Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | FERREIRA DE ALMEIDA | ||
Descritores: | CONTRATO DE SEGURO FURTO DE VEÍCULO RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR DANOS MATERIAIS SALVADOS | ||
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Nº do Documento: | SJ200405200014842 | ||
Data do Acordão: | 05/20/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL ÉVORA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 357/04 | ||
Data: | 02/19/2004 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
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Sumário : | I. Ao contrato de seguro, abrangendo a hipótese de furto do veículo segurado, são de aplicar, no que tange à obrigação de indemnizar, as regras da responsabilidade civil contratual, quer no que se refere à verificação dos seus pressupostos, quer no que se refere ao "quantum respondeatur ". II. A obrigação de indemnizar a cargo da ré seguradora confinar-se-á, em princípio, aos danos (efectivamente) sofridos pelo veículo seguro, em consequência da ocorrida subtracção fraudulenta. III. Na eventualidade de furto ou roubo, a perda total do veículo poderá ocorrer, quer se o veículo não for recuperado, estando definitivamente desaparecido, ou foi recuperado de tal forma danificado que não seja viável a sua reparação, seja do ponto de vista- técnico, seja porque o valor da reparação excede o capital seguro. IV. A obrigação de indemnizar possui o conteúdo fixado no artº 562° do Código Civil, nos termos do qual quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação - princípio da reposição natural. V. O segurado não tem direito de abandonar ao segurador os objectos salvos do sinistro, e o valor destes não será incluído na indemnização devida pelo segurador, tendo, porém, o direito a ser indemnizado pelos prejuízos efectivamente sofridos, para o que - tal como resulta, desde logo, do art. 435º do Código Comercial - o valor do objecto seguro (valor real à data, no caso dos autos, da subtracção) será essencial para se determinar a medida da responsabilidade da Ré seguradora, já que, para além desse valor, o contrato de seguro não tem validade. VI. Requisito essencial da existência de responsabilidade civil (rectius contratual) é a verificação de um dano ou prejuízo a ressarcir. VII. Qualquer que seja a natureza, (pessoal ou real) do seguro automóvel, a propriedade do veículo nunca se transfere para o segurador, devendo o § º 2º do artº 439º do C. Comercial ser interpretado no sentido de os salvados não entrarem no cálculo da indemnização, pois que, por um lado, continuam a pertencer ao segurado e, por outro, representam um valor patrimonial em si mesmo não consubstanciador de danos. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. "A", casado, residente na Avenida ....., nº .... - ...., Santarém, demandou, com data de 13-2-01, "B, Companhia de Seguros, SA" com sede na Rua Gonçalo Sampaio nº..., Porto, solicitando a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de 6.894.000$00. Alegou, para tanto, e resumidamente, o seguinte: - comprou um veículo de marca BMW, de matrícula ET, através de um estabelecimento de leilões, sendo o veículo anteriormente propriedade da "C"; - em virtude da fusão da anterior proprietária com outra sociedade, e da subsequente alteração do respectivo número de identificação, não lhe foi possível efectuar o registo a seu favor da propriedade do identificado veículo; - celebrou com a Ré um contrato de seguro de responsabilidade civil, que vigorou de 17 de Fevereiro de 2000 até 30 de Outubro de 2000, tendo sido ajustadas coberturas de âmbito facultativo, nomeadamente contra furto ou roubo; - desde a data da aquisição da viatura, utilizou-a diariamente até ao dia 3 de Junho de 2000, data em que constatou o seu desaparecimento do local em que a deixara estacionada; - na sequência de tal desaparecimento, contactou a Ré, fornecendo-lhe os elementos necessários à instrução do respectivo processo, tardando esta em regularizar a situação; - em Dezembro de 2000 teve conhecimento de que o veículo tinha sido encontrado, tendo-se deslocado às instalações da Guarda Nacional Republicana em Alverca; - a Ré, não obstante terem decorridos sessenta dias sobre o desaparecimento do veículo, recusa-se a efectuar qualquer pagamento no âmbito do contrato de seguro celebrado. 2. Contestou a Ré, alegando, também em síntese, o seguinte: - celebrou efectivamente com o A. um contrato de seguro de responsabilidade civil, incluindo coberturas facultativas, como o risco de furto ou roubo, contrato que veio a terminar por ter sido denunciado pelo A.; - o A. participou o desaparecimento do veículo objecto de tal contrato de seguro, tendo a Ré tido conhecimento, em Dezembro de 2000, de que o veículo tinha sido encontrado; - o A. nunca fez prova junto da Ré da sua qualidade de proprietário do veículo, nem da aquisição e instalação no veículo de equipamentos adicionais cuja inclusão no contrato foi solicitada; - a Ré aguardava o desenvolvimento de investigações em curso para poder proceder à regularização, quando teve conhecimento do aparecimento do veículo e da sua restituição ao A.; - encontrando-se o veículo, suas chaves e respectiva documentação na posse do A. não haverá lugar a qualquer indemnização. 3. Por sentença de 7-3-03, o Mmo Juiz do Círculo Judicial de Santarém julgou a acção improcedente, absolvendo, em consequência, a Ré do pedido. 4. Inconformado, interpôs o A. recurso de revista "per saltum" para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: 1ª- A interpretação do contrato de seguro em presença nos autos motiva que decorridos que fossem 60 dias da apresentação da participação do furto do veículo, ficasse a seguradora na obrigação de indemnizar o segurado; 2ª- A seguradora foi interpelada para o efeito, não tendo cumprido a sua obrigação, não efectuando o pagamento devido; 3ª- Por tal motivo entrou em mora; 4ª- O facto de o veículo ter aparecido e sido recuperado para além desse momento temporal e do prazo de cumprimento da obrigação por parte da seguradora, não a exime da obrigação, ainda que o veículo não tenha danos; 5ª- De facto, uma vez que naqueles 60 dias o veículo não surgiu, não poderia o segurado alegar ou provar danos, se é que os mesmos existiam; 6ª- Cabia ao segurado fazer prova da existência do contrato de seguro, do evento causador, participá-lo às autoridades e munir a seguradora com os documentos em questão, o que foi feito, para além de diligenciar tendo em vista o apuramento dos factos ilícitos relacionados com o ilícito de furto, o que foi feito; 7ª- Perante o evento, o cumprimento das suas obrigações pelo segurado e o decurso dos 60 dias previstos na apólice, constituiu-se a seguradora na obrigação de proceder ao pagamento da indemnização titulada no contrato e na apólice, o que não fez; 8ª- Pelo que a causa de pedir não tem na sua base danos em veículo posteriormente recuperado do furto, antes tem que ver com o decurso daquele tempo perante o desaparecimento; 9ª- Não cabia ao segurado alegar e provar danos - perante o teor da apólice - quando o veículo foi recuperado estando já a seguradora em mora, situação totalmente irrelevante nos presentes autos; 10ª- Pelo que deve a seguradora ser condenada a pagar a indemnização peticionada, acrescida de juros legais, ficando o aparecido veículo na sua propriedade, para não ser permitido o enriquecimento sem causa do segurado; 11ª- Porque o presente recurso versa apenas matéria de direito e verificadas que estão as condições do artº 725º do CPC, requer-se seja o mesmo directamente apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça, através da via "per saltum". 5. Contra-alegou a Ré sustentando a correcção do julgado, formulando, por seu turno, as seguintes conclusões: 1ª- O contrato de seguro celebrado entre o A. e a Ré é um contrato típico de risco, garantia e conservação do património do segurado e não da aquisição ou de obtenção de lucro, aparecendo a indemnização como uma forma de reparação ou ressarcimento do dano efectivo a favor daquele que o sofreu, como decorre do disposto nos art°s 562°, 566°, n° 2, do Código Civil e 435° e 439° do Código Comercial; 2ª- Ora, resulta dos autos que se no dia 3 de Junho de 2000 o A. constatou o desaparecimento do veículo do local onde o deixara estacionado (facto 13 supra) e disso deu conhecimento à Ré (facto 4), o certo é que o veículo de matrícula ET foi recuperado pela Guarda Nacional Republicana de Alverca do Ribatejo em 17 de Dezembro de 2000 (facto 14), sem estragos (facto 19), sendo certo que na data da propositura da acção o A. encontrava-se na posse das chaves do veículo de matrícula ET e do respectivo livrete (facto 18); 3ª- Devendo o valor da indemnização a arbitrar ser calculado de acordo com aquelas referidas disposições legais, decorre da circunstância de o veículo furtado ter sido recuperado, sem estragos, a inexistência de qualquer dano, pelo que não há lugar a indemnização; 4ª- O prazo de 60 dias referido na alínea a) do n° 22 do art..° 2° da cobertura facultativa de furto ou roubo só pode significar uma presunção de perda definitiva da coisa segura, findo que esteja tal prazo, presunção ilidível, como é o caso, com recuperação do veículo; 5ª- Diferentemente da tese doutamente sustentada pelo A., vencido o prazo, a propriedade do veículo não se transmite para a seguradora, por a tanto se opor o § 2° do art.° 439° do Código Comercial; 5. Colhidos os vistos legais, e nada obstando, cumpre apreciar e decidir. 6. Em matéria de facto relevante, deu o tribunal "a quo" como assentes os seguintes pontos: a)- A sociedade "C" veio a fundir-se com a "..." e, através dessa fusão, passaram ambas a designar-se "C"; b)- O A. celebrou com a Ré um contrato de seguro que lhe possibilitaria circular no automóvel, através da apólice nº 45-247588-80, o qual veio a ser formalizado através de mediador credenciado pela Ré, tendo sido ajustado coberturas de âmbito facultativo, entre outras, furto ou roubo, ficando o veículo seguro pelo valor de 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos); c)- O mencionado contrato veio a vigorar desde 17 de Fevereiro de 2000 até 30 de Outubro de 2000; d)- O A. deu conhecimento do furto do veículo à Ré, tendo-lhe transmitido os elementos necessários para instruir o processo interno; e)- E, nesse seguimento, entregou vários documentos, designadamente uma certidão do processo de inquérito motivado pela queixa apresentada, declaração para registo de propriedade, o livrete, o requerimento de substituição, cópia das informações da apólice, uma declaração emitida pelo Superintendente da Polícia de Segurança Pública, o documento comprovativo da inspecção periódica do veículo, cópia de outra apólice celebrada com a Ré (edifício e recheio) e umas chaves do automóvel; f)- O tempo foi decorrendo sem que a ré aceitasse regularizar a situação; g)- O A. comprou, através de leilão, o veículo ligeiro de passageiros, de marca BMW e modelo 730 IL (7/1) de matrícula ET, com as características constantes do respectivo livrete; h)- Tal leilão foi promovido pela "D- Companhia Geral de Leilões"; i)- O referido veículo era propriedade de "C"; j)- O A. não conseguiu efectuar o registo (da propriedade) do veículo após a compra; l)- O registo da propriedade do veículo a favor do A. foi recusado porque da declaração de venda emitida pela anterior proprietária constava um número de identificação de pessoa colectiva (NIPC) diferente do constante do título de registo de propriedade, tendo-se isso ficado a dever à fusão entre a "C" (NIPC 503340855) e a "C" (NIPC 503160024); m)- O A. deslocava-se diariamente no seu veículo, estacionando-o à noite nas proximidades da sua residência; n)- No dia 3 de Junho de 2000, o A. constatou o desaparecimento do veículo do local onde o deixara estacionado; o)- O veículo de matrícula ET foi recuperado pela Guarda Nacional Republicana de Alverca do Ribatejo em 17 de Dezembro de 2000, na sequência da comunicação do seu desaparecimento; p)- O A. não dispunha de qualquer documento comprovativo da aquisição do equipamento constituído por um conjunto de vídeo e auto rádio "Alpine", no valor de 1.890.000$00 (um milhão e oitocentos e noventa mil escudos), quando pretendeu efectuar a alteração ao contrato de seguro celebrado com a Ré por forma a nele incluir tal equipamento; q)- O A. requereu, em data indeterminada de finais de Abril de 2000, a alteração do contrato de seguro celebrado com a Ré, tendo em vista a inclusão nesse contrato de um conjunto de vídeo e auto rádio "Alpine" no valor de 1.890.000$00 (um milhão e oitocentos e noventa mil escudos), tendo contactado para o efeito um seu amigo pessoal e também mediador da Ré; r)- O A. apenas exibiu uma factura passada por um comerciante residente no Cartaxo; s)- Na data da propositura da acção, o A. encontrava-se na posse das chaves do veículo de matrícula ET e do respectivo livrete; t)- O veículo de matrícula ET foi recuperado sem estragos. Passemos agora ao direito aplicável. 7. Baseou o A., ora recorrente, o seu pedido de condenação da Ré a pagar-lhe a quantia global de 6.894.000$00 - valor este correspondente à soma do valor atribuído ao veículo automóvel de matrícula ET e ao seu equipamento audio e vídeo - num contrato de seguro celebrado entre si e a Ré, mediante o qual esta seguradora se obrigou a pagar-lhe, em caso de furto, o valor atribuído ao veículo e respectivo equipamento. O contrato de seguro em causa abrangeria, portanto, o risco de perda, por apropriação ilegítima de terceiros, do veículo em causa e equipamentos nele instalados, sendo que, em caso de furto, a Ré seguradora assumiria a responsabilidade pela reparação dos danos sofridos desse facto decorrentes, bem como pela inerente perda patrimonial. Contrato, pois, ao qual se haveriam de aplicar, no que tange à obrigação de indemnizar, as regras da responsabilidade civil contratual, quer no que se refere à verificação dos seus pressupostos, quer no que se refere ao "quantum respondeatur". Sucede, todavia, que o veículo propriedade do A., o qual efectivamente lhe foi fraudulentamente subtraído no dia 3 de Junho de 2000, acabou por ser recuperado pelas autoridades policiais competentes e posto à sua disposição em Dezembro do mesmo ano, facto de que o A. tomou conhecimento antes mesmo da instauração da subjacente acção (ocorrida em 13-2-01). Na óptica do A. ora recorrente, para além de ter ocorrido o furto da viatura (facto previsto no contrato como essencialmente determinante da obrigação de indemnização por parte da Ré), decorreram também os sessenta dias previstos nesse contrato a partir dos quais esta deveria proceder ao pagamento do valor atribuído à viatura e respectivo equipamento. Isto sem embargo de ter tido efectivo conhecimento de que o veículo havia sido recuperado pela Guarda Nacional Republicana em Alverca em Dezembro de 2000, circunstância esta no entender do recorrente irrelevante para a irresponsabilização da seguradora. Não lhe assiste, porém, razão. Transcreve o tribunal de 1ª instância, a este respeito, o art.º 2° da cobertura facultativa de furto ou roubo, cuja cópia se encontra junta aos autos: «Artigo 2 ° Objecto e riscos garantidos 1. Através desta cobertura facultativa, a B pagará ao segurado os danos sofridos no veículo seguro em consequência de furto ou roubo tentado, frustrado ou consumado, de que resulte o seu desaparecimento, destruição ou deterioração. 2. Em matéria de ressarcimento de danos, será observado o seguinte: a)- Procedimentos - verificando-se o furto ou roubo do veiculo seguro, o segurado deverá apresentar imediatamente queixa à autoridade competente e promover todas as diligências ao seu alcance conducentes á descoberta do veículo e dos autores do crime; a B obriga-se ao pagamento da indemnização devida, decorridos que sejam 60 dias sobre a data da participação da ocorrência à autoridade competente, se ao fim desse período não tiver sido encontrado o veículo seguro. b)- Perda Parcial - a reparação, com peças novas, será da responsabilidade da B e feita de maneira a repor a parte danificada do veículo seguro no estado em que se encontrava no momento imediatamente anterior ao sinistro; nas reparações que eram a substituição de peças ou sobressalentes e, caso o segurado não queira sujeitar-se à demora para a sua obtenção, a B não é responsável pelos prejuízos directa ou indirectamente resultantes, quantificando a indemnização pelo custo pelo custo das peças ou sobresselentes, na base dos preços fixados na última tabela de venda ao público ou dos preços de mercado, quando possam ser fabricados pela indústria nacional; toda e qualquer reparação será sempre limitada ao capital/valor seguro indicado nas condições particulares; o montante da indemnização paga em caso de perda parcial será abatido ao capital/valor seguro, ficando este reduzido daquele valor desde a data do sinistro até ao vencimento anual do contrato, para efeitos de nova perda parcial; o tomador do seguro pode repor o capital/valor seguro através do pagamento de um prémio suplementar correspondente ao capital/valor seguro reposto e ao período de tempo ainda não decorrido até ao vencimento anual do contrato. c)- Perda total - a B pagará ao segurado uma indemnização fixada através da aplicação ao capital/valor seguro indicado nas condições particulares de uma tabela de desvalorização constante deste contrato; ao montante da indemnização obtida de acordo com as regras da referida tabela, há que deduzir o valor do salvado se o segurado ficar na sua posse; o valor seguro a considerar para efeitos de perda total inclui os extras do veículo; sempre que a B proceda a quaisquer pagamentos no âmbito desta cobertura, o prémio anual relativo às coberturas de choque, colisão ou capotamento incêndio, raio ou explosão, furto ou roubo, fenómenos da natureza e%ou riscos sociais, quando subscritas, é devido por inteiro, mesmo no caso de acontecer um sinistro que origine uma perda total e o consequente desaparecimento do veículo seguro. 3. Extras - ao valor dos componentes do veículo seguro, indicado nas condições particulares, que não fizeram parte da sua versão de fabrico, tais como auto-rádio, leitor de cassetes e/ou CD's, alarme, ar condicionado ou jantes, será aplicada a tabela de desvalorização constante destas condições gerais para efeitos de indemnização por perda total. 4. Franquia - salvo convenção e contrário à cobertura de furto ou roubo não é aplicável qualquer franquia». Perante este clausulado contratual, tornava-se claro para qualquer destinatário médio - tal como o tribunal «a quo» entendeu - que a obrigação de indemnizar a cargo da ré seguradora se confinava aos danos (efectivamente) sofridos pelo veículo seguro, em consequência da ocorrência de algum dos factos previstos na apólice. Mas o que deve entender-se por dano, no sentido de dano patrimonial real, dano material ou dano efectivo? Esclarece-no-lo o tribunal recorrido em termos que não merecem qualquer reparo. O "dano", terá de entender-se, nesta sede, no sentido de "variação patrimonial negativa" sofrida pelo segurado em consequência do facto/ocorrência previsto no contrato, com o dúplice alcance de assegurar "a reparação da parte danificada do veículo, em caso de perda parcial, ou o pagamento de uma quantia correspondente à aplicação da tabela de desvalorização ao valor do capital seguro, deduzida ou não do valor dos salvados, conforme estes fiquem em poder do segurado ou da seguradora, em caso de perda total" (sic). Na eventualidade de furto ou roubo, a perda total poderá ocorrer numa de duas situações: "ou o veículo não foi recuperado, estando definitivamente desaparecido, ou foi recuperado de tal forma danificado que não é viável a sua reparação, seja do ponto de vista-técnico, seja porque o valor da reparação excede o capital seguro". Porém, em qualquer dos casos - como bem considerou o tribunal comarcão - a obrigação de indemnizar possui o conteúdo fixado no artº 562° do Código Civil, nos termos do qual «quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação». Na esteira de Pires de Lima e Antunes Varela in "Código Civil Anotado", vol I, 4ª ed. Pág 576, «estabelece-se neste artigo, como princípio geral quanto à indemnização, que deve ser reconstituída a situação anterior à lesão, isto é, o da reposição das coisas no estado em que estariam, se não se tivesse produzido o dano (princípio da reposição natural)». Especificamente no que tange à indemnização em razão do contrato de seguro de riscos, prescreve o artº 439° do Código comercial que «são a cargo do segurador todas as perdas e danos que sofra o objecto segurado devidos a caso fortuito ou de força maior de que tiver assumido os riscos», precisando o seu § 1° o seguinte: «§ 1 ° - A indemnização devida pelo segurador é regulada em função do valor do objecto ao tempo do sinistro, salva a disposição do artigo 448° e nos termos seguintes: 1º- Se o valor foi apurado por arbitradores nomeados pelas partes, o segurador não o pode contestar; 2° Se o não foi, pode ser verificado por todos os meios de prova admitidos em direito». Finalmente, o § 2° do mesmo art.º 439° dispõe que «o segurado não tem direito de abandonar ao segurador os objectos salvos do sinistro, e o valor destes não será incluído na indemnização devida pelo segurador». Teria, é certo, o A. direito a ser indemnizado pelos prejuízos efectivamente sofridos, para o que - tal como resulta, desde logo, do art. ° 435º do Código Comercial - o valor do objecto seguro (valor real à data, no caso dos autos, da subtracção) seria essencial para se determinar a medida da responsabilidade da Ré seguradora, já que, para além desse valor, o contrato de seguro não tem validade. Na verdade - e tal como acima já se deixou dito - o negócio jurídico celebrado entre o autor/ora recorrente e a ré/ora recorrida tipifica um contrato através do qual esta última se obriga a reparar os danos próprios do A. em caso de furto e não mais do que isso. Contrato esse "de seguro", como tal um típico contrato de risco, garantia e conservação do património do segurado e não da aquisição ou de obtenção de lucro, seguro esse em função do qual a indemnização surge como uma forma de reparação ou ressarcimento do dano a favor do segurado. Sempre Importaria, pois, e antes de mais, indagar se o autor/ora recorrente teria ou não sofrido danos com a descrita ocorrência. Isto sendo sabido, tal como observa M.J de Almeida Costa, in " Direito das Obrigações", 9ª ed., pág 541 " que, "requisito da existência de responsabilidade civil (neste caso contratual) é a verificação de um dano ou prejuízo a ressarcir. Apenas em função do dano o instituto realiza a sua finalidade essencialmente reparadora ou reintegrativa. Mesmo quando lhe caiba algum papel repressivo e preventivo, sempre se encontra submetido, como regra, aos limites da eliminação do dano " (sic). De harmonia com tais normas e princípios (sendo que neste domínio o direito civil funciona como direito supletivo/subsidiário "ex-vi" do artº 3º do C. Comercial), não assiste ao lesado o direito à indemnização que se arroga. Na realidade, não resulta da matéria de facto dada como assente que o A. haja sofrido quaisquer danos e muito menos que estes hajam correspondido ao valor atribuído «ao veículo e respectivo equipamento». Com efeito, muito embora no dia 3-6-00 o ora recorrente haja constatado o desaparecimento do veículo do local onde o deixara estacionado e disso haja dado conhecimento à seguradora ora recorrida, o certo é que esse veículo, de matrícula ET, foi recuperado pela Guarda Nacional Republicana de Alverca do Ribatejo em 17-12- 00, «sem quaisquer estragos», sendo certo que na data da propositura da acção o autor se encontrava já na posse das chaves desse veículo e do respectivo livrete. Não só o veículo foi recuperado, como não apresentava danos, o que vale por dizer, que o A. não sofreu qualquer dano e, como tal, não tem direito a exigir a impetrada indemnização. O supra-aludido prazo contratual de 60 dias apenas quer significar uma presunção de perda definitiva da coisa segura, exaurido que seja esse prazo, presunção esta ilidível - e efectivamente ilidida como foi o caso- com a subsequente recuperação do veículo. Não colhe assim respaldo legal e contratual a tese do recorrente no sentido de que, uma vez vencido o prazo, propriedade do veículo se transmitiria para a seguradora. A tal se opõe o disposto no citado § 2° do art.º 439° do Código Comercial. É de resto também entendimento corrente o de que qualquer que seja a natureza, (pessoal ou real do seguro automóvel) a propriedade do veículo nunca se transfere para o segurador, devendo aquele § º 2º ser interpretado no sentido de os salvados não entrarem no cálculo da indemnização, pois que, por um lado, continuam a pertencer ao segurado e, por outro, representam um valor patrimonial, em si mesmo não consubstanciador de danos. 8. Assim havendo decidido neste pendor, não merece a decisão revidenda qualquer censura. 9. Decisão: Em face do exposto, decidem: - negar a revista; - confirmar, em consequência, a decisão recorrida. Custas pelo recorrente. Lisboa, 20 de Maio de 2004 Ferreira de Almeida Abílio Vasconcelos Ferreira Girão |