Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 5ª SECÇÃO | ||
| Relator: | FRANCISCO CAETANO | ||
| Descritores: | CO-AUTORIA COAUTORIA CÚMPLICE ACORDO PRESSUPOSTOS HOMICÍDIO | ||
| Data do Acordão: | 12/14/2017 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Área Temática: | DIREITO PENAL – FACTO / FORMAS DO CRIME / CAUSAS QUE EXCLUEM A ILICITUDE E A CULPA. | ||
| Doutrina: | -Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, I, 2.ª Edição, reimp., Coimbra Editora, p. 791e 795; -M. Miguez Garcia, J. M. Castela Rio, Código Penal, Parte geral e especial, 2014, Almedina, p. 203; -Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 3.ª Edição, UCE, p. 206. | ||
| Legislação Nacional: | CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 26.º E 37.º. | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 05-06-2012, PROCESSO N.º 148/10.3SCLSB.L1.S1; -DE 04-07-2013, PROCESSO N.º 1243/10.4PAALM.L1.S1; -DE 01-07-2015, PROCESSO N.º 208/13.9JABRG.G1.S1; -DE 07-12-2016, PROCESSO N.º 119/14.0GBPRG.G1.S1. | ||
| Sumário : | I - A co-autoria prevista no art. 26.º do CP, como tal referida na tipologia das formas de autoria (3.ª alternativa) configura uma forma de participação em que o domínio do facto é exercido com outro ou outros, tratando-se de um domínio, agora “colectivo”, ou de um condomínio de facto. A actuação de cada autor é essencial na execução do plano comum, ela sendo a tarefa com vista à realização desse plano. O acordo ou a decisão conjunta representa a componente subjectiva da co-autoria e é esse elemento que permite justificar que o agente que levou a cabo apenas uma parte da execução típica responda, afinal, pela totalidade do crime. II - A co-autoria apresenta como elementos integrantes: um acordo, expresso ou tácito para a realização conjunta de uma acção criminosa; a) intervenção directa na fase executiva do crime; b) repartição de tarefas ou papeis entre cada comparticipante; c) domínio funcional do facto, traduzido na possibilidade de exercer o domínio positivo do facto típico e de impedir ou abortar esse resultado. III - A cumplicidade (art. 37.º do CP) consiste no auxílio material ou moral à prática por outrém de um facto doloso típico e ilícito, podendo este consistir, v.g. num conselho ou influência do agente uma vez já previamente decidido à pratica do facto e, aquele, v.g. na entrega de meios ou instrumentos ao autor que favoreçam a realização do facto, favorecimento esse valorado segundo um juízo de prognose póstuma. O cúmplice favorece ou auxilia na execução do crime, ficando fora do acto típico, mas se ultrapassar o mero auxilio e praticar parte necessária da execução do plano criminoso torna-se, então, co-autor. IV - No caso, estamos perante um acordo e plano prévio engendrado pelo arguido não recorrente, a que aderiu o arguido recorrente, com vista a matar a vitima, acordo que abrangia a utilização de uma arma de caça e respectivas munições, que ambos foram retirar a um Monte pertença do pai do recorrente e a deslocação de ambos para o local acordado onde ocorreu o crime, com prévia distribuição de tarefas, ficando o recorrente encarregado de montar e municiar a arma e manter-se escondido, deitado no banco traseiro do automóvel por ambos utilizado para a deslocação, com a arma municiada com 2 cartuchos, com vista a, no momento azado, passá-la, como passou, ao arguido não recorrente, para que este consumasse, como consumou, o propósito homicida, a que aderiu. V - Embora os disparos mortais tivessem sido efectuados pelo arguido não recorrente, este, mediante acordo prévio praticou, em repartição de tarefas, uma parte necessária e decisiva da execução do plano criminoso, fosse desde logo na obtenção da arma, fosse na sua montagem e municiamento e dissimulação no veículo automóvel já no cenário do crime e na sua entrega àquele, encarregado dos disparos, quando o momento adequado surgiu. A participação do recorrente é de co-autoria e não de cumplicidade. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA, nascido em ... de 1996,..., com os demais sinais dos autos, foi julgado e condenado com outro arguido não recorrente (BB) no processo comum n.º 470/16.5JACBR do Juízo Central Criminal de Castelo Branco – J1, da comarca de Castelo Branco, por acórdão do tribunal colectivo de 22 de Junho de 2017, na pena única de 16 anos e 8 meses de prisão, resultante de cúmulo jurídico efectuado com as seguintes penas parcelares: a) - 16 anos e 6 meses de prisão, pela co-autoria material de um crime de homicídio qualificado dos art.ºs 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas g) e j), do CP, agravado nos termos do disposto no art.º 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23.02; b) - 6 meses de prisão, pela autoria material de um crime de condução sem habilitação legal do art.º 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 03.01. Inconformado, recorreu o arguido directamente para este STJ, fazendo expressa alusão à concordância com a matéria de facto provada e delimitando o objecto do recurso à questão da qualificação jurídica da sua participação nos factos integrantes do crime de homicídio em causa nos autos que, arredando a co-autoria, sustenta dever ser apreciada no âmbito da cumplicidade, com repercussão na medida concreta da respectiva reacção penal, rematando a motivação com as seguintes conclusões, que se transcrevem: “1) O Arguido ora Recorrente, AA, que se encontra sujeito à medida de coacção da prisão preventiva nos presentes autos, não se conforma com o Acórdão proferido nestes mesmos autos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, Juízo Central Criminal de Castelo Branco – Juiz 1, que o condenou em pena de prisão efectiva, pelo que vem, pela presente via, interpor recurso do mesmo Acórdão. Com efeito, 2) por Douto Acórdão de que ora se recorre, proferido no passado dia 22/06/2017, foi o Recorrente condenado pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. nos termos dos artigos 131º, 132º nº 1 e nº 2, alíneas g) e j) do Código Penal, e artigo 86º nº 3 da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, numa pena de 16 anos e 6 meses de prisão, e ainda, 3) o Recorrente foi condenado como autor material e na forma consumada, de um crime de condução sem carta, p. e p. pelo artigo 3º nº 1 e nº 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, numa pena de 6 meses de prisão, 4) [N]o Acórdão recorrido, procedendo ao cúmulo jurídico das duas penas acima mencionadas, foi o Recorrente condenado numa pena única de 16 anos e 8 meses, 5) não olvidando que o Recorrente foi ainda condenado nas custas do processo, que foram fixadas em 2 Uc´s. 6) O presente recurso visa exclusivamente o reexame da matéria de direito e considerando que o Tribunal recorrido é um Tribunal Colectivo e que o Acórdão [de] que ora se recorre aplicou uma pena de prisão efectiva superior a 5 anos de prisão, supra indicada, o presente recurso é interposto directamente para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos conjugados nos artigos 427º e 432º nº 1 alínea c), ambos do Código de Processo Penal. 7) O presente recurso é delimitado apenas a parte do Acórdão ora recorrido, nomeadamente à parte em que o arguido foi condenado pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. nos termos dos artigos 131º, 132º nº 1 e nº 2, alíneas g) e j) do Código Penal, e artigo 86º nº 3 da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, que lhe aplicou uma pena de 16 anos e 6 meses de prisão, nos termos do artigo 403º nº 1, nº 2 alíneas a) e c) do CPP. 8) É, pois, a condenação pelo crime de homicídio qualificado, nesta parte, que o Recorrente quer pôr em crise no Acórdão recorrido, sem prejuízo, caso o Supremo Tribunal de Justiça decida pelo provimento do presente recurso, que, nos termos do artigo 403º nº 3 do CPP, 9) (o Supremo Tribunal de Justiça), por Acórdão, proceda à alteração da pena única, efectuando novo cúmulo jurídico ao Arguido ora recorrente. 10) O cerne do presente recurso é que o Arguido/Recorrente discorda que o mesmo tenha sido condenado em co-autoria material do homicídio qualificado pois, pela prova produzida e dada como provada, o Arguido/Recorrente devia ter sido condenado como cúmplice do crime de homicídio qualificado em apreço, nas disposições legais indicadas em 7 das presentes conclusões e ainda nos termos dos artigos 27º nº 1 e nº 2, 72º e 73º nº 1 alínea a) e alínea b) do Código Penal, 11) Pelo que, se o Recorrente fosse condenado como cúmplice do dito crime, a sua pena teria sido especialmente atenuada. 12) Com efeito, considerando os Factos dados como provados no Douto Acórdão recorrido, especialmente os Factos 18, 19, 21 a 28, 32 a 39, relacionados directamente como o homicídio de CC, o Arguido ora Recorrente foi cúmplice e não co-autor do dito crime. 13) O Recorrente AA, a sua conduta, intervenção na prática do crime, não foi determinante, pois este crime teria sido realizado, certamente de outro modo, lugar e circunstâncias diversas, por outro lado ainda a intervenção do Recorrente é secundária, não tem um papel de primeiro plano e não domina a acção, nesse sentido confira-se: 14) Quem decidiu matar CC foi o outro co-arguido CC (Facto 18); este co-arguido decidiu contar o plano de matar CC ao ora Recorrente e este último aderiu a este plano (Facto 19), 15) Assim a decisão de cometer o homicídio já estava tomada e o Recorrente em nada contribuiu decisivamente para a formação da vontade colectiva de matar. 16) Quanto aos restantes factos dados como provados e descritos na Douto Acórdão, o que constatamos é que o Recorrente AA auxiliou e ajudou o co-arguido BB na prática do crime de homicídio, se não vejamos: 17) O Recorrente AA auxiliou o co-arguido BB na obtenção da caçadeira e munições para a prática do crime de homicídio (Factos 22 e 23); 18) O Recorrente AA ajudou o co-arguido CC na preparação, reconhecimento do local na prática do crime (Factos 25, e 26); 19) No local onde ocorreu o crime, o Recorrente AA montou e municiou a caçadeira e entregou a mesma ao co-arguido BB (Facto 27); 20) O Recorrente AA escondeu-se no veículo automóvel, no banco de trás, com a caçadeira municiada (Facto 28) e entregou-a ao co-arguido BB, quando este último abriu a porta do veículo (Facto 33); 21) Foi o co-arguido BB quem empunhou, apontou a espingarda em direcção ao CC (Facto 33) e acto contínuo BB efectuou dois disparos, em simultâneo, que atingiram CC (Facto 34), que lhe provocaram lesões que foram causa adequada e directa da morte de CC (Facto 49). 22) O Recorrente AA praticou actos inerente ao planeamento, preparação, auxílio na prática do crime de homicídio em questão, mas o mesmo não tomou parte directa no homicídio da vítima, 23) [em]todos os actos praticados pelo Recorrente AA, este limita-se a promover o facto através do auxílio físico, mas não toma parte directa na sua realização, apenas favorece e presta auxílio à execução do homicídio, mas em nenhum momento domina o facto ou domina a acção, a sua conduta é sempre dependente de BB, 24) o Recorrente AA, na prática do crime em causa encontra-se numa condição de acessoriedade, a sua conduta não é determinante na prática do crime, o Recorrente não parece haver dúvidas de que se encontra numa posição subalterna. 25) A conduta do Recorrente é, pois, a de um auxiliador, mas não é causal da acção (homicídio), no sentido de que este teria ocorrido, é certo, em circunstâncias distintas. 26) Embora o recorrente tenha a consciência (dolo) que favorece e presta auxílio à execução do homicídio, favorece a prática do mesmo, mas não toma parte nele, limita-se a facilitar o homicídio. 27) Assim, há um favorecimento doloso de um facto doloso alheio pelo que, a conduta do Recorrente, constitui cumplicidade e não co-autoria. 28) Pelo que o Arguido ora Recorrente deveria ter sido condenado como cúmplice e na forma consumada, do crime de homicídio qualificado, p. e p. nos termos dos artigos 27º nº 1 e nº 2, 72º nº 1 e nº 2, 73º nº 1 alíneas a) e b), 131º, 132º nº 1 e nº 2, alíneas g) e j) do Código Penal, e artigo 86º nº 3 da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro e, em consequência de tal, ser reduzida a pena de prisão aplicada ao arguido, a determinar por esse Venerando Supremo Tribunal de Justiça, o que se pede. Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido por vossas Exas., deve conceder-se provimento ao presente recurso, alterando o Acórdão recorrido, por outro Acórdão a proferir por esse Venerando Supremo Tribunal de Justiça, e em consequência: O Arguido/Recorrente AA ser condenado como cúmplice e na forma consumada, do crime de homicídio qualificado, p. e p. nos termos dos artigos 27º nº 1 e nº 2, 72º nº 1 e nº 2, 73º nº 1 alíneas a) e b), 131º, 132º nº 1 e nº 2, alíneas g) e j) do Código Penal, e artigo 86º nº 3 da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro e, em consequência de tal, ser reduzida a pena de prisão aplicada ao arguido, a determinar por esse Venerando Supremo Tribunal de Justiça, fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA”. O M.º P.º junto do tribunal recorrido respondeu no sentido da manutenção da decisão recorrida, dado que da factualidade provada se extrai que a conduta do recorrente foi muito além da cumplicidade, isto é, participou activamente na execução de um propósito a que aderiu, de matar a vítima CC, executando as tarefas que lhe cabiam, de acordo com o plano delineado com o co-arguido. Neste STJ o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em proficiente parecer, pronunciou-se no sentido de a conduta do recorrente integrar a co-autoria quanto ao crime de homicídio qualificado e não a mera cumplicidade, dado o acordo e o plano prévio gizado entre os dois co-arguidos com vista a matar a vítima, cuja repartição de tarefas entre ambos passou por o recorrente providenciar pela obtenção da arma de caça e, já no cenário do crime, pela sua montagem, municiamento e guarda dissimulada dentro do veículo automóvel onde se fizeram transportar para o local do crime e, no momento próprio, proceder à sua entrega ao co-arguido encarregado de efectuar os disparos. Colhidos os vistos e após conferência, cumpre decidir, decisão que versa sobre a única questão colocada, qual seja, a da qualificação jurídico-penal da participação do recorrente: se co-autoria, se cumplicidade. * II. Fundamentação 1. Os factos provados Na decisão recorrida vêm dados como provados os seguintes factos: “1 - Em data não concretamente apurada, mas situada no decurso em Outubro de 2015, o arguido BB foi contactado por DD para vender canábis a EE e CC. c. Clavícula, Cartilagens e Costelas Esquerdas: Fracturas pelos arcos posteriores da 7ª, 8º, 9ª e 10ª costelas, com alguma perda de substância óssea e muscular e rodeadas de infiltração sanguínea; várias soluções de continuidade orificiais de aproximadamente 2-3mm cada, ao nível dos segmentos posteriores do 5°, 6°, 7°, 7º, 9° e 10° espaços intercostais, correspondentes a orifícios de saída de projécteis múltiplos de disparo de arma de fogo. d. Aorta: Secção completa da aorta torácica descendente, de bordos extremamente irregulares e com perda de substância e infiltração sanguínea; recuperada bucha plástica a este nível. e. Pulmão direito e pleura visceral: Solução de continuidade orificial de grandes dimensões na face costal superior do lobo superior, prolongando-se em trajecto pelo parênquima deste lobo, até à face costal póstero-medial do mesmo lobo; f. Pulmão esquerdo e pleura visceral: Trilobado; solução de continuidade orificial de grandes dimensões na face costal medial do lobo inferior, prolongando-se em trajecto pelo parênquima deste lobo, até à face costal posterior do mesmo lobo; g. Esófago: Zona de infiltração sanguínea não muito exuberante, ao nível da adventícia do terço médio da parede anterior do esófago, onde se recuperaram 2 projécteis; h. Diafragma: Três soluções de continuidade orificiais a nível da hemicúpula diafragmática esquerda, rodeadas de infiltração sanguínea; 3. ABDÓMEN: Baço: Três soluções de continuidade orificiais na face superior, rodeada de infiltração sanguínea discreta, prolongando-se em trajecto pela polpa, que se apresentava muito difluente ao corte; recuperação de três projécteis a este nível. 4. COLUNA VERTEBRAL E MEDULA: Vértebras e estruturas articulares: Fractura-arrancamento da metade anterior dos corpos vertebrais da 4ª, 5ª, 6ª e 7ª vértebras dorsais, rodeadas de extensa infiltração sanguínea, não se verificando atingimento meníngeo ou medular. 5. MEMBROS: Membro superior direito: Fractura multiesquirolosa do terço superior do úmero direito e da escápula homolateral, rodeadas de infiltração sanguínea, que foram causa adequada e directa da sua morte. 50 - Em consequência da fuga motivada pela conduta dos arguidos, EE teve necessidade de ser assistido no Hospital Dr. José Maria Grande, em Portalegre e sofreu: i. No abdómen: várias escoriações com crosta sanguínea na metade esquerda da região abdominal, longitudinais e paralelas entre si com algumas entrecruzadas, oblíquas inferolateralmente, medindo a maior 17cm de comprimento e a menor 7cm de comprimento e ocupando um área com 20cmx16cm; ii. No membro superior direito: equimose arroxeada no terço médio da face anterior do braço, medindo 1cm de diâmetro e lateralmente a esta, escoriação com crosta sanguínea medindo 3 cm de comprimento; escoriação transversal com crosta sanguínea na face anterior do punho, medindo 4 cm de comprimento; vestígio cicatricial rosado com restos de crosta e zonas de pigmentação cutânea enegrecida (tatuagem e alcatrão) na região tenar da mão, medindo 5 cmx4 cm; escoriação com crosta sanguínea na face palmar da falange distal do 1º dedo, medindo 1cm de comprimento; escoriação com crosta sanguínea no bordo medial da falange média do 3º dedo medindo 3cm de comprimento; 2 escoriações com crosta sanguínea no bordo medial da falange média do 4º dedo, medindo 2cm de comprimento e 1,5cmx1cm; escoriação com crosta sanguínea no bordo lateral da falange média do 5º dedo, medindo 0,7 cm de diâmetro; sem limitação das mobilidades articulares; iii. No membro superior esquerdo: escoriação com crosta sanguínea no terço médio da face lateral do braço, medindo 3,5cm de comprimento; várias escoriações com crosta sanguínea dispersas pela face posterior do cotovelo e antebraço, a maior no terço superior deste último com 2,5cm de comprimento e a menor no seu terço médio com 0,3cm de comprimento; área escoriada na face palmar da mão, medindo 2,5cmx2cm; várias escoriações com crosta sanguínea na face dorsal da mão e do 2º dedo, a maior no 1° espaço interdigital medindo 4,5cm de comprimento e a menor na falange proximal do 2º dedo com 0,5cm de comprimento; iv. No membro inferior direito: 2 escoriações com crosta sanguínea no terço superior da face anterior da coxa, medindo 3cm de comprimento e 0,3cm de comprimento; várias escoriações com crosta sanguínea na face anterior do joelho, a maior com 3cm de comprimento e a menor punctiforme, com limitação dolorosa das mobilidades; várias escoriações com crosta sanguínea dispersas por toda a face anterior da perna, a maior obliqua inferolateralmente, no terço médio e inferior e medindo 7cmx0,2cm e a menor no terço superior com 1,5cm de comprimento; v. No membro inferior esquerdo: várias escoriações com crosta sanguínea na face anterior do terço médio e distal da coxa, a maior no terço médio com 2cm de comprimento e a menor punctiforme; área escoriada na face anterior do joelho medindo 5cm de diâmetro, sem limitação funcional; múltiplas escoriações milimétricas com crosta sanguínea dispersas por toda a face anterior da perna, localizando-se no seu terço distal área escoriada medindo 7cmx6cm; 51 - As supra referidas lesões causaram directa e necessariamente a EE 8 (oito) dias de afectação para o trabalho geral e actividades escolares do qual resultou vestígio cicatricial da mão direita que não o desfigura de forma grave. 52 - A arma utilizada pelos arguidos é uma caçadeira de tiro a tiro, de marca Bettinsoli, calibre 12 e n.º de série 58109, propriedade de HH. 53 - Os arguidos BB e AA não têm licença de uso e porte de arma. 54 - O arguido AA não tem licença que o habilite a conduzir veículos motorizados. 55 - O arguido BB conhecia a natureza estupefaciente das plantas que vendeu e cultivou, como sabia que a sua posse, aquisição, transporte, venda, cultivo distribuição ou cedência a terceiros é proibida e punível por lei. 56 - O arguido BB agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito, concretizado, de cultivar e deter produto estupefaciente, vendendo-o aos ofendidos, com intenção de obter lucro, não obstante conhecer a sua natureza e características. 57 - O arguido BB ao actuar da forma descrita, agiu livre deliberada e conscientemente, de acordo com um plano previamente delineado com FF e GG, pretendendo fazer sua a quantia referida, bem sabendo que a mesma não lhe pertencia e que actuava sem autorização e contra a vontade dos respectivos proprietários, o que quis e conseguiu. 58 - Para o efeito, o arguido BB não hesitou em ameaçar CC e EE, do modo já descrito, a quem foram apontadas a arma e a navalha já mencionadas, fazendo-os crer que poderiam ser atingidos com as mesmas, causando-lhes receio pela sua integridade física e pela própria vida, de modo a impossibilitar qualquer capacidade de resistência e de reacção por parte dos mesmos, sabendo que só assim determinaria aqueles – como determinou – a deixá-lo apropriar-se dos referidos 9.000 €. 59 - O arguido BB sabia que as armas usadas eram adequadas a ser utilizadas como instrumento de agressão, podendo ser utilizadas para molestar fisicamente ou mesmo provocar a morte de outrem. 60 - Sabia, ainda, o arguido BB que, ao serem utilizadas tais armas, da forma descrita, provocaria nos ofendidos sério receio pela sua integridade física e pela própria vida, impossibilitando-os de qualquer capacidade de resistência, o que quis e conseguiu. 61 - Os arguidos agiram deliberada livre e conscientemente, gizando BB um plano para matar EE e CC e aderindo AA àquele plano, agindo em comunhão de esforços para atingir tal objectivo. 62 - Agiram ainda os arguidos pretendendo encobrir o crime praticado por BB, persistindo a sua intenção de matar EE e CC desde o dia 23.09.2016 até às cerca das 00h e 30m do dia 25.09.2016, em que a concretizaram. 63 - Para concretizarem aquele plano, os arguidos muniram-se da arma de fogo referida e dos respectivos cartuchos, cujas características conheciam, bem sabendo que tal arma, municiada, era adequada a causar a morte, não tendo licença para a sua detenção e utilização. 64 - Prosseguindo de acordo com o plano gizado e com as funções que a cada um foram distribuídas, ao verificarem os arguidos que o CC se encontrava de costas para os veículos automóveis, a uma distância de cerca de 3 metros, o arguido AA que se encontrava escondido para esse efeito, passou a espingarda ao arguido BB, para este, nesse momento efectuar o disparo, que efectuou, bem sabendo ambos, que naquelas condições iria determinar, como determinou, a morte daquele. 65 - Ainda de acordo com o plano que haviam gizado, o arguido BB premiu o gatilho da caçadeira, apontando a arma na direcção de EE com o propósito de o matar, apenas não o logrando fazer porquanto, em vez de um, tinha disparado dois tiros sobre CC, pelo que a arma não estava municiada, naquele momento. 66 - Seguidamente, o ofendido EE fugiu do local enquanto o arguido BB voltou a carregar a arma em causa, não tendo voltado a ser visto pelos arguidos, não obstante estes terem tentado localizá-lo com a intenção de pôr fim à sua vida. 67 - Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, ao deter e utilizar a mencionada arma, cujas características conheciam, bem sabendo que não tinham autorização para a deter e utilizar, o que fizeram. 68 - O arguido AA actuou de forma livre, deliberada e consciente, ao conduzir veículo automóvel, bem sabendo não ser titular de licença que o habilite a conduzir veículos motorizados. 69 - Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei. * - Da discussão da causa e dos autos, com relevo para a decisão de mérito: (...) 2 - Consta do relatório social relativo ao arguido AA: I - Dados relevantes do processo de socialização AA é o mais novo de dois irmãos, descendentes de uma família de média condição socioeconómica. A mãe faz umas horas de limpeza, auferindo € 5/hora e o pai trabalhou na construção de estradas para a empresa “Pavia”, auferia cerca de € 900/mês e actualmente explora o sector agrícola com os irmãos na propriedade agrícola da família – “...) não nos precisando o montante auferido mensalmente. Tinha 12 anos de idade quando os pais se separaram por alegados problemas de alcoolismo por parte do pai chegando a ocorrer agressões verbais para com a mulher e filha o que não acontecia relativamente ao arguido o [que] terá provocado nele alguma instabilidade. Permaneceu ao cuidado da mãe, assim como a irmã, mantendo sempre relação próxima com o pai, que sempre assumiu para com o filho uma postura permissiva/protectora. Durante a infância e em termos de ocupação de tempos livres, o arguido gostava de jogar à bola e ao berlinde e também ia à pesca com o pai. Frequentou a escolaridade em idade normal, com um ano de retenção no 7º ano, tendo concluído o 10º ano na escola profissional D. Sancho em Elvas, onde frequentou o curso de Hotelaria, com cerca de 16 anos de idade. Passou a trabalhar no sector agrícola com o pai e tios paternos na propriedade agrícola da família “...”, situada na periferia da vila e com cerca de 17/18 anos, a trabalhar nas vinhas de ... na mesma localidade, até aos 20 anos, altura em que deixou de trabalhar devido a problemas de saúde (tendinite nos ligamentos do joelho), tendo andado a ser acompanhado no Centro de Saúde local. Não prosseguiu os estudos por opção própria, porque queria começar a trabalhar para ganhar dinheiro, apesar dos pais o incentivarem para prosseguir os estudos. O percurso escolar de AA decorreu de forma regular, não houve conhecimento de comportamentos problemáticos, nem de associação a grupo de pares que o influenciassem negativamente. Diz-nos ter consumido estupefacientes (haxixe) entre os 15 e os 18 anos, nunca sentindo necessidade de tratamento, tendo abandonado os consumos por opção própria. Relativamente ao consumo de álcool diz-nos que ocorria com o seu grupo de amigos, em dias de festa. A mãe refere-nos que se apercebeu do início dos consumos de estupefacientes por parte do mesmo a partir dos seus 16 anos de idade, altura em que deixou de aceitar a imposição de regras por parte da mãe e optou por passar a residir sozinho numa casa propriedade do progenitor, na mesma localidade (Campo Maior). Passado um ano, a irmã (...), que teria 18 anos, foi residir com ele, com quem permaneceu cerca de dois anos. Esta, quando por nós contactada salienta que enquanto o arguido coabitou consigo assistiu a duas fases da vida do mesmo; uma de trabalho e controlo emocional e financeiro, outra em que começou acompanhar BB, co - arguido no mesmo processo. AA diz-nos ter sido pai com apenas 16 anos de idade, de um relacionamento esporádico, tinha a namorada de então 24 anos, nunca tendo assumido a paternidade. A menor, ..., actualmente com 5 anos de idade encontra-se ao cuidado da progenitora a residir na mesma localidade. A existência desta filha era desconhecida dos familiares directos do arguido. O arguido refere ser este o seu primeiro confronto judicial. II - Condições sociais e pessoais À data atribuída aos factos constantes do presente processo, o arguido residia sozinho uma vez que a irmã já se tinha autonomizado, em habitação propriedade do pai, em Campo Maior. Encontrava-se desocupado por problemas de saúde (tendinite nos ligamentos do joelho) e fazia as refeições ou em casa da mãe, ou com o pai, ou com os avós maternos e todos ajudavam para os seus gastos pessoais, não interferindo de outra forma no seu dia-a-dia. No meio de residência não se identificam reacções de hostilidade, uma vez que o arguido a partir dos 15/16 anos de idade, alternou a residência entre a casa da mãe e do pai. Em qualquer dos meios onde permaneceu não existem razões de queixa por parte da vizinhança relativamente ao seu comportamento. De acordo com a GNR de Campo Maior, AA, a partir dos 14 anos de idade, começou a ser referenciado como consumidor de estupefacientes, pertencente a grupo de pares conhecido em Campo Maior. Mais tarde associou-se a outros elementos mais referenciados com comportamentos desviantes, entre eles o co-arguido BB e o seu comportamento sofreu um agravamento, sendo suspeito em vários crimes, mas nunca dando origem a nenhum processo judicial. Uma vez em liberdade, AA perspectiva regressar para junto da mãe e padrasto (..., 46 anos, trabalha no sector da construção civil auferindo cerca de € 650/mês) e retomar actividade laboral no sector agrícola junto do pai e tios paternos. Os familiares descrevem que a futura situação profissional do AA não será problemática, visto que sempre foi um bom trabalhador nas tarefas que desempenhou. O pai refere que poderá trabalhar na propriedade agrícola da família. III - Impacto da situação jurídico-penal Foi detido em 28 de Setembro de 2016, tendo ficado em prisão preventiva no E.P. de Castelo Branco e posteriormente transferido para o E.P. da Guarda a 01/03/2017, mantendo comportamento instável, tendo já sofrido sanções disciplinares (foi submetido a testes, acusou positivo a consumos de estupefacientes, também esteve envolvido na produção de bebidas alcoólicas), encontrando-se desocupado. Tem beneficiado de visitas regulares dos pais, irmã e outros familiares que se mostram disponíveis para o apoiar quando sair em liberdade. Ambos os progenitores, ainda que com uma atitude crítica face ao eventual envolvimento do filho nos factos em presença, mantêm-se disponíveis para o apoiarem. Os acontecimentos que desencadearam o presente processo constituíram um grande choque para toda a família, nada fazendo prever a gravidade dos mesmos. Em todo o caso AA não deixou de contar com o seu apoio, que se afigura sólido em qualquer circunstância, no futuro. O arguido evidencia, em nosso entender, plena consciência da gravidade da situação subjacente ao processo, desculpabilizando-se com a influência de terceiros. Revela também noção das eventuais consequências da intervenção judicial, manifestando uma postura de conformidade relativamente à decisão que vier a ser proferida. I V - Conclusão O processo de desenvolvimento de AA terá sido marcado pela separação dos pais tinha o arguido 12 anos de idade, na base da qual terão estado os problemas de alcoolismo paterno e agressões verbais para com a mãe e irmã, o que poderá eventualmente ter levado a uma supervisão parental com algumas fragilidades, nomeadamente nos modelos parentais de educação que se revelavam opostos. A situação subjacente ao presente processo, que representará o seu primeiro confronto com o Sistema de Justiça, constituiu um choque para a família e uma surpresa para a comunidade, não sendo em todo o caso e até ao momento perceptíveis reacções de rejeição. AA tem mantido um comportamento prisional instável, registando sanções disciplinares e consumos de estupefacientes. Evidencia particular preocupação pelo impacto da situação nos seus familiares directos, tendo o presente processo sido um grande choque para toda a família. Mostra noção da gravidade do crime e das eventuais consequências, perante as quais revela conformidade. O arguido dispõe de um suporte familiar, que a par de perspectivas concretas de reintegração laboral poderão indiciar a existência de factores de protecção. No entanto, o eventual regresso para o mesmo meio residencial e ao grupo de pares, com as características anteriormente referidas, poderão não ser facilitadores da sua reinserção social. Em caso de condenação e independentemente da pena em que vier a ser condenado, parece-nos que um acompanhamento à problemática de consumo de estupefacientes em que seja valorizado o acompanhamento psicológico se poderá revelar adequado à presente situação. (…) 4 - Ambos os arguidos verbalizaram, em julgamento, arrependimento relativamente à prática dos factos. 5 - Nada consta do c.r.c. relativo aos arguidos (cfr. c.r.c. a fls. 945 e 946)”. * 2. a) - O art.º 26.º do CP, com a epígrafe autoria, dispõe que “é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”. A co-autoria, como tal referida na tipologia das formas de autoria (3.ª alternativa), configura uma forma de participação em que o domínio do facto (na esteira de Roxin) é exercido com outro ou outros, tratando-se de um domínio, agora, “colectivo”, ou de um condomínio de facto, na expressão de Figueiredo Dias (“Direito Penal, Parte Geral”, I, 2.ª ed., reimp., Coimbra Editora, pág. 791). Segundo este autor, o que há de característico nesta figura é uma decisão conjunta e uma determinada medida de significado funcional da contribuição do co-autor para a realização típica traduzida na tomada de parte directa na execução conjunta do facto. A actuação de cada autor é essencial na execução do plano comum, ela sendo a tarefa com vista à realização desse plano. O acordo ou a decisão conjunta representa a componente subjectiva da co-autoria e é esse elemento que permite justificar que o agente que levou a cabo apenas uma parte da execução típica responda, afinal, pela totalidade do crime. O acordo pode ser expresso ou tácito (implícito), a aferir razoavelmente dos factos materiais comprovados e ao qual se pode aderir antes do início da execução do facto (como é a regra), ou durante a realização do facto e até à consumação (co-autoria sucessiva) e, desde que se não comparticipe na totalidade dos actos, o contributo de cada um para o facto tem de ser essencial à produção do resultado. O co-autor, ao aderir ao plano inicial, torna-se senhor do facto, que domina globalmente tanto pela positiva, quando assume um poder de direcção preponderante na execução conjunta do facto, como pela negativa, quando está nas suas mãos poder impedir o facto (Acs. STJ de 05.06.2012, Proc. 148/10.3SCLSB.L1.S1 e 04.07.2013, Proc. 1243/10.4PAALM.L1.S1). Quanto à execução conjunta, o domínio do facto assenta numa repartição de tarefas, sendo indispensável que do contributo objectivo dependa o se e o como da realização típica e não apenas que o agente se limite a oferecer ou pôr à disposição os meios de realização (Figueiredo Dia, ob. cit., pág. 795). Sintetizando, a co-autoria apresenta como elementos integrantes: um acordo, expresso ou tácito para a realização conjunta de uma acção criminosa (a)); intervenção directa na fase executiva do crime (b)); repartição de tarefas ou papéis entre cada comparticipante (c)); domínio funcional do facto, traduzido na possibilidade de exercer o domínio positivo do facto típico e de impedir ou abortar esse resultado (d)).
b) - Já quanto à cumplicidade (art.º 27.º do CP), como uma outra forma de realização ilícita típica e conforme escrevemos no Ac. deste STJ de 07.12.2016 (Proc. 119/14.0GBPRG.G1.S1), consiste no auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso típico e ilícito, podendo este consistir, v. g., num conselho ou influência do agente uma vez já previamente decidido à prática do facto e, aquele, v. g., na entrega de meios ou instrumentos ao autor que favoreçam a realização do facto, favorecimento este valorado segundo um juízo de prognose póstuma (v. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código Penal”, 3.ª ed., UCE, pág. 206). O cúmplice constitui uma figura lateral, secundária ou de segunda linha, na integral realização ilícita típica, não realiza o tipo de ilícito, antes participa de um tipo de ilícito realizado por outrem (Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 758). É um colaborador não essencial limitado. Mesmo sem a sua colaboração o facto teria lugar, mas de outra maneira (Ac. STJ de 01.07.2015, Proc. 208/13.9JABRG.G1.S1). É uma forma de participação criminosa em facto alheio, participação de um não-autor no facto de um autor e cujo papel se esgota com a prestação do auxílio (v. M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, “Código Penal, Parte geral e especial”, 2014, Almedina, pág. 203). Tem na essencialidade uma acção de ajuda, sem tomar parte na decisão do facto e seu domínio, pressupondo a prática de um facto doloso, mas faltando o domínio do facto, pelo que, não é cúmplice quem tome sobre si a execução do facto, não se limitando a um mero auxiliator, mas a ser, com os outros, figura central dos acontecimentos, de tal forma que do seu concurso dependa decisivamente a prática do evento. Em suma, o cúmplice favorece ou auxilia na execução do crime, ficando fora do acto típico, mas se ultrapassar o mero auxílio e praticar uma parte necessária da execução do plano criminoso tornou-se, então, co-autor, como assim aconteceu com o recorrente. Com efeito, face ao quadro legal, doutrinário e jurisprudencial traçado e revisitada a matéria de facto pacificamente tida como provada, já se vê que a actuação do recorrente AA não foi meramente acessória da prática dos factos em que se traduziram os disparos letais efectuados pelo outro arguido BB, antes se integrou no domínio funcional da respectiva prática, de forma directa, preponderante e decisiva. Vejamos. Na sequência do roubo da quantia de 9.000,00 € pelo arguido não recorrente BB aos ofendidos EE e CC (vítima mortal), que seria a contrapartida da entrega daquele a estes de 1 Kg de haxixe e 2 Kg de canábis, estes passaram a ameaçar aquele arguido. Porque o mesmo não conseguiu, entretanto, obter produto estupefaciente para cumprimento desse negócio, dada a plantação de canábis, que encetou, ter secado, “decidiu que iria matar EE e CC” (factos n.ºs 4 a 18 da matérias de facto provada). E, conforme resulta dos n.ºs 18 a 35 e 39, 41, 42, 61 e 62 a 64 e 67 e 68 dos factos provados, “para concretizar aquele propósito, o arguido BB contou o seu plano de matar EE e CC ao arguido AA, que resolveu aderir ao mesmo; em data não concretamente apurada, mas no início de Setembro de 2016, o arguido BB contactou CC, informando-o de que já lhe poderia entregar a canábis para lhe pagar; após acordar com o arguido AA como proceder, no dia 23 de Setembro de 2016 o arguido BB enviou, via Wickr Me, uma mensagem a CC, combinando o local e hora em que se deveria encontrar com este e com EE, para lhes entregar a droga, no estacionamento da barragem do Fratel, pelas 00h, do dia 25 de Setembro de 2016; ainda no dia 23 de Setembro, durante a noite, os arguidos dirigiram-se no veículo automóvel do arguido BB, de matrícula ...-QF-..., ao Monte denominado ..., em Campo Maior, propriedade do pai do arguido AA, para dali retirarem uma caçadeira, para assim poderem matar EE e CC; ali chegados, enquanto o arguido BB aguardava no carro, AA entrou num barracão ali existente e retirou uma caçadeira de calibre 12 e dois cartuchos que lá se encontravam; já na posse daquela arma, o arguido BB levou o arguido AA a sua casa, sita na Rua ..., onde aquele [este] guardou a arma e recolheu mais nove cartuchos que ali tinha, também de calibre 12, guardando a arma desmontada e aqueles cartuchos, dentro de uma mala de viagem, tipo trolley; no dia 24 de Setembro de 2016, BB e AA, deslocaram-se para o local combinado, parque de estacionamento da barragem do Fratel, na margem norte daquela barragem, fazendo-o na viatura do primeiro, de marca Opel Corsa, de matrícula ...-QF-..., trazendo consigo a mala de viagem que tinha no seu interior a espingarda caçadeira e 11 cartuchos; os arguidos chegaram àquele local cerca das 22h, para efectuarem um reconhecimento daquela zona, constatando tratar-se de um local ermo, possibilitando uma rápida fuga, caso fosse necessário; depois de estacionarem a viatura, o arguido AA montou e municiou a espingarda, entregando ainda mais dois cartuchos ao arguido BB, que os guardou no bolso das calças; após, o arguido AA escondeu-se, deitando-se sobre o banco traseiro da viatura, com a espingarda devidamente municiada com dois cartuchos, enquanto o arguido BB, no exterior, aguardou a chegada de Ricardo e CC; cerca das 00h e 20m, CC e EE chegaram ao parque de estacionamento contíguo à Barragem do Fratel, deslocando-se na viatura de CC, um Ford Fiesta, com a matrícula ...-LV-..., e estacionaram do lado esquerdo paralelamente à viatura do arguido BB; depois de estacionarem, CC e EE saíram da viatura e dirigiram-se a BB, cumprimentando-o; nesse momento, CC perguntou a BB pela "cena" (referindo-se ao produto estupefaciente), tendo o arguido BB retirado a mala de viagem, já referida, do banco dianteiro do passageiro da sua viatura, que colocou num pequeno muro ali existente; enquanto EE permaneceu entre as viaturas, CC dirigiu-se à mala para confirmar o seu conteúdo e o arguido BB, a pretexto de ir buscar o resto dos produtos, encaminhou-se para a porta traseira do lado direito da sua viatura; nisto, o arguido BB abriu aquela porta e recebeu a espingarda que o arguido AA lhe entregou, empunhou-a e apontou-a na direcção de CC, que se encontrava de costas voltadas e a menos de 3 metros de si; acto contínuo, o arguido BB efectuou dois disparos, em simultâneo, que atingiram CC a meio das costas e ombro direito, tendo este ficado prostrado no chão; em seguida, o arguido BB, empunhando a caçadeira, perseguiu EE, que começou a fugir, circundando mais que uma vez as viaturas que ali se encontravam; como não conseguiu ver EE, o arguido BB voltou para trás, aproximou-se do seu carro e chamou o arguido AA, a quem passou a espingarda seguindo este na direcção da mata, tentado encontrar EE; porém, e como aquele local não tinha luz, os arguidos decidiram ir buscar o carro de CC para seguir no encalço de EE, o que o arguido AA fez, passando a caçadeira ao arguido BB; já ao volante do veículo de CC, o arguido AA seguiu por um caminho de terra batida existente no local, iluminando a zona de mata, enquanto o arguido BB seguia à sua frente empunhando a caçadeira; os arguidos agiram deliberada livre e conscientemente, gizando BB um plano para matar EE e CC e aderindo AA àquele plano, agindo em comunhão de esforços para atingir tal objectivo; agiram ainda os arguidos pretendendo encobrir o crime praticado por BB, persistindo a sua intenção de matar EE e CC desde o dia 23.09.2016 até às cerca das 00h e 30m do dia 25.09.2016, em que a concretizaram; para concretizarem aquele plano os arguidos muniram-se da arma de fogo referida e dos respectivos cartuchos, cujas características conheciam, bem sabendo que tal arma, municiada, era adequada a causar a morte, não tendo licença para a sua detenção e utilização; prosseguindo de acordo com o plano gizado e com as funções que a cada um foram distribuídas, ao verificarem os arguidos que o CC se encontrava de costas para os veículos automóveis, a uma distância de cerca de 3 metros, o arguido AA que se encontrava escondido para esse efeito, passou a espingarda ao arguido BB, para este, nesse momento efectuar o disparo, que efectuou, bem sabendo ambos, que naquelas condições iria determinar, como determinou, a morte daquele; Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, ao deter e utilizar a mencionada arma, cujas características conheciam, bem sabendo que não tinham autorização para a deter e utilizar, o que fizeram; o arguido AA actuou de forma livre, deliberada e consciente, ao conduzir veículo automóvel, bem sabendo que não ser titular de licença que o habilite a conduzir veículos motorizados”. Daqui resulta, como também sustenta o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, sem margem para quaisquer dúvidas, a existência de um acordo e plano prévio engendrado pelo arguido BB, a que aderiu o recorrente, com vista a matar a vítima, acordo que abrangia a utilização de uma arma de caça e respectivas munições, que ambos foram retirar a um Monte pertença do pai do recorrente e a deslocação de ambos para o local acordado onde ocorreu o crime, com prévia distribuição de tarefas, ficando o recorrente encarregado de montar e municiar a arma e manter-se escondido, deitado no banco traseiro do automóvel por ambos utilizado para a deslocação, com a arma municiada com dois cartuchos, com vista a, no momento azado, passá-la, como passou, ao arguido BB, para que este consumasse, como consumou, o propósito homicida, a que aderiu. Embora os disparos mortais tivessem sido efectuados pelo arguido não recorrente, este, mediante acordo prévio praticou, em repartição de tarefas, uma parte necessária e decisiva da execução do plano criminoso, fosse desde logo na obtenção da própria arma, fosse na sua montagem e municiamento e dissimulação no veículo automóvel já no cenário do crime e na sua entrega àquele, encarregado dos disparos, quando o momento adequado surgiu. A sua participação no crime é, assim, de co-autoria, que não de cumplicidade.
c) – Era esta a única questão que constituía o objecto do recurso, em cujo âmbito o recorrente equacionou a medida da pena, concretamente à luz da atenuação especial, conforme disposto no n.º 2 do art.º 27.º do CP, jamais pondo em causa a medida da pena aplicada, fosse das penas parcelares, fosse da pena única do concurso, de 16 anos e 8 meses de prisão, a qual sempre se mostra adequada e proporcional quer à culpa, quer à prevenção geral e especial do arguido recorrente. * III. Decisão Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida. Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça de 8 UC. * Supremo Tribunal de Justiça, 14 de Dezembro de 2017 Carlos Almeida
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