Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04P1261
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SANTOS CARVALHO
Descritores: DECISÃO FINAL
TRIBUNAL COLECTIVO
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO DE REVISÃO
Nº do Documento: SJ200404010012615
Data do Acordão: 04/01/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T J V N FAMALICÃO
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: DECIDIDO NÃO TOMAR CONHECIMENTO.
Sumário : 1 - "Decisão final" é um conceito que a lei utiliza em certos casos para a decisão que, após audiência e conhecendo do mérito, põe termo à causa. É sempre uma sentença (ou acórdão).
2 - Dela há que distinguir a "decisão que põe termo à causa" que é a que tem como consequência o arquivamento ou encerramento do objecto processo, mesmo que não se tenha conhecido do mérito. Tanto pode ser um despacho como uma sentença (ou acórdão).
3 - Assim, a "decisão que põe termo à causa" nem sempre é uma "decisão final", mas a "decisão final" é sempre uma "decisão que põe termo à causa".
4 - No caso dos autos, o acórdão do tribunal colectivo foi uma "decisão que pôs termo à causa", mas não uma "decisão final" ou "acórdão final", pois, apesar de lavrado após audiência, não conheceu do mérito e pôs termo ao processo por via da apreciação de uma questão prévia (prescrição do procedimento criminal).
5 - Não há então que aplicar o art.º 432.º, al. d), do CPP, pelo que o recurso não pode ser dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça e deve usar-se o regime-regra de recurso para a Relação - artigo 427º do CPP.
6 - Só se justifica o recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ, regulado nos art.ºs 446º e 448º do CPP, quando a decisão já não é susceptível de recurso ordinário.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. No Tribunal do Círculo Judicial de V. N. de Famalicão foi julgado o arguido A, a quem vinha imputada a prática, em acumulação real e por forma continuada, de um crime de extorsão, p.p. pelo art.º 317.º, n.º 1, alínea a), e n.º 5, do C. Penal de 1982, de um crime de extorsão de documentos, p.p. pelo art.º 318.º do C. Penal de 1982 e de um crime de usura, p.p. pelo art.º 320.º, nº 1 e 4, alínea a), do C. Penal de 1982, todos com referência aos art.ºs 30.º, n.º 2, e 78.º, n.º 5, do mesmo diploma legal.
No acórdão decisório veio a ser fixada a matéria de facto, mas, no conhecimento de questão prévia, considerou-se o seguinte:
"Face às disposições do C. Penal de 1982, é nosso entendimento que nos autos não ocorreu qualquer causa interruptiva ou suspensiva da prescrição do procedimento criminal relativamente a qualquer dos crimes em presença até ao dia 07 de Outubro de 2003 (data em que o arguido foi pessoalmente notificado do despacho que designou dia para audiência de julgamento).
Vejam-se para este efeito as disposições conjugadas dos art. 119º e 120º do C.Penal de 1982 e Assentos nº 1/98 publicado no D.R. nº 173, I Série-A de 29/07/98; nº 5/2000 publicado no D.R. nº 63, I Série-A de 15/03/01 e nº 12/00 publicado no D.R. nº 281, I Série-A de 06/12/00.
Estamos conscientes de que, através do Assento 10/2000 (1), o Supremo Tribunal de Justiça veio fixar jurisprudência no sentido de que "no domínio da vigência do CP de 1982 e do CPP de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal.
Não obstante o teor do referido Assento, entendemos que a doutrina do mesmo não pode ser acolhida, quer por ser contrária à lei ordinária e aos princípios gerais de direito que regem o nosso ordenamento jurídico, quer por violar a Lei Fundamental da República".
E, assim, após considerações explicativas e fundamentadoras deste último parágrafo, o tribunal colectivo veio a declarar extinto o procedimento criminal relativamente a todos os crimes imputados ao arguido, por efeito da prescrição (art.º 317.º, n.º 1, alínea a), e n.º 5; 318.º; 320.º, n.º 1 e 4, alínea a) e 117.º, alíneas a) e c), todos do C. Penal de 1982).
2. Desta decisão o Ministério Público interpôs recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça, no prazo indicado no art.º 411.º, n.º 1, do CPP, restringindo o âmbito do recurso ao conhecimento do crime de extorsão, p.p. no art.º 317.º, n.ºs 1, al. a) e 5, do CP82 e fundamentando-o na violação de jurisprudência fixada.
O relator, porém, no entendimento de que a decisão recorrida não é um acórdão final do tribunal colectivo, mas uma decisão deste que põe termo à causa e que não assume aquele carácter, considerou que o Supremo Tribunal de Justiça não é competente para conhecer do recurso e sim a Relação, pois está-se fora do âmbito de aplicação do art.º 432.º al. d), do CPP, como também não se trata do recurso extraordinário previsto no art.º 446, uma vez que ainda cabe recurso ordinário. E, assim, mandou os autos à conferência para decisão.
3. Colhidos os vistos, foi realizada a conferência com o formalismo legal.
Cumpre decidir.
A única questão que se coloca, neste momento, é a de saber se cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do referido acórdão do tribunal colectivo.
O art.º 432.º, al. f), do CPP, determina: «Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: d) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito».

Resta saber o que são, para efeitos legais, "acórdãos finais".
"Decisão final" é um conceito que a lei utiliza em certos casos para a decisão que, após audiência e conhecendo do mérito, põe termo à causa. É sempre uma sentença (ou acórdão).
Dela há que distinguir a "decisão que põe termo à causa" que é a que tem como consequência o arquivamento ou encerramento do objecto processo, mesmo que não se tenha conhecido do mérito. Tanto pode ser um despacho como uma sentença (ou acórdão).
Assim, a "decisão que põe termo à causa" nem sempre é uma "decisão final", mas a "decisão final" é sempre uma "decisão que põe termo à causa".
Esta distinção pode ser vista, por exemplo, nos art.ºs 407º, n.º 1, al. a), e 408º, n.º 1, al. a), do C. P. Penal. Na primeira dessas normas, a lei indica que sobem imediatamente os recursos das "decisões que põem termo à causa", englobando aqui os despachos de arquivamento e as sentenças finais; na segunda norma, concede-se efeito suspensivo às "decisões finais" condenatórias, as quais são sempre "sentenças" e nunca meros despachos.
De igual modo, o art.º 419.º, n.º 4, determina que o recurso seja julgado em conferência quando, entre outras situações, exista causa extintiva "que ponha termo ao processo" (al. b), ou quando a decisão recorrida não constitua "decisão final" (al. c)). Na verdade, se o recurso incide sobre "decisão final", isto é, sobre sentença (ou acórdão) lavrado após audiência, o mesmo tem de ser julgado - se não houver causa de rejeição liminar ou que obste ao conhecimento do mérito - em audiência.
Esta distinção faz-se também, de modo flagrante, no art.º 734º, n.º 1, als. a) e d), do C. P. Civil.
Por isso, no caso dos autos, o acórdão do tribunal colectivo foi uma "decisão que pôs termo à causa", mas não uma "decisão final" ou "acórdão final", pois, apesar de lavrado após audiência, não conheceu do mérito e pôs termo ao processo por via da apreciação de uma questão prévia (prescrição do procedimento criminal).
Posta a questão no seu devido lugar, não há então que aplicar o já citado art.º 432.º, al. d), do CPP. Há que considerar que o recurso não pode ser dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça e deve usar-se o regime-regra de recurso para a Relação - artigo 427º do CPP.
Diga-se, por fim, que o recorrente interpôs recurso ordinário no prazo legal de 15 dias contados desde o depósito da sentença. Não estamos, assim, perante o recurso extraordinário previsto no art.º 446.º do CPP, do conhecimento exclusivo do Supremo Tribunal de Justiça, pois este interpõe-se de decisões de que já não cabe recurso ordinário.
"1 - Só se justifica o recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ, regulado nos art.ºs 446º e 448º do CPP, quando a decisão já não é susceptível de recurso ordinário.
2 - O recurso obrigatório para o Ministério Público, previsto no art. 446º do CPP, visa garantir o controle do respeito pela jurisprudência fixada, por via do reexame pelos Tribunais Superiores, pois que, com revogação do carácter obrigatório daquela jurisprudência, não se pretendeu desautorizar o STJ na sua função uniformizadora da aplicação da lei, mas sim aumentar a margem de iniciativa dos tribunais de instância, no provocar seu eventual reexame.
3 - Nesta lógica de controlar a aplicação da jurisprudência fixada pelos Tribunais Superiores, através do recurso, não faz sentido o recurso directo da 1.ª instância para o Supremo Tribunal de Justiça, antes de esgotada a possibilidade da 2.ª Instância repor o "respeito" pela jurisprudência fixada pelo STJ" (Ac. do STJ de 30/01/2003, proc. 4654/02-5, com um voto vencido).
4. Pelo exposto, atendendo à questão prévia suscitada pelo relator, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em não conhecer do recurso e em considerar competente para tal o Tribunal da Relação do Porto, para onde os autos serão remetidos.
Não há lugar a tributação.
Notifique.

Supremo Tribunal de Justiça, 1 de Abril de 2004
Santos Carvalho
Costa Mortágua
Rodrigues da Costa
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(1) Publicado no DR, I-A, de 10/11/2000.