Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1936/03.2TTLSB.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO PEREIRA
Descritores: ARGUIÇÃO DE NULIDADES
MATÉRIA DE FACTO
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
ÓNUS DA PROVA
DEVER DE LEALDADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/24/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : I - De acordo com o preceituado no art. 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso, justificando-se a exigência contida na referida norma por razões de celeridade e economia processual, visando possibilitar ao tribunal recorrido a rápida e clara detecção das nulidades arguidas e respectivo suprimento.
II - É jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça que tal preceito é, também, aplicável à arguição de nulidades dos Acórdãos da Relação, por força do art. 716.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, pelo que essa arguição deve ser feita, expressa e separadamente, no requerimento de interposição de recurso, sob pena de se considerar extemporânea, com a inerente impossibilidade de delas se conhecer quando tenham somente sido arguidas nas alegações de recurso.
III - No âmbito da matéria de facto, processualmente relevante, inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis: os acontecimentos externos (realidades do mundo exterior) e os acontecimentos internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo), sendo indiferente que o respectivo conhecimento se atinja pelos sentidos ou se alcance através das regras da experiência (juízos empíricos).
IV - Tendo resultado provado que o Autor decidiu fazer suas as oito caixas de vinho, sabendo que tal mercadoria não lhe pertencia não estamos perante simples conclusões ou meros juízos de valor, mas perante factos que, traduzindo eventos do foro interno, eram susceptíveis de ser objecto de produção de prova, designadamente testemunhal.
V - A noção de justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa de dois requisitos: um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências; que esse comportamento torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
VI - Existe a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade empregadora e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.
VII - Na apreciação da gravidade da culpa e das suas consequências, deve recorrer-se ao entendimento do bonus pater familiae, de um empregador razoável, segundo critérios objectivos e razoáveis, em face do circunstancialismo concreto, devendo atender-se no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso de mostrem relevantes, tal como estabelece o art. 12.º, n.º 5, da LCCT.
VIII - Na decisão de despedimento não podem ser invocados factos não constantes da nota de culpa, nem referidas na defesa escrita do trabalhador, salvo se atenuarem ou dirimirem a sua responsabilidade, sendo que, na acção de impugnação judicial de despedimento a entidade empregadora apenas pode invocar factos constantes da decisão de despedimento, competindo-lhe a prova dos mesmos.
IX - Resultando provado que o Autor, no âmbito das suas funções, decidiu fazer suas oito caixas de vinho, bem sabendo que as mesmas lhe não pertenciam, antes pertencendo a uma cliente da sua entidade empregadora, e que a sua actuação era passível de afectar, seriamente, a imagem desta junto daquela, demonstrada está a prática de factos integradores da violação, culposa, do dever de lealdade, previsto no art. 20.º, n.º 1, al. d), da LCT, violação essa que abalou, de forma irreversível, a confiança que a Ré nele depositava e que, por isso, é fundamento de despedimento com justa causa.
Decisão Texto Integral: