Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00008894 | ||
Relator: | ROBERTO VALENTE | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO CULPA DO SINISTRADO CULPA EXCLUSIVA ONUS DA PROVA DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE | ||
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Nº do Documento: | SJ199104170026724 | ||
Data do Acordão: | 04/17/1991 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | BMJ N406 ANO1991 PAG540 | ||
Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 8857/89 | ||
Data: | 01/15/1990 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Área Temática: | DIR TRAB. | ||
Legislação Nacional: | L 2127 DE 1965/08/03 B VI N1 A. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1985/03/01 IN AD N282 PAG749. ACÓRDÃO STJ DE 1985/12/18 IN AD N298 PAG1273. ACÓRDÃO STJ DE 1987/06/19 IN AD N308/309 PAG1219. ACÓRDÃO STJ DE 1988/03/03 IN AD N322 PAG1297. ACÓRDÃO STJ DE 1988/09/20 IN AD N324 PAG1594. ACÓRDÃO STJ DE 1989/01/13 AN AD N328 PAG554. ACÓRDÃO STJ DE 1990/03/30 IN AD N346 PAG1300. | ||
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Sumário : | I - O sinistrado que não acata as instruções orais da entidade patronal para se deslocar apenas pelas telhas mais resistentes, evitar pisar as telhas de iluminação e agir com cautela e atenção, actua com negligencia; II - Contudo, embora se verifique um comportamento negligente da vitima, o que descaracteriza o acidente (face ao disposto na alinea a) do n. 1 da citada Base VI da Lei 2127, de 3/8/65) e ele resultar "exclusivamente da falta grave e indesculpavel da vitima" III - O onus da prova da descaracterização cabe as entidades responsaveis e a culpa da vitima deve ser apreciada casuisticamente. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - A, identificada nos autos, veio propor no Tribunal do Trabalho do Porto, acção especial emergente de acidente de trabalho, contra Chelding - Sociedade Internacional de Montagens Industriais, Lda, com sede em Matosinhos e Portugal Previdente - Companhia de Seguros, S.A., com sede em Lisboa. Alegou, em sintese: Em 5 de Janeiro de 1987 faleceu seu filho B, quando trabalhava na montagem de condutas sobre a cobertura de uma fabrica, por conta e sob a direcção da 1 Re, por acidente de trabalho em consequencia de negligencia da entidade patronal e esta transferira a responsabilidade para a 2 Re. Conclui pedindo a condenação na pensão anual de 322800 escudos, em 349700 escudos de pensões ja vencidas e 26900 escudos de despesas. Contestaram as Res, alegando desobediencia as ordens por parte da vitima, o que leva a improcedencia da acção. Apos julgamento, foi proferida douta decisão, que julgou a acção improcedente e absolveu as Res do pedido. Desta decisão recorreu a Autora e a Relação do Porto, por douto acordão, revogou a sentença e condenou a entidade patronal a pagar 26900 escudos de despesas de pessoal e na pensão anual e vitalicia, com inicio em 1-2-1987, de 322800 escudos e subsidiariamente a Seguradora, com inicio na mesma data, a pagar a pensão anual e vitalicia de 54264 escudos. Deste acordão, recorreram as duas Res, para este Supremo Tribunal; a Seguradora concluindo, por omissão de pronuncia acerca da alcoolemia do sinistrado com vista ao disposto na Base VI, n. 1, alinea c) da Lei n. 2127, por contradição entre fundamentos e decisão, face as respostas dadas aos quesitos 10 e 11, que levam a descaracterização do acidente, face a alinea a) do n. 1, da referida Base VI e por resultar da meteria de facto provada que a conduta da vitima constitui temeridade inutil e injustificavel, que descaracteriza o acidente. A entidade patronal concluindo, não ter o acordão recorrido feito a aplicação correcta do direito a factualidade provada e não provada, não se verificar concorrencia de culpa e não se verificar razão para a condenação em reparação especial aprovada da entidade patronal. Contra-alegou a recorrida, no sentido da confirmação do acordão. A Excelentissima procuradora Geral Adjunta neste Supremo emite douto parecer no sentido de ser negada a revista. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II - Materia de facto. Mostra-se provado nos autos: A) A Autora A era mãe e unica herdeira do sinistrado B. B) No dia 5-1-1987, o sinistrado ajudante de serralheiro mecanico e trabalhador ao serviço da Re "Chelding - Sociedade Internacional de Montagens Industriais, Lda, procedia, juntamente com outros companheiros seus, as tarefas conducentes a montagem de condutas sobre a cobertura da fabrica "Ipocork", sita em S. Paio de Oleiros - Vila da Feira. C) Cerca da 0.05-0,15 horas daquele dia, o sinistrado, que se encontrava a laborar a nivel do solo, foi chamado para substituir um outro trabalhador na cobertura daquela fabrica, onde iria proceder a trabalhos de montagem de condutas. D) Cerca dessa hora, o sinistrado foi vitima de um acidente que consistiu em, apos ter-se partido uma das placas de plastico daquela cobertura, por onde passara, ter sofrido uma queda com consequente estatelamento no solo, a uma altura de cerca de 11 metros. E) De tal queda resultaram para o sinistrado as lesões traumaticas constantes do relatorio da autopsia de folhas 72, que se da por reproduzido, o que lhe causou a morte. F) A Re "Chelding" tinha a sua responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho e relativamente ao sinistrado, transferida para a co-re seguradora, mediante o salario de 26900 escudos vezes 14 meses, por contrato de seguro titulado pela apolice n. 75478. G) No dia do acidente o sinistrado auferiu a remuneração mensal de 26900 escudos vezes 14 meses. H) Do auto de não conciliação de folhas 139 resulta não se terem as Res conciliado por entenderem encontrar-se descaracterizado o acidente em causa. I) Dão-se por reproduzidos os documentos de folhas 176 e 178. J) A cobertura da fabrica, referida em B), e formada por cavaletes de betão, em forma de meia cana, de largura aproximada de 2,5 metros e comprimento 20 metros, sendo os espaços abertos entre os bordos dos cavaletes preenchidos com chapas onduladas de fibrocimento, intercaladas (de 5 em 5 metros), por chapas de plastico translucido para permitir a entrada da luz. L) O sinistrado para atingir a cobertura da fabrica, que dista do solo cerca de 11 metros, saiu para o exterior da fabrica, utilizou uma primeira escada que o conduziu a um posto de transformação, sito a 5 metros do solo e alcançou uma segunda escada que o conduziu ao telhado. M) O sinistrado e os trabalhadores referidos em B) foram alertados pela re patronal para agirem com a maxima cautela, atenção e diligencia face ao perigo inerente a obra. N) O sinistrado tinha instruções, como todos os outros trabalhadores, para se deslocarem, no telhado, pelas zonas onde assentem as telhas que são mais resistentes e onde não existem telhas de iluminação. O) Dada a utilização do acesso ao telhado pelo sinistrado, referida em B), este teria que fazer um percurso atraves daquele telhado, de cerca de 30 metros, ate onde decorriam os trabalhos de montagem. P) O sinistrado utilizou tal percurso deliberadamente, violando as instruções em materia de segurança estabelecidas pela re entidade patronal. Q) No percurso referido nas alineas precedentes era absolutamente desnecessario ao sinistrado a utilização das telhas de iluminação para o respectivo apoio. R) A Re e uma pessoa doente e vivia com o sinistrado, seu filho, o qual contribuia com regularidade para os alimentos daquela. S) Do relatorio quimico-toxicologico de folhas 176 a 178, resulta que a concentração de alcool etilico, por litro de sangue do sinistrado, era de 0,88 gramas/l, em exame elaborado em 7-1-1987. III - Materia de Direito. Comecemos por apreciar as nulidades imputadas ao acordão na alegação de recurso da seguradora. A primeira nulidade e a omissão de pronuncia acerca da alcoolemia do sinistrado. Recordemos que foi dado como provado que a percentagem de alcoolemia do sinistrado era de 0,88 gramas por litro. Notemos que a decisão da 1 instancia não considerou aquela alcoolemia como determinante da descaracterização do acidente, pois nem a ela se referiu na parte decisoria. O acordão recorrido não aludiu expressamente ao facto de se ter provado a alcoolemia da vitima, mas não o considerou relevante, pois escreveu-se ali, que a hipotese "sub judice", não se ve seja susceptivel de enquadramento na alinea c), referindo-se a alinea c) do n. 1, da Base VI, onde se alude a privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado. Não ha omissão de pronuncia, deu-se nulo valor a esse facto ao qual a recorrente atribui muito valor. Tudo depende da avaliação de cada um. E ha que notar a resposta restritiva ao quesito 16, sobre a embriaguez. Tambem não ha contradição entre os fundamentos e a decisão. O que ha e divergencias entre a valorização dos factos provados e não provados, para dai tirar as consequencias. E que a solução não e facil, demonstra-o o facto de a 1 instancia concluir pela descaracterização do acidente e a Relação concluir ao contrario. Apreciamos, então, o fulcro do problema, que e o de saber se o acidente dos autos esta ou não descaracterizado a face da lei, que e a Base VI da Lei n. 2127, de 3 de Agosto de 1965 e o artigo 13 do Dcreto n. 360/71, de 21 de Agosto. Um dos fundamentos invocados no recurso, para descaracterizar o acidente, e a alegada embriaguez da vitima. Foi feito um quesito sobre a embriaguez e foi dado apenas como provado, que se conclui do exame ao sangue do sinistrado que ele representava concentração de alcool etilico na quantidade de 0,88 gramas por litro. Recordemos alguma jurisprudencia sobre este ponto. Para o Acordão do S.T.A. de 13-7-71 - Boletim do Instituto Nacional e Previdência - XXXVIII - n. 47, pagina 3301, ficando provado que a queda e afogamento do sinistrado não resultaram de se encontrar influenciado pelo alcool, improcede a descaracterização. Segundo o Acordão do S.T.A. de 10-1-67 - Est. Soc. e Corp. n. 21, pagina 158, a circunstancia de a autopsia ter revelado uma concentração de alcool no sangue, que experimentalmente traduz embriaguez, não provia por si so, que os sinistrados se encontravam embriagados na ocasião do acidente. Para o Acordão do S.T.A. de 26-3-57, Colectanea Acordão volume XIX, pagina 316, não comprova que estivesse embriagado, ainda que o medico que prestou os primeiros socorros ao sinistro dissesse que dava mostras de forte embriaguez. Ora, no Acordão do S.T.A. de 31-1-78 - B.T.E., 2 Secção, n. 3/78, pagina 483, so não da direito a reparação o acidente sofrido pela vitima em estado de embriaguez, quando essa embriaguez for a causa exclusiva do acidente. Neste sentido, ainda, o Acordão do S.T.J. de 31-1-78 Acordãos Doutrinais n. 198 pagina 810, e o Acordão do S.T.J. de 11-7-90 - Acordãos Doutrinais n. 347, pagina 1458. Face a materia de facto provada e de acordo com a orientação jurisprudencial referida, não se mostra que o grau de alccoolemia apurado leve a descaracterização do acidente, segundo a alinea c) do n. 1, da Base VI, da Lei n. 2127, de 3 de Agosto de 1965. Ha que apreciar se ha descarecterização de acordo com as alineas a) ou b), dos referidos numeros e Base, se a vitima violou sem causa justificativa as condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal, ou se o acidente proveio exclusivamente de falta grave e indesculpavel da vitima. As obras que se efectuavam no momento do acidente traduziam-se na montagem de condutas sobre a cobertura de uma fabrica, o que obrigava os trabalhadores a percorrerem, cerca de 30 metros pelo telhado, ate ao ponto dos trabalhos. No telhado em causa, havia telhas mais resistentes e outras menos resistentes, sendo estas as tellhas de iluminação. A entidade patronal alertou todos os trabalhadores para se deslocarem pelas telhas mais resistentes e agirem com cautela e atenção. O sinistrado pisou uma das telhas de iluminação, que se partiu e provocou a queda, causal das lesões mortais. Houve desobediencia do sinistrado as instruções dadas pela entidade patronal quanto aos cuidados a tomar no percurso pelo telhado. Não houve violação pelo sinistrado das condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal, ja que não se provou a existencia de quaisquer condições de segurança e os quesitos 3, 4 e 5, que poderiam traduzir algumas condições de segurança e basta ver o esquema junto a folhas 214, para tirar tal conclusão, foram considerados não provados. Ha que concluir que o acidente não e descaracterizado, face ao disposto na alinea a) do n. 1 da citada Base VI. Vejamos agora a situação, quanto a alinea b) do mesmo numero. O sinistrado não acatou as instruções orais da entidade patronal para se deslocar apenas pelas telhas mais resistentes, evitar pisar as telhas de iluminação e agir com cautela e atenção. Ha um comportamento negligente da vitima. Mas o que descaracteriza o acidente e o acidente "que provier exclusivamente de falta grave e indesculpavel da vitima". Esta alinea tem sido objecto de interpretação na Doutrina e na Jurisprudencia, considerando-se que ela exige um comportamento temerario, reprovado por um elementar sentido de prudencia, uma improcedencia e temeridade inutil, indesculpavel, mas voluntaria e que seja a causa unica do acidente. Neste sentido: Ruben Mera - Accidentes del trabajo y Infermedades Profissionales - Madrid - 1957 - pagina 99; Eugenio Perez Botija - Derecho del Trabajo - pagina 262; Rovant et Zivord - Traite du Droit des Acidents du Travail - pagina 132; Cruz de Carvalho - Acidentes de trabalho e Doenças Profissionais - 2 edição - pagina 51 e seguintes; Tomas Resende - Acidentes de trabalho pagina 22 e os acordãos deste Supremo Tribunal de, 1-3-85 - - Acordãos Doutrinais n. 282 - pagina 749, 18-12-85 - - Acordãos Doutrinais n. 298 - pagina 1273, 19-6-87 - - Acordãos Doutrinais n. 308/309 pagina 1219, 3-3-88 - - Acordãos Doutinais n. 322 - pagina 1297, 20-9-88 - - Acordãos Doutrinais n. 324 - pagina 1594 de 13-12-89 - - Acordãos Doutrinais n. 328 pagina 554. Acresce que o onus da prova da descaracterização onde as entidades responsaveis, como tambem e jurisprudencia assente e a culpa da vitima deve ser apreciada casuistivamente. Alem dos citados ja, acordão do Supremo de 30-3-90 - Acordãos Doutrinais n. 346 - pagina 1300. Ora, como ja vimos, a prova de descaracterização não foi feita. Ha um comportamento negligente do sinistrado, mas esse comportamento não e temerario, indesculpavel, de bravata inutil. Ele tem de caminhar 30 metros por um telhado, pode apoiar-se numas telhas mais resistentes e não deve apoiar-se noutras menos resistentes, e, em certo momento, apoiar-se numa das menos resistentes e cai e não havia qualquer meio de segurança previsto. Daqui se conclui que a culpa dele tambem não e exclusiva. Neste sentido decidiu o acordão recorrido e bem. IV - Conclusão: Face a tudo o que se deixa exposto, nega-se a revista e confirma-se o acordão recorrido. Custas pelas recorrentes. Lisboa 17 de Abril de 1991. Roberto Valente, Jaime Oliveira, Prazeres Pais. |