Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P3706
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERNANDO FRÓIS
Descritores: HOMICÍDIO QUALIFICADO
CULPA
ESPECIAL CENSURABILIDADE
ESPECIAL PERVERSIDADE
MOTIVO FÚTIL
CAÇADEIRA
Nº do Documento: SJ200811260037063
Data do Acordão: 11/26/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

I - Para a qualificação do crime de homicídio, o legislador português combinou um critério generalizador, determinante de um especial tipo de culpa, com a técnica dos chamados exemplos padrão. Assim, a qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral extensiva e descrito com recurso a conceitos indeterminados – a «especial censurabilidade ou perversidade» do agente referida no n.º 1 do art. 132.º do CP –, verificação indiciada por circunstâncias ou elementos, uns relativos ao facto, outros ao autor, exemplarmente elencados no n.º 2.

II - Elementos estes cuja constatação, por um lado, não implica sem mais a realização do tipo de culpa e a consequente qualificação; e cuja não verificação, por outro, não impede que se detectem outros elementos substancialmente análogos aos descritos e que integrem o tipo de culpa qualificador. Deste modo, deve afirmar-se que o tipo de culpa supõe a realização dos elementos constitutivos do tipo orientador, que resulta de uma imagem global do facto agravada correspondente ao especial conteúdo de culpa tido em conta no art. 132.º, n.º 2.

III - A propósito da agravante qualificativa da al. d) do n.º 2 do art. 132.º do CP, ou seja, a circunstância de o agente «agir por motivo fútil», refere-se a fls. 39 do Comentário Conimbricense do Código Penal que «O exemplo padrão constante da alínea d) é, diferentemente do que sucede com os anteriores, estruturado com apelo a elementos estritamente subjectivos, relacionados com a especial motivação do agente. (…) Ser determinado a matar por qualquer motivo torpe ou fútil significa que o motivo da actuação avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito, de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pelo valor da vida humana».

IV - E, mais adiante: «Dado o carácter estritamente subjectivo das situações referenciadas, dir-se-ia que elas valem imediatamente como censurabilidade ou perversidade do agente e, por conseguinte, a sua natureza de exemplo-padrão se encontra extremamente (quando não completamente) esbatida. Mas não é exacto. Ainda aqui podem existir motivações não expressamente descritas que, pela sua estrutura valorativa correspondente a uma das descritas, permitam a qualificação. Como pode, de outro lado, a situação ser uma tal que a motivação, se bem que expressa, não possa em definitivo valer como especial censurabilidade ou perversidade, maxime por se ligar a um estado de afecto particularmente intenso (v.g. o ciúme ligado à paixão)».

V - Motivo fútil é o motivo de importância mínima, o motivo sem valor, insignificante para explicar ou tornar aceitável, dentro do razoável, a actuação do agente do crime. Será aquele motivo subjectivo que, pela sua insignificância ou frivolidade, é desproporcionado com a reacção homicida (cf., neste sentido, Leal Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, 1996, vol. II, pág. 44).

VI - Como diz Nelson Hungria, «o motivo é fútil quando notavelmente desproporcionado ou inadequado, do ponto de vista do homo medius, e em relação ao crime de que se trata. Se o motivo torpe revela um grau particular de perversidade, o motivo fútil traduz o egoísmo intolerante, prepotente, mesquinho, que vai até à insensibilidade moral».
VII - Fútil será, portanto, aquele motivo que se apresenta com razão subjectiva desproporcionada relativamente à gravidade da infracção penal ou «o motivo frívolo, leviano, a ninharia que leva o agente à prática do crime, na inteira desproporção entre o motivo e a reacção homicida» (cf. Ac. deste STJ de 15-12-2005, Proc. n.º 05P2978).

VIII - Vindo provado, para além do mais, que:
- por questões relacionadas com ciúmes e por desconfiar que a mulher andava metida com um indivíduo de nome P, o arguido envolveu-se em discussões com aquela (não se tendo apurado quer o número de tais discussões, quer a data (momento) a partir da qual as mesmas começaram, quer o seu grau de periodicidade);
- no dia 04-09-1999, pouco antes das 21h00, na sequência de uma dessas discussões (em que o arguido voltou a acusar a sua companheira de andar com o P e que este, perante o próprio arguido, se gabava de ter dormido com ela e inclusivamente dizia que o filho que esta trazia na barriga era filho dele, P), o arguido saiu para o exterior da sua residência e, momentos depois, voltou a entrar no café G… (onde tinha permanecido toda a tarde a jogar à moeda com amigos) e, munido de uma espingarda de caça, devidamente municiada com cartuchos de calibre 12, disparou dois tiros à “queima-roupa” na direcção da parte de trás da cabeça do P, a menos de 1 metro do corpo daquele;
- ao ser atingido, o P caiu imediatamente no chão, não tendo tido sequer tempo de esboçar qualquer tipo de defesa e, de seguida, o arguido novamente apontou a caçadeira, desta vez na direcção do tórax da vítima, que se encontrava caída de bruços, e disparou novamente, tendo o P falecido de imediato;
é de concluir que os motivos do crime (resposta a questões de ciúme e desconfiança, sendo que os ciúmes do arguido que motivaram o crime não têm suporte fáctico na matéria assente, pois não ficou provado que entre a vítima P e a companheira do arguido tivesse havido qualquer relacionamento amoroso e/ou sexual ou mesmo de qualquer outro tipo) e a forma como aquele foi praticado (o arguido usou uma espingarda de caça contra a vítima indefesa, sem lhe ter dirigido qualquer palavra ou pedido qualquer explicação, tendo disparado por trás da vítima e na direcção da cabeça, um primeiro tiro, de forma inesperada e traiçoeira quando aquela estava ao balcão, a tomar café; e, quando a mesma já estava no chão, caída de bruços, o arguido disparou um segundo tiro na direcção do tórax da mesma, atingindo-a mortalmente com ambos os disparos) evidenciam uma personalidade intolerante do arguido e que este agiu com manifesto desprezo e absoluta falta de respeito pela vida humana, revelando tal conduta uma especial censurabilidade.

IX - Os sentimentos que levaram o arguido à prática do crime são de todo desproporcionados e injustos, e a sua reacção não se compreende, nem mesmo a admitir-se que terá agido motivado por ciúmes.

X - E se é certo que para haver motivo fútil para efeitos da al. c) do n.º 2 do art. 132.º do CP não basta que a reacção seja desproporcionada ao condicionalismo que a despertou, e que só o exame ponderado de todas as circunstâncias é que pode determinar se o agente actuou ou não por motivo insignificante, sem valor (cf. Ac. deste STJ de 06-03-1991, AJ n.º 17, Proc. n.º 41666), a verdade é que do exame do circunstancialismo concreto em que os factos foram praticados resulta não só que o sentimento que determinou o arguido é claramente desproporcionado relativamente à gravidade do crime que cometeu, mas também que o motivo que despertou a prática do crime não é capaz de explicar ou tornar aceitável, dentro do razoável, a actuação do arguido.

XI - Estamos, pois, perante um caso em que os ciúmes – face ao circunstancialismo referido – constituem motivo fútil, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 132.º, n.º 2, al. d), do CP (cf. Teresa Serra, Homicídio Qualificado, pág. 75).

XII - Por outro lado, mesmo que não se considerasse fútil a motivação do arguido, dos factos assentes resulta «que aquele manifestou personalidade torpe e perversa em toda a sua actuação, ao colocar à mão a arma de fogo, que nem lhe pertencia e que só ocasionalmente se encontrava na sua posse, ao apontar a arma em posição ofensiva contra a vítima e ao disparar, à queima-roupa e por duas vezes, tal arma contra aquele que veio a ser sua vítima mortal, a vítima PE, causando-lhe as lesões descritas no relatório da autópsia, a saber, lesões em órgãos vitais, donde decorreu a sua morte».

XIII - O arguido agiu, pois, não só com manifesta superioridade em razão da arma mas também, como se disse atrás, com completa insensibilidade e absoluta indiferença e desprezo pela vida humana.

XIV - As circunstâncias em que o arguido causou a morte da vítima revelam, assim, especial censurabilidade, sendo de concluir que os factos provados integram a prática de um homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. d), do CP, na redacção em vigor à data dos factos.
Decisão Texto Integral:




Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Na 3ª Vara Criminal de Lisboa, no processo comum nº 955/99.6SWLSB, foi submetido a julgamento perante Tribunal Colectivo, o arguido:

AA, filho de BB e de CC, natural de Lisboa, nascido a 22/03/1971, solteiro, vendedor ambulante/trabalhador da construção civil, residente na rua da ilha do faial, pátio oliveira mota, nº ..., Pontinha, actualmente preso no estabelecimento prisional da polícia judiciária.

Era-lhe imputada a prática de:

- Um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131 e 132º nºs 1 e 2-d), ambos do Código Penal; e

- Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 275º-3 e 4 do Código Penal, com referência ao artigo 3º-1 do DL nº 207-A/75, de 17.04.

Deduziram pedido de indemnização civil contra o mesmo arguido:

- DD e mulher EE, identificados nos autos, no montante global de € 50.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora até integral pagamento.

A final, foi proferida sentença que, além do mais:

A – PARTE CRIMINAL:

Julgou provada e procedente a acusação e condenou o arguido FF:

a) Como autor material e em concurso real:

- pela prática, como autor material, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º nº1 e 2 d) do C. Penal na redacção em vigor à data dos factos aprovada pelo DL 48/95, de 15.03, na pena de 16 ( dezasseis ) anos de prisão;

- pela prática, como autor material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 275 nº3 e 4 do Código Penal, com referência ao art. 3º nº1 do DL 207-A/75, de 17.04, na pena de 1 ( um ) ano de prisão.

b) Em cúmulo jurídico de tais penas, foi o mesmo arguido condenado na pena única de 16 ( dezasseis ) anos e 6 ( seis ) meses de prisão.

B – PARTE CÍVEL:

1 - Julgou procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelos assistentes/demandantes DD e EE, e, consequentemente:

a) Condenou o arguido a pagar aos mencionados demandantes a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros desde a notificação para contestação de tal pedido ao arguido e até integral pagamento, á taxa legal de juro civil.

Inconformado com tal condenação, o arguido interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, pretendendo a revogação do acórdão condenatório e a convolação do crime para o de homicídio simples e redução da pena para 9 anos de prisão; a redução da pena do crime de detenção de arma proibida para 6 meses de prisão; e a redução da pena única para 9 anos e 3 meses de prisão.

Caso assim se não entenda e se mantenha a qualificação do crime de homicídio, pede então a redução da pena para 12 anos de prisão e a redução da pena única para 12 anos e 3 meses de prisão.

Não formula pedido expresso quanto à parte cível mas, resulta da respectiva motivação, pretende que o montante indemnizatório seja reduzido e fixado em € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros).

Na respectiva motivação formula as seguintes conclusões:

1) Foi o recorrente condenado, pela 3a Vara Criminal de Lisboa, pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelo disposto nos artigos 131.°, 132.° nº 1 e nº 2 al. d) do Código Penal, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 48/95 de 15 de Março, na pena de 16 anos de prisão, e ainda pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artº 275.° n.° 3 e 4 do Código Penal, por referência ao disposto no art.° 3 nº 1 do D.L. nº 207-A/75, de 17/04 na pena de 1 ano de prisão.
2) Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 16 anos e 6 meses de prisão, tendo ainda sido condenado no pagamento da quantia de € 50.000 (cinquenta mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos de juros desde a notificação para contestação até integral pagamento.
3) A matéria fáctica provada e elencada no douto acórdão recorrido, "maxíme" a fls. 4,5,9,11,12, não habilitava o Tribunal Colectivo a poder concluir que o arguido tivesse agido com motivo fútil, denotando uma especial censurabilidade,
4) Peio contrário, a "supra" matéria fáctica impunha subsunção do agir ilícito do recorrente à prática de um crime de homicídio na sua forma mais elementar, p. e p. pelo artº 131º do C.P., a que cabe em termos de moldura penal aplicável, a pena de 8 a 16 anos de prisão.
5) Refere o Tribunal "a quo"que "Numa perspectiva liminar, motivo fútil será aquele que não tem relevo, que não pode razoavelmente explicar e muito menos justificar a conduta do agente, que é notoriamente desproporcionado para ser sequer um começo de explicação da conduta, o "motivo que não é motivo" (douto acórdão recorrido a fls. 33).
6) No caso de um homicídio com base no ciúme como o do recorrente, este motivo não pode simplesmente ser considerado insignificante, ou, conforme o douto acórdão recorrido considerou a fls. 28 “absolutamente fútil", sob pena de se criar uma grande injustiça!
7) O recorrente sentia ciúmes da sua mulher GG, com a qual vivia há já 10 anos, por causa da vítima HH, ciúmes esses que levaram a crer ao recorrente que o filho que a companheira esperava não era seu mas sim da vítima.
8) Foi na sequência de mais uma discussão entre o casal - que levou aliás, a que a companheira do recorrente, uma jovem reservada e bem considerada de etnia cigana, se tenha dirigido a um café repleto de clientes e tenha dado um murro no balcão e proferido a expressão "quem é o senhor que anda a dizer que se deita comigo?" -, que o recorrente, exaltado e totalmente fora de si se dirige ao café e resolve atentar contra a vida do ofendido, (matéria de facto provada itens 6,7,8,10,14 e 15)
9) O arguido quis matar o homem que, para ele, relacionava-se amorosamente com a sua companheira de há uma década e que suspeitava ser o pai do filho que ela carregava no ventre.
10) E, para o efeito, limitou-se a escolher uma arma idónea de que dispunha - uma espingarda caçadeira, herança do seu avô para o filho mais novo e tio do recorrente, e procurou o tal homem no local onde ele estava. Não premeditou o crime. Não escolheu o local pois limitou-se a procurar a vítima, matando-a onde a encontrou.
11) Ficou ainda provado que praticamente não houve intervalo entre o momento em que o arguido formou a resolução criminosa e a execução desta, apenas uns minutos antes das 21h00.
12) Assim, aquela vontade determinada de cometer o crime, que concretiza um dolo intenso, tem como contraponto este estado de espírito enciumado do recorrente, que, retirando-lhe serenidade e lucidez, tornou-lhe mais difícil um comportamento em conformidade com o direito.
13) O arguido "trata-se de um exemplo de um cidadão, de etnia cigana, perfeitamente inserido na comunidade e no bairro onde residia, sendo um membro de pleno direito, estimado e tido por todos, ciganos e não ciganos", como uma cidadão honrado" (douto acórdão recorrido a fls. 30).
14) Naturalmente que o homem médio não aceita a motivação subjacente a este crime em má hora cometido. Mas não se pode ignorar que a comunidade empresta alguma compreensão a um homem honrado e muito estimado por todos que, num momento de "desnorte", mata o homem que se gaba de dormir com a sua mulher e acredita ser o verdadeiro pai da criança que vai nascer.
15) Dado que o que interessa é "compreender" o estado psíquico do recorrente, no contexto em que se verificou - a fim de se poder simultaneamente compreender a personalidade do agente manifestada no facto criminoso e, assim, efectuar sobre o mesmo o juízo de (des)valor que afinal constitui o juízo de culpa - , poder-se-á afirmar sem mais que o motivo do recorrente foi pesadamente repugnante baixo ou gratuito?
16) Qualificando a morte do ofendido HH, o douto acórdão violou, por erro de interpretação, a alínea d) do art. 132º do C.P.
17) A medida óptima de satisfação das expectativas comunitárias situar-se-á ao nível da medida da culpa, proporcional à gravidade do facto, mas, dada a ausência de particulares exigências de socialização, a pena pode (e por isso deve) ser fixada abaixo do ponto intermédio da moldura penal, entendendo-se estar aí o mínimo de pena imprescindível à manutenção da confiança colectiva na validade da norma violada. Pelo que entende o recorrente que a pena justa é, pois, a de 9 anos de prisão.
18) Caso se mantenha a qualificação, - o que só por mera hipótese de raciocínio se admite - a pena de 16 anos de prisão aplicada ao recorrente afigura-se deveras injusta, tendo sido violada por erro de interpretação o disposto nos arts. 40.°, 70.° e 71.° do C.P., pelo que a pena deve ser reduzida para 12 anos, assegurando-se assim também os fins de prevenção geral e especial.
19) Quanto ao crime de detenção de arma proibida, entende o recorrente que, dado nunca ter tido qualquer propensão para o uso de armas, e uma vez que a arma estava na sua casa apenas porque o seu avô faleceu e a família aguardava que tio do recorrente, a residir à data na Madeira, a reclamasse como herança por ser o filho mais novo do patriarca, a aplicação de uma pena de 6 meses de prisão respeita as exigências de prevenção geral e especial.
20) Tudo ponderado, e nos termos do art.° 77 do C.P., tem-se por adequada a pena única de 9 anos e 3 meses de prisão, considerando em conjunto todos os factos e a personalidade ou, caso se mantenha a qualificação, - o que mais uma vez - sem conceder - e que só por mera hipótese de raciocínio se admite, tem-se por adequada a pena de 12 anos e 3 meses de prisão.
21) Pelo que a decisão recorrida violou, por erro de interpretação, os artigos 40.°- 1º, 72°, 131°, 132°, do Código Penal.
22) A indemnização fixada pela lª instância, colide com as referidas regras, mostrando-se desajustada face à situação do recorrente, que recluso num estabelecimento prisional, sem qualquer forma de sustento e com seis filhos menores a seu cargo, mal conseguindo suprir as necessidades do seu núcleo familiar, pelo que entende que deve aquela indemnização fíxar-se no montante máximo de € 35.000,00.

Respondeu o Exmº Magistrado do MºPº junto do Tribunal da Relação, pugnando pelo não provimento do recurso e pela manutenção do decidido.

Na respectiva motivação, formular as conclusões seguintes:

1º Face aos factos dados como provados, o Tribunal " a quo " colocou e analisou de forma muito clara a questão jurídica e resolveu a mesma da única forma possível, ou seja, considerando que o comportamento do arguido foi determinado por motivo fútil revelador de especial perversidade e censurabilidade.
2.° Com efeito, para além dos alegados ciúmes serem infundados, o arguido dispara dois tiros à queima roupa contra a vítima, sem que esta se apercebesse ou tivesse hipótese de se explicar ou esboçar qualquer tipo de reacção, sendo certo que qualquer um dos tiros, dada a zona do corpo atingida, era apto a provocar imediatamente a morte.
3.° Portanto, no caso sub-judice, a desproporcionalidade entre o que impulsionou a conduta desenvolvida pelo agente e a expressão criminal em que ela se objectivou, quase configurando um fuzilamento sumário na praça pública é sem qualquer dúvida, desde logo, altamente censurável e reveladora de especial censurabilidade.
4.° Estamos, portanto, perante uma situação fortemente repudiada pelo homem médio e que revela profunda insensibilidade e inconsideração pela vida humana.
5.° Na verdade o mero convencimento de que a vítima andava sentimentalmente envolvida com a sua companheira - o que nem sequer se provou — não justificava aos olhos do cidadão comum que o arguido desencadeasse a descrita acção criminosa
6.° Situando-se a medida concreta da pena aplicada muito abaixo do meio da moldura penal abstracta, não merece a mesma qualquer reparo, designadamente não pode ser considerada desproporcionada ou exagerada.
7.° Com efeito as exigências de prevenção geral são acentuadíssimas perante a facilidade e frequência com que diariamente são praticados factos desta natureza, com recurso a armas de fogo, com total desrespeito pela vida humana.

A Exmª Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal teve vista do processo nos termos do artigo 417º-1 do CPP.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

As questões suscitadas pelo recorrente e a decidir são as seguintes:

1 – Qualificação jurídica dos factos provados: crime de homicídio qualificado (como entendeu a instância) ou crime de homicídio simples (como entende o arguido/recorrente)?

2 - Tratando-se de homicídio simples, a pena a aplicar não deveria ser superior a 9 anos de prisão?

3 - Mas, mesmo tratando-se de homicídio qualificado, a pena aplicada por este crime é excessiva pelo que deverá ser reduzida para 12 anos de prisão?

4 – E também deverá ser reduzida – para 6 meses de prisão - a pena do crime de detenção de arma proibida?

5 - Em consequência, a pena única aplicada deverá ser igualmente reduzida para 9 anos e 3 meses de prisão (no caso de se considerar que os factos integram a prática de um crime de homicídio simples) ou para 12 anos e 3 meses de prisão (no caso de se entender que o crime de homicídio é qualificado)?

6 - A indemnização fixada para os danos (não patrimoniais) é exagerada devendo, por isso, ser reduzida para € 35.000,00?

Vejamos então:

É a seguinte a matéria de facto provada:


1 No dia 04 de Setembro de 1999, cerca das 21 horas, a vítima HH, encontrava-se num estabelecimento comercial denominado “Café Granada “, sito na Rua de Olivença, na Pontinha, em Lisboa.
2 O falecido HH tomava um café, juntamente com alguns amigos, e preparava-se para ir buscar a sua namorada, II a casa, após o que se deslocariam ambos a casa de um casal amigo.
3 O arguido AA, à data dos factos, vivia com a sua companheira, GG, também conhecida por B..., num pátio perto do dito estabelecimento, mais propriamente, na rua da ilha do faial, pátio oliveira mota, nº ..., Pontinha.
4 O arguido e sua companheira haviam começado a desentender-se, porquanto, o arguido, acusava-a insistentemente de “andar metida” com um indivíduo de nome “HH”.
5 No dia 4 de Setembro de 1999, o arguido, que tinha estado toda a tarde no “Café Granada”, que habitualmente frequentava, a jogar à moeda com mais três amigos, entre os quais a testemunha C...A...F..., regressou a casa, tendo-se aí despedido com um “até amanhã”, pouco antes das 21.00 horas.
6 Tendo chegado a casa, a certa altura gerou-se uma discussão entre este e a sua companheira GG em que este a voltava a acusar de andar com o HH e que este, perante o próprio arguido, se gabava de ter dormido com ela, inclusivamente, dizia que o filho que esta trazia na barriga não era seu filho, mas sim dele, HH.
7 Na sequência de mais esta discussão e cerca das 21.00 horas, a GG, exaltada, sai porta fora e, acompanhada de uma cunhada sua, irmã do arguido AA, dirigiu-se ao “Café Granada”.
8 Entrementes, o arguido, exaltado, resolveu atentar contra a vida de HH tendo-se, para concretizar tal propósito, dirigido ao seu quarto onde foi buscar a espingarda de caça, de marca “baikal”; calibre 12, com dois canos, que se encontrava dentro de uma caixa vermelha, a qual se encontrava registada em nome de JJ, seu avô.
9 A arma mencionada em 8. E respectivas munições encontravam-se na posse do arguido a fim de este e, após a morte do seu avô, a entregar ao filho mais novo deste último.
10 No entretanto e, uma vez no interior do “Café Granada” e numa atitude de grande nervosismo, a GG exclamou em voz alta, não se dirigindo ou encarando ninguém em particular, de forma a ser ouvida por todos os clientes (cerca de 20 que se encontravam no café), dando simultaneamente um murro no balcão: “quem é o senhor que anda a dizer que se deita comigo? “
11 Nesse momento, o HH encontrava-se de pé, junto ao balcão, a beber um café e a cerca de dois metros da entrada do estabelecimento.
12 Altura em que a dona do café a Sra. D. LL diz à GG para ir para casa e tratar desse assunto com o seu marido, não sendo o café o local indicado para tal.
13 Na sequência, a GG abandona o café, juntamente com a sua cunhada.
14 Logo após a GG ter proferido a citada expressão, entrou no café o arguido AA, o qual, dirigindo-se de imediato ao HH exclamou: “é este!”.
15 Acto contínuo e sem que ninguém o pudesse prever, sacou da caçadeira refenciada em 8. Que trazia consigo e, apontando-a “à queima-roupa”, a menos de um metro do corpo daquele, dispara na direcção da parte de trás da cabeça do HH.
16 Ao ser atingido, o ofendido HH, caiu imediatamente no chão, não tendo tido sequer tempo de esboçar qualquer tipo de defesa.
17 De seguida, o arguido apontou novamente a caçadeira, desta vez na direcção do tórax do ofendido, que se encontrava caído de bruços, e disparou novamente.
18 O ofendido faleceu de imediato.
19 O arguido, após ter morto o HH e aproveitando o pânico e a confusão que se gerou nas pessoas que se encontravam no café, colocou-se em fuga, sendo o paradeiro do arguido desconhecido até à data em que viria a ser detido no âmbito dos presentes autos o que ocorreu em 7 de Março de 2008.
20 Desde a data dos factos supra referenciados e a da sua detenção o arguido encontrava-se em fuga, designadamente, à acção da justiça, tendo tido diversos paradeiros e diversas actividades, situação que perdurou por mais de 8 anos.
21 Em 17 de Março de 2006, foi passado mandado de detenção europeu contra o arguido AA.
22 Do exame pericial efectuado às roupas que o falecido usava na altura, conclui-se que este foi atingido na zona das costas, por uma carga de chumbo de um cartucho de calibre 12, disparada por uma espingarda caçadeira a muito curta distância.
23 A arma utilizada pelo arguido para matar o ofendido HH foi uma espingarda de caça, de marca “baikal”, calibre 12, com dois canos, a qual se encontrava registada em nome de JJ, avô do arguido, e que se encontrava na posse deste último, conforme referenciado em 8. E 9.
24 Aquando da realização de uma busca consentida pela companheira à residência do arguido, efectuada no mesmo dia por agentes da PSP, foram apreendidos o livrete referente à caçadeira em questão, bem como uma licença para uso e porte de arma de caça, ambas em nome do avô do arguido.
25 Junto ao corpo do falecido foi recolhida uma bucha de cartucho de caça, elemento de calibre 12, resultante de um dos disparos efectuados pelo arguido, a qual se encontra devidamente descrita e examinada a fls. 148 e 149, em auto que se dá igualmente por reproduzido.
26 Como consequência da actuação do arguido, sofreu o HH as seguintes lesões: no hábito externo:
· T –shirt preta de algodão manchada de sangue na face posterior da gola e anterior e direita da mesma.
· Blusão de ganga encharcado de sangue na gola (que se encontra com finos rasgões) e face posterior.
· Orifício na região dorsal junto à costura lateral direita.
· Cueca de algodão sem manchas ou rasgões suspeitos.
· Calças de ganga azul manchadas de sangue na região glútea.
· Meias pretas de fibra sem manchas ou rasgões suspeitos.
· Ténis brancos “nike” sem manchas ou rasgões suspeitos.
· Os orifícios descritos no vestuário correspondem ao orifício descrito à direita na região dorsal.
· Cadáver de individuo do sexo masculino, de raça branca, compleição atlética.
· Livores cadavéricos escassos vermelho-arroxeados, na região dorsal.
· Rigidez cadavérica forte.
· Conjuntivas pálidas.
· A pesquisa de componentes da pólvora com o reagente de guttmann quer nas pregas interdigitais foi negativa.
· As unhas são curtas e regulares.
· Esfacelo dos tecidos moles com exposição das partes moles subjacentes na hemiface direita que se estende em faixa oblíqua da região temporo esfenoidal até à região mentoniana direita, com perda de substância, exposição de topos ósseos e bordos queimados.
· Vários orifícios circulares de 0,5cm. De diâmetro médio no ombro, face do hemitorax direito, quadrante supero-externo e bordo externo e face anterior do braço contabilizando-se 44 lesões, tendo as situadas na face anterior do hemitorax direito um diâmetro de 0,3 cm, estas todas sem orlas de contusões (cerca de 18) na face anterior a grande maioria um trajecto em canal.
· Orifício na face posterior do hemitorax direito, situado 15cm abaixo da horizontal do ombro e 10 cm para a direita da linha média. É circular de lres tendo um diâmetro de 2,5cm e nos bordos grãos de chumbo que se recolhem – orifício de entrada.
No hábito interno:
· Infiltração sanguínea do pericranio esfeno- temporal direita com uma zona central lacerada na escama temporal com uma área de 4,5cm.
· Infiltração sanguínea do musculo temporal direito.
· Orifício na grande asa do esfenóide e escama do temporal direito de maior eixo antero-posterior medindo 4 x 2,5cm, com fragmentos ósseos fracturados voltados para dentro.
· Luxação esfeno-frontal direita.
· Fracturas do andar médio do crânio.
· Infiltração sanguínea das leptomeninges do lobo temporal direito.
· Edema cerebral muito marcado.
· Focos de contusão na periferia do lobo frontal direito.
· Infiltração sanguínea dos músculos escapulares.
· Infiltração sanguínea de todo o musculo peitoral e do musculo grande dentado com ferida transfixiva perfuro-contundente ao nível da 1ª., 2ª. E 3º costelas direitas que se encontram fracturadas e voltadas para fora nos arcos anteriores, sendo que, na espessura do orifício descrito foi encontrada uma bucha.
· Múltiplas pequenas feridas perfuro contundentes com uma distribuição preferencial no quadrante supero externo do grande peitoral.
· Hemotorax à direita (550c.c. De sangue liquido e coagulado).
· Hemopericárdio (200c.c.)
· Ferida transfixiva perfuro-contundente com fractura dos arcos médios da 2ª., 3ª. E 4ª. Costelas direitas com topos virados para dentro e esfacelo da musculatura intercostal.
· Infiltração sanguínea do mediastino posterior (tecidos que envolvem o esófago e a traqueia).
· Esfacelos dos lobos superior e médio do pulmão direito com grãos de chumbo dispersos com 0,2cm de diâmetro nas espessuras dos tecidos lacerados.
· Pequenas feridas perfuro-contundentes nois folhetos posteriores do saco pericárdico e parede ventricular posterior direita, onde se encontraram grãos de chumbo de cerca de 0,2cm.
· Hemorragias e petéquias sub-endocárdicas.
· Conteúdo do estômago: alimentos em adiantado estado de digestão.
· Malar direito com fracturas cominutiva.
27 As lesões traumáticas da cabeça e torácicas graves descritas em 26., produzidas por projécteis de chumbo de cartucho de arma de fogo - caçadeira - provocaram directa e necessariamente a morte da vítima HH.
28 Quer as graves lesões traumáticas da cabeça, quer as do tórax supra enunciadas eram, só por si, causa de morte.
29 Ambos os disparos foram feitos à menos de um metro de distância, entre arguido e vítima, vulgo, “queima-roupa”.
30 As direcções dos trajectos, seguidas pelos projécteis de arma de fogo foram:
- na cabeça: de trás para a frente, de cima para baixo, e da direita para a esquerda.
- no tórax: mais ou menos horizontalmente de trás para a frente e da direita para a esquerda.
31 Não há sinais de defesa activa ou passiva por parte da vítima.
32 O arguido actuou com intenção de matar o ofendido, o que logrou conseguir, demonstrando manifesto desprezo e desrespeito pela vida humana, atendendo ao motivo que o levou a praticar tal acto, motivo esse referenciado em 4. E 6..
33 O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente sabendo ser proibida e punida por lei a sua conduta.
34 Na sequência da busca referenciada em 21. Efectuada por agentes da PSP, com autorização da companheira do arguido, GG à residência destes, sua na rua lha do faial, no nº 5 do pátio oliveira mota foram ainda encontrados e apreendidos:
- um cinturão para cartuchos (cartucheira), com capacidade para 29 cartuchos de caça;
- quinze cartuchos de 12 mm de marca “martignoni”;
- um carregador de pistola, de marca “browning”, para 7 munições de 7,65mm;
- sete munições de 7,65 mm;
- cinco munições de calibre “.22 long rifle “, cinco de marca “gévelot”, de origem francesa e três de marca “remington”, de origem norte-americana;
- um cartucho de cor azul, de 9 mm, de marca “flobert”;
- cinco fulminantes e
- duas munições de calibre 9 mm, de marca “parabellum”.
35 O arguido bem sabia que a posse das munições supra descritas lhe estava vedada por lei e que aquelas respeitavam a armas proibidas.
36 Não obstante, o arguido, não se coibiu de as deter e guardar.
37 O arguido actuou sempre deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo da reprovabilidade do seu comportamento e de que este lhe estava vedado por lei.
38 O arguido AA é oriundo de uma família de etnia cigana, sendo o mais velho de cinco irmãos.
39 Os pais do arguido dedicavam-se à venda ambulante, actividade da qual dependia a subsistência da família, que vivia integrada no agregado dos avós matemos do arguido.
40 Atendendo ao facto da mãe do arguido sofrer de alguma debilidade mental, era a avó que cuidava deste, assumindo um papel de relevo no seu processo educativo e em termos afectivos.
41 O arguido frequentou a escola até aos doze anos, completando apenas o ensino básico (4ª classe).
42 O arguido, após o abandono escolar, passou a acompanhar a avó na venda ambulante.
43 O arguido, aos dezoito anos passou a viver, maritalmente, com a GG, mantendo-se contudo a residir num anexo construído junto à habitação da avó, os pais tinham entretanto sido realojados num bairro social próximo.
44 Desta relação do arguido com a GG, nasceram quatro filhos, tendo o mais velho, dezassete anos e o mais novo, oito anos.
45 À data dos factos o arguido residia junto da avó materna, com a companheira GG, grávida do quarto filho, e com os filhos de ambos.
46 O arguido dedicava-se à venda ambulante e pontualmente realizava trabalhos na construção civil que lhe permitam complementar os rendimentos.
47 No período que antecedeu os factos em causa nos presentes autos existia alguma instabilidade relacional entre o arguido e a sua companheira.
48 Após a data da prática dos factos em causa nos presentes autos, o arguido declarou ter passado a viver na zona de Setúbal, tendo estado durante vários anos sem contactar a família e subsistindo com trabalhos que realizava de forma precária na construção civil.
49 Em articulação com a Associação Baptista, a direcção geral de reinserção social apurou que o arguido esteve nos últimos anos a residir com familiares num bairro social em Setúbal, tendo há cerca de alguns meses a esta parte, exigido que a GG e os filhos saíssem da casa onde estava para este poder ocupar a habitação.
50 Contudo, após algumas negociações mediadas pela Associação Baptista e perante a possibilidade dos filhos serem retirados à família pela comissão de protecção a crianças e jovens o arguido e a GG assinaram um documento aceitando partilhar a mesma habitação, mantendo no entanto vidas separadas.
51 Esta partilha da habitação terá sido imposta pela CPCJ, após tentativa do arguido de expulsar de casa a companheira e os filhos, pelo facto da habitação ser sua propriedade e pretender ai residir.
52 A GG tem presentemente mais dois filhos, com seis e dois anos, que são fruto de um relacionamento afectivo desta com outra pessoa.
53 No estabelecimento prisional, o arguido apresenta um comportamento adequado e uma postura adaptada ao meio institucional, encontrando-se a frequentar aulas de inglês e de música.
54 O arguido conta com o apoio da família que o visita regularmente, nomeadamente dos irmãos.
55 O arguido recebe ainda visitas pontuais da GG reatado relação com o arguido há cerca de três anos, informação que foi negada pelo arguido.
56 Após os alegados factos, o arguido esteve desaparecido, desconhecendo a família o seu paradeiro até há cerca de três anos atrás.
57 Quando foi preso, residia com a companheira e os filhos, na mesma habitação, apesar de existir uma ruptura relacional entre o casal.
58 Submetido a um processo de avaliação psicológica, o arguido, ao nível das provas de eficiência intelectual, obteve resultados que o situam num nível intelectual médio-baixo, quando comparado com a média do seu grupo etário, revelando competências consentâneas com as suas habilitações.
59 Nas provas verbais do arguido, os valores mais baixos surgem relacionados com falhas ao nível da compreensão e adaptação a situações sociais, podendo comprometer a eficácia do seu comportamento.
60 O arguido revela também alguma vulnerabilidade ao nível da atenção e da concentração.
61 Nas provas manipulativas (não - verbais) o desempenho do arguido situa-se na média, indiciando um pensamento concreto, parecendo dispor de recursos internos que lhe permitirão elaborar a informação e funcionar adequadamente, na generalidade das situações.
62 O arguido revela um funcionamento predominantemente dependente, necessitando do outro como fonte de protecção e segurança, dependendo o seu equilíbrio emocional das relações interpessoal que estabelece, revelando um papel passivo nas mesmas.
63 Nos contactos sociais o arguido mostrou-se reservado, evitando afirmar-se, como forma de obter a aprovação e o afecto dos contactos.
64 O arguido denota capacidade para interpretar a realidade objectiva, tendo consciência da licitude/ilicitude auto-crítica e descentração, colocando-se no lugar do outro.
65 O arguido revela capacidade de introspecção, tendo sido capaz de consciencializar alguns acontecimentos significativos.
66 Na actual situação vivencial do arguido sobressai um bloqueio emocional, emergindo sentimentos de insegurança e tristeza, a par de uma culpabilidade decorrente do presente processo que o levam a evitar pensar sobre o conflito, situação que lhe causa alguma descompensação emocional.
67 O arguido, no decurso da audiência de discussão e julgamento verbalizou arrependimento.
68 O arguido não tem antecedentes criminais e declarou não ter processos pendentes.

E são os seguintes os Factos não Provados

- Que a vítima HH disse ao arguido que tinha dormido com a companheira dele, a GG, dizendo-lhe, inclusivamente, que o filho “que esta trazia na barriga” não era seu filho, mas sim dele, HH.
- Que o arguido ouviu frases de terceiros tais como: “o HH é que monta bem.”
Que arguido ouviu ainda um amigo da vítima dizer, quando o arguido passou junto dele com a sua companheira GG: “olha ela está grávida; cala-te; cala-te”.
- Que no bairro onde o arguido morava ou no “Café Granada” que frequentava, houvesse rumores, comentários, falatórios no sentido de a GG, sua companheira na altura, ter, ter tido ou quisesse ter um relacionamento amoroso/sexual com o falecido HH.
- Que o arguido encontrava-se alcoolizado nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas em 5. A 8. Do elenco dos factos provados.
- O momento em que passaram a ocorrer as discussões referenciadas em 4. E 6., o número ou o grau de periodicidade das mesmas.
- Que o arguido tenha disparado o segundo tiro porque se assustou quando a vitima HH após ter sofrido o primeiro tiro cambaleou na sua direcção, tendo disparado a arma inadvertidamente.
- Que a vítima HH após ter sido baleado pela primeira vez tenha caído para a frente e em direcção ao arguido e caído a seus pés.
- Que o arguido, nas circunstâncias descritas em19. Tenha fugido juntamente com a sua então companheira GG e os seus filhos.
- Que a GG tenha reatado relação com o arguido há cerca de três anos.

OS FACTOS E O DIREITO:

Cumpre agora apreciar e decidir as questões suscitadas neste recurso e atrás elencadas.

1ª Questão:


Qualificação jurídica dos factos provados: crime de homicídio qualificado (como entendeu a instância) ou crime de homicídio simples (como entende o arguido/recorrente)?

No acórdão recorrido qualificaram-se os factos provados como integrando a prática de um crime de homicídio qualificado.

E isto, porque se considerou que o crime foi cometido por motivo fútil e o circunstancialismo que rodeou a acção criminosa manifesta uma acrescida censurabilidade da conduta do arguido.

O recorrente, porém, entende que a factualidade provada não permite fazer aquele enquadramento jurídico, não podendo considerar-se que o crime tenha sido cometido por motivo fútil.

Quid juris?

Para a qualificação do crime de homicídio, o legislador português combinou um critério generalizador, determinante de um especial tipo de culpa, com a técnica dos chamados exemplos-padrão.

Assim, a qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral extensiva e descrito com recurso a conceitos indeterminados: a “ especial censurabilidade ou perversidade “ do agente referida no nº1 do art. 132º do C. Penal; verificação indiciada por circunstâncias ou elementos uns relativos ao facto, outros ao autor, exemplarmente elencados no nº 2.

Elementos estes cuja verificação, por um lado, não implica sem mais a realização do tipo de culpa e a consequente qualificação; e cuja não verificação, por outro lado, não impede que se verifiquem outros elementos substancialmente análogos aos descritos e que integrem o tipo de culpa qualificador.

Deste modo, devendo afirmar-se que o tipo de culpa supõe a realização dos elementos constitutivos do tipo orientador – que resulta de uma imagem global do facto agravada correspondente ao especial conteúdo de culpa tido em conta no art. 132º nº2 – neste sentido, Prof. Figueiredo Dias, pag. 26.

Segundo defende o mesmo autor, in ob. cit., pag. 27, «muitos dos elementos constantes das diversas alíneas do art. 132º nº 2, em si mesmos tomados, não contendem directamente com uma atitude mais desvaliosa do agente, mas sim com um mais acentuado desvalor da acção e da conduta, com a forma de cometimento do crime. Ainda nestes casos, porém, não é esse maior desvalor da conduta o determinante da agravação, antes ele é mediado sempre por um mais acentuado desvalor da atitude: a especial censurabilidade ou perversidade do agente, é dizer, o especial tipo de culpa do homicídio agravado. Só assim se podendo compreender e aceitar que haja hipóteses em que aqueles elementos estão presentes e, todavia, a qualificação vem em definitivo a ser negada».

E, a fls. 29, «o pensamento da lei é, na verdade, o de pretender imputar à “ especial censurabilidade “ aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas, e à “ perversidade “ aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas».

Assim, as circunstâncias agravantes qualificativas do artigo 132º do Código Penal, sendo, como são, elementos da culpa (e não do tipo legal de crime), não são de funcionamento automático (cfr. neste sentido também Teresa Serra in Homicídio Qualificado Tipo de Culpa e Medida da Pena, 1990, pág.60), pelo que pode verificar-se qualquer delas e, apesar disso, concluir-se que o agente não agiu com especial censurabilidade ou perversidade (neste sentido, cfr. Ac. STJ de 20.03.1985, BMJ 345, 248).

Portanto, uma vez que aquelas circunstâncias não operam automaticamente, é indispensável determinar se, no caso concreto, qualquer daquelas circunstâncias (que se verifique) preenche ou não o elemento qualificante da especial censurabilidade ou perversidade e justificam uma sanção que não cabe na moldura incriminadora do homicídio simples (cfr. Acs. STJ de 04.07.1996 in CJ Acs. STJ, IV, Tomo 2, pág. 222; e de 11.12.1997, BMJ 472, 154).

Importa, portanto, determinar se, no caso em apreço, a morte foi causada em circunstâncias que revelam especial censurabilidade ou perversidade nos termos referidos no artigo 132º do CP.

O tribunal de 1ª instância concluiu que sim pois considerou que a factualidade provada integra a qualificativa da alínea d) do nº 2 do citado artigo 132º do Código Penal, ou seja, a circunstância de o agente “agir por motivo fútil”.

A propósito desta circunstância agravante qualificativa, refere-se a fls. 39 do Comentário Conimbricense do Código Penal que “O exemplo padrão constante da alínea d) é, diferentemente do que sucede com os anteriores, estruturado com apelo a elementos estritamente subjectivos, relacionados com a especial motivação do agente. … Ser determinado a matar por qualquer motivo torpe ou fútil significa que o motivo da actuação avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito, de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pelo valor da vida humana”.

E, mais adiante: “Dado o carácter estritamente subjectivo das situações referenciadas, dir-se-ia que elas valem imediatamente como censurabilidade ou perversidade do agente e, por conseguinte, a sua natureza de exmplo-padrão se encontra extremamente (quando não completamente) esbatida. Mas não é exacto. Ainda aqui podem existir motivações não expressamente descritas que, pela sua estrutura valorativa correspondente a uma das descritas, permitam a qualificação. Como pode, de outro lado, a situação ser uma tal que a motivação, se bem que expressa, não possa em definitivo valer como especial censurabilidade ou perversidade, maxime por se ligar a um estado de afecto particularmente intenso (v.g. o ciúme ligado à paixão)”.

Motivo fútil é o motivo de importância mínima, o motivo sem valor, insignificante para explicar ou tornar aceitável, dentro do razoável, a actuação do agente do crime.

Motivo fútil será aquele motivo subjectivo que pela sua insignificância ou frivolidade, é desproporcionado com a reacção homicida (neste sentido, cfr. Leal Henriques e Simas Santos in Código Penal Anotado, 1996, II volume, pág 44).

Como diz Nelson Hungria, pág. 164 “o motivo é fútil quando notavelmente desproporcionado ou inadequado, do ponto de vista do homo medius, e em relação ao crime de que se trata. Se o motivo torpe revela um grau particular de perversidade, o motivo fútil traduz o egoísmo intolerante, prepotente, mesquinho, que vai até à insensibilidade moral”.

No mesmo sentido, refere Bettiol in Direito Penal, Parte Geral, III, ed. port., 131 e segs: “Se por motivo entendermos o antecedente psíquico da acção, teremos um motivo fútil sempre que seja possível estabelecer uma desproporção manifesta entre a gravidade do facto e a intensidade ou a natureza do motivo que impeliu à acção. Trata-se, como diz Maggiore, de uma insensibilidade moral que tem a sua manifestação mais alta na brutal malvadez”

Fútil será, portanto, aquele motivo que se apresenta com razão subjectiva desproporcionada com a gravidade da infracção penal ou “o motivo frívolo, leviano, a ninharia que leva o agente à prática do crime, na inteira desproporção entre o motivo e a reacção homicida” (cfr. ac. deste STJ de 15.12.2005, in Proc. 05P2978).

Quanto a este aspecto, está provado, designadamente, que “O arguido actuou com intenção de matar o ofendido, o que logrou conseguir, demonstrando manifesto desprezo e desrespeito pela vida humana, atendendo ao motivo que o levou a praticar tal acto, motivo esse referenciado em 4 e 6” (cfr. nº 32 dos factos provados).

E está ainda provado que por questões relacionadas com ciúmes e por desconfiar que a mulher andava metida com um indivíduo de nome HH, o arguido envolveu-se em discussões com sua mulher.

No entanto, não se apurou quer o número de tais discussões, quer a data (momento) a partir da qual tais discussões começaram, quer o grau de periodicidade das mesmas.

E provado ficou ainda que, no dia 4 de Setembro de 1999, pouco antes das 21 hora, na sequência de uma daquela discussões (em que o arguido voltou a acusar a sua companheira de andar com o HH e que este, perante o próprio arguido, se gabava de ter dormido com ela e inclusivamente dizia que o filho que esta trazia na barriga era filho dele, HH), o arguido saiu para o exterior da sua residência e, momentos depois, voltou a entrar no café “Granada” (onde tinha permanecido toda a parte a jogar à moeda com amigos) e munido duma espingarda de caça, devidamente municiada com cartuchos de calibre 12, disparou dois tiros à “queima roupa” na direcção da parte de trás da cabeça do HH, a menos de 1 metro do corpo daquele.

Também está assente que ao ser atingido, o HH caiu imediatamente no chão, não tendo tido sequer tempo de esboçar qualquer tipo de defesa e, de seguida, o arguido novamente apontou a caçadeira, desta vez na direcção do tórax da vítima que se encontrava caído de bruços, e disparou novamente, tendo o HH falecido de imediato.

Face a esta matéria de facto provada, sobretudo os motivos do crime (resposta a questões de ciúme e desconfiança), e a forma como aquele foi praticado (o arguido usou uma espingarda de caça contra a vítima indefesa, sem lhe ter dirigido qualquer palavra ou pedido qualquer explicação, tendo disparado por trás da vítima e na direcção da cabeça, um primeiro tiro, de forma inesperada e traiçoeira quando aquela estava ao balcão, a tomar café; e, quando a mesma já estava no chão, caída de bruços, o arguido disparou um segundo tiro na direcção do tórax da mesma, atingindo-a mortalmente com ambos os disparos) revelam uma personalidade intolerante do arguido e que este agiu com manifesto desprezo e absoluta falta de respeito pela vida humana, revelando tal conduta, uma especial censurabilidade.

Acresce que os ciúmes do arguido e que motivaram o crime não têm suporte fáctico na matéria assente pois não ficou provado que entre a vítima (HH) e a companheira do arguido tivesse havido qualquer relacionamento amoroso e/ou sexual ou mesmo de qualquer outro tipo.

Ora, não tendo ficado provado:
Que entre a companheira do arguido e a vítima, tivesse existido qualquer tipo de relacionamento, designadamente sexual;
Que qualquer tipo de relacionamento entre a companheira do arguido e a vítima, fosse do conhecimento das pessoas do meio onde viviam e se inseriam o arguido e a sua companheira;
Que fosse do conhecimento de alguém que a companheira do arguido e a vítima tivessem atitudes provocatórias para com o arguido; e
Que a questão desse “alegado” relacionamento tivesse sido profundamente discutido entre o arguido e a sua companheira, de tal forma que o ciúme tivesse passado a partir de certa altura, porque prolongado, a ser doentio e obsessivo;

Não se compreende a reacção do arguido, nem mesmo a admitir-se que terá agido motivado por ciúmes.

Como bem se refere na decisão recorrida, “os sentimentos que o levaram à prática do crime, são de todo desproporcionados e injustos”.

E, se é certo que, para haver motivo fútil para efeitos da alínea c) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal não basta que a reacção seja desproporcionada ao condicionalismo que a despertou e que só o exame ponderado de todas as circunstâncias é que pode determinar se o agente actuou ou não por motivo insignificante, sem valor (cfr. Ac. deste STJ de 06.03.1991 in AJ nº 17, proc. 41666), a verdade é que, do exame do circunstancialismo concreto – atrás descrito e constante da matéria assente - em que os factos foram praticados, resulta não só que o sentimento que determinou o arguido é claramente desproporcionado com a gravidade do crime que cometeu, mas também que o motivo que despertou a prática do crime não é capaz de explicar ou tornar aceitável, dentro do razoável a actuação do arguido.
Ou, – como refere a decisão recorrida, citando Figueiredo Dias in Comentário Conimbricense, I, 32 e os acórdãos deste STJ de 09.11.94 in CJ Acs. STJ Ano II, Tomo 3, 239; de 04.02.93 in CJ Acs. STJ Ano I, Tomo 1, 185; e de 09.04.97 in Proc. 1297/96 – tais ciúmes não podem “sequer, razoavelmente, explicar e muito menos justificar a conduta do agente, do ponto de vista do homem médio e que constitui um “mais” em relação à desproporcionalidade que sempre existe entre o homicídio e qualquer razão que o motive, avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade.
Estamos, pois, perante caso em que os ciúmes – face ao circunstancialismo referido – constituem motivo fútil nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 132º-2-d) do C.P. (cfr. Teresa Serra in Homicídio Qualificado, pág. 75).

È que, não pode esquecer-se que não ficaram provados certos factos que (se provados) esses sim, poderiam explicar (mas nunca justificar) a conduta do arguido e, subsumi-la, eventualmente, á previsão do artigo 131º do C.P.

Na verdade, não se provou p. ex. que o arguido tinha pela GG muito amor e carinho e que o arguido desde que chegou da Madeira foi provocado pelo falecido HH sabendo que o seu comportamento o estava a humilhar e a enxovalhar, num meio onde o arguido era uma pessoa conhecida e onde convivia normalmente com os seus amigos.
E que nesse meio já todos comentavam o sucedido, sendo “conversa de café” obrigatória.

Nada disto ficou provado, pelo que, como se disse, não se compreende, assim, a reacção do arguido.

E mesmo a admitir-se que terá agido motivado por ciúmes, a reacção é de tal forma desproporcionada e injusta, que aqueles não representam senão um motivo fútil, não resultando demonstrado (como se diz na decisão recorrida) “qualquer nexo de causalidade entre a suposta relação existente entre a GG e a vítima, e a motivação do arguido”.

Por outro lado, mesmo que não se considerasse fútil a motivação do arguido, dos factos assentes resulta (como também se diz na decisão recorrida) “que aquele manifestou personalidade torpe e perversa em toda a sua actuação, ao colocar à mão a arma de fogo, que nem lhe pertencia e que só ocasionalmente se encontrava na sua posse, ao apontar a arma em posição ofensiva contra a vítima e ao disparar, à queima roupa e por duas vezes tal arma contra aquele que veio a ser sua vítima mortal, a vítima HH, causando-lhe as lesões descritas no relatório da autópsia, a saber, lesões em órgãos vitais, donde decorreu a sua morte”.
E ficou provado ainda que o arguido, após ter morto o referido HH, aproveitando o pânico e confusão gerada no local (café), pôs-se em fuga, tendo andado em paradeiro desconhecido até 07 de Março de 2008, ou seja, durante cerca de 8 anos e meio.
Acresce que o arguido procurou atingir e atingiu mesmo, a vítima em zonas vitais, a cabeça e o tórax, tendo feito os dois disparos á distância de cerca de 1 metro da mesma vítima, de tal modo que, como resulta do relatório de autópsia, quer as lesões da cabeça, quer as do tórax, eram, só por si, causa da morte.
Além disso, a vítima, como se disse, estava completamente indefesa, junto ao balcão, a tomar café, de costas para o arguido, completamente impossibilitada de resistir a este e incapaz de se opor ao primeiro tiro e sobretudo ao segundo, ocasião em que estava prostrado no chão, agonizante e numa situação de extrema vulnerabilidade.
Apesar disso, o arguido persistiu na resolução de o matar, tendo disparado o segundo tiro, com vista ao êxito da conduta, à consumação.
E isto, na presença de cerca de 20 pessoas que estavam no café.
O arguido agiu, pois, não só com manifesta superioridade em razão da arma mas também, como se disse atrás, com completa insensibilidade e absoluta indiferença e desprezo pela vida humana.
E, podendo embora ter permanecido no local e tentado socorrer a vítima, optou por se pôr em fuga e desaparecer durante mais de 8 anos.

Do exposto conclui-se que as circunstâncias em que o arguido causou a morte da vítima HH, revelam especial censurabilidade.

Por isso, se conclui que se verifica agravante qualificativa referida na alínea c) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal e que os factos provados integram a prática de um homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º nº1 e 2 d) do C. Penal na redacção em vigor à data dos factos aprovada pelo DL 48/95, de 15.03.

Daí que a qualificação jurídica dos factos provados, feita na decisão recorrida, não mereça censura.

Razão por que improcede a primeira questão e fica prejudicado o conhecimento da 2ª questão suscitada pelo recorrente, que se reporta ao caso de homicídio simples (tratando-se de homicídio simples, a pena a aplicar não deveria ser superior a 9 anos de prisão?).

3ª, 4ª e 5ª questões:

Trataremos estas questões de forma conjunta na medida em que se reportam ao mesmo segmento do recurso: a medida concreta das penas parcelares e da pena única.

Equacionámos assim tais questões:

3 - Mas, mesmo tratando-se de homicídio qualificado, a pena aplicada por este crime é excessiva pelo que deverá ser reduzida para 12 anos de prisão?

4 – E também deverá ser reduzida – para 6 meses de prisão - a pena do crime de detenção de arma proibida?

5 - Em consequência, a pena única aplicada deverá ser igualmente reduzida para 9 anos e 3 meses de prisão (no caso de se considerar que os factos integram a prática de um crime de homicídio simples) ou para 12 anos e 3 meses de prisão (no caso de se entender que o crime de homicídio é qualificado)?

Vejamos:

Assente a qualificação jurídica dos factos provados como integrando a prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131 e 132º nºs 1 e 2-d), ambos do Código Penal (redacção vigente à data dos factos) e um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 275º-3 e 4 do Código Penal, com referência ao artigo 3º-1 do DL nº 207-A/75, de 17.04, há que apreciar a medida da(s) pena(s).

Não é questionada a aplicação do regime penal vigente à data da prática dos factos, nem a opção feita pela aplicação de pena privativa de liberdade.

O crime de homicídio supra referido é punível, em abstracto, com pena de prisão de 12 a 25 anos.

Quanto a este crime foi aplicada a pena concreta de 16 anos de prisão.

E o crime de detenção de arma proibida, supra mencionado, é punível, também abstractamente, com pena de prisão até 3 anos (face á opção de aplicação de pena privativa de liberdade).

E tal crime foi punido, no caso em análise, com a pena concreta de 1 ano de prisão.

Vejamos, então.

Actualmente, todos estão de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis.

Porém, há quem defenda que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade, estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista.

Outros ainda, distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa, estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção.

Mas a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum de pena, o recurso de revista seria inadequado.

Só assim não será – e aquela medida será controlável mesmo em revista, se, p.ex, tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada (cfr. Figueiredo Dias in Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, pág.211; e Ac. deste STJ, 3ª Secção, in Proc. 2555/06).

Nos termos do artigo 71º nº 1 do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

Toda a pena tem, como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta.

Daí que não haja pena sem culpa - nulla poena sine culpa.

Mas, por outro lado, a culpa constitui também o limite máximo da pena – (cfr. Ac STJ de 26.10.00 in Proc. 2528/00, desta 3ª Secção: “a culpa jurídico-penal traduz-se num juízo de censura que funciona, a um tempo, como um fundamento e um limite inultrapassável da medida da pena”).

Isto mesmo resulta claro do estatuído no artigo 40º-2 do C.P.: em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Além disso, como se disse, há que atentar nas exigências de prevenção, quer geral, quer especial.

Com o recurso à prevenção geral busca-se dar satisfação aos anseios comunitários da punição do caso concreto, tendo em atenção de igual modo a necessidade premente da tutela dos bens e valores jurídicos.

Com o apelo à prevenção especial aspira-se em conceder resposta às exigências da socialização (ou ressocialização) do agente delitivo em ordem a uma sua integração digna no meio social” (Cfr. Ac. desta 3ª Secção deste Supremo Tribunal, de 26.10.00, in processo nº 2528/00).

Citando Figueiredo Dias (obra supra citada, pág. 214) “ … a culpa e prevenção são, assim, os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena”.

E, mais adiante (pág. 215) “ …a exigência legal de que a medida da pena seja encontrada pelo juiz em função da culpa e da prevenção é absolutamente compreensível e justificável. Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limita de forma inultrapassável as exigências de prevenção …”.

A este respeito, é pertinente citar aqui o acórdão do STJ de 1/03/00, in processo nº 53/2000, desta 3ª Secção “ … a culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, os seus limite mínimo e máximo absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. A prevenção especial positiva, porém, subordinada que está à finalidade da protecção dos bens jurídicos, já não tem virtualidade para determinar o limite mínimo, este logicamente não pode ser outro que não o mínimo da pena que, em concreto, ainda realiza, eficazmente, aquela protecção … se, por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e, se, por outro, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que – dentro, claro está, da moldura legal – a moldura da pena legal aplicável ao caso concreto (moldura de prevenção) há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social …”.

Por seu turno, estatui o nº 2 do mesmo artigo 71º do CP que na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

Importa ter em atenção a moldura penal correspondente aos crimes praticados pelo arguido/recorrente (tendo-se em atenção, por um lado, a opção feita na decisão recorrida e que não é posta em causa no recurso, de aplicação de pena privativa de liberdade; e, por outro lado, que não foi suscitada qualquer questão relativa à aplicação da lei no tempo, aspecto esse devidamente referido na decisão da 1ª instância e que não nos merece reparo):

- 1 crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º-1 e 2-d), do C.P. na redacção então vigente: pena de prisão de 12 a 25 anos; e

- 1 crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 275º-3 e 4 do Código Penal, com referência ao artigo 3º-1 do DL nº 207-A/75, de 17.04: pena de prisão até 3 anos.

Por outro lado, importa também ter presente que, quanto à medida das penas parcelares, a decisão recorrida refere expressamente:


Quanto ao crime de homicídio:

Ora, não está provado, em parte alguma, que o arguido seja doente, ou seja e, para melhor entendimento do que se pretende evidenciar que, por força de um qualquer estado patológico, a sua liberdade de actuação e de determinação de acordo com os padrões sociais e jurídicos vigentes estivesse diminuída, merecendo por isso uma menor censura ético-jurídica pelo seu comportamento.
Retomando o caso concreto, estamos perante um delinquente primário.
Tal facto de per si pode pouco ou nada adiantar de positivo nesta sede, pois a primariedade por si só não fundamenta atenuação especial.
No entanto, face ao que ficou provado, ficou atestado o bom comportamento anterior e social do arguido.
E relativamente à confissão parcial dos factos, é evidente, desde logo que a mesma não pode ser considerada com o relevo que tem uma assumpção integral e sem reservas dos factos praticados.
A propósito de confissão parcial dos factos quanto ao crime de homicídio e total relativamente ao crime de detenção de arma proibida, pouco ou nenhuma relevância assumiu na descoberta da verdade material, tanta e tão abundante e inequívoca foi a prova produzida em audiência que dúvida alguma se suscitou ao tribunal quer na fixação dos factos objectivos dados por provados quer nos factos subjectivos, nomeadamente quanto à personalidade, intenção de matar e motivação do arguido na prática deste crime.
No caso concreto, atenta a materialidade dos factos e as circunstâncias da acção não seria difícil investigar o crime e descobrir o autor, pelo que as declarações prestadas não podem assumir valor confessório na sua plenitude, até porque a as mesmas quanto ao crime de homicídio qualificado não foram integrais nem sem reservas.
Vejamos agora a questão do arrependimento.
O arrependimento sincero do agente há-de ser manifestado por actos que o demonstrem. Assim se decidiu no acórdão do STJ de 05-03-1992, BMJ 415, 434, citado no acórdão de 11-12-1996, BMJ 462, 207: A alínea c) do nº 2 do artigo 73º (actual 72º) do Código Penal exige actos externos reveladores de arrependimento sincero, que se traduzam numa efectiva actuação de sinal contrário ao do crime e que se mostrem capazes de visivelmente esbaterem os contornos e os efeitos do mesmo.
A circunstância que a lei admite constituir índice de diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou a necessidade da pena, é o arrependimento sincero do agente, ou seja, o seu pesar sincero pela falta cometida, a sua contrição, o seu remorso, o que passa pela assunção do desvalor da conduta e do resultado; não é qualquer, tem de ser arrependimento que se traduz em actos concretos, nomeadamente na reparação, como demonstração objectiva do arrependimento que se propala – acórdão do STJ, de 02-03-2006, processo 472/06-5ª
em audiência de discussão e julgamento, o arguido perante este tribunal colectivo manifestou sentimentos sinceros de arrependimento, de culpa e de desespero, exteriorizados, designadamente, quando declara que o que fez “não se faz a um bicho, muito menos a uma pessoa”.
Teve sempre uma postura contrita, interpretada pelos julgadores como índice de uma certa interiorização da culpa pelo sucedido.
No entanto, nesta abordagem há que não perder de vista o facto de o arguido se ter furtado à acção da justiça, durante mais de 8 anos, não tendo durante esse período, tido qualquer gesto, ainda que à distância designadamente, perante os pais da vítima/assistentes que denotasse qualquer manifestação desse sentimento, não estando, pois, presente o fundamento constante do artigo 72º, nº 2, alínea c), do código penal.
No que respeita ao bom comportamento posterior, é tão só a ausência de antecedentes criminais e, após a sua detenção ocorrida em Março de 2008, a sua vivência no meio prisional, constando a propósito dos factos provados, que tal comportamento corresponde ao acatamento de regras da situação de reclusão…
… É esta irreversibilidade do acto de matar que confere um enorme desvalor ao resultado, sendo de extrema gravidade o ilícito cometido pelo arguido.
O juízo de censura é muito elevado, o desvalor social da acção enorme e a ilicitude muito intensa.
Ainda, o dolo é directo e o crime foi cometido de uma forma brutal, através da utilização de uma caçadeira com a qual foram dados dois tiros à queima-roupa, direccionado para zonas nevrálgicas do corpo humano.
A violência com o que homicídio foi cometido e o local onde o mesmo foi praticado (em pleno café em hora de funcionamento e com cerca de 20/30 clientes no seu interior, ao principio da noite) é bem revelador de uma personalidade que superou todas as inibições decorrentes de tais circunstâncias”.

A decisão recorrida ponderou ainda e devidamente, as condições pessoais e económicas do arguido, referindo:
“Perante o circunstancialismo provado relativamente às condições pessoais do arguido – à data dos factos, social e familiarmente inserido, apesar da instabilidade afectiva que esteve na origem dos factos ilícitos cometidos - com emprego, (trabalhava como vendedor ambulante), tendo de habilitações literárias a 4ª classe, não registando antecedentes criminais, sempre considerado pelos amigos e tido como uma pessoa pacífica, não lhe sendo conhecidos hábitos de violência …”.

Quanto ao crime de detenção de arma proibida:

…O tribunal, pelos motivos gerais referenciados supra, fundamenta também a pena encontrada para este crime.
Nessa conformidade, ponderando todos os factores relativos à execução do facto:
– grau de ilicitude, modo de execução, gravidade das consequências, intensidade do dolo, motivos que determinaram a prática do crime;
- bem como os relativos à personalidade do arguido manifestada no facto, condições pessoais e situação económica, a ausência de antecedentes criminais e reputação de pessoa não violenta junto do círculo de amigos, tudo a ponderar nos termos e para os efeitos do art. 71.º, nºs 1 e 2, als. a) a e), do Código Penal …”.

A isto acrescentaremos que há ainda que ter em atenção que as razões de prevenção geral são acentuadas, dada a frequência com que no nosso País vêm sendo praticados crimes com utilização de armas de fogo.

Ponderando, pois, tudo quanto se deixou dito – designadamente a culpa do arguido, as exigências de prevenção especial e geral, as necessidades de ressocialização do arguido, a elevada ilicitude dos factos sobretudo por causa do modo de execução dos mesmos, a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo (directo), os motivos que determinaram a prática do crime, as respectivas molduras penais abstractas, a personalidade do arguido manifestada nos factos, as suas condições pessoais e económicas, a ausência de antecedentes criminais e a reputação (no círculo de amigos) de pessoa não violente consideram-se adequadas e justas as penas parcelares aplicadas, sendo ainda de ter em conta que a pena aplicada e relativa ao crime de homicídio qualificado (16 anos) fica mais próxima do limite mínimo (12 anos) do que do limite máximo (25 anos).

Por isso se mantêm as penas parcelares.

Relativamente á pena a fixar em cúmulo jurídico, há que ter em conta, no seu conjunto, os factos e a personalidade do agente, sendo que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos dois crimes (no caso, 17 anos de prisão) e, como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos dois referidos crimes (no caso, 16 anos de prisão) – cfr. artigo 77º-2 do CP.

Ora, observando os critérios estabelecidos nos artigos 77º e 78º do Código Penal e ponderando os factos (provados) e a personalidade do arguido, julga-se adequada e justa, a pena única aplicada de 16 anos e 6 meses de prisão que, por isso, se mantém.

Assim, também neste segmento, o recurso improcede.

6ª questão:

A indemnização fixada para os danos (não patrimoniais) é exagerada devendo, por isso, ser reduzida para € 35.000,00?

A vida é um bem que não tem preço. É o bem supremo, o mais valioso.

É passível de reparação ou compensação pecuniária – cfr. artigo 496º-3, 2ª parte, do Código Civil.

No caso dos autos apenas foi formulado pelos assistentes um pedido de indemnização cível, assente na vertente dos danos não patrimoniais - ou danos morais – resultantes do estatuído no artº 496º do Código Civil.
Nesta medida, cabem na obrigação de indemnização, quer os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, quer os sofridos pelas pessoas com direito à indemnização.


Ora, estatui o nº 3 do artigo 496º do Código Civil (danos não patrimoniais) que “ o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494 (grau de responsabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso – parêntesis nosso); no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior (cônjuge, filhos ou outros descendentes e, na falta destes, os pais – parêntesis nosso).

As circunstâncias referidas no citado nº 3 do artigo 496º do C. Civil integram a gravidade da lesão – V. Serra, RLJ, 113º, 96.

Para determinar o montante de indemnização por danos não patrimoniais, há que atender à sensibilidade do indemnizando, ao sofrimento por ele suportado e à sua situação sócio-económica. E há também que tomar em linha de conta o grau de culpa do agente, a sua situação sócio-económica e as demais circunstâncias do caso.

Nos casos de danos não patrimoniais, a indemnização deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico ou miserabilista (como se refere no acórdão de 17.01.2008, deste Supremo Tribunal, in proc.7B4538).

Como decorre da matéria de facto assente e supra transcrita, provou-se ser o facto lesivo levado a cabo pelo arguido, que causou a morte da vítima HH.

E ainda que este, à data do óbito tinha 28 anos de idade e faleceu no estado de solteiro, sem descendentes, era filho dos assistentes/demandantes, com quem vivia e com quem se dava bem.

A sua morte deixou nos assistentes, seus pais um profundo vazio, dor e angústia, pois era filho único, ainda solteiro e com eles convivente.

Os assistentes/demandantes estão, para sempre, privados da sua companhia, do seu afecto e carinho.

Em consequência, sentem revolta consternação, profunda dor e abalo psíquico, acentuados pelas circunstâncias em que aquela morte ocorreu.

Ainda neste aspecto e com interesse para a decisão da causa provou-se que, à data dos factos a vítima HH trabalhava numa empresa há cerca de três anos e estava a iniciar uma vida nova, tendo já comprado uma casa conjuntamente com a sua namorada, para onde iria viver quando casassem.

Como se diz na decisão recorrida, “…Tinha, portanto, uma vida pela frente pois, como se referiu supra, tinha 28 anos, era saudável, trabalhador e estava pronto a construir a sua própria família e tinha os meios para a assegurar.
Tudo isso foi violentamente interrompido pela conduta culposa do arguido, que actuou com dolo e total desprezo e desrespeito pela vida humana ….
… Ora, a prova dos elementos objectivos e subjectivos do crime cometido pelo arguido na pessoa de HH e a sua condenação pelo mesmo, conduz, inevitavelmente, à sua responsabilidade patrimonial pelos danos não patrimoniais (os únicos peticionados pelos assistentes), resultantes da actividade criminosa.
Com efeito, nos termos do artº 483º do código civil: “quem com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de terceiro, constituiu-se na obrigação de indemnizar, pelos danos decorrentes da sua actuação”.
São assim requisitos desta obrigação de indemnização, o facto ilícito, o nexo de imputação subjectiva, o dano e o nexo de causalidade.
O facto ilícito é, aqui, o próprio crime.
No juízo de censura susceptível de formular sobre o agente traduz-se o nexo de imputação subjectiva.
O dano corresponde aos prejuízos para terceiros resultantes do facto ilícito.
Por fim, o nexo de imputação objectiva consiste na ligação entre este e aqueles.
In casu, manifestamente, todos estes requisitos estão preenchidos, pelo que não há qualquer dúvida quanto à obrigação de indemnização por parte do arguido em relação aos danos provocados pelo seu crime de homicídio.

Relativamente aos danos não patrimoniais próprios (dos pais do falecido), há que ter em atenção que a indemnização pelos danos não patrimoniais visa, simultaneamente, compensar o lesado e sancionar o lesante.

E, como refere alguma jurisprudência, equidade não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim um critério para correcção do direito, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto.

Visa a lei, no dano não patrimonial, proporcionar ao lesado uma compensação para os sofrimentos que a lesão lhe causou, contrabalançando o dano com a satisfação que o dinheiro lhe proporcionará (Mota Pinto, Teoria Geral, 3ª Ed., pág. 115).

Como se refere no Ac. deste STJ de 16.04.91, in BMJ 406, 618 “O artigo 496º do C. Civil fixou-se definitivamente não numa concepção materialista da vida, mas num critério que consiste que se conceda ao ofendido uma quantia em dinheiro considerada, adequada a proporcionar-lhe alegria ou satisfação que de algum modo contrabalancem as dores, desilusões, desgostos ou outros sofrimentos que o ofensor lhe tenha provocado. Assim, será o tribunal que, equitativamente, terá de fixar quais os danos relevantes e qual a indemnização que lhe corresponderá, de harmonia com as circunstâncias de cada caso, o que importará numa certa dificuldade de cálculo, com o inerente risco de nunca se estabelecer indemnização rigorosa e precisa”

Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela, (CC Anot., Vol. I, 2ª Ed., pág. 435) o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado...segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc.. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”

Também Leite de Campos (A Indemnização do Dano da Morte, pág. 12) ensina que nos danos não patrimoniais “a grandeza do dano só é susceptível de determinação indiciária fundada em critérios de normalidade. É insusceptível de determinação exacta, por o padrão ser constituído por algo qualitativo diverso como é o dinheiro, meio da sua compensação. Aqui, mais do que nunca, nos encontramos na incerteza, inerente a um imprescindível juízo de equidade.”

Sem se cair em exageros, a indemnização, como refere certa jurisprudência, “deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico” impondo-se que a jurisprudência caminhe seguramente para indemnizações não miserabilistas.

Decorre da matéria de facto assente que a morte do HH deixou nos assistentes, seus pais, um profundo vazio, dor e angústia, pois era filho único, ainda solteiro e com eles convivente.
Sofreram enorme tristeza, dor e angústia.

Como refere a decisão recorrida, “não havendo sucedâneo para a vida, não há igualmente preço para compensar a sua perda, sendo o montante indemnizatório, aqui, apenas uma ténue compensação para uma morte violenta, provocada por um homicídio … .
Com a indemnização em causa, pretende este tribunal lançar mão de um expediente compensatório pela lesão do direito, de molde a proporcionar aos ofendidos alegrias que compensem a dor, tristeza ou sofrimento ocasionado pelo facto danoso.
Perante tamanha gravidade das lesões sofridas pela vítima, filho de ambos e respectivas consequências, quer a nível de intensidade da dor sofrida quer tendo em conta o tempo durante o qual esta se prolongou – mais de 8 anos mediaram entre a prática do crime e a detenção do autor do mesmo, seguida do seu julgamento, consideramos justo e adequado o montante peticionado de € 50.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima e pela perda da vida deste último e ainda pelo sofrimento dos assistentes pelo desaparecimento do seu filho HH”.

Daí que, nenhuma censura nos mereça, por se nos afigurar justa, equilibrada e conforme ao juízo de equidade, a indemnização de € 50.000,00 atribuída aos assistentes/demandantes/pais, pela morte do filho HH.

Por isso, se mantém.

Pelo exposto, o recurso improcede também nesta parte.

DECISÃO:

Nos termos expostos acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas (parte criminal e parte cível) pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs.

Lisboa, 26 de Novembro de 2008

Fernando Fróis (Relator)

Henriques Gaspar