Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SOUSA FONTE | ||
Descritores: | ADMISSIBILIDADE DE RECURSO QUESTÃO NOVA | ||
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Nº do Documento: | SJ20060524007983 | ||
Data do Acordão: | 05/24/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | INCIDENTE | ||
Decisão: | REJEITADO O RECURSO | ||
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Sumário : | Os recursos não visam a obtenção de decisões sobre questões novas não colocadas perante o tribunal recorrido, mas apenas constituem remédio judicial para as decisões por estes tomadas. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça 1. 1.1. No Tribunal Colectivo da comarca de Celorico de Bastos, Pº nº ..., respondeu o arguido AA, devidamente identificado nos autos (cfr. designadamente o acórdão da 1ª instância), acusado de ter praticado, em autoria material e em concurso real, um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 131º, 132º, nºs 1 e 2-d), g) e i), 22º, nºs 1 e 2, 23º e 73º, do CPenal, e um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelos arts. 6º, nº 1-b), da Lei 22/97, de 27/06, na redacção introduzida pela Lei 98/01, de 25/08. A final, foi condenado: - como autor material de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 131º, 22º, 23º, nºs 1 e 2, 14º, nº 1, e 73º, nº 1-a) e b), do CPenal, na pena de 5 anos e 10 meses de prisão; - como autor do aludido crime de detenção ilegal de arma, em concurso real com o primeiro, na pena de 9 meses de prisão; Em cúmulo jurídico, foi condenado na conjunta de 6 anos e 3 meses de prisão. 1.2. Inconformados, recorreram para o Tribunal da Relação de Guimarães o Arguido e o Ministério Público. O Tribunal da Relação julgou improcedente o primeiro e omitiu pronúncia sobre o segundo (fls. 1078). Arguida a pertinente nulidade, foi proferido novo acórdão (fls. 1118 e segs) que, depois de ter anulado o anterior, negou provimento a ambos os recursos e, consequentemente, confirmou a decisão da 1ª instância. Depois de um pedido de aclaração e aclarada a questão suscitada (fls. 1149 e 1167), o Arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando a respectiva motivação com as seguintes conclusões: «1 - O recorrente assentou o seu recurso nas seguintes questões a saber: A) Do próprio texto do Douto Acordão resultam evidentes erros notórios na apreciação da prova por estando a acusação pública estruturada em factos que em audiência não foram provados, caindo estes, fica sem sentido aceitar parcelarmente a mesma, só e quando sirva para condenar os arguidos. B) Na verdade o Presente Acordão fez incorrecta interpretação da matéria de facto discutida em audiência de julgamento e, consequentemente, incorrecta aplicação da Lei. C) De facto, conforme resulta do Douto Acórdão, ora recorrido, “ficou por apurar a exacta motivação da actuação do arguido” página 8, verso, parágrafo 4.º”. D) É, por isso que o tribunal requalificou o crime de homicídio qualificado para homicídio simples, na forma tentada. E) Não houve uma única testemunha que acusasse o recorrente da prática de tal crime. O arguido AA, nunca negou que a arma disparou, e que portanto houve um tiro e que esse tiro atingiu o ofendido aquando da cronhada [sic], pois a arma disparou. Só que também diz que o tiro ocorreu acidentalmente e que foi resultado da cronhada que o recorrente deu ao ofendido. Esta facto é confirmado pelas testemunhas BB, que diz “tinha as mãos nos bolsos e deu-lhe assim” (referindo-se à cronhada que o arguido deu ao ofendido e que fez a arma disparar) …”deu-lhe assim para baixo…sem intenção”; F) A essa matéria de facto trazida à audiência de julgamento o Tribunal fez tábua rasa. G) E perante a matéria de facto dada como provada impunha-se a absolvição do recorrente, mesmo perante tal incerteza resulta sempre a dúvida a favorecer o réu. H) De facto não se logrou provar que o arguido decidiu cometer o crime. I) E, como o elemento intencional faz agora parte da estrutura da tentativa, contrariamente ao que acontecia no Projecto aprovado em 1964, entendemos que, salvo o devido e reconhecido respeito e sabedoria que temos perante V.ªs Ex.ªs, sem intenção não há tentativa. A lei actual inclina-se para a tese finalista que pensamos excluir a negligência e mera culpa. E, porque este caso se tratou de um acidente não intencional, entendemos que nem com dolo eventual o arguido poderá ser condenado, pois este não previa o resultado que se veio a verificar, como consequência possível, uma vez que utilizou a arma para dar apenas uma cronhada ao ofendido, nunca se conformando com o resultado, pois, ficou completamente pedido, abandonando o local do fato [sic] ocorrido e mais tarde apresentou-se às autoridades. J) No que à insuficiência para decisão da matéria de facto provada, diz respeito, o Tribunal “a quo”, não fundamentou devidamente o douto acórdão. Ora, com o devido respeito, o Tribunal “a quo” não apreciou tal questão, pois, percorrendo o douto acórdão recorrido não se encontra qualquer referência ou alusão à invocação e consequente decisão sobre este vício invocado pelo ora recorrente. Pelo que, o douto acórdão recorrido enferma de nulidade, que desde já se invoca. SEM PRESCINDIR: L – A contradição insanável da fundamentação e o erro notório na apreciação da prova obrigam ao reenvio do processo para novo julgamento. (Arts. 410º e 426º do C:P.P.) DISPOSIÇÕES LEGAIS VIOLADAS - Artigos e da CRP [sic]. - Artigo 410.º, n.º 2 al. a), b) e c) do CPP. - Art. 127.º do CPP E, Vossas Excelências, dando provimento ao recurso de absolvição do recorrente ou, reenviando o processo para novo julgamento estarão a fazer a costumada JUSTIÇA». 1.3. Respondeu o Senhor Procurador-Geral Adjunto que concluiu pela rejeição do recurso: - por “carência de motivação”, quando “repristinou as conclusões já extraídas no recurso interposto para a Relação, sem cuidar de desenvolver os fundamentos pelos quais discorda, não da decisão da 1ª instância, mas da 2ª…»; - por, relativamente à questão da pretensa violação do princípio “in dubio pro reo”, se tratar de questão nova não colocada no recurso para a Relação ; - por não caber nos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, o conhecimento de questões de facto «cujos termos se mostram já definidos pela Relação»; - por, tendo-se a Relação já pronunciado sobre os alegados vícios do nº 2 do artº 410º do CPP, não ocorrer, por um lado, omissão de pronúncia quanto a essa matéria e, por outro, não poderem tais questões constituir objecto deste recurso, sem prejuízo dos poderes que cabem ao Supremo Tribunal de Justiça de oficiosamente conhecer dos mesmos. 1.4. O Senhor Procurador-Geral Adjunto do Supremo Tribunal de Justiça emitiu parecer no mesmo sentido, subscrevendo, no essencial, a resposta daquele seu Excelentíssimo Colega. 1.5. No exame preliminar, o Relator também foi de opinião de que o recurso deverá ser rejeitado. Por isso, colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência para decisão. Tudo visto, cumpre, então, decidir. 2. Decidindo: 2.1. São decididas em conferência as questões suscitadas em exame preliminar. O recurso é julgado em conferência quando deva ser rejeitado; O recurso é rejeitado sempre que for manifesta a sua improcedência ou que se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão; O recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível; Em caso de rejeição, o acórdão limita-se a especificar sumariamente os fundamentos da decisão (arts. 417º, nº 3-c), 419º, nºs 3 e 4 a), 420º, nºs 1 e 3 e 414º, nº 2, todos do CPP). É o que vamos fazer – apontamento sumário dos fundamentos da decisão, sem necessidade de recordar a matéria de facto provada. Assim: 2.2. Como o Recorrente anuncia no início da sua motivação, o recurso por si interposto assenta nas seguintes razões: «Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Violação do disposto no artº 127º do CPP; Erro notório na apreciação da prova [e] contradição insanável entre a fundamentação e a decisão; Utilização de critérios diferentes na apreciação da prova e consequente violação do princípio “in dubio pro reo”. 2.2.1. Começando pela última questão, e como bem assinala o Senhor Procurador-Geral Adjunto, trata-se de matéria não expressamente suscitada no recurso para a Relação e, como assim, insusceptível de poder integrar o objecto do novo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Como é sabido, entendem a doutrina e a jurisprudência, constantemente reafirmada por este Tribunal (cfr., por exemplo, o Ac. de 19.10.05, Pº 2642/05, desta mesma Secção), que os recursos não visam a obtenção de decisões sobre questões novas não colocadas perante o tribunal recorrido mas apenas constituem remédio judicial para as decisões por estes tomadas. Como escreve Teixeira de Sousa, em “Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 395, «no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento, [o que] significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados». O recurso é, assim, nesta parte, inadmissível, em função do seu objecto., o que determina a sua rejeição, também nesta parte, nos termos dos arts. 420º, nº 1 e 414º, nº 2, ambos do CPP. Poder-se-á, é certo, entender este fundamento do recurso como integrado na questão da apreciação da prova, designadamente no domínio da alegada violação do artº 127º do CPP, questão que será a seguir abordada. 2.2.2. Os Excelentíssimos Magistrados do Ministério Público, na resposta e no parecer aludidos, afirmam, e bem, que o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, conhece apenas de matéria de direito, sem prejuízo de oficiosamente poder decidir que a decisão sobre a matéria de facto enferma de algum dos vícios previstos no nº 2 do artº 410º do CPP. É doutrina que, a nosso ver, resulta de forma inequívoca dos arts. 434º do CPP e 722º, nº 2, do CPC e que este Supremo Tribunal de Justiça vem seguindo sem desvios. Pois bem. Apesar de o Recorrente invocar o erro notório na apreciação da prova, a insuficiência para a decisão da matéria de facto e a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, a verdade é que, tanto na motivação do recurso para a Relação como na motivação do que está agora em julgamento, o que ele impugna é o modo como o Tribunal da 1ª instância valorou a prova produzida em audiência e, a partir daí, o próprio teor da decisão sobre o factos. Basta reparar nos seus argumentos: «não foi produzida prova do cometimento do crime»; «o ofendido … perde a noção do tempo e do espaço e tem períodos de confusão na identificação das pessoas … pelo que nunca poderia o tribunal formar a sua convicção … a partir do depoimento [do] arguido …»; «o arguido contradiz-se …». E é a partir daqui que parte para a insuficiência da matéria de facto, e para a contradição insanável da fundamentação, quando o que devia ter concluído, na lógica de tais argumentos, era que a prova produzida era insuficiente ou não idónea para se julgarem provados os factos, como de resto, também conclui a fls. 1188, penúltimo parágrafo. Só que, como começamos por dizer, não pode constituir objecto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a alegação de eventuais erros na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais da causa, tanto mais que, no caso, não foram produzidos nem vêm invocados meios de prova com força probatória pré-estabelecida ou factos cuja prova só possa ser feita através de certos meios que não tenham sido produzidos (artº 722º, nº 2 do CPC, conjugado com o artº 434º do CPP). Nenhuma destas particularidades ocorre no presente caso, razão por que também improcede manifestamente a alegada violação do artº 127º do CPP, quando com isso se pretenda questionar a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto enquanto privilegia certos depoimentos em detrimento de outros que beneficiariam a posição do Arguido. Fundamentação que, depois de exaustivamente apreciada, foi totalmente corroborada pelo acórdão recorrido em termos que, na medida dos poderes de cognição que nos são conferidos, não merece a mais leve censura. Por outro lado, a intenção de cometer o crime que, como discorreu o Tribunal da Relação, não se confunde com os fins e/ou motivos da acção e constitui matéria de facto, está plena e inequivocamente comprovada pelo nº 15 dos factos provados – «ao efectuar o disparo, o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de tirar a vida ao ofendido… o que só não aconteceu por circunstâncias alheias à sua vontade» - preenchendo plenamente o elemento subjectivo do crime por que foi condenado. Finalmente, sem prejuízo de tudo o que antes ficou dito, não assiste a mínima razão a Recorrente quando conclui que o acórdão recorrido não apreciou a questão da alegada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. O fundamento tem, repete-se, o sentido que no início lhe atribuímos – insuficiência da prova produzida para fixar os factos julgados provados – e foi precisamente nessa perspectiva que o Tribunal da Relação encarou, discorreu longamente sobre o tema e decidiu. 3. Nesta conformidade, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso. |