Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
244/14.8GBPMS
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: TENTATIVA
HOMICÍDIO QUALIFICADO
PENA DE EXPULSÃO
NULIDADE
FUNDAMENTAÇÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
LIMITES DA CONDENAÇÃO
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CULPA
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
Data do Acordão: 10/21/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / PENAS ACESSÓRIAS E EFEITOS DAS PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - JULGAMENTO / AUDIÊNCIA / ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS.
Doutrina:
- Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde – 1981), 96/98.
- Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 608.º.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 359.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, N.º2, 65.º, N.º1, 71.º, N.º1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 18.º, N.º1, 24º, 30.º, N.º4.
LEI N.º 23/07, DE 4 DE JULHO: - ARTIGO 151º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 29/09/1991, 09/04/1997, 16/01/2002, 05/02/2002, 08/06/2005, 22/03/2006 E 26/03/2008, O PRIMEIRO E O QUINTO PUBLICADOS NAS CJ, XVI, IV, 31 E CJ (STJ), XII, I, 189, OS RESTANTES PROFERIDOS NOS PROCESSOS N.ºS 1322/96, 3059/01, 4223/04, 1672/05, 467/06 E 444/08, RESPECTIVAMENTE.
-DE 21/10/2004, CJ (STJ), XII, III, 192.
Sumário :

I  -   Não tendo o MP requerido a aplicação da pena acessória de expulsão, nem tendo incluído qualquer facto fundamentador da cominação daquela pena, não tendo, tão-pouco, o tribunal comunicado qualquer alteração dos factos descritos na acusação ou qualquer alteração da qualificação jurídica daqueles factos, não podia este último ter condenado o arguido na pena acessória de expulsão, tanto mais que decidiu condenar o arguido na pena acessória de expulsão sem que tenha fundamentado minimamente a respectiva condenação. Pelo que o acórdão recorrido enferma de nulidade, uma vez que incorreu em excesso de pronúncia e condenou por factos diversos dos descritos na acusação fora dos casos e condições previstos no art. 359.º, do CPP, o que determina a sua revogação no segmento em que impôs ao arguido aquela pena acessória.
II -  Estando em causa a prática pelo arguido de um crime tentado de homicídio qualificado, ilícito em que o bem jurídico tutelado é a vida humana, bem jurídico supremo, que a CRP, no seu art. 24.º, declara inviolável, as necessidades de prevenção são muito elevadas, não obstante a imperfeição do facto. O arguido agiu com dolo directo, a ilicitude do facto é acentuada, pelo que, não obstante a inserção social do arguido e a ausência de antecedentes criminais, a pena aplicada de 7 anos de prisão não merece qualquer censura, uma vez que se situa dentro da medida da culpa, e é imposta pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada.      
Decisão Texto Integral:

                                                                    *

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

No âmbito do processo supra referenciado da Comarca de Leiria - Instância Central – Secção Criminal – J, após contraditório, AA, com os sinais dos autos, foi condenado como autor material de um crime tentado de homicídio qualificado na pena de 7 anos de prisão, bem como na pena acessória de expulsão.

O arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

É do seguinte teor o segmento conclusivo da respectiva motivação[1]:

1.Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido que condenou o recorrente na pena de 7 (sete) anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada.

2. Não se conforma o recorrente com a decisão proferida no que concerne à solução de direito encontrada.

3.Tem o presente recurso por objecto de apreciação da excessiva gravidade da pena aplicada.

4. Com efeito, face aos factos dados como provados, nomeadamente:

- confissão dos factos pelo arguido;

- arrependimento pelo mesmo patenteado;

- percurso de vida do recorrente;

- o facto de ser primário, não registando qualquer antecedente criminal,

a pena a cominar deveria situar-se nos cinco anos de prisão.

5. Pena essa que, atendendo ao facto do arguido ter 47 anos de idade, não possuir antecedentes criminais, ter confessado os factos que lhe eram imputados, ter sido cooperante com as autoridades policiais e com a justiça desde o primeiro momento, o que não poderá deixar de ser visto como um sinal de "interiorização" da responsabilidade do crime, tudo isto, repetimos, leva a crer que as necessidades de prevenção especial se encontram muito esbatidas.

6. Assim, a pena a fixar deveria ficar abaixo dos limites que a culpa e a prevenção geral aconselhariam, e neste sentido, a pena deverá fixar-se nos cinco anos de prisão.

7. A pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, que também limita a pena pela medida da culpabilidade, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva.

8. Pelos motivos supra expostos, a pena a aplicar ao arguido deveria ser suspensa na sua execução, ainda que subordinada ao cumprimento de injunções, e regime de prova.

9. A decisão recorrida violou o disposto nos art. 40°, 70° e 71 ° do C. Penal.

O Ministério Público também interpôs recurso tendo extraído da motivação apresentada as seguintes conclusões:

1ª Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público do douto Acórdão proferido a fls. n', no interesse exclusivo do arguido AA, na parte em que lhe aplicou a pena acessória de expulsão do Pais, nos termos do disposto no artigo 151º, nº 1, da Lei 23/2007, de 4 de Julho.

2ª Dispõe o artigo 151°, da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, que:

"1 A pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a seis meses de prisão efetiva ou em pena de multa em alternativa à pena de prisão superior a seis meses.

2 A mesma pena pode ser imposta a um cidadão estrangeiro residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a um ano de prisão, devendo, porém, ter-se em conta, na sua aplicação, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal."

3ª A pena acessória de expulsão nunca ocorre como efeito automático da condenação, dependendo de uma série de factores atinentes, designadamente, à situação pessoal e familiar do arguido.

4ª A pena acessória de expulsão nunca pode ter carácter/duração ad aeternum.

5ª Dispõe o artigo 319°, nº 1, al. b), do Código de Processo Penal que "é nula a sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos previstos nos artigos 358° e 359°."

6ª  Dispõe o artigo 359°, nº 1, do Código de Processo Penal, sob a epígrafe "alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia" que "uma alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia não pode ser tomada em conta pelo tribunal para efeitos de condenação no processo em curso, nem implica a extinção da instância."

7ª Existe uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia e, por conseguinte, a imputação ao arguido de um crime diverso quando:

a) Da referida adição ou modificação dos factos resulte que o bem jurídico agora protegido é distinto do primitivo;

b) Da referida adição ou modificação dos factos resulte um facto naturalístico diferente, objecto de um diferente e distinto juízo de valoração social;

c) Da referida adição ou modificação dos factos resulte a perda da "imagem social" do facto primitivo, ou seja, resulte a perda da sua identidade.

8ª Uma “alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia" constitui uma divergência ou diferença de identidade que não transforme o quadro da acusação em outro diverso no que se refere a elementos essenciais, mas apenas, de modo parcelar e mais ou menos pontual, e sem descaracterizar o quadro factual da acusação".

9ª Tendo em consideração que:

a) Na acusação deduzida contra o arguido pelo Ministério Público não foram alegados factos que pudessem conduzir à aplicação da pena acessória de expulsão daquele do Território Nacional;

b) O Ministério Públio não requereu na Acusação que fosse aplicada ao arguido a pena acessória de expulsão do Território Nacional;

c) Na Audiência de discussão e julgamento não foi dado a conhecer ao arguido a possibilidade de poderem vir a resultar provados factos que podiam conduzir à aplicação da pena acessória de expulsão do Território Nacional, prevista no artigo 151°, do Regime Jurídico da Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do Território Nacional;

d) E que, caso viessem a resultar provados esses factos e pudesse vir a ser aplicada tal pena, daí decorreria a possibilidade de lhe vir a ser imposta a proibição de entrar no Território Nacional num prazo até cinco anos;

e) E, não obstante tais factos, foi imposta ao arguido a mencionada pena acessória, e, ainda, com carácter/duração ad aeternum,

10ª Tendo ocorrido uma possível alteração substancial dos factos e da qualificação jurídica, impunha-se ao Tribunal a quo dar cumprimento ao disposto no artigo 359°, nºs. 1, 3 e 4, do Código de Processo Penal, na medida em que o arguido "foi surpreendido, foi prejudicado na sua defesa, pela alteração da qualificação jurídica operada, por se tratar de uma alteração substancial com relevo para a decisão da causa".

11ª Destarte, face ao supra exposto, deverá o douto Acórdão a quo ser, nesta parte, declarado nulo, por ter violado o disposto nos artigos 283°, n° 3, al, c), 359°, nºs, 1,3 e 4 e 379°, nº 1, al. b), todos do Código de Processo Penal, 144° e 151°, nºs. 1 e 2, ambos do D.L. nº 23/2007, de 4 de Julho, na redacção que lhe foi dada pelo Lei nº 29/2012, de 9 de Agosto e os artigos 30°, nºs. 1 e 4 e 32°, nºs. 1 e 5, ambos da         Constituição da República Portuguesa e, por via dela, ser declarada nula a respectiva condenação.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer:

Do acórdão proferido em 6/5/2015 em Leiria, Inst. Central – secção criminal – J1 que condenou o arguido AA por autoria de homicídio qualificado tentado p. e p. arts. 22.º, 23.º, 73.º, 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, al. b) do CP na pena de 7 anos de prisão e na pena acessória de expulsão, recorreu o arguido AA e o  Ministério Público.

 O arguido AA nas conclusões que delimitam o conhecimento do seu recurso tem por objecto a medida da pena que lhe foi aplicada defendendo que deverá situar-se nos 5 anos de prisão, suspensa na sua execução, devido à confissão, arrependimento, percurso de vida e idade 47 anos, com suspensão subordinada ao cumprimento de injunções e regime de prova.

O MºPº através do sr. Procurador da República interpôs recurso no exclusivo interesse do arguido na parte que lhe aplicou a pena acessória de expulsão que lhe foi aplicado nos termos do art. 151.º da lei 23/2007.

Suscita a nulidade do acórdão recorrido, essencialmente, por não constar dos factos da acusação ou da pronúncia a aplicação da pena acessória (art. 379.º, n.º 1, al. b) do CPP, 144.º, 151.º da lei 23/2007, o que viola também o art. 30.º, n.º 1 e 4 e 32.º, 115.º da Constituição.

1 – Medida da pena e suspensão da execução

O arguido AA foi condenado a 7 anos de prisão pelo cometimento do crime de homicídio agravado tentado dos arts. 22.º, 73.º, 131.º, 132.º, n.º 2 al. b) do CP, embora pudessem surgir algumas dúvidas quanto à intensão comparando-se os factos provados com a fundamentação quando só o arguido prestou declarações.

1 - A medida da pena de 7 anos aplicada pelo crime de homicídio qualificado tentado na pessoa da ofendida, sua ex-mulher BB, foi encontrada pelos julgadores partindo dos limites mínimo de 2 anos 4 meses e 24 dias e máximo de 16 anos e 8 meses, tendo sido dada relevância no acórdão recorrido à modalidade mais gravosa da culpa ao grau elevadíssima da ilicitude mas também o terem sido defendidos os princípios sobre o direito à vida e o desprezo pela vida da BB; ao nível de prevenção geral foi ainda considerado dever ser dada à sociedade uma resposta de confiança na lei.

1.1 - Segundo nos parece a medida da pena aplicar ao arguido AA para além de ser encontrada entre os limites mínimo e máximo acima referidos, não deverá ultrapassar a satisfação das exigências da culpa, sendo o limite máximo as exigências de prevenção.

Uma vez que as finalidades da pena, também segundo a jurisprudência do STJ, residem principalmente na tutela dos bens jurídicos e na reinserção do agente na comunidade, também não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa.

1.2 - E como deverão ser tidas em conta todas as circunstâncias provadas quanto à gravidade da ilicitude e suas consequências, a intensidade do dolo, a sua personalidade e as condições pessoais quer no comportamento anterior quer posterior aos factos, parece-nos por isso que a pena poderá ser alterada.

A especial censurabilidade que se verifica na agravação devido à vítima ter sido sua cônjuge embora se encontrassem divorciados, já não pode exercer influência na escolha da medida da pena, por não poder influenciá-la duplamente. Mas parece-nos que devido às outras circunstâncias que rodearam e em que acabou o desfecho da agressão poder-se-á ter em consideração que a vítima BB conseguiu defender-se e “escondeu” a faca, o arguido tentou apertar o pescoço sem ter mantido tal força até ter conseguido evitar a respiração da BB, o dizer à filha “tinha feito mal” e ter mandado chamar à ambulância, o desconhecer-se o motivo, o facto de, pelo menos durante meia hora, ter ajudado a “arrumar” a casa, o que conjugado com o arrependimento, o casamento ter durado 27 anos sem altercações, o não ter antecedentes criminais e ser trabalhador parece-nos poder influenciar o encontro da medida da pena.

É que atendendo-se às circunstâncias referidas não nos parece que, sendo o arguido emigrante, a tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade da norma jurídica seja elevada, que a prevenção geral não seja positiva e que a integração não possa ocorrer na sua comunidade de origem (neste sentido na doutrina de Figueiredo Dias).

1.3 - Como na determinação da pena de 7 anos de prisão que foi fixada na 1ª instância, segundo nos parece, não só não foram tidos em conta os factores relevantes como também terá havido uma ilimitada aplicação dos princípios gerais, em especial a relevância dada ao valor da vida quando a vítima sobreviveu, sem consequências permanentes, terá originado uma desproporção no quanto da pena aplicado, que segundo nos parece poderá ser fixado entre os 5 e os 6 anos de prisão.

E não atingindo os 5 anos, não haverá hipótese de se ponderar a aplicação do disposto no art. 50.º do CP.

2 – Recurso do MºPº - pena acessória de expulsão

Na acusação do MºPº não foi promovida a condenação do arguido na pena acessória de expulsão (arts. 134.º, n.º 1, al. e) e f) e 151.º, n.º 1 da lei 23/2007).

Mas o arguido AA foi condenado à esta pena acessória nos termos do art. 151.º, n.º 1 da lei 23/2007 sem ter sido previamente fundamentada tal condenação e sem lhe ter sido dada a possibilidade de se defender.

2.1 - Esta pena acessória não pode resultar de uma simples aplicação automática da pena principal e neste caso concreto sem sequer é aplicável o n.º 1 do art. 151.º da lei 23/2007 que prevê a possibilidade da aplicação da pena de expulsão a cidadãos estrangeiros não residentes no país, quando há 15 anos que residia em Mendiga, com a mulher e a filha.

2.2 - É que a lei prevê e discrimina a aplicação da pena acessória entre cidadãos estrangeiros residentes e não residentes no país.

Mas conforme determina o n.º 2 do art. 151.º para um residente ser expulso terão de ser ponderados algumas circunstâncias para além da gravidade dos factos cometidos, nomeadamente a sua personalidade, a sua inserção na comunidade, as consequências na família e ainda nos termos do n.º 3 da mesma disposição legal que “a sua conduta constitua uma ameaça suficiente grave para a ordem jurídica ou segurança social”.

A razão da diversidade de tratamento entre cidadãos residentes e não residentes, encontra-se ligada à circunstância de a fixação de residência ter subjacente a criação de um vínculo social e económico e de todo um processo der socialização e identificação comunitária” (Ac. do STJ de 6/3/2014, proc. 44/13.2JELSB.L1.S1 e de 30/10/2013, proc. 714/12.2PBFAR.S1).

2.3 - E dos factos fixados no acórdão/recorrido resulta que a família se adaptou bem ao meio sociocultural, o arguido trabalhava, era bem considerado pela população e é visitado no Estabelecimento Prisional pela ex- mulher e filha.

2.4 - O acórdão que condenou o arguido AA não é só omisso quando lhe aplica a pena acessória de expulsão (art. 374.º, n.º 2 e 375.º, n.º 1 do CPP) como conheceu uma questão de que não podia tomar conhecimento (art. 379.º, n.º 1, al. a) e b) do CPP), e também violou o princípio do contraditório p. no n.º 5 do art. 32.º da Constituição.

E ainda que estes pressupostos tivessem sido preenchidos o arguido AA não podia ser condenado a esta pena acessória porque sendo cidadão ucraniano residente no nosso país, os factos provados não abrangem qualquer das circunstâncias dos nºs 2 e 3 do art. 151.º da lei 23/2007 (Ac. do STJ de 12/9/2013, proc. 1112/11.0PEAMD.S1 revogação a decisão que decretou a expulsão).

Assim por tudo isto parece-nos deverá merecer provimento o recurso interposto pelo Ministério Público, relativamente à revogação da pena acessória de expulsão aplicada ao arguido e o recurso do arguido AA eventualmente poderá merecer provimento parcial.

                                                      *

Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir:

São duas as questões submetidas à apreciação deste Supremo Tribunal, uma colocada pelo recorrente AA, atinente à medida da pena imposta e, reflexamente, à sua espécie, entendendo o arguido que a pena de 7 anos de prisão cominada se mostra excessiva, devendo ser reduzida para 5 anos de prisão e suspensa na sua execução, a outra suscitada pelo Ministério Público relativa à pena acessória de expulsão aplicada, pugnando-se pela sua revogação, sob a alegação de que a sentença nessa parte enferma de nulidade.

O tribunal colectivo considerou provados os seguintes factos:

1).- AA é casado com BB há 27 anos

2).- Desde há quinze anos que residem na Rua ....

3).- Encontrando-se separados pelo menos desde o mês de Julho de 2014.

4).- Três semanas antes do dia 8 de Agosto de 2014, deslocaram-se ambos à Ucrânia para iniciarem o processo de divórcio.

5).- Quando regressaram a Portugal, AA ficou a viver na pecuária e a BB a viver na casa da filha.

6).- No dia 8 de Agosto de 2014, BB deslocou-se para a casa comum do casal, sita na Rua ...

7).- Cerca das 19 horas começou a limpar a casa, pois pretendia entregar a casa ao senhorio.

8).- Cerca das 21 horas o arguido AA entrou em casa passando a auxiliar BB na arrumação.

9).- Cerca de meia hora depois, no corredor da casa, sem que nada o fizesse prever, AA agarrou-se aos cabelos de BB com as duas mãos.

 10).- De seguida, largando uma das mãos do cabelo de BB, com ela agarrou uma faca de uso doméstico, com lâmina com o comprimento de 8 cm que se encontrava em local não apurado.

11).- Com ela desferiu um golpe no pescoço de BB.

12).- Caindo esta ao solo.

13) - Com ela assim prostrada o arguido desferiu-lhe, com a dita faca, mais quatro golpes na zona do abdómen.

14).- A BB logrou apoderar-se da faca, retirando-a das mãos de AA,

15).- E pondo-a debaixo do seu corpo.

16).- O arguido, persistindo na intenção de lhe tirar a vida, com as ambas as mãos, apertou com violência o pescoço de BB

17).- De seguida, saiu de casa, fechando a porta.

18).- Naquele momento chegou CC, sua filha.

19).- Que lhe perguntou pela mãe;

20).- Tendo AA respondido: “eu fazer muito mal tua mãe; não quero saber nada; chama ambulância”.

21).- E abandonou o local.

22).- AA desferiu facadas no corpo de BB e apertou-lhe o pescoço, com intenção de a matar.

23).- Só não o conseguiu, por aquela ter reagido e ter logrado tirar-lhe a faca.

24).- Evitando, desse modo, que aquele lhe continuasse a desferir facadas.

25).- A conduta de AA causou a BB ferimentos na face, pescoço e abdómen, que provocaram:

- na face: cicatriz rosada, linear, orientada longitudinalmente, na face cutânea do hemilábio superior esquerdo, com 1 cm de comprimento;

- no pescoço: cicatriz rosada linear, orientada obliquamente de baixo para a direita, na linha média da região cervical posterior, com 1, 5 de comprimento;

- no abdómen: duas cicatrizes lineares, rosadas, na região peri-umbilical esquerda, a de localização medial sensivelmente longitudinal, com 1,5 cm de comprimento e a outra curvilínea linear rosada, ligeiramente hipertrófica, orientada obliquamente infero-medialmente, na fossa ilíaca esquerda, com 1, 2 cm de comprimento; cicatriz linear rosada ligeiramente hipertrófica, curvilínea de abertura anterior, na face lateral do abdómen (transição para a região lombar) ao nível da linha axilar média, com 2 cm de comprimento; cicatriz linear rosada hipertrófica, longitudinal, suturada com 3,5 cm de comprimento, cicatriz rosada de características cirúrgicas, na linha média abdominal, medindo 13 cm de comprimento.

26).- O arguido exerceu uma compressão externa manual na zona do pescoço, com potencial de letalidade.

27).- As agressões foram causa directa e necessária de 20 dias de doença, com incapacidade para o trabalho geral e habitual

28).- A morte de BB só não ocorreu dada a rápida instituição de medidas terapêuticas, em particular a intervenção cirúrgica abdominal de reparação da perfuração intestinal, consubstanciando esta uma lesão potencialmente letal.

29).- Agiu de forma livre, consciente e deliberada,

30).- Bem sabendo que a sua conduta, o instrumento usado e a zona atingida eram adequados a produzir a morte de BB,

31).- Não obstante, procurou atingir e atingiu o pescoço e abdómen da vítima,

32).- Pois, bem sabia tratar-se de regiões vitais.

33).- Actuou sempre sabendo que as suas condutas eram proibidas,

34).- Que BB é sua mulher e mãe da sua filha.

35).- Não obstante, agiu, sempre, livre, voluntária e deliberadamente,

36).- Querendo ainda afectá-la, como afectou, no seu bem-estar físico e psíquico, na sua tranquilidade, honra e dignidade pessoais,

37).- Sabia, ainda, que as suas condutas eram proibidas.

38).- O arguido é delinquente primário.

39).- AA nasceu na Ucrânia no seio de uma família de precárias condições económicas, com pai trabalhador agrícola e a mãe operária. É o mais velho do casal de filhos, criados num ambiente familiar coeso, afectuoso e solidário, com respeito aos valores sociais vigentes.

40).- Sempre viveu com os pais, numa cultura predominantemente matriarcal, onde o respeito pela figura feminina é incentivado desde a infância.

41).- Frequentou o ensino obrigatório durante 17 anos, concluindo o ensino secundário e o curso de engenharia eletrotécnica com sucesso, em 1987. Segundo o arguido, sempre foi um aluno com aproveitamento e comportamento normal, não tendo ocorrido qualquer facto preponderante na compreensão do seu processo de socialização.

42).- Paralelamente à fase final da sua formação técnica, trabalhava numa unidade fabril de produtos militares, para ganhar experiência e contribuir para o orçamento familiar.

43).- Em 1989, quando se iniciou a crise económico-social da Ucrânia, deixou de ter trabalho, encetando um périplo por países estrangeiros, com colocações laborais frequentes. Esteve na Polonia, na República Checa, na Iugoslávia, mas regressou ao seu País, onde instalou uma pequena fábrica de sapatos, que acabou por não conseguir manter em funcionamento.

44).- Casou em 1987, com 20 anos, tendo ficado a viver junto dos pais, com quem o casal sempre estabeleceu um bom relacionamento. Deste casamento nasceram um casal de filhos, sendo que o mais novo faleceu com 12 anos de idade, num acidente doméstico (eletrocutado) na Ucrânia. A sua única filha, actualmente com 21 anos de idade, reside em Portugal.

45).- Em 2000, na sequência do agravamento da crise económica e o encerramento da fábrica onde trabalhava, decide, com o apoio da família, imigrar para Portugal.

46).- Instalou-se em Porto de Mós, onde começou desde logo a trabalhar na área da construção civil, angariando condições para trazer a mulher e a filha para junto de si.

47).- Em 2005, quando tentavam entrar em Portugal a mulher ficou retida na fronteira, ficando o arguido durante 6 meses com a sua filha sozinhos. Colocou a filha na escola e cuidou dela durante esse período, criando fortes laços afectivos com a mesma. Com a chegada da mulher do arguido esta iniciou uma ocupação laboral, com a exploração de um café em Mendiga e, desde 2009, em Valverde, onde se mantem e onde é conhecida e acarinhada por todos.

48).- AA e sua família efectuaram uma boa adaptação ao meio sociocultural Português, bem como obteve de imediato enquadramento profissional, que mantêm estável desde então.

49).- A sua relação conjugal foi caracterizada como afectivamente importante para a sua estabilidade emocional, sendo que era conhecida de toda a população a boa relação existente entre o casal.

50).- Na comunidade o arguido foi bem recebido devido ao comportamento adequado, educado e correcto que sempre assumiu, gozando de boa aceitação e consideração.

51).- Não lhe são conhecidos hábitos aditivos alcoólicos assinalados, embora nos últimos dois anos os consumos de álcool se tenham intensificado, ocorrendo situações de alguns excessos.

52).- À data dos factos, o arguido encontrava-se a viver sozinho, desde que a mulher terá abandonado a residência familiar, para junto da sua filha, residente em Valverde, Alcanede.

53).- A casa que tinham tomado de arrendamento desde 2005, situada no centro de Mendiga, é agora de dimensão e custo desadequados ao arguido, tendo sido entregue ao senhorio, perspectivando o arguido não regressar para a mesma e voltar para a Ucrânia.

54).- Apesar de ter tido um percurso profissional regular mas instável, com ocupações alternadas entre a área da construção civil e a agricultura, de caracter temporário, o arguido à data dos factos encontrava-se a trabalhar numa pecuária, há cerca de um ano, onde mantinha um comportamento profissional minimamente adequado.

55).- Não tem outros encargos significativos, aparentando um modo de vida contido, racional e limitado aos recursos apenas considerados suficientes e necessários.

56).- O arguido manifesta uma profunda tristeza perante a dissolução conjugal e familiar, bem como pela perda do seu projecto de união familiar.

58).- O arguido recolhe alguma consideração da população contactada, sendo uma pessoa conhecida e educada. A ruptura conjugal foi recebida com surpresa, pois enquanto casal, nunca foram detectados desentendimentos, discussões ou qualquer mal-estar visível.

59).- Preso preventivamente desde 12 de agosto 2014, tem apresentado um comportamento adaptado às regras institucionais, mantendo com todos um relacionamento cordial.

60).- Tem recebido visitas da mulher e da filha, que tem prestado apoio, embora manifeste intensão de não reatar a relação e regressar à Ucrânia.

                                      *

De acordo com a regra da precedência lógica que preside à prolação das decisões judiciais – artigo 608º, do Código de Processo Civil –, cumpre conhecer em primeiro lugar a questão suscitada pelo Ministério Público relativa à pena acessória de expulsão imposta ao arguido. Segundo alega o Ministério Público o acórdão impugnado no segmento em que aplicou ao arguido AA a pena acessória de expulsão enferma de nulidade, visto que incorreu em excesso de pronúncia e condenou por factos diversos dos descritos na acusação fora dos casos e condições previstos no artigo 359º, razão pela qual deve ser revogada.

Do exame da acusação pública deduzida contra o arguido AA resulta que o Ministério Público não requereu a aplicação da pena acessória de expulsão, não incluiu qualquer facto fundamentador da cominação daquela pena, nem procedeu à indicação de qualquer disposição legal atinente à sua imposição. Por outro lado, do exame do processo decorre que o tribunal não comunicou, conforme se prevê no artigo 359º, do Código de Processo Penal, qualquer alteração dos factos descritos na acusação, tal como não comunicou qualquer alteração da qualificação jurídica daqueles factos. Aliás, da decisão proferida sobre a matéria de facto, designadamente dos factos provados, não consta qualquer facto não incluído na acusação pública.

No entanto, a verdade é que o tribunal recorrido, por apelo ao disposto no artigo 151º, n.º 1, da Lei n.º 23/07, de 4 de Julho, decidiu condenar o arguido na pena acessória de expulsão, sem que tenha fundamentado minimamente a respectiva condenação.

A pena acessória de expulsão, como qualquer outra pena acessória, constitui uma verdadeira pena. Efectivamente, conquanto seja uma pena dependente da aplicação da pena principal (como a própria denominação indica), não resulta directa e imediatamente da cominação desta, no sentido de que não é seu efeito automático, o que, aliás, constitui imposição constitucional, decorrente do n.º 4 do artigo 30º da Constituição, que estabelece, tal qual o faz o n.º 1 do artigo 65º do Código Penal, que nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos, constituindo uma sanção autónoma.

Assim, ao condenar o arguido AA na pena acessória de expulsão no contexto descrito, o tribunal a quo inquinou o acórdão recorrido das nulidades arguidas pelo Ministério Público, razão pela qual aquele terá de ser revogado no segmento em que impôs ao arguido aquela pena acessória[2].

                                      *

Passando ao conhecimento da questão suscitada pelo arguido AA, começar-se-á por observar que a pena é determinada, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das necessidades e exigências de prevenção – artigo 71º, n.º 1, do Código Penal.

A culpa como expressão da responsabilidade individual do agente pelo facto e como realidade da consciência social e moral, fundada na existência de liberdade de decisão do ser humano e na vinculação da pessoa aos valores juridicamente protegidos (dever de observância da norma jurídica), é o fundamento ético da pena e, como tal, seu limite inultrapassável – artigo 40º, n.º 2, do Código Penal[3].                                                                                                                                                                                                                        

Dentro deste limite a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

É este o critério da lei fundamental – artigo 18º, n.º 2 – e foi assumido pelo legislador penal de 1995[4].

No caso vertente estamos perante um crime tentado de homicídio qualificado, ilícito em que o bem jurídico tutelado é a vida humana, bem jurídico supremo do homem, que a Constituição da República declara inviolável – artigo 24º.

Por isso e pese embora a imperfeição do facto, as necessidades de prevenção são muito elevadas.

O recorrente agiu com dolo directo ou de primeiro grau, consabido que quis causar a morte à ofendida.

A ilicitude do facto é acentuada.

O recorrente é de nacionalidade ucraniana, tem 48 anos de idade, sendo licenciado em engenharia electrotécnica. Porém, trabalhava, antes de preso, numa exploração pecuária, há cerca de um ano, ali mantendo um comportamento profissional minimamente adequado.

Aparenta um modo de vida contido, racional e limitado aos recursos que tem.

Manifesta profunda tristeza perante a dissolução conjugal e familiar, bem como pela perda do seu projecto de vida familiar.

É pessoa educada e considerada.

Tem apresentado um comportamento adaptado às regras institucionais, mantendo no estabelecimento prisional um relacionamento cordial, local onde é visitado pela filha e pela mulher, a qual lhe tem prestado apoio, embora manifeste a intensão de não reatar a relação conjugal e de regressar à Ucrânia.

É delinquente primário.

Tudo ponderado, tendo em atenção que o crime é punível com pena de 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses de prisão, há que reconhecer que a pena cominada de 7 anos de prisão não merece qualquer censura, pena que, situando-se dentro da medida da culpa, é imposta pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada[5].

                                      *

Termos em que se acorda:

a) Conceder provimento ao recurso do Ministério Público, revogando o acórdão recorrido na parte em que condenou o recorrente AA na pena acessória de expulsão, dela se absolvendo o mesmo;

b) Negar provimento ao recurso do arguido AA, confirmando-se a pena de 7 (sete) anos de prisão que lhe foi imposta.

Custas pelo recorrente, fixando em 5 UC a taxa de justiça.

                                      *

Oliveira Mendes (Relator)

Pires da Graça

----------------
[1] - O texto que a seguir se transcreve, bem como os que mais adiante se irão transcrever, correspondem integralmente aos constantes dos autos.
[2] - No mesmo sentido, entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 91.09.29, 97.04.09, 02.01.16, 02.02.05, 05.06.08, 06.03.22 e 08.03.26, o primeiro e o quinto publicados nas CJ, XVI, IV, 31 e CJ (STJ), XII, I, 189, os restantes proferidos nos Processos n.ºs 1322/96, 3059/01, 4223/04, 1672/05, 467/06 e 444/08, respectivamente.
[3] - A pena da culpa, ou seja, a pena adequada à culpabilidade do agente, deve corresponder à sanção que o agente do crime merece, isto é, deve corresponder à gravidade do crime. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade – Cf. Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde – 1981), 96/98.

[4] - Vide Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111. Na esteira desta doutrina, entre muitos outros, o acórdão deste Supremo Tribunal de 04.10.21, na CJ (STJ), XII, III, 192.
[5] - Na ponderação feita, considerou-se que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime e que a ressocialização só funciona se “possível”, isto é, depois da necessária protecção dos bens jurídicos, conforme jurisprudência deste Supremo Tribunal – acórdão de 04.10.21, CJ (STJ), XII, III, 192.