Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
37/03.8TBRSD.P
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ÁLVARO RODRIGUES
Descritores: BALDIOS
ASSEMBLEIA DE COMPARTES
CONSELHO DIRECTIVO
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/23/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I- Na estrutura organizativa dos baldios, o Conselho Directivo é um órgão da comunidade dos compartes ou comunidade local para a administração dos baldios, cabendo-lhe funções executivas, nas quais se incluem as de recorrer a juízo em defesa dos direitos e interesses citados e de representar o universo dos compartes, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea i) do sobredito inciso legal.
II- Desta forma, não é a personalidade judiciária que aqui está em causa, pois esta será sempre a da comunidade local erigida em Assembleia de Compartes, em cujo nome e interesse age o seu conselho directivo, mas antes um problema de capacidade judiciária, pois tal comunidade de compartes só pode estar em juízo através dos seus órgãos, concretamente do Conselho Directivo, a quem compete expressamente essa função «ex vi legis» como se viu.
III- Como escreveu Jaime Gralheiro, «as Assembleias de Compartes são pessoas colectivas» e, mais adiante, acrescenta «as Assembleias de Compartes são pessoas morais de carácter social, face à natureza jurídica dos baldios e ao “escopo”» (J. Gralheiro, Comentário à Nova Lei dos Baldios, Almedina, 2002, pg. 139).
Tendo personalidade jurídica, é evidente que as A. Compartes têm personalidade judiciária (artº 5º, nº 2 do CPC).
IV- Relativamente ao Conselho Directivo, o conceituado comentador, que vimos de citar, afirma: «o Conselho Directivo é uma emanação da Assembleia de Compartes; o seu órgão executivo» (Idem, pg. 156).
É ao dito Conselho que, ex vi legis, cabe propor as pertinentes acções em juízo in nomine da comunidade ou, na expressão legal, «recorrer a juízo e constituir mandatário para a defesa dos direitos ou interesses legítimos da comunidade relativos ao correspondente baldio».
V-É esta susceptibilidade de estar em juízo como parte, que tem levado a que algumas decisões jurisprudenciais considerem existir uma verdadeira personalidade judiciária do Conselho Directivo, mas em rigor o CD não está suo nomine em juízo, já que, nos termos da alínea h) do artº 21º da Lei 68/93, de 4 de Setembro, tais actos carecem de ratificação da Assembleia de Compartes.
VI- Como quer que seja, tanto a personalidade judiciária como a capacidade judiciária requerem a constituição válida da pessoa ou da entidade que em nome da pessoa, figura como parte na lide e a falta de qualquer destes pressupostos de validade de instância conduz ao mesmo resultado, isto é, à absolvição do Réu da instância, nos temos do artº 288º, nº 1, alínea c) do CPC.
Decisão Texto Integral:

RELATÓRIO

O Conselho D....... de C............ da Freguesia de Feirão intentou no Tribunal Judicial de Resende a presente acção declarativa com processo ordinário contra a J------ de F---------de F.........., AA, BB, CC e DD, pedindo:

- Que se declarasse que os prédios identificados no n.º2 da p. i. não pertencem à J------ de F---------de F.......... e que esta não os adquiriu por usucapião;
- Que tais prédios fossem declarados baldios e, como tal, propriedade comunitária dos povos da freguesia de Feirão;
- Que os Réus fossem condenados a reconhecer e respeitar esse direito de propriedade, e a absterem-se de qualquer acto que o possa perturbar;
- Que fosse declarada nula e de nenhum efeito a escritura de justificação judicial referida em 9.º e 10.º da p.i., e ordenado o cancelamento de qualquer inscrição registral ou matricial efectuada a favor da 1.ª R. sobre os prédios identificados em 2.º da p.i.;
- Que fosse declarado nulo e de nenhum efeito o contrato de arrendamento referido em 17.º e 18.º da p.i. e efectuado entre a 1.ª R. e a 5.ª R., relativamente aos prédios identificados nesse contrato e nos números 1 a 9 do artigo 2.º da p.i.;
- Que os 1º, 2.º, 3.º e 4.º RR fossem condenados, solidariamente, numa indemnização pelos prejuízos causados e a causar pela indevida utilização pela R. Junta de Freguesia desses baldios, incluindo o seu arrendamento, em montante a liquidar em execução de sentença.
Para tanto alegaram, em síntese, que o povo do lugar e freguesia de Feirão é legítimo proprietário dos baldios correspondentes a dez prédios rústicos sitos nos Lugares de R........, Alto de ..... e Lavradio, V...... ou Alto de S...., Alto d........, Entre ...., Tujal, Rechão, Fonte ...., Alto da Pragueda e Cova da R...., Monte da ...., Ladário, Moita e Lavradio que identificam e que, desde há mais de 200 anos, que são utilizados pelos moradores da freguesia de Feirão, para apascentarem o gado, cortar mato e explorar as águas. O que fazem à vista de todos e sem oposição de ninguém e na convicção de o utilizarem por direito próprio e exclusivo dos moradores da freguesia de Feirão, ignorando lesar o direito de outrem.
Contudo, a Junta de Freguesia, tem tentado apossar-se de tais prédios, e representada pelos 2.º, 3.º e 4º Réus, em escritura de justificação notarial de 29.11.2002, declararam que aquela tinha adquirido, por usucapião, a propriedade dos supra referidos prédios. Sucede, ainda, que a Ré Junta de Freguesia, por contrato datado de 17.02.1997, arrendou a DD, (5.ª ré), nove dos supra referidos terrenos.
Com tais actuações, os Réus têm impedido o Autor de administrar os ditos baldios, o que lhe tem causado prejuízos.
A Ré J------ de F---------de F.......... veio contestar os pedidos formulados, pedindo a improcedência da acção e deduziu reconvenção onde pediu que se declarasse que a J------ de F---------de F.......... é a única e exclusiva proprietária dos prédios identificados em 2.º da p.i.
Para tanto, alega que nunca foi feito o recenseamento dos C........ de Feirão, não foi realizada a primeira assembleia de C.........., tendo em vista a aprovação do recenseamento dos C......., nem foram eleitos os respectivos órgão directivos dos c....... Assim, o Autor não tem existência jurídica porquanto nunca foi efectuada qualquer assembleia de compartes que o elegesse.
Todavia, desde há mais de 20, 30, 40, 50 e 100 anos que é a Ré quem corta o mato, explora a água, abre e limpa caminhos dos prédios em causa, o que faz à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção de exercer um direito próprio.
A 5.ª Ré, DD, também veio contestar os pedidos formulados, pedindo a improcedência da acção.
Alega, para tanto, que a propriedade dos prédios em causa pertence à Ré Junta de Freguesia.
Contudo, a entender-se que os prédios arrendados são baldios, o arrendamento integra um acto de administração permitido por lei. Na data da celebração do contrato não existia recenseamento de compartes, nem órgãos eleitos que os representassem pelo que era a Junta de Freguesia que tinha a sua administração. E mesmo a admitir-se que era a Junta que carecia de legitimidade para arrendar por falta de recenseamento, tal não conduz à nulidade do contrato de arrendamento, mas à mera anulabilidade, cujo prazo para arguição já expirou.
Termina deduzindo incidente do valor da acção.
O Autor veio replicar, dizendo, em resumo, que é parte legítima por ter sido eleito em Assembleia de C......., devidamente legalizada perante a Direcção Geral de Florestas e que a Ré, Junta de Freguesia, apesar de ter de proceder ao recenseamento dos compartes não o fez, motivo pelo qual foram utilizadas cópias dos cadernos de recenseamento eleitoral.
Depois de decidido o incidente do valor de causa, foi proferido despacho saneador, onde se relegou para final o conhecimento da questão da falta de personalidade e capacidade judiciária do autor. Seleccionou-se a matéria de facto e organizou-se a base instrutória de que se não reclamou.
Realizou-se o julgamento da matéria de facto, com gravação dos depoimentos prestados e proferiu-se sentença onde se julgou a acção procedente, por provada, e consequentemente:

a) - Declarou-se que os prédios referidos de 1 a 10 dos factos provados não pertencem à J------ de F---------de F.......... e que esta não os adquiriu por usucapião;
b) - Declarou-se que tais prédios são baldios e como tal, propriedade comunal dos povos da freguesia de Feirão;
c) – Foram os RR condenados a reconhecer e a respeitar tal direito de propriedade, devendo abster-se da prática de qualquer acto que o possa perturbar;
d) – Declarou-se a ineficácia da escritura de justificação notarial identificada em 11 dos factos provados e ordenou-se o cancelamento de qualquer inscrição registral ou matricial efectuada a favor da 1.ª R sobre tais prédios;
e) - Declarou-se nulo o contrato de arrendamento, referido em 13), celebrado entre a 1.ª e a 5.ª R;
f)- Foram os 1.ºs, 2.ºs, 3.ºs e 4.ºs RR condenados, solidariamente, a pagarem à A. a quantia que se vier a liquidar, pelos prejuízos causados com a sua actuação, no que tange aos prédios em causa, nomeadamente ao seu arrendamento.
Julgou-se a reconvenção improcedente e, consequentemente absolveu-se a A. de tal pedido.
Inconformada com tal decisão, dela apelou a J------ de F---------de F.......... para o Tribunal da Relação do Porto, pedindo que a mesma fosse revogada e substituída por outra que julgasse a presente acção totalmente improcedente, tendo este recurso sido julgado procedente e, em consequência, revogada a sentença recorrida, declarando-se juridicamente inexistentes os órgãos de administração dos baldios da freguesia de Feirão, incluindo o conselho directivo ora Autor.
Dada a inexistência jurídica do Autor, julgou-se procedente, por provada, a excepção dilatória da falta de personalidade judiciária do mesmo, invocada pela Ré apelante e, consequentemente, foram absolvidos os Réus da instância.
Foi a vez de o Autor, Conselho D....... de C............ da Freguesia de Feirão, inconformado, vir interpor recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando as suas alegações, com as seguintes:

CONCLUSÕES

A) O tribunal recorrido fundamenta a sua decisão no facto de, da matéria de facto
provada, resultar apenas que:

"Ate dia 15.06.2002, reuniram-se alguns moradores da freguesia de Feirão, em número que não foi possível apurar, constituídos em assembleia constituinte, tendo em momento posterior a essa reunião, em casa de um dos elementos do Conselho Directivo (autor), sido elaborada a acta de fls. 205 a 212, cujo teor aqui se dá por reproduzido; - resposta ao quesito 1º da b. Inst.
Nunca foi realizada a assembleia de compartes, tendo em vista a aprovação do recenseamento de compartes de Feirão."

B) Ora, dessa acta de fls. 205 a 212, CUJO CONTEÚDO SE DEU COMO PROVADO, consta o seguinte:

- Dado que a Junta de Freguesia não promoveu a eleição dos órgãos representativos dos compartes deveria a assembleia promover essa eleição;

- Esta proposta foi aprovada por unanimidade;
- Foram propostas listas para eleição dos órgãos referidos, Mesa de Assembleia, Conselho Directivo e Comissão de Fiscalização.

- Estas listas foram aprovadas por unanimidade;

C) Daqui resulta provado que houve reunião dos compartes da freguesia de Feirão e eleição dos respectivos órgãos para administração dos baldios da freguesia.

D) Mais, resulta dos autos que conforme consta do documento nº 1 junto com a petição inicial, cujo conteúdo não foi impugnado nos termos legais, que a acta bem como todos os documentos relativos à eleição dos órgãos dos compartes dos baldios de Feirão foram enviados ao Ministério da Agricultura, e este arquivou o processo eleitoral constante da respectiva acta, e considerou estarem em funções os órgãos representativos dos compartes da freguesia de Feirão. concelho de Resende.

E) Tal registo equivale ao efeito do registo comercial relativamente às sociedades comerciais, pelo que, a partir desse momento, ficou o Conselho D....... de C............ com personalidade jurídica plena, e em funções.

F) Mais, a R. não provou que eram falsas as assinaturas constantes da acta referida ou que as pessoas que assinaram não eram compartes da freguesia de Feirão.
Finalmente não foi alegado que as pessoas constantes da lista não eram eleitores e residentes da freguesia de Feirão.
Foi dito até pela testemunha Engenheiro EE que aquela lista era um caderno eleitoral existente na Câmara Municipal de Resende, e por isso foi considerado por todos os que intervieram no processo que era válida para o efeito.

G) Assim sendo, o número de assinaturas aí constante era mais do que suficiente para considerar válida a reunião da referida assembleia, no termos dos artºs 185 e 339, da Lei n.° 68/93, a qual teve por base um caderno eleitoral com 219 eleitores.

H) A assembleia de compartes em causa pode ter sido irregularmente conduzida, mas não é, seguramente, uma assembleia de compartes inexistente.

I) A inexistência (jurídica, é claro) deve ficar remetida para os casos ou situações extremos de falta de suporte material do acto ou negócio jurídico ou de total falta de correspondência entre esse suporte material e a noção ou tipo legais do acto ou negócio, e há-de corresponder à ausência ou total deformação do corpus de determinado negócio ou acto jurídico.

J) Não foi isso o que sucedeu, no caso concreto.

K) A assembleia foi convocada e realizada, nela estiveram presentes compartes, nela constam as assinaturas dos compartes..., num total de mais de 30, NÚMERO SUPERIOR AO LEGALMENTE EXIGIDO PARA O EFEITO QUE É APENAS DE 22, C.......... esses que assinaram, como tal, a acta da reunião, nela foi deliberada, entre outras coisas, a composição do Conselho Directivo, autor desta acção.

L) Além, disso, a falta de recenseamento não era impeditiva da convocação e da realização da assembleia de compartes, pois em última análise, vale o recenseamento eleitoral dos residentes na comunidade local a que o baldio pertence, conforme dispõe o nº6, do artº 33º, citado, e conforme foi efectuado, no caso presente, e nem sequer foi impugnado pelos RR.

M) Aliás, não tendo procedido ao recenseamento dos compartes, como lhe impunha a lei, nem poderia sequer a R. Junta de freguesia invocar a nulidade da eleição

N) O resto, irregularidade possível da convocatória e da própria assembleia, por
motivos procedimentais, é assunto que passa ao lado da questão destes autos, que é a de saber sobre a legitimidade representativa do autor, e passa ao lado porque a consequência que a lei associa àquele tipo de irregularidades é a da simples anulabilidade, ao jeito do que está estabelecido para as associações pelo art9 177e do CC).

O) Não há razões, portanto, para não reconhecer personalidade judiciária ao A. nesta acção, aqui recorrente.

P) Não tendo intentado qualquer acção com essa finalidade, nem deduzindo sequer pedido reconvencional nesse sentido (independentemente de se considerarem competentes para apreciar esse pedido os tribunais comuns), e tendo-se provado que a assembleia existiu, e procedeu à eleição dos órgãos representativos dos compartes da freguesia de Feirão, forçosamente, como bem decidiu o Tribunal de Primeira Instância, deveria improceder a excepção de falta de personalidade e capacidade judiciária do A, ora recorrente.

Q) Foram violadas as supracitadas disposições legais, entre outras.

R) Assim sendo, e não ocorrendo a inexistência jurídica do autor deverá revogar-se o douto acórdão recorrido e julgar-se improcedente, por não provada, a excepção dilatória da falta de personalidade judiciária do autor invocada pela ré e, consequentemente, confirmar-se a sentença de primeira instância.

Foram apresentadas contra-alegações, pugnando a Recorrida pela manutenção do decidido.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, pois nada obsta ao conhecimento do objecto do presente recurso, sendo que este é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, nos termos, essencialmente, do art.º 684º, nº 3 do CPC, como, de resto, constitui doutrina e jurisprudência firme deste Tribunal.

FUNDAMENTOS

Das instâncias, vem dada, como provada, a seguinte factualidade:

1) Na matriz predial rústica da freguesia de Feirão, encontra-se inscrito sob o artigo 394, terra de pastagem, sito no Lugar de R......da V....., a confrontar do norte, sul e poente com caminho e do nascente com FF e HH, com a área de quatrocentos e vinte metros quadrados; – alínea A) dos factos assentes.

2) Na matriz predial rústica da freguesia de Feirão, encontra-se inscrito sob o artigo 833, mato e terra incultivável, sito no lugar de Alto de Tardónas e Lavradio, a confrontar de norte com II D....... e Outros, nascente com JJ, KK e Herdeiros de LL, sul com caminho de ligação de Magueija a Ovadas e poente com EEE, HH, MM e Outros, com a área de cinquenta e oito mil e quatrocentos metros quadrados; – alínea B) dos factos assentes.

3) Na matriz predial rústica da freguesia de Feirão, encontra-se inscrito sob o artigo 840, mato e terra incultivável, sito no lugar de V.....ou Alto de Sobradinho, a confrontar do norte e nascente com limite da Freguesia de S. Martinho de Paus, do sul e poente com Herdeiros de NN, com a área de trinta e cinco mil e duzentos metros quadrados; – alínea C) dos factos assentes.

4) Na matriz predial rústica da freguesia de Feirão, encontra-se inscrito sob o artigo 883, terra de mato, sito no lugar do Alto do ......, a confrontar do norte com OO e Outros, nascente com PP, sul com QQ e poente com RR e SS com a área de treze mil e seiscentos metros quadrados; – alínea D) dos factos assentes.

5) Na matriz predial rústica da freguesia de Feirão, encontra-se inscrito sob o artigo 890, terra de mato, sito no lugar de Entre Caminhos, a confrontar do norte com TT, nascente com UU, sul com VV e poente com Estrada Municipal, com a área de seis mil e trezentos metros quadrados; – alínea E) dos factos assentes.

6) Na matriz predial rústica da freguesia de Feirão, encontra-se inscrito sob o artigo 901, mato, pastagem e terra incultivável, sito no lugar de Tujal, a confrontar do norte e nascente com Estrada Municipal, sul com limite da Freguesia de Gosende (Cotelo) e poente com limite da Freguesia de Felgueiras, com a área de trinta e quatro mil e quinhentos metros quadrados; – alínea F) dos factos assentes.

7) Na matriz predial rústica da freguesia de Feirão, encontra-se inscrito sob o artigo 945, terra de cultura de sequeiro, mato, pastagem e terra incultivável, sito no lugar do Rechão, F......., Alto da....... Cova da ......., a confrontar do norte com Herdeiros de XX, nascente com ZZ, SS e outros, do sul com FF, GG e limite de Gosende e poente com caminho e limite da Freguesia de Felgueiras, com a área de duzentos e cinquenta e um mil seiscentos e cinquenta metros quadrados; – alínea G) dos factos assentes.

8) Na matriz predial rústica da freguesia de Feirão, encontra-se inscrito sob o artigo 964, mato, pastagem e terra incultivável, sito no lugar do Monte da ....,L......, a confrontar do norte com GG e caminho, nascente com limite do Concelho de Castro Daire, do sul e poente com caminho e limite da freguesia da Panchorra. Com a área de cinquenta e seis mil duzentos e cinquenta metros quadrados; – alínea H) dos factos assentes.

9) Na matriz predial rústica da freguesia de Feirão, encontra-se inscrito sob o artigo 999, mato, sito no lugar da Moita, a confrontar do norte com AAA, nascente com BBB, sul com Herdeiros de CCC e poente com QQ, com a área de cinco mil oitocentos e cinquenta metros quadrados; – alínea I) dos factos assentes.

10) Na matriz predial rústica da freguesia de Feirão, encontra-se inscrito sob o artigo 1256, terreno rochoso, sito no lugar de Lavradio, a confrontar do norte com Herdeiros DDD, nascente com Bens da Junta de Freguesia, do sul com estrada da Barraca e poente com EEE, Dr. FFF, GGG e Outros, com a área de trinta mil metros quadrados; – alínea J) dos factos assentes.

11) Por escritura de justificação notarial outorgada em 18.09.2002, no Cartório Notarial de Baião, os réus AA, BB e CC, declararam, na qualidade de representantes da ré J------ de F---------de F.........., que esta é dona e legítima possuidora, com exclusão de outrem, dos prédios constantes de um documento complementar elaborado nos termos do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado, que fica a fazer parte integrante desta escritura e relacionados sob os números um a dez; prédios que têm o valor patrimonial total de € 764,93 e o atribuído de cinco mil euros. Que a sua representada não é detentora de qualquer titulo formal que legitime o domínio dos referidos prédios os quais adquiriu, por compra em data imprecisa do ano de mil novecentos e setenta e cinco, feita a HHH e III quanto à verba número um; III, no estado de viúva, quanto as verbas números dois e três, JJJ quanto a verba número quatro e KKK, quanto as números cinco e seis, todos no estado de viúvos, LLL viúva, quanto a verba número dez, residentes que foram no mencionado lugar de Feirão e GG, viúvo, residente que foi em Fortaleza, Brasil, quanto as verbas sete, oito e nove, não tendo sido outorgadas as respectivas escrituras de compra e venda, nem as podendo outorgar agora por terem falecido os vendedores. Que não obstante isso, sempre se têm mantido na posse e fruição dos indicados prédios há mais de vinte anos, cultivando-os, fazendo benfeitorias, pagando os respectivos impostos, administrando-os com ânimo de quem exercita direito próprio, de boa fé por ignorarem lesar direito alheio, pacificamente porque sem violência, pública e continuamente, com o conhecimento de toda a gente e sem qualquer interrupção ou oposição de quem quer que seja. Que dadas as enumeradas características de tal posse e domínio adquiriram os mencionados prédios por usucapião, que invocam, em nome da sua representada, justificando o seu direito de propriedade para efeitos de primeira inscrição no Registo Predial, dado que esta forma de aquisição não pode ser comprovada por qualquer outro titulo formal extrajudicial; – alínea K) dos factos assentes.

12) Do documento complementar aludido na escritura referida em 11) constam os prédios mencionados sob as alíneas 1 a 10; – alínea L) dos factos assentes.

13) Por acordo escrito de 17.02.1997, o réu CC e outros declararam, na qualidade de representantes da J------ de F---------de F.........., dar de arrendamento para fins agrícolas à ré DD, que declarou receber, os prédios referidos em 1), 2), e 4 a 9, mediante o pagamento da contrapartida anual de Esc.: 8.000$00 - cfr. doc. de fls. 29 a 31. – alínea M) dos factos assentes.

14) Os prédios referidos em 1 a 10 encontram-se ora descritos na Conservatória do Registo Predial de Resende, com data de 21.07.2003, sob os nºs 00000 a 00000 - cfr. certidão de fls. 99 a 108. – alínea N) dos factos assentes.

15) No dia 15.06.2002, reuniram-se alguns moradores da freguesia de Feirão, em número que não foi possível apurar, constituídos em assembleia constituinte, tendo em momento posterior a essa reunião, em casa de um dos elementos do Conselho Directivo (autor), sido elaborada a acta de fls. 205 a 212, cujo teor aqui se dá por reproduzido; - resposta ao quesito 1.º da b. inst.

16) Nunca foi realizada a assembleia de compartes, tendo em vista a aprovação do recenseamento de compartes de Feirão; - resposta ao quesito 2.º da b. inst.

17) Relativamente ao prédio referido em 1), há mais de 100 anos que os moradores da freguesia de Feirão o utilizam para apascentarem o gado, cortar mato e explorar as águas; - resposta ao quesito 34.º da b. inst.

18) O que fazem à vista de todos e sem oposição de ninguém; - resposta ao quesito 35.º da b. inst.

19) E na convicção de o utilizarem por direito próprio e exclusivo dos moradores da freguesia de Feirão, ignorando lesar o direito de outrem; - resposta ao quesito 36.º da b. inst.

20) Relativamente ao prédio referido em 2), há mais de 100 anos que os moradores da freguesia de Feirão o utilizam para apascentarem o gado, cortar mato e explorar as águas; - resposta ao quesito 37.º da b. inst.

21) O que fazem à vista de todos e sem oposição de ninguém; - resposta ao quesito 38º da b. inst.

22) E na convicção de o utilizarem por direito próprio e exclusivo dos moradores da freguesia de Feirão, ignorando lesar o direito de outrem; - resposta ao quesito 39.º da b. inst.

23) Relativamente ao prédio referido em 3), há mais de 100 anos que os moradores da freguesia de Feirão o utilizam para apascentarem o gado, cortar mato e explorar as águas; - resposta ao quesito 40.º da b. inst.

24) O que fazem à vista de todos e sem oposição de ninguém; - resposta ao quesito 41.º da b. inst.

25) E na convicção de o utilizarem por direito próprio e exclusivo dos moradores da freguesia de Feirão, ignorando lesar o direito de outrem; - resposta ao quesito 42.º da b. inst.

26) Relativamente ao prédio referido em 4) há mais de 100 anos que os moradores da freguesia de Feirão o utilizam para apascentarem o gado, cortar mato e explorar as águas; - resposta ao quesito 43.º da b. inst.

27) O que fazem à vista de todos e sem oposição de ninguém; - resposta ao quesito 44.º da b. inst.

28) E na convicção de o utilizarem por direito próprio e exclusivo dos moradores da freguesia de Feirão, ignorando lesar o direito de outrem; - resposta ao quesito 45.º da b. inst.

29) Relativamente ao prédio referido em 5), há mais de 100 anos que os moradores da freguesia de Feirão o utilizam para apascentarem o gado, cortar mato e explorar as águas; - resposta ao quesito 46.º da b. inst.

30) O que fazem à vista de todos e sem oposição de ninguém; - resposta ao quesito 47.º da b. inst.

31) E na convicção de o utilizarem por direito próprio e exclusivo dos moradores da freguesia de Feirão, ignorando lesar o direito de outrem; - resposta ao quesito 48º da b. inst.

32) Relativamente ao prédio referido em 6), há mais de 100 anos que os moradores da freguesia de Feirão o utilizam para apascentarem o gado, cortar mato e explorar as águas; - resposta ao quesito 49.º da b. inst.

33) O que fazem à vista de todos e sem oposição de ninguém; - resposta ao quesito 50.º da b. inst.

34) E na convicção de o utilizarem por direito próprio e exclusivo dos moradores da freguesia de Feirão, ignorando lesar o direito de outrem; - resposta ao quesito 51.º da b. inst.

35) Relativamente ao prédio referido em 7), há mais de 100 anos que os moradores da freguesia de Feirão o utilizam para apascentarem o gado, cortar mato e explorar as águas; - resposta ao quesito 52.º da b. inst.

36) O que fazem à vista de todos e sem oposição de ninguém; - resposta ao quesito 53.º da b. inst.

37) E na convicção de o utilizarem por direito próprio e exclusivo dos moradores da freguesia de Feirão, ignorando lesar o direito de outrem; - resposta ao quesito 54º da b. inst.

38) Relativamente ao prédio referido em 8), há mais de 100 anos que os moradores da freguesia de Feirão o utilizam para apascentarem o gado, cortar mato e explorar as águas; - resposta ao quesito 55.º da b. inst.

39) O que fazem à vista de todos e sem oposição de ninguém; - resposta ao quesito 56.º da b. inst.

40) E na convicção de o utilizarem por direito próprio e exclusivo dos moradores da freguesia de Feirão, ignorando lesar o direito de outrem; - resposta ao quesito 57.º da b. inst.

41) Relativamente ao prédio referido em 9), há mais de 100 anos que os moradores da freguesia de Feirão o utilizam para apascentarem o gado, cortar mato e explorar as águas; - resposta ao quesito 58.º da b. inst.

42) O que fazem à vista de todos e sem oposição de ninguém; - resposta ao quesito 59.º da b. inst.

43) E na convicção de o utilizarem por direito próprio e exclusivo dos moradores da freguesia de Feirão, ignorando lesar o direito de outrem; - resposta ao quesito 60.º da b. inst.

44) Relativamente ao prédio referido em 10), há mais de 100 anos que os moradores da freguesia de Feirão o utilizam para apascentarem o gado, cortar mato e explorar as águas; - resposta ao quesito 61.º da b. inst.

45) O que fazem à vista de todos e sem oposição de ninguém; - resposta ao quesito 62.º da b. inst.

46) E na convicção de o utilizarem por direito próprio e exclusivo dos moradores da freguesia de Feirão, ignorando lesar o direito de outrem; - resposta ao quesito 63.º da b. inst.

47) A R. Junta de Freguesia nunca praticou quaisquer actos nos prédios referidos de 1 a 10 na convicção de ser deles proprietária; - resposta ao quesito 64.º da b. inst.

48) E em 1975, não declarou comprar, ainda que verbalmente, os prédios referidos de 1 a 10; - resposta ao quesito 65.º da b. inst.


49) Os RR AA,MMM e NNN, quando prestaram as declarações referidas na escritura referida em 11) sabiam que o referido em 47 e 48 correspondia à verdade; - resposta ao quesito 66.º da b. inst.

50) Bem sabendo que o direito à utilização e fruição dos prédios referidos em 1 a 10 pertenciam exclusivamente aos moradores da freguesia de Feirão; - resposta ao quesito 67.º da b. inst.

51) O A tem estado impedido de administrar os prédios referidos de 1 a 10; - resposta ao quesito 68.º da b. inst.

52) A R. Junta de Freguesia nunca efectuou o recenseamento dos compartes da freguesia de Feirão. - resposta ao quesito 69.º da b. inst.

Como se colhe, do Acórdão sob recurso, a Relação revogou a sentença recorrida, declarando juridicamente inexistentes os órgãos de administração dos baldios da Freguesia de Feirão, pretensamente eleitos na assembleia constituinte reunida em 15.06.2002, incluindo o Conselho Directivo, ora Autor e, assim sendo, julgou procedente, por provada, a excepção dilatória da falta de personalidade judiciária do Autor, invocada pela Ré apelante, absolvendo os Réus da instância.
Em rigor, o Conselho Directivo mais não é do que um órgão da comunidade local (compartes) que administra os baldios, pois como reza o nº 1 do art.º 11º da Lei 68/93, de 4 de Setembro, os baldios são administrados, por direito próprio, pelos respectivos compartes, nos termos dos usos e costumes aplicáveis ou, na falta deles, através de órgão ou órgãos democraticamente eleitos.
Logo no nº 2 do referido preceito legal, estatui a lei que as comunidades organizam-se para o exercício dos actos de representação, disposição, gestão e fiscalização relativos aos correspondentes baldios, através de uma assembleia de compartes, um conselho directivo e uma comissão de fiscalização.
Por sua vez, no art.º 21º do falado diploma legal, estipula a alínea h) que compete ao Conselho Directivo «recorrer a juízo e constituir mandatário para a defesa dos direitos ou interesses legítimos da comunidade relativos ao correspondente baldio e submeter estes actos à ratificação da assembleia dos compartes».
Daqui deflui, que o Conselho Directivo é um órgão da comunidade dos compartes ou comunidade local para a administração dos baldios, cabendo-lhe funções executivas, nas quais se incluem as de recorrer a juízo em defesa dos direitos e interesses citados e de representar o universo dos compartes, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea i) do sobredito inciso legal.
Desta forma, não é a personalidade judiciária que aqui está em causa, pois esta será sempre a da comunidade local erigida em Assembleia de C.........., em cujo nome e interesse age o seu conselho directivo, mas antes um problema de capacidade judiciária, pois tal comunidade de compartes só pode estar em juízo através dos seus órgãos, concretamente do Conselho Directivo, a quem compete expressamente essa função «ex vi legis» como se viu.
Como escreveu Jaime Gralheiro, «as Assembleias de C.......... são pessoas colectivas» e, mais adiante, acrescenta «as Assembleias de C.......... são pessoas morais de carácter social, face à natureza jurídica dos baldios e ao “escopo”» (J. Gralheiro, Comentário à Nova Lei dos Baldios, Almedina, 2002, pg. 139).
Tendo personalidade jurídica, é evidente que as A. compartes têm personalidade judiciária (artº 5º, nº 2 do CPC).
Relativamente ao Conselho Directivo, o conceituado comentador, que vimos de citar, afirma: «o Conselho Directivo é uma emanação da Assembleia de C..........; o seu órgão executivo» (Idem, pg. 156).
É ao dito Conselho que, ex vi legis, cabe propor as pertinentes acções em juízo in nomine da comunidade ou, na expressão legal, «recorrer a juízo e constituir mandatário para a defesa dos direitos ou interesses legítimos da comunidade relativos ao correspondente baldio».
É esta susceptibilidade de estar em juízo como parte, que tem levado a que algumas decisões jurisprudenciais considerem existir uma verdadeira personalidade judiciária do Conselho Directivo, mas em rigor o CD não está suo nomine em juízo, já que, nos termos da alínea h) do artº 21º da Lei 68/93, de 4 de Setembro, tais actos carecem de ratificação da Assembleia de compartes.
Como quer que seja, tanto a personalidade judiciária como a capacidade judiciária requerem a constituição válida da pessoa ou da entidade que em nome da pessoa, figura como parte na lide e a falta de qualquer destes pressupostos de validade de instância conduz ao mesmo resultado, isto é, à absolvição do Réu da instância, nos temos do artº 288º, nº 1, alínea c) do CPC.
No caso do Conselho Directivo, é necessário que tal órgão exista juridicamente, isto é, tenha sido validamente criado, nos termos legais.
Para se aquilatar de tal validade, mister é que haja suporte factual provado que o permita, tanto mais que esta questão foi levantada pela Ré e, de resto, como excepção dilatória que é, impõe-se o seu conhecimento oficioso (artºs 494º, al. c) e 495º do CPC).
Ora o Tribunal da Relação, a quem compete a última palavra quanto ao julgamento da matéria de facto, decidiu o que se passa a transcrever:
«O autor apenas logrou, inequivocamente, provar que a referida assembleia se realizou, mas já não logrou provar que nessa assembleia ocorreram as eleições para os órgãos de administração dos baldios e particularmente que ele próprio foi eleito de harmonia com o estabelecido na Lei dos baldios, (Lei 68/93). Pois que, o mais (v.g. recenseamento provisório dos compartes, convocação, constituição e funcionamento da referida assembleia constituinte), e que consta do teor da referida acta (que foi elaborada em momento posterior à alegada reunião de compartes, em casa de um dos membros do conselho directivo (autor)) não foi comprovado em audiência de julgamento.
Segundo o que preceitua o art.º 15.º n.º1 als. a) e b) da Lei 68/93, dúvidas não restam que é à assembleia de compartes que compete eleger a respectiva mesa e os membros do conselho directivo e da comissão de fiscalização. Sendo ainda certo que para a eleição dos membros de tais órgãos não é exigida qualquer maioria qualificada, bastando a maioria simples, cfr. artºs 15.º n.º 2 (a contrario), 16.º, 20.º e 24.º, por nenhuma referência ser feita quanto à necessidade de uma maioria qualificada.
Tal como já resultava da anterior Lei dos Baldios (D.L 39/76, de 19 de Janeiro, art.º 3.º n.º 2) também face à actual Lei 68/93, para que se verificasse a devolução dos baldios à administração e gestão dos compartes, era necessário que se constituísse a respectiva assembleia constituinte, cfr. art.º 11.º nºs 1 e 2, sendo que a constituição das assembleias de compartes deve constar, nos termos do art.º 13.º n.º1 da actual Lei, de acta. Mas para que esta assembleia de compartes se pudesse reunir pela primeira vez, em assembleia constituinte, era necessário que, previamente, se tivesse elaborado um recenseamento provisório dos compartes ou houvesse documento que o substituísse. Pois que só a partir desse recenseamento, sobre o qual preceitua o art.º 33.º, que teria de ser aprovado pela dita assembleia, com as alterações que houvesse, é que a mesma poderia funcionar nos termos impostos pelo art.º 19.º da Lei 68/93, ou seja, a assembleia de compartes reúne validamente desde que se mostre verificada a presença da maioria dos respectivos compartes (n.º1), mas quando tal não aconteça, reúne também validamente uma hora depois da indicada no aviso convocatório, desde que estejam presentes um quinto dos compartes (n.º2). Quando a assembleia não reúna este quórum mínimo, deverá ser, de imediato, convocada uma nova reunião para um dos 5 a 14 dias seguintes, funcionando então a assembleia validamente com qualquer número de compartes presentes (n.3)».

E mais adiante remata, desta sorte, a insuficiência de prova relativamente à validade da constituição do Conselho Directivo em referência:

«No caso dos autos não resultou provado qual era o número de compartes dos baldios em apreço, pois como resulta da fundamentação da decisão de facto – “ o caderno de recenseamento dos compartes que foi tido em conta nessa reunião (também junto a fls. 209 a 212) estivesse correcto e abarcasse todos os moradores da referida freguesia (com direito a participarem na assembleia constituinte dos órgãos dos baldios), tanto mais que a diferença entre o número de pessoas que constam daquele caderno e as que estão indicadas no caderno eleitoral que está documentado a fls. 60 a 68, é substancial e não foram suficientemente explicados os motivos que levaram à exclusão do primeiro caderno de muitos dos eleitores identificados no segundo” – assim como não resultou provado qual o número de compartes que estiveram presentes na referida assembleia, nem que esta se tenha reunido, uma hora depois da hora designada, para que, na ausência de metade e mais um dos moradores da freguesia, houvesse quórum suficiente para esta se constituir e deliberar, isto é, com a presença de mais de um quinto desses mesmos moradores.
Se a eleição dos órgãos de administração dos baldios em apreço tivesse tido lugar em violação do disposto no n.º 2 do art.º 19.º da Lei 68/93, por não se verificar o quórum mínimo para a realização do acto eleitoral, estaríamos perante um acto meramente anulável, nos termos do art.º 177.º do C.Civil (não acto nulo, cfr. artºs 158.º-A e 280.º do C.Civil), sendo certo que o direito de anulação das deliberações tomadas em tal assembleia, que é de seis meses a contar da realização da assembleia, já teria caducado à data da instauração da presente acção (6.02.2003).
Todavia entendemos que não estamos perante uma mera eleição irregular dos órgãos de administração dos ditos baldios, pois que tal acto (eleição) nem sequer teve lugar. Já que o autor, como acima já se referiu, não logrou fazer prova desse mesmo facto, como resulta da resposta restritiva dada ao quesito 1.º da base instrutória. Ora, não tendo ficado provado que tenha havido, como constava do doc. junto a fls. 205 a 207 dos autos (acta n.º 1), a eleição de qualquer dos órgãos de administração dos baldios (mesa da assembleia, conselho directivo e comissão de fiscalização) é manifesto que não se verifica a existência de qualquer suporte material ou corpus desse acto jurídico, o que implica a inexistência jurídica da alegada deliberação documentada no supra referido documento (acta n.º1) e consequentemente entender-se a mesma destituída de qualquer valor jurídico.
Logo não se pode aceitar o que consta da decisão recorrida quanto a esta questão, ou seja, que “em assembleia constituinte, e nessa assembleia conforme resulta da acta junta a fls. 205, foi eleito o Conselho Directivo dos C..........”, (ora autor)».
A afirmação de que o Autor «não logrou provar que nessa assembleia ocorreram as eleições para os órgãos de administração dos baldios e particularmente que ele próprio foi eleito de harmonia com o estabelecido na Lei dos baldios, (Lei 68/93)» traduz-se num juízo de facto da 2ª Instância, órgão jurisdicional máximo, como é consabido, relativamente ao julgamento da matéria de facto, insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça que, como Tribunal de revista, apenas deve aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido (art.º 729º, nº 1 do CPC).
Nas suas alegações, o Recorrente tece diversas considerações e esgrime vários argumentos, condensados nas conclusões daquela peça recursória, no sentido de demonstrar a veracidade de vários factos alegados, mas a verdade é que no presente recurso de Revista, o Supremo Tribunal apenas se pode ater ao acervo factual apurado e plasmado nas decisões e aos juízos e conclusões em sede de matéria de facto, extraídas pelas Instâncias.
Como é sabido, não cabe, nos poderes de censura deste Supremo Tribunal, sindicar a matéria de facto apurada pelas Instâncias, nela se incluindo os juízos e conclusões em matéria de facto, salvo nos casos expressamente previstos na lei, como comanda o artº 722º, nº 2 do Código de Processo Civil, o que não é o caso!
Por isso mesmo se diz que o Supremo Tribunal de Justiça é um Tribunal de revista, isto é, conhece apenas da matéria de direito, o que, aliás, está consignado no artº 26º da Lei 3/99 de 13/01, onde se prescreve que «fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece da matéria de direito».
Nesta conformidade, a jurisprudência uniforme deste Tribunal tem sido no sentido de que «de harmonia com o artigo 722º, nº 2 do CPC, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista (nem de agravo como decorre do artº 755º, nº 2, do CPC), salvo havendo ofensa de uma disposição expressa na lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, em que fixa a força de determinado meio de prova», como sentenciou o Ac. STJ, de 25.09.1996 in ADSTA, 420º – 1467.
Finalmente sempre se dirá que, ainda que tratasse de mera incapacidade judiciária (e não de personalidade judiciária) o mecanismo corrector de representação ou autorização a que se refere o artº 288º/1, al. c) do CPC, não funcionaria no caso sub judicio, uma vez que a Relação, dando como não provados os requisitos essenciais da existência de eleições para os órgãos de administração dos baldios, nem do nº de compartes reunidos na «assembleia constituinte» a que se refere o facto provado 15º, e o mais que consta do Acórdão recorrido, considerou como juridicamente inexistentes os órgãos de administração de baldios da Freguesia de Feirão.

Face a tudo quanto exposto se deixa, claudicam todas as conclusões da alegação da Recorrente, improcedendo linearmente o presente recurso.

DECISÃO

Face a tudo quanto exposto fica, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em se negar a revista.

Custas pelo Recorrente.

Processado e revisto pelo Relator.


Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 23 de Setembro de 2010

      Álvaro Rodrigues (Relator)

      Teixeira Ribeiro

      Bettencourt de Faria