respeita ao fraccionamento de parcelas de um prédio rústico, nomeadamente na sua vertente da divisão do mesmo em lotes, obedece à observância das normas legalmente estabelecidas para a ocorrência de tal separação, e subsequente constituição de um novo prédio, normas essas que impõem a sujeição da efectivação de tal divisão, sob pena de nulidade da mesma, a prévio licenciamento municipal, devidamente titulado por um alvará de loteamento. [4]

E (…), atendendo a que as disposições legais às mesmas atinentes revestem carácter imperativo, vinculando o Estado e demais entidades públicas, bem como os particulares, uma vez que subjaz às mesmas a protecção de interesses de ordem pública consagrados constitucionalmente” (Ac. STJ de 1/6/2010, Rel. pelo Juiz Conselheiro Sousa Leite, in www.ITIJ.pt), também por esta via improcederia o pedido reconvencional.
[5] Cfr. Eco, Umberto, in “Limites da Interpretação”, Difel, 92.
[6] Quanto ao sentido e alcance  do conceito das designadas máximas da experiência ver Tarufo, Michelle, in Páginas Sobre Justicia Civil”, Marcial Pons, Madrid, 2009, págs. 439 a 453. Elucidando os fins das máximas da experiência diz este autor que: “As máximas da experiência desempenham (desarrollan) uma função heurística na medida em que representam um instrumento do que nos podemos servir para formular hipóteses sobre os factos da causa. Esta função resulta particularmente clara se se pensa na inferência que, a partir de Pierce, se soe chamar abdução: simplificando radicalmente o discurso, pode dizer-se que se trata da inferência por meio da qual se parte e uma circunstância conhecida (um indicio uma fonte de presunção) para formular uma hipótese em torno de um facto que não se conhece directamente, mas que se procura determinar. (…) Na sua acepção mais simples, abdução está constituída por uma inferência que se destina a conectar ambas as circunstâncias, a conhecida e a desconhecida, formulando uma hipótese acerca de uma circunstância desconhecida, mas que pode estar conectada com a conhecida”. - pág. 446.         
[7] Cfr. ainda Quanto à qualificação de benfeitorias, com úteis e necessárias, feitas no locado e para os fins para que o arrendamento foi efectuado veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 12-07-2011, relatado pelo Conselheiro Alves Velho, em que se doutrinou: ““I. - A existência de prejuízo para o prédio (detrimento da coisa) repousa num juízo de facto, conclusão ou ilação a retirar de factos que o demonstrem, pois que se trata de averiguar se, em determinado caso concreto, a coisa fica prejudicada na sua substância ou desvalorizada por dela serem separados melhoramentos que lhe foram ligados ou associados. II – São de qualificar como benfeitorias úteis, e não como necessárias, as obras, efectuadas ao longo de anos, e destinadas a dotar um prédio constituído por terreno de lavradio e mato, tomado de arrendamento para campo de futebol, de condições adequadas à prática de futebol, com a construção dos equipamentos próprios de apoio a essa prática desportiva. III – Não tendo sido demonstrado que o locatário não pudesse proceder ao levantamento das benfeitorias, que este não pudesse ter lugar sem detrimento do terreno, seu destino e aptidão, ou que o locador tivesse deduzido oposição ao levantamento, invocando esse detrimento, não concorrem os pressupostos de atribuição de indemnização. 
[8] Cfr. Carvalho Fernandes, Luis A., in “Aquisição do Direito de Propriedade na Acessão Industrial Imobiliária”, em Estudos em Honra do Professor José Oliveira Ascensão, Vol. I, Almedina, 2008, pág. 645. Vide ainda Oliveira Ascensão, José, in “Estudos sobre a Superfície e a Acessão”, Colecção Scientia Ivridica”, Livraria Cruz - Braga, 1973, pág. 47-50 e ainda de págs. 64 a 67. “Aqui a lei quer dar ao interventor de má fé um tratamento desfavorável. […] Concluímos assim que a lei só manda indemnizar pelo valor do objecto adquirido: o que significa que o beneficiário da acessão vem a receber toda a mais valia resultante da incorporação. Essa mais valia beneficia, porém, ora o autor da incorporação, ora o dono da coisa originária, pelo que só casualmente a doutrina de Pereira Coelho encontrará aqui acolhimento”. Quanto á referida doutrina de Pereira Coelho veja-se “O Enriquecimento e o Dano”, Coimbra, 1970, (Separata da Revista de Direito e Estudos Sociais”, Anos XV e XVI, págs. 98, nota 183.