Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
889/03.1TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
PERÍODO EXPERIMENTAL
CONTRATO DE TRABALHO
DENÚNCIA DE CONTRATO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Apenso:
Data do Acordão: 09/26/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO, NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS/ EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO
Doutrina: - BAPTISTA MACHADO, «Tutela da Confiança e Venire contra factum proprium», in Obra dispersa, vol. I, p. 416, e in RLJ, n.º 3726 e seguintes.
- MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, Almedina, Coimbra, 2005, p. 275.
- PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 1967, p. 217.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 334.º, 342.º, N.º2, 483.º, 496.º, N.º1 E N.º3.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 676.º, N.º1, 684.º, N.º3.
REGIME JURÍDICO DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO, ANEXO AO DL N.º 49.408 DE 24 DE NOVEMBRO DE 1969: - ARTIGO 37.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 30-3-2006, REVISTA N.º 3921/05 DA 4.ª SECÇÃO.
Sumário :
1. Não ocorre uma transmissão de estabelecimento relevante para efeito de aplicação do artigo 37.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, se os activos transmitidos por uma operadora de telecomunicações móveis para as restantes operadoras não se achavam integrados numa determinada unidade de negócio, dotada de suficiente autonomia, que permitisse a prestação de serviços de telecomunicações no âmbito do sistema ..., sendo que aquela operadora, sem espectro radioléctrico e sem licença de ..., não chegou a iniciar a actividade para a qual foi constituída.

2. Uma situação inesperada de crise na empresa, determinando previsivelmente o seu encerramento ou a redução dos postos de trabalho, constitui um facto que legitima a cessação do contrato de trabalho durante o período experimental, não obstante a apreciação positiva da prestação do trabalhador, não se configurando, por essa via, o exercício abusivo do direito na denúncia do contrato de trabalho.

3. Não se tendo provado a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil previstos no artigo 483.º do Código Civil, tem necessariamente de improceder o pedido de indemnização pelos danos não patrimoniais invocados.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I

1. Em 12 de Fevereiro de 2003, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 5.º Juízo, 3.ª Secção, AA, BB, CC, DD e EE intentaram a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra FF– ..., S. A., GG – ..., S. A., actualmente com a designação HH – ..., S. A., II, S. A., JJ– …, S. A., ICP – ANACOM e o ESTADO PORTUGUÊS, pedindo que: (i) fosse declarada a manutenção do contrato de trabalho do autor AA, bem como a ilicitude do despedimento dos restantes autores, condenando-se as rés HH, II e JJ, face à transmissão do estabelecimento comercial, a reintegrá-los com a mesma categoria, antiguidade, retribuição e demais direitos, e a pagarem as quantias vencidas e vincendas até ao cumprimento integral da decisão; (ii) na hipótese do tribunal decidir não haver transmissão do estabelecimento, se declarasse a manutenção do contrato de trabalho do autor AA, bem como a ilicitude do despedimento dos restantes autores, condenando-se a ré FFa reintegrá-los com a mesma categoria, antiguidade, retribuição e demais direitos, e a pagar as quantias vencidas e vincendas até ao cumprimento integral da decisão, acrescidas de juros, à taxa legal; (iii) a condenação de todos réus a pagar uma indemnização por danos não patrimoniais; (iv) a condenação de todos os réus a pagar a cada autor, a título de sanção pecuniária compulsória, uma quantia diária de valor não inferior a € 250, no caso de incumprimento da decisão.

Alegaram que, em Janeiro de 2001, na sequência de um concurso público, foram atribuídas quatro licenças de ... (Universal Mobile Telecommunications System) às rés FF, HH, JJe II para exploração de telemóveis de terceira geração e que, entre as várias obrigações decorrentes da concessão destas licenças, a HH, a JJe a II comprometeram-se a oferecer roaming nacional à FF, permitindo, assim, que se estabelecessem as ligações entre os telemóveis de segunda geração Global System for Mobile Communications/Digital Communication System (GSM/DCS) e os de terceira geração, sendo que a ré FFapenas conseguiu celebrar acordo de roaming com a JJ, o que a impediu de explorar comercialmente aquela actividade, não tendo o ICP – Anacom usado da sua competência sancionatória relativamente à HH e II, face à recusa destas operadoras de estabelecerem os acordos de interligação com a FF.

E aditaram que, neste contexto, as rés FF, HH, JJe II gizaram um negócio que consistia no encerramento da FFe na subsequente venda dos seus activos às restantes três operadoras, deixando de lado o seu passivo, constituído pelos trabalhadores e outros vínculos contratuais. A HH compraria a FFe as outras operadoras comprariam o equipamento e materiais, ficando a concretização deste negócio dependente da repartição do espectro radioeléctrico da FFpelas três operadoras e dos benefícios fiscais relativos ao encerramento da FF, que dependiam de autorização do Ministério das Finanças, tendo o Estado Português autorizado um benefício fiscal de 70 milhões de euros, que abriu caminho para a assinatura dos contratos de transacção dos activos da FF, e aceitado dividir o espectro radioeléctrico atribuído à FFpelas três operadoras. Paralelamente, a FFrescindiu contratos de trabalho em período experimental, não renovou contratos de trabalho a termo e negociou a extinção de contratos sem termo, tentando os réus, deste modo, encobrir uma transmissão de estabelecimento.
Mais aduziram os autores que foram contratados pela ré FFpara o desenvolvimento do projecto .... O autor AA firmou contrato de trabalho sem termo e porque não aceitou a proposta de rescisão por mútuo acordo que aquela ré lhe apresentou o seu contrato de trabalho mantém-se em vigor. Os autores BB, CC e DD celebraram contrato sem termo e encontravam-se no período experimental quando receberam cartas de rescisão dos contratos pela ré, rescisões que são ilícitas porque o motivo invocado não é legalmente atendível e consubstancia abuso de direito. A autora EE celebrou contrato de trabalho a termo certo com a FF, sendo o termo aposto nesse contrato nulo por falta de especificação do motivo justificativo do termo e porque a autora exercia funções atinentes a necessidades permanentes da ré, pelo que o seu despedimento deve ser declarado ilícito. Os autores aditaram que a actuação dos réus causou-lhes danos não patrimoniais e que a ré FFnão pagou aos autores AA e BB o trabalho suplementar que prestaram.

A ré FFcontestou a acção, alegando que não lhe foi possível iniciar a exploração de comunicações móveis em GSM/GPRS (Global System for Mobile Communications/General Packet Radio Services), no momento estabelecido, por não terem sido celebrados os necessários acordos de interligação com as restantes três operadoras; simultaneamente, começou a sentir dificuldades em obter financiamento, o que a impediu de manter os investimentos necessários ao sucesso do sistema ... e o cumprimento das obrigações impostas pela atribuição da licença. Foi devido a este circunstancialismo que decidiu desistir da exploração de sistemas de telecomunicações móveis .... Na sequência desta decisão, foi revogada a licença ... que lhe estava atribuída e iniciou o processo de cessação dos contratos que celebrou tendo em vista o exercício da actividade a que se propusera, incluindo os contratos de trabalho que tinha celebrado com os seus trabalhadores. Para este efeito, apresentou propostas de revogação dos contratos de trabalho sem termo, não renovou os contratos de trabalho a termo e rescindiu os contratos de trabalho em período experimental; por não ter acordado com a ré a cessação do respectivo contrato, o autor AA mantém-se ao seu serviço; a autora EE foi contratada para execução de um serviço definido e não duradouro que se esgotou com o lançamento comercial da tecnologia GSM/GPRS, pelo que a decisão de não renovação do seu contrato é lícita. As rescisões dos contratos de trabalho dos autores BB, CC e DD respeitaram os requisitos legais. Nega a ocorrência de qualquer transmissão de parte do estabelecimento da FFpara as restantes três operadoras e concluiu pela improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos.

As rés HH e a II também contestaram alegando que o atraso na implementação do sistema ... não resultou de qualquer actuação das operadoras ou de conluio entre elas, tendo sido apenas razões de ordem económica, financeira e comercial que determinaram a decisão da FFde não iniciar a actividade de exploração do sistema ... e de liquidar os activos. No mais, negam a existência de qualquer acordo entre as operadoras relativo ao encerramento da FFe à divisão da correspondente posição de mercado e do espectro radioeléctrico que lhe estava atribuído e refutam a invocada transmissão de estabelecimento da FFpara as restantes operadoras, concluindo no sentido da improcedência da lide e pela respectiva absolvição dos pedidos formulados.

A ré JJcontestou, defendendo-se por excepção e impugnação; no tocante à defesa por excepção, invocou a ineptidão da petição inicial e a coligação passiva ilegal e, em sede de impugnação, alegou que contribuiu para que a FFiniciasse efectivamente a sua actividade, o que apenas não ocorreu por diversas vicissitudes que lhe são totalmente alheias, negou a ocorrência de qualquer transmissão de parte de estabelecimento da FFpara a JJe a não verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual relativamente ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais, concluindo pela sua absolvição da instância ou, se assim não se entender, pela improcedência da acção e pela respectiva absolvição dos pedidos.

O ICP-Anacom contestou, defendendo-se por excepção e impugnação; por excepção, invocou a incompetência material do tribunal e a sua ilegitimidade e, por impugnação, alegou que actuou sempre ao abrigo e nos termos da lei, com a devida diligência, e que não praticou qualquer acto ou omissão ilícitos, tendo concluído no sentido da procedência das excepções invocadas e pela absolvição da instância ou, se assim não se entender, pela improcedência da lide e pela sua absolvição dos pedidos.

O Estado Português contestou, alegando que não concedeu créditos fiscais à compra da FFpela HH, que não correu, nos atinentes serviços, até essa data, qualquer processo para a concessão de créditos fiscais à compra da FFpela HH ou outra operadora e que só aceitou dividir o espectro radioeléctrico, concedido à FF, pela JJ, HH e II, por ter sido este o parecer do ICP-Anacom, alicerçado em fundamentos legais e operacionais, tendo concluído no sentido da improcedência da acção e da respectiva absolvição do pedido.

Os autores responderam à matéria das excepções deduzidas pelos réus.

No despacho saneador, julgaram-se improcedentes as aduzidas excepções de incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria, de ineptidão da petição inicial, de ilegal coligação de pedidos e de ilegitimidade do réu ICP-Anacom.

Entretanto, a ré FFajuizou articulado superveniente, no qual alegou ter cessado o contrato de trabalho com o autor AA, no âmbito de procedimento de despedimento colectivo, o que constituía facto extintivo do direito que aquele pretendia fazer valer na acção, articulado que o tribunal não admitiu, por ser legalmente inadmissível, já que o mesmo, no processo laboral, tem por objectivo permitir ao seu autor aditar novos pedidos ou causas de pedir, atento o preceituado nos artigos 60.º, n.º 2, e 28.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo do Trabalho, tendo a ré FF, irresignada, interposto recurso de agravo.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, que julgou parcialmente procedente a acção e (i) declarou a manutenção do contrato de trabalho celebrado entre o autor AA e a ré FF– ..., S. A., (ii) condenou a ré FF– ..., S. A., a reintegrar a autora EE, no posto de trabalho, com a categoria, antiguidade e retribuição que teria se não tivesse sido despedida, (iii) condenou a ré FF– ..., S. A., a pagar, à autora EE, a quantia mensal de € 1.000, desde 21 de Janeiro de 2003 até ao trânsito em julgado da sentença, a título de retribuição, férias, subsídios de férias e de Natal, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações até efectivo e integral pagamento, descontadas das importâncias que a mesma tenha obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, (iv) condenou a ré FF– ..., S. A., a pagar uma multa diária compulsória de € 50, por cada dia de incumprimento da reintegração da autora EE, (v) absolveu a ré FF– ..., S. A., de todos os restantes pedidos, (vi) absolveu os réus GG – Comunicações, S. A., II, S. A., JJ– Telecomunicações …, S. A., ICP-Anacom e Estado Português de todos os pedidos contra eles formulados.

2. Inconformados, a ré FFe os autores apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual deliberou negar «provimento aos recursos de agravo e de apelação interpostos pela Ré FF– ..., S. A., bem como ao recurso de apelação interposto pelos AA.», confirmando o despacho e a sentença impugnados, sendo contra esta deliberação que, agora, os autores e a ré FFse insurgem, mediante recurso de revista, ao abrigo das conclusões seguintes, tendo a ré FFarguido a nulidade do acórdão recorrido, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso de revista, invocando omissão de pronúncia, ao abrigo do preceituado na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.

RECURSO DOS AUTORES:

                   «1.ºA argumentação das RR. consiste em afirmar que a Ré FFnão detinha qualquer estabelecimento e que os elementos que alienou não constituíram sequer parte de um estabelecimento.
                         Ora,
                   2.º  A verdade é que, como os autos o demonstram à saciedade, à data da decisão do seu encerramento, a FFestava autorizada a operar em tecnologia 2,5, ou seja, em GSM.
                   3.° Da mesma forma que, no que aos acordos de aquisição de activos se reporta, para além dos elementos a que se alude na deliberação do ICP-ANACOM, de 24 de Setembro de 2002, foram objecto de aquisição os terminais de telemóveis, software e hardware, os quais eram em quantidade suficiente, bem como ressalvada a possibilidade de cessão da posição contratual nos dez contratos de agência que, contudo, não se veio a concretizar.
                         Na verdade,
                   4.º  Se porventura as RR. HH e II tivessem ab initio concedido os acordos de interligação a que estavam obrigadas a R. FFpoderia ter entrado imediatamente no mercado, sem carecer de mais nada, não precisando, pois, de antenas ou qualquer outro tipo de terminais.
                         Ora,
                   5.° Tal significa que, independentemente de a tecnologia ... estar ou não já pronta, a FFestava já dotada de uma estrutura firme, ou seja, de uma universalidade de bens e de trabalhadores aptos a um determinado fim económico.
                   6.° Quando interpretado o art. 37.° da LCT de acordo com a Directiva 2001/23/CE, o regime de transmissão de estabelecimento aplica-se ainda que a transferência não seja total, bastando que o complexo de meios possa, por si só, potencialmente prosseguir uma actividade económica, não se exigindo igualmente que mantenha uma qualquer autonomia no seio do cessionário.
                   7.º  Ao receberem a reafectação do espectro radioeléctrico, bem como os equipamentos, hardware e software e Know-how da Ré FF, as RR. HH, II e JJcontinuaram a desenvolver essa mesma actividade, tendo incorporado no seu seio tais activos e, inclusivamente, lançado mão dos estudos mais avançados para depois introduzirem a tecnologia ....
                         Ora,
                   8.° O que aconteceu nos presentes autos foi que, simultaneamente à FF ter solicitado a declaração de caducidade da atribuição da licença de ... ao Réu Estado, celebrou acordos de vendas de todos os seus activos com as restantes operadoras, acordos esses feitos sob a condição de o espectro radioeléctrico vir a ser redistribuído pelas mesmas três operadoras, o que veio efectivamente a suceder logo de seguida. E,
                   9.° No que à Ré HH se reporta a aquisição foi ainda mais longe, na medida em que adquiriu o capital social da Ré FF, com vista a poder fazer repercutir nas suas contas os prejuízos fiscais que esta última tivera. Acresce que,
                10.º  A conduta da R. FFneste processo se afigura como preenchendo claramente e na íntegra o que é comummente designado por venire contra factum proprium, ou seja uma das modalidades de abuso d[o] direito, prevista no art. 334.° do Código Civil,
                11.º  O que as ora RR., gozando da, pelo menos, complacência do Estado, pretenderam fazer — e fizeram — foi “partir”, como reiteradamente se afirma, a empresa FFem duas partes, sendo que uma destas partes era constituída pela licença, atribuída pelo Estado, pelos materiais, “know-how” e equipamentos entretanto adquiridos e pela posição de mercado que a R. FFiria necessariamente deter e que amedrontava as outras operadoras, conjunto este de elementos a que chamaram activos, ficando para a segunda parte, denominada de passivos, os vínculos laborais assumidos pela FF, bem como todos os outros compromissos contratuais.
                         E isto porque,
                12.º  Encapotado sob uma imagem de actos faseados no tempo, o que se pretendeu foi justamente, numa clara manobra de fraude à lei, frustrar os efeitos legais da transmissão de estabelecimento.
                13.º  Ora, existe transmissão inequívoca de estabelecimento comercial quando os elementos constantes deste mudam de titularidade mas mantêm a sua funcionalidade e aptidões iniciais.
                14.º  E por a mesma ter sido feita em dois momentos, chamando-se à pretensa segunda fase venda de activos, tal denominação não tem qualquer relevância jurídica.
                15.º  Ora, a protecção da manutenção dos contratos de trabalho dos trabalhadores em caso de transmissão da empresa, de parte da empresa ou de estabelecimento, para além de consubstanciar um princípio básico, e mesmo “supra legal” de Direito do Trabalho, encontra consagração expressa no art. 37.° do Dec. Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969.
                16.º  Mais. A doutrina e a jurisprudência têm assinalado um conceito amplo de estabelecimento comercial para efeitos de aplicação do já citado art. 37.º da L.C.T., aplicável à data dos factos, não se restringindo ao conceito de trespasse.
                17.º  O conceito amplo de estabelecimento comercial abrange, deste modo, designadamente, transmissão decorrente de venda judicial, transmissão mortis causa, mudança de titularidade do estabelecimento resultante de fusão ou cisão de sociedades, a aquisição de uma empresa, ou parte dela, por uma pessoa colectiva de direito público, a nacionalização e até transmissões inválidas.
                18.º  Pelo que, face a este conceito amplo de estabelecimento, reconhecido tanto pela jurisprudência como pela doutrina, que aplicam o art. 37.° da L.G.T até a fenómenos de transmissão parcial, mesmo que inválidos, é forçoso concluir que o mesmo preceito é obviamente aplicável ao caso em apreço!
                19.º  Não podendo, assim, vir arguir-se com a extinção da pessoa colectiva como fundamento para os despedimentos dos AA, ora Recorrentes, ainda que encapotados de rescisões durante o período experimental ou de não renovações de contratos a termo.
                20.º  Como resultou demonstrado, a Ré FFlançou mão do instrumento de denúncia em sede de período experimental do vínculo laboral constituído com os AA. BB, KK [será CC] e DD. Porém,
                21.º  Não obstante tal recurso se ter devido explicitamente a causas diversas da prestação de trabalho por parte destes AA. e Recorrente tal meio de cessação foi julgado lícito por entender não consubstanciar abuso d[o] direito.
                22.º  O próprio preâmbulo do Dec. Lei n.º 64-A/89, de 27/02, com a redacção dada pelo Dec. Lei n.º 403/91, de 16/10, delimita a sua natureza a permitir “assegurar o ajustamento daquela aptidão a estes interesses”, significando tal que, para efeitos de tal rescisão ser lícita, é necessário que lhe esteja subjacente a ineptidão, incompatibilidade ou frustração de expectativas entre o trabalhador e a entidade patronal.
                23.º  Porquanto o direito de denunciar o contrato durante o período experimental está, como aliás não podia deixar de ser, limitado pelo fim económico e social do mesmo e pela boa fé. E,
                24.º  Registe-se, no caso do A. BB, a existência de um qualquer período experimental resulta já redundante na medida em que, tal como o seu superior referiu, o seu nível de desempenho era por demais conhecido.
                         Por último,
                25.º  Se é inegável a responsabilidade da Ré FF, quer no que concerne à ilicitude das rescisões operadoras antes da transmissão, como bem se demonstrou supra, quer quantos aos inegáveis e patentes danos morais que causou,
                26.º  Não menos o é a responsabilidade das três restantes operadoras, também RR., a saber, HH, JJe II sobre as quais, além de impender a obrigação de reintegrar todos os AA., face à ilicitude dos seus despedimentos, com as devidas consequências legais, bem como de assegurar a manutenção do posto de trabalho do A. AA, impende igualmente a competente indemnização pelos danos morais sofridos e que resultaram provados.
                27.º  E também não resultam dúvidas acerca da responsabilidade do ICP-ANACOM, uma vez que, nos termos do seu próprio Estatuto, é responsável pelas suas omissões, tendo ainda personalidade jurídica, sendo que tal matéria foi oportunamente alegada e dada como provada.
                28.º  Ainda que se entenda que, de facto, o ICP-ANACOM não dispunha de competência legal que permitisse sancionar devidamente as RR. II e HH, então é forçoso concluir que a responsabilidade se repercute sobre o Estado,
                29.º  Na medida em que, com a sua atitude omissiva, consistente em não ter legislado convenientemente sobre tal matéria, causou danos de elevada monta aos aqui AA.
                         Por último,
                30.º  Ainda quanto ao Réu Estado Português, responsável nos termos do art. 22.º da C.R.P., cumpre apenas reiterar que o mesmo, ao arrepio do regulamento de concessão das licenças que criou, aceitou dividir o referido espectro radioeléctrico, escamoteando a posição legalmente protegida dos ora AA.»

Terminam aduzindo que «[p]or esta ordem de considerações é que se requer que o Tribunal Superior condene as RR. na integralidade do peticionado [n]a p.i.».

RECURSO DA RÉ FF:

                «1.ª   A Recorrente impugna o acórdão recorrido, na parte em que este confirmou a sua condenação nos pedidos formulados pela Recorrida EE.
                    2.ª Esta Recorrida declarou desistir do “processo”, por isso revelando vontade contrária ao prosseguimento da acção contra a Recorrente e demais Réus.
                    3.ª Sendo legítima a interrogação sobre se a vontade da Recorrida é desistir da presente lide ou renunciar ao direito que por via dela queria ver declarado, nenhuma incerteza subsiste quanto à inequívoca intenção de desistir, pelo que carece de sentido que na dúvida sobre o alcance dessa manifestação de vontade, o Tribunal a quo aprecie a pretensão deduzida e conclua pela sua procedência.
                    4.ª De resto, o Tribunal a quo dispunha de elementos suficientes para interpretar a vontade manifestada pela Recorrida, podendo e devendo declarar o efeito jurídico correspondente.
                    5.ª Declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, atribui à expressão “desistir do processo” o sentido de extinção da sequência de actos jurídicos ordenados para o fim determinado de apreciação de dada pretensão submetida a juízo.
                    6.ª Pelo que a expressão “desistir do processo” tem, por interpretação declarativa lata, o sentido da desistência da (presente) instância.
                    7.ª A declaração de desistência da instância é a menos gravosa para a Recorrida, que assim conserva a possibilidade de demandar a Recorrente e demais Réus noutro processo.
                    8.ª Na dúvida sobre o sentido da declaração, é esse o sentido que deveria prevalecer, de acordo com o critério legal de determinação do sentido da vontade, nos actos jurídicos gratuitos.
                    9.ª Ao confirmar a condenação da Recorrente, o Tribunal a quo infringiu o disposto nos artigos 700.º/l, e) e 660.º/l, ex vi artigo 713.º/2, do Código de Processo Civil, na redacção anterior à dada pelo DL 303/2007, de 24 de Agosto, bem como o preceituado no artigo 237.º, ex vi artigo 295.º do Código Civil.»
     
Consigna, a final, que «deve ser revogado o acórdão recorrido, na parte que confirmou a condenação da Recorrente a reintegrar a Recorrida EE no seu posto de trabalho, com a categoria, antiguidade e retribuição que teria se não tivesse sido despedida, bem como a pagar-lhe o valor das retribuições devidas desde 21 de Janeiro de 2003 até ao trânsito em julgado da sentença, e respectivos juros moratórios».
 
Os recorridos ICP, HH, II e Estado Português contra-alegaram, suscitando a questão prévia da falta de alegação conducente à deserção do recurso dos autores, alicerçada na repetição das alegações produzidas no recurso de apelação, e defendendo que, caso não se julgue o aludido recurso de revista deserto, sempre se deverá concluir pela sua improcedência, confirmando-se o aresto recorrido. Também a recorrida JJapresentou contra-alegação relativamente ao recurso dos autores,  propugnando no sentido da confirmação do acórdão recorrido.

Neste Supremo Tribunal, no exame preliminar do processo, foi determinado, nos termos dos artigos 702.º, n.º 2, e 704.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que os autores/recorrentes fossem notificados para se pronunciarem, no prazo de dez dias, sobre a questão prévia suscitada pelos sobreditos recorridos. Por outro lado, tendo-se considerado que não se podia conhecer da pretendida nulidade do acórdão recorrido e do próprio recurso de revista trazido pela ré FF, determinou-se a audição das partes para que se pronunciassem (artigo 704.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

O Estado Português pronunciou-se no sentido da procedência da questão prévia levantada pelo relator quanto ao recurso de revista da ré FF.

Os autores responderam que não se verificava a invocada falta de alegação conducente à deserção do respectivo recurso, pois as suas alegações debruçaram-se sobre o aresto recorrido, sendo que, «discutindo-se a mesma questão de direito desde o início do julgamento, é natural que contenham a indicação do mesmo tipo de argumentação que as constantes do primeiro recurso», tendo apresentado «a solução de direito que julgam ser a aplicável ao caso e, portanto, [indicado] as razões de discordância quanto a tal decisão», pelo que devia conhecer-se do objecto do recurso.

Por sua vez, a ré/recorrente FFrespondeu que «foi o Excelentíssimo Desembargador Relator do acórdão de apelação quem determinou a notificação da recorrida EE, na pessoa da sua mandatária, para “juntar procuração com poderes especiais para desistir do pedido ou apresentar declaração assinada pela sua constituinte, da qual resulte de forma clara, se pretende desistir do pedido ou da instância”», sendo que, «na prolação do seu acórdão, o mesmo Tribunal não conheceu da questão que suscitou, omitindo a declaração dos efeitos jurídicos da falta de resposta da Recorrida à intimação», e «[t]ratando-se de omissão do próprio Tribunal a quo, era lícito à Recorrente invocar a nulidade por ela gerada para sustentar o recurso de revista do acórdão proferido (Código de Processo Civil, art. 668.º/3, ex vi art. 716.º/1, na redacção aplicável nos autos), pelo que «[o] Supremo Tribunal de Justiça deve conhecer aquela nulidade e, declarando-a, revogar o acórdão recorrido na parte que confirmou a condenação da Recorrente a reintegrar a Recorrida EE no seu posto de trabalho, com a categoria, antiguidade e retribuição que teria se não tivesse sido despedida, bem como a pagar-‑lhe o valor das retribuições devidas desde 21 de Janeiro de 2003 até ao trânsito em julgado da sentença e respectivos juros moratórios».

Subsequentemente, o relator exarou despacho em que julgou  improcedentes as questões prévias atinentes à pretensa falta de alegação conducente à deserção do recurso dos autores e decidiu «não conhecer da pretendida nulidade do acórdão recorrido e do próprio recurso de revista trazido pela ré/recorrente FF, já que o mesmo se acha alicerçado, única e exclusivamente, nessa dimensão temática».

A ré/recorrente FF, notificada deste despacho, não se conformando com o mesmo, requereu, nos termos do n.º 3 do artigo 700.º do Código de Processo Civil, que sobre a correspectiva matéria recaísse um acórdão, tendo o relator lavrado despacho em que consignou que a reclamação apresentada seria decidida no acórdão que julgasse o recurso (artigo 700.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

                Se este Supremo Tribunal deve conhecer da alegada nulidade do acórdão recorrido, bem como do recurso de revista da ré FF(reclamação para a conferência — artigo 700.º, n.º 3, do Código de Processo Civil);
              –   Se, no caso, ocorreu uma transmissão de estabelecimento relevante para efeito de aplicação do estabelecido no artigo 37.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto‑Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (conclusões 1.ª a 9.ª e 13.ª a 19.ª da alegação do recurso de revista dos autores);
              –   Se a actuação das rés, no processo de encerramento da FFe de liquidação dos seus activos, configura abuso do direito e fraude à lei (conclusões 10.ª a 12.ª da alegação do recurso de revista dos autores);
              –   Se a denúncia, durante o período experimental, dos contratos de trabalho respeitantes aos autores BB, CC e DD foi ilícita ou consubstancia abuso do direito (conclusões 20.ª a 24.ª da alegação do recurso de revista dos autores);
              –   Se os autores têm direito a uma indemnização pelos danos invocados (conclusões 25.ª a 30.ª da alegação do recurso de revista dos autores).

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

                                              II

1. Antes de mais, importa decidir a reclamação deduzida relativamente ao despacho do relator, de 15 de Março de 2012, no qual se decidiu não conhecer da pretendida nulidade do acórdão recorrido e do recurso de revista da ré FF.

No respectivo recurso de revista, a ré FFimpugna o aresto recorrido, no segmento em que este confirmou a sua condenação nos pedidos formulados pela recorrida EE, com o fundamento de que esta declarou desistir do processo, «por isso revelando vontade contrária ao prosseguimento da acção contra a Recorrente e demais Réus», arguindo, no requerimento de interposição do recurso de revista, expressa e separadamente, a omissão de pronúncia do acórdão recorrido acerca da sobredita desistência.

Sucede que tal desistência não se incluía no objecto do recurso de apelação, nem foi objecto de qualquer decisão judicial, seja no tribunal de primeira instância, seja no tribunal recorrido, sendo que a não pronúncia do acórdão recorrido sobre essa matéria não consubstancia nulidade do acórdão proferido, na medida em que não se verifica qualquer vício formal, intrínseco, da mesma deliberação: o que teria ocorrido seria a omissão da apreciação daquela questão processual no tribunal de primeira instância (fls. 1435, 1436, 1711, 1803, item D), omissão que configura uma nulidade processual de que a parte prejudicada teria de reclamar perante o tribunal em que foi cometida, e que, coberta pela sentença aí proferida, não foi objecto de recurso.

É certo que o Ex.mo Juiz Desembargador Relator, no despacho de fls. 2461, item 3., exarado em sede de exame preliminar, determinou a notificação da recorrida EE, na pessoa da sua mandatária, para «juntar procuração com poderes especiais para desistir do pedido ou apresentar declaração assinada pela sua constituinte, da qual resulte de forma clara, se pretende desistir do pedido ou da instância»; no entanto, tal despacho não tem a virtualidade de operar a ampliação do âmbito dos recursos de apelação interpostos, donde não haveria que conhecer, no acórdão recorrido, da invocada «declaração dos efeitos jurídicos da falta de resposta da Recorrida à intimação».

Mas ainda que se entendesse que competiria ao Tribunal recorrido efectuar essa declaração, apenas se configuraria uma nulidade processual, espúria ao objecto dos recursos de apelação interpostos, a arguir nos termos e prazo aludidos nos artigos 201.º e 205.º do Código de Processo Civil. Efectivamente, as nulidades da sentença são as taxativamente previstas nas alíneas do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos da 2.ª instância, por força do estipulado no n.º 1 do artigo 716.º do mesmo Código, e entre elas não consta a nulidade prevista no n.º 1 do artigo 201.º do Código de Processo Civil ou qualquer outra nulidade processual.

As nulidades do acórdão não se confundem com as nulidades processuais.

Quanto a estas últimas, o meio processual adequado para reagir contra elas é a reclamação a fazer junto do tribunal onde essas nulidades foram cometidas e não o recurso. É que dos despachos e sentenças recorre-se e contra as nulidades processuais reclama-se. Só assim não será se tiver havido um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou omissão do acto ou da formalidade que integra a nulidade processual.
No caso vertente, a ré/recorrente FFafirma que o Tribunal recorrido não conheceu da questão suscitada no item 3. do despacho de fls. 2461, «omitindo a declaração dos efeitos jurídicos da falta de resposta da Recorrida à intimação».

Estaria, assim, em causa uma nulidade processual por omissão de um acto que, no entender daquela recorrente, devia ter sido praticado.

Visto que a invocada omissão não se enquadra em nenhuma das alíneas da enumeração taxativa do n.º 1 do artigo 668.º citado, soçobra a propugnada aplicação do «Código de Processo Civil, art. 668.º/3, ex vi art. 716.º/1, na redacção aplicável nos autos», e uma vez que a nulidade do processo (não confundir com nulidade da decisão) agora denunciada não foi devida e atempadamente arguida, nem configura matéria de conhecimento oficioso, não pode a ré/recorrente FFpretender que dela se conheça em via de recurso, na presente instância recursiva.

Pelo exposto, não pode este Supremo Tribunal conhecer da aludida nulidade do acórdão recorrido e do próprio recurso de revista, trazido pela ré/recorrente FF, já que o mesmo se alicerça, única e exclusivamente, nessa dimensão temática.

Nesta conformidade, indefere-se a reclamação.

2. Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil.

Assim, nos termos dos artigos 713.º, n.º 6, e 726.º do Código de Processo Civil, dá-se aqui por inteiramente reproduzida essa factualidade, sem embargo de serem discriminados, pontualmente, aqueles factos que se afigurem relevantes para a decisão do objecto do recurso.

3. Em primeira linha, os autores aduzem que, por via dos contratos firmados entre a ré FFe as rés HH, JJe II, ocorreu uma transmissão de estabelecimento daquela para estas e que, em consequência desse negócio, deve ser judicialmente reconhecida a transmissão dos seus contratos de trabalho da ré FFpara aquelas operadoras — note-se que, tal como se refere no aresto recorrido, os autores não esclarecem «em que data e em que termos ocorreu essa transmissão de estabelecimento, e de que forma vai cada um dos [autores] executar o seu contrato de trabalho com as três referidas operadoras».

Para fundamentar aquele entendimento, os autores defendem que, à data da decisão do seu encerramento, a FFestava autorizada a operar em tecnologia 2,5 (GSM) e que, no âmbito dos acordos de aquisição de activos, «para além dos elementos a que se alude na deliberação do ICP-ANACOM, de 24 de Setembro de 2002, foram objecto de aquisição os terminais de telemóveis, software e hardware, os quais eram em quantidade suficiente, bem como ressalvada a possibilidade de cessão da posição contratual nos dez contratos de agência que, contudo, não se veio a concretizar», pelo que, «[s]e porventura as RR. HH e II tivessem ab initio concedido os acordos de interligação a que estavam obrigadas, a R. FFpoderia ter entrado imediatamente no mercado, sem carecer de mais nada, não precisando, pois, de antenas ou qualquer outro tipo de terminais», o que «significa que, independentemente de a tecnologia ... estar ou não já pronta, a FFestava já dotada de uma estrutura firme, ou seja, de uma universalidade de bens e de trabalhadores aptos a um determinado fim económico».

Mais alegam que, «[q]uando interpretado o art. 37.° da LCT de acordo com a Directiva 2001/23/CE, o regime de transmissão de estabelecimento aplica-se ainda que a transferência não seja total, bastando que o complexo de meios possa, por si só, potencialmente prosseguir uma actividade económica, não se exigindo igualmente que mantenha uma qualquer autonomia no seio do cessionário» e que «ao receberem a reafectação do espectro radioeléctrico, bem como os equipamentos, hardware e software e Know-how da Ré FF, as RR. HH, II e JJcontinuaram a desenvolver essa mesma actividade, tendo incorporado no seu seio tais activos e, inclusivamente, lançado mão dos estudos mais avançados para depois introduzirem a tecnologia ...», verificando-se, no caso, que, «simultaneamente à FF ter solicitado a declaração de caducidade da atribuição da licença de ... ao Réu Estado, celebrou acordos de vendas de todos os seus activos com as restantes operadoras, acordos esses feitos sob a condição de o espectro radioeléctrico vir a ser redistribuído pelas mesmas três operadoras, o que veio efectivamente a suceder logo de seguida», aquisição que foi ainda mais longe no que concerne à ré HH, «na medida em que adquiriu o capital social da Ré FF, com vista a poder fazer repercutir nas suas contas os prejuízos fiscais que esta última tivera».

Invocam, por último, que «existe transmissão inequívoca de estabelecimento comercial quando os elementos constantes deste mudam de titularidade mas mantêm a sua funcionalidade e aptidões iniciais» e que, «por a mesma ter sido feita em dois momentos, chamando-se à pretensa segunda fase venda de activos, tal denominação não tem qualquer relevância jurídica», sendo que «a protecção da manutenção dos contratos de trabalho dos trabalhadores em caso de transmissão da empresa, de parte da empresa ou de estabelecimento, para além de consubstanciar um princípio básico, e mesmo “supra legal” de Direito do Trabalho, encontra consagração expressa no art. 37.° do Dec. Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969», assinalando, a doutrina e a jurisprudência, «um conceito amplo de estabelecimento comercial para efeitos de aplicação do já citado art. 37.º da L.C.T., aplicável à data dos factos, não se restringindo ao conceito de trespasse», que abrange, «designadamente, transmissão decorrente de venda judicial, transmissão mortis causa, mudança de titularidade do estabelecimento resultante de fusão ou cisão de sociedades, a aquisição de uma empresa, ou parte dela, por uma pessoa colectiva de direito público, a nacionalização e até transmissões inválidas», pelo que «é forçoso concluir que o mesmo preceito é obviamente aplicável ao caso em apreço».

3.1. Estando em causa o enquadramento jurídico de factos e situações que se passaram em data anterior à entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003 (dia 1 de Dezembro de 2003 — n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), aplica-se, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003, o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto‑Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, doravante LCT.

O artigo 37.º da LCT dispunha, como se passa a transcrever:
«Artigo 37.º
(Transmissão do estabelecimento)
              1. A posição que dos contratos de trabalho decorre para a entidade patronal transmite-se ao adquirente, por qualquer título, do estabelecimento onde os trabalhadores exerçam a sua actividade, salvo se, antes da transmissão, o contrato de trabalho houver deixado de vigorar nos termos legais, ou se tiver havido acordo entre o transmitente e o adquirente, no sentido de os trabalhadores continuarem ao serviço daquele noutro estabelecimento sem prejuízo do disposto no artigo 24.º
              2. O adquirente do estabelecimento é solidariamente responsável pelas obrigações do transmitente vencidas nos seis meses anteriores à transmissão, ainda que respeitem a trabalhadores cujos contratos hajam cessado, desde que reclamadas pelos interessados até o momento de transmissão.
              3.  Para efeito do n.º 2 deverá o adquirente, durante os quinze dias anteriores à transacção, fazer afixar um aviso nos locais de trabalho no qual se dê conhecimento aos trabalhadores que devem reclamar os seus créditos.
              4.  O disposto no presente artigo é aplicável, com as necessárias adaptações, a quaisquer actos ou factos que envolvam a transmissão da exploração do estabelecimento.»

Assim, fora dos casos em que ocorresse uma verdadeira cessão da posição contratual, que importava a modificação subjectiva na titularidade da relação jurídica com o assentimento do trabalhador, nos termos dos artigos 424.º a 427.º do Código Civil, o artigo 37.º transcrito estipulava que, configurando-se uma transmissão do estabelecimento ou da sua exploração, verificava-se uma sub-rogação ex lege (cf. MOTA PINTO, Cessão da Posição Contratual, Atlântida Editora, Coimbra, 1970, p. 90) ou, por outras palavras, uma «transferência da posição contratual [laboral] ope legis» (cf. PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 1.ª edição, Almedina, Coimbra, 2002, p. 682), que prescindia do assentimento do trabalhador, e operava a transferência da relação jurídica emergente do seu contrato de trabalho para a esfera jurídica de uma nova entidade patronal, distinta daquela com quem o trabalhador configurou inicialmente a sua relação laboral.

Tal como se afirmou no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 24 de Maio de 1995 (Colectânea de JurisprudênciaAcórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano III, tomo II, 1995, p.295) consagrou-se «neste normativo o princípio de que a transmissão do estabelecimento não afecta, em regra, a subsistência dos contratos de trabalho, nem o respectivo conteúdo, tudo se passando, em relação aos trabalhadores, como se a transmissão não houvesse tido lugar. De facto, não ocorrendo as excepções previstas naquele preceito, a transmissão, por qualquer título, do estabelecimento onde os trabalhadores desempenham a sua actividade laborativa não influi nos respectivos contratos de trabalho, que se mantêm inalteráveis, assumindo o adquirente todos os direitos e obrigações emergentes dos contratos de trabalho celebrados com o anterior empregador.»

O que bem se compreende, já que o regime jurídico enunciado apresenta uma dúplice justificação: por um lado, pretendem-se acautelar os interesses do cessionário em receber uma empresa funcionalmente operativa; mas, por outro lado, como foi enfatizado no âmbito do direito comunitário pela Directiva n.º 77/187/CEE, do Conselho, de 14 de Fevereiro, alterada pela Directiva n.º 98/50/CE, do Conselho, de 29 de Junho e revogada pela Directiva n.º 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de Março, transposta para o nosso ordenamento pelo artigo 2.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, a manutenção dos contratos de trabalho existentes à data da transmissão para a nova entidade patronal pretende proteger os trabalhadores, garantindo a subsistência dos seus contratos e a manutenção dos seus direitos quando exista uma transferência de estabelecimento.

O regime de transmissão do estabelecimento assenta, pois, na concepção de empresa como comunidade de trabalho, com vida independente da dos seus titulares, e corresponde, no plano do direito laboral, à efectiva concretização do princípio da conservação do negócio jurídico — cf. JOSÉ MARIA RODRIGUES DA SILVA, «Modificação, Suspensão e Extinção do Contrato de Trabalho», Direito do Trabalho, B.M.J., Suplemento, Lisboa, 1979, p. 195).

No dizer de PEDRO ROMANO MARTINEZ (ob. cit., p. 682), «transmitido o estabelecimento, o cessionário adquire a posição jurídica do empregador cedente, obrigando-se a cumprir os contratos de trabalho nos moldes até então vigentes. Isto implica não só o respeito do clausulado de tais negócios jurídicos, incluindo as alterações que se verificaram durante a sua execução, como de regras provenientes de usos, de regulamento de empresa ou de instrumentos de regulamentação colectiva […]; no fundo, dir-se-á que a transmissão não opera alterações no conteúdo do contrato.»

Tal é, na essência, o que decorre da transmissão da relação laboral, ligada ao estabelecimento, a qual opera ope legis, ficando o adquirente da unidade empresarial sub-rogado ex lege, obrigatoriamente, na posição contratual do anterior titular.

Este é, aliás, o sentido e o alcance do n.º 1 do artigo 3.º da antedita Directiva n.º 77/187/CEE, que se manteve nas Directivas n.º 98/50/CE e n.º 2001/23/CE, ao estipular que «[o]s direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos são, por este facto, transferidos para o cessionário».

3.2. O certo é que o artigo 37.º da LCT não esclarece o que se deve entender por «estabelecimento» e, bem assim, por «transmissão».

Com vista a densificar tais conceitos, seguir-se-á, muito de perto, o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 25 de Fevereiro de 2009, que foi proferido no Processo n.º 2309/08, da 4.ª Secção.
    
Segundo a doutrina mais comum, a noção de estabelecimento comercial coincide com a noção de empresa, sendo também indistintamente usadas as duas expressões com o mesmo significado no âmbito das leis do trabalho; e, de harmonia com as directivas comunitárias relevantes na matéria e a jurisprudência comunitária, o bem objecto de transmissão, para efeitos da sujeição ao regime laboral da transmissão do estabelecimento, deve constituir uma unidade económica.

Adoptou-se com esta definição um critério material em que avultam dois elementos: um organizatório, a entidade económica apresenta-se como um complexo organizado de bens e/ou de pessoas; um funcional, esse complexo organizado de meios visa prosseguir uma actividade económica.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal, no domínio de aplicação do artigo 37.º da LCT, tem entendido que o conceito de estabelecimento (ou empresa) abrange, quer a organização afecta ao exercício de um comércio ou indústria, quer os conjuntos subalternos que correspondem a uma unidade técnica de venda, de produção de bens, ou de fornecimento de serviços, desde que a unidade destacada do estabelecimento global seja dotada de autonomia técnico-organizativa própria, constituindo uma entidade produtiva autónoma, com organização específica, do que resulta a irrelevância quer da transmissão de elementos patrimoniais isolados, não agregados entre si, quer da transmissão de bens, interligados ou não, mas não essenciais ou não destinados à prossecução de determinada actividade económica.

Quanto ao conceito de «transmissão», os precisos termos que aquele artigo 37.º utiliza para a ele aludir, explicitando que a transmissão se pode operar «por qualquer título» (n.º 1) e que tal regime se aplica a «quaisquer actos ou factos que envolvam a transmissão da exploração do estabelecimento» (n.º 4), evidenciam que se pretendeu consagrar um conceito amplo de transmissão do estabelecimento nele se englobando todas as situações em que se verifique a passagem do complexo jurídico-‑económico em que o trabalhador está empregado para outrem, seja a que título for.

Nesta sequência, tem a jurisprudência entendido que se abarcam até os casos de transmissão ou cessão da exploração inválidos, na medida em que a destruição do negócio pelo qual o estabelecimento foi transmitido ou passou a ser explorado por outrem a qualquer título, não obsta à eficácia dos contratos de trabalho com o transmissário relativamente ao tempo em que os mesmos foram executados.

O conceito de transmissão para este efeito é especialmente amplo, podendo corresponder a um negócio relativo à transmissão do direito de propriedade sobre o bem, mas também à transmissão (formal ou de facto) dos direitos de exploração desse bem, abrangendo todas as alterações estáveis (mas não necessariamente definitivas) na gestão do estabelecimento ou da empresa, mesmo que inexista um vínculo obrigacional directo entre transmitente e transmissário.

Por outro lado, a transmissão parcial de um estabelecimento é relevante para efeitos de se afirmar a manutenção dos contratos de trabalho dos trabalhadores que laboravam na parte do estabelecimento cedida à data da transmissão.

Igualmente as directivas comunitárias, desde a Directiva n.º 77/187/CEE, se reportam especificamente à manutenção dos direitos dos trabalhadores «em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos», referindo-se expressamente na alínea b) do artigo 1.º da Directiva n.º 2001/23/CE, que «é considerada transferência, na acepção da presente directiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória».

Em suma, a verificação da existência de uma transferência depende da constatação da existência de uma empresa ou estabelecimento (conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica), que se transmitiu (mudou de titular) e manteve a sua identidade.

É, contudo, essencial que a transferência tenha por objecto uma entidade económica organizada de modo estável, ou seja, deve haver um conjunto de elementos que permitam a prossecução, de modo estável, de todas ou de parte das actividades da empresa cedente e deve ser possível identificar essa unidade económica na esfera do transmissário.

3.3. No que ora importa, foi dada como provada a seguinte matéria de facto:

1) Tendo em vista o cumprimento do disposto na Decisão n.º 128/1999/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Dezembro de 1998, relativa à introdução de um sistema de comunicações móveis e sem fios (... — Universal Mobile Telecommunications Systems) de terceira geração na Comunidade Europeia, foi aprovado pelo Conselho de Administração do então designado ICP, em 23 de Dezembro de 1999, o procedimento relativo ao licenciamento dos serviços .../IMT2000;
2) Este sistema caracteriza-se por aproximar as redes móveis da capacidade das redes fixas, permitindo aos utilizadores móveis o acesso a serviços multimédia, nomeadamente videoconferência, acesso à internet, compras «on line», «SMS», «paging» e fax;
3) Entre os vários princípios orientadores, consagrou-se a abertura de concurso público para atribuição de quatro licenças .../IMT2000, com validade de 15 anos, susceptível de renovação, por iguais períodos, mediante pedido das entidades licenciadas, desde que apresentado com antecedência mínima de 3 anos sob o termo, concurso esse cuja abertura se fixou para o terceiro trimestre de 2000, face à necessidade, então afirmada pelo ICP, de garantir o início da prestação do serviço em 1 de Janeiro de 2002;
4) Na mesma data, o Conselho de Administração do então designado ICP deliberou ainda reservar para os mesmos Sistemas de Telecomunicações Móveis Internacionais, 2x15 MHz de espectro emparelhado nas faixas de 1920-1980 MHz/ 2110-2170 MHz e 5 MHz de espectro não emparelhado na faixa 1900-1920 MHz, para cada uma das quatro licenças a atribuir, conforme Aviso, de 13.07.2000, publicado no Diário da República, III Série, n.º 174, de 29 de Julho;
5) E, ainda, neste seguimento, foram aprovados e publicados:
a. Portaria n.º 532-A/2000, de 31 de Julho, que aprovou o Regulamento do Concurso Público para atribuição de licenças de âmbito nacional para a exploração de sistemas de telecomunicações móveis internacionais (IMT2000/...), envolvendo o estabelecimento das correspondentes infra-estruturas e a prestação dos serviços associados;
b. Despachos do Ministro do Equipamento Social, ambos de 1 de Agosto de 2000, que nomearam a Comissão de avaliação das propostas e aprovaram o Caderno de Encargos do Concurso Público;
c. Despacho do Ministro do Equipamento Social, de 1 de Agosto de 2000, publicado, sob a forma de Aviso, na II Série do Diário da República n.º 176, de 1 de Agosto de 2000, que determinou a abertura do concurso público;
6) Em 19 de Dezembro de 2000, posteriormente à apresentação pela comissão designada no âmbito do concurso da lista classificativa dos concorrentes e da proposta de atribuição das licenças, a qual foi homologada pelo membro do Governo responsável pela área das comunicações, o Ministério do Equipamento Social anunciou os resultados do concurso público;
7) As quatro licenças, objecto do concurso público, foram atribuídas às rés, ou seja, à então designada GG – ..., S. A., à JJ–Telecomunicações … …, S. A., à FF– ..., S. A. e à II – Telecomunicações, S. A., tendo sido emitidas pelo Conselho de Administração do então designado ICP, em 11 de Janeiro de 2001;
8) As licenças foram atribuídas por um prazo de 15 anos, podendo a sua renovação ser autorizada, por iguais períodos, mediante pedido das entidades licenciadas, desde que apresentado com antecedência mínima de 3 anos sob o termo;
9) O Conselho de Administração do ICP-Anacom, considerou adequada a prorrogação até 31 de Dezembro de 2002, do início da exploração comercial do sistema ..., propondo ainda, em 22 de Outubro de 2001, ao membro do Governo responsável a aplicação, em 2002, de uma taxa de utilização do espectro radioeléctrico afecta aos serviços de ... de valor nulo, para os operadores que iniciassem a sua actividade nesse ano;
10) Estas propostas foram aprovadas pelo Ministro do Equipamento Social, em 24 de Outubro de 2001, tal como consta do Despacho n.º 111/MES/2001;
11) O Estado só aceitou dividir o espectro radioléctrico que havia sido concedido à FF, por ter sido esse o entendimento do ICP-Anacom e perante os fundamentos legais e operacionais relatados nesse parecer;
12) Uma vez licenciada, a ré FF, bem como todas as demais licenciadas, vinculou-se a desenvolver um conjunto de acções, com vista ao desenvolvimento da política nacional referente à sociedade de informação, nomeadamente no que concerne aos próprios instrumentos de intervenção nesta área do Estado;
13) Pois, como a introdução deste sistema tem como pressuposto necessário determinados objectivos no campo da sociedade de informação e da promoção de mercados abertos e concorrenciais, todas as candidaturas reflectiram essas preocupações, dando ainda origem a compromissos financeiros, assumidos enquanto tal nas propostas das quatro operadoras;
14) Para fazer face a esses compromissos, bem como para iniciar tais projectos, cuja realização incumbia, na exacta medida em que se auto-vinculou na proposta de licenciamento, à ré FF, esta iniciou o seu processo de contratações;
23) E tendo os trabalhadores, entretanto, contratados, começado a desenvolver os projectos a que estava vinculada pela concessão da licença;
24) Face aos atrasos na disponibilização da tecnologia ..., a ré FFe a Associação dos Operadores de Telecomunicações, representando esta última as restantes três operadoras, vieram solicitar, em Junho e Julho de 2001, à actualmente designada ICP-Autoridade Nacional de Comunicações (abreviadamente designado por ICP-Anacom) a prorrogação do prazo de início de exploração comercial do referenciado sistema;
25) E fizeram-no justificando a alegada necessidade com atrasos na disponibilização dos terminais compatíveis com a dita tecnologia, bem como com dificuldades de estabilização do «software» de rede, motivado pela incipiente regulamentação referente ao desenvolvimento dos sistemas associados à mesma tecnologia e ainda com a não realização dos testes globais de interoperabilidade;
26) Em simultâneo e como consequência directa dos atrasos, a ré FFrequereu, mesmo que, a título provisório, o acesso de frequências DSC1800;
27) O que lhe permitiria ter rede própria e oferecer serviços com a tecnologia GSM/GPRS;
28) Em alternativa, requereu que lhe fosse permitido utilizar as redes dos seus três concorrentes, mediante «roaming» nacional, oferecendo os mesmos serviços, referentes à tecnologia de segunda geração;
29) Tendo o ICP-Anacom, na deliberação de 31 de Julho de 2001, anunciado a intenção de indeferimento do primeiro pedido por o mesmo carecer de licença que não lhe fora concedida;
30) E submetendo o segundo pedido à auscultação do Conselho Consultivo do ICP-Anacom e dos quatro operadores móveis;
31) O réu ICP-Anacom, face à notificação do acordo de «roaming» celebrado, entretanto, com a operadora JJe face aos pedidos de esclarecimento das outras duas operadoras, ora rés, veio a decidir que tal acordo era legal, devendo incluir elementos de rede e de equipamentos de 3.ª geração;
32) Ficando, por último, apenas pendentes, os acordos de interligação entre a FFe as restantes operadoras de telecomunicações;
33) Tendo as rés HH e II contestado o acordo celebrado com a JJ, foi proferida em resposta, pelo réu ICP-Anacom, a deliberação, datada de 6 de Março de 2002, junta a fls. 240 a 247 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
34) Deliberação esta cujo conteúdo foi reiterado em 29 de Maio de 2002, a pedido da ré FF, nos termos que constam de fls. 248 a 252 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
35) Recusas que se mantiveram, o que deu origem a que a ré FFrequeresse nova intervenção do réu ICP-Anacom;
36) Em 20 de Junho de 2002, reiterado a 26 do mesmo mês, o réu ICP-‑Anacom deliberou novamente, estabelecendo um prazo de apenas cinco dias úteis para a conclusão dos acordos de interligação;
37) Determinando ainda que a ré FFpode prestar serviços GPRS e utilizar a gama de numeração 95, entretanto atribuída;
38) A mesma deliberação considera ainda relevante a «urgência de acautelar os interesses dos utilizadores»;
39) A ré FFtinha custos mensais de inactividade na ordem dos milhões de euros em custos com pessoal, instalações, consumíveis e compensações mensais a agentes;
40) Esclarecendo-se ainda nessa deliberação, no ponto 2, que, «nos termos do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 415/98, tanto a HH, como a II, estão obrigadas a negociar acordo de interligação com as entidades que o solicitem, desde que as partes na negociação, devidamente habilitadas para o efeito, designadamente, ofereçam redes públicas de telecomunicações comutadas, fixas e ou móveis, e ou serviços de telecomunicações de uso público e, ao fazê-lo, controlem os meios de acesso a um ou vários pontos terminais da rede, identificados por um ou vários números únicos no plano nacional de numeração»;
41) E quanto mais tempo a ré FFestivesse sem actividade comercial mais difícil lhe seria angariar clientes;
42) Em 22 de Novembro de 2002, a EDP anunciou a recepção de três propostas de aquisição de activos da FF;
43) O réu Estado Português não autorizou um benefício fiscal sobre 70 milhões de euros;
49) No dia 6 de Janeiro de 2003, realizou-se a Assembleia Geral de Accionistas da 1.ª ré, com o objectivo de, entre outros, proceder à apreciação das diferentes alternativas existentes, nomeadamente quanto às propostas apresentadas pela HH, pela JJe pela II, relativas à aquisição das acções representativas do capital social da sociedade e à aquisição parcial do activo;
50) Como decorrência da aprovação apenas pelos accionistas majoritários na assembleia-geral, a ré FFdeclarou o seu encerramento e veio requerer o final da concessão da sua licença de ..., nos termos que constam da acta de fls. 1449 e seguintes, cujos dizeres [se dão] por integralmente reproduzidos;
52) A actividade da ré FFé a exploração de telemóveis de terceira geração, através da licença obtida por meio de concurso público;
53) Actividade que também as outras operadoras exercem;
56) A ré HH solicitou à DGCI – Direcção de Serviços do IRC, uma informação relativa à transmissibilidade de prejuízos referente à operação de compra da FFpela HH;
57) Sobre a qual recaiu a resposta de 2002-12-04;
58) Posteriormente a tal informação, a DGCI – Direcção de Serviços do IRC não foi mais chamada a pronunciar-se sobre outros aspectos da operação, designadamente, quanto à concessão de benefícios ou créditos fiscais;
59) A FFiniciou o processo de liquidação dos seus activos, negociando a sua alienação aos respectivos fornecedores, aos restantes operadores móveis e a outros terceiros;
60) A sociedade comercial LL – ..., S. A. participava, indirectamente e numa percentagem superior a 10%, no capital social da FFe da II;
61) A LL alienou a participação social que detinha no capital da II em 25 de Março de 2002;
62) O prazo concedido aos quatro operadores ... para darem efectivo início à actividade licenciada foi sucessivamente adiado de finais do ano de 2001 para 31 de Dezembro de 2002 e, mais recentemente, para 31 de Dezembro de 2003;
63) Em 7 Novembro de 2001, a JJe a FFassinaram um «Acordo de Roaming Nacional», que configurava um pré-acordo no qual se previa a celebração de um contrato definitivo no prazo máximo de 60 dias;
64) Em 21 de Janeiro de 2002, a JJe a FFcelebraram o contrato definitivo denominado «Acordo de Roaming Nacional»;
65) A autoridade reguladora do sector aceitou a validade do acordo, apenas impondo que o mesmo passasse a incluir a utilização — ainda que experimental — de elementos de rede e de equipamentos terminais de 3.ª geração, no quadro das condições definidas no concurso do ...;
66) Em 7 de Maio de 2002, apesar de já anteriormente se encontrar implementada e operacionalizada a interligação entre a rede da FFe a rede da JJ, estas assinaram o respectivo acordo de interligação;
67) Este acordo permitiria aos clientes da FFefectuar e receber comunicações com os clientes da JJ;
68) Ainda nos termos do segundo acordo celebrado, a FFcomprometeu-se a ceder à JJa sua posição de principal em 10 contratos de agência;
69) Para esse efeito, a FFcomprometeu-se, também, a apresentar à JJdocumento comprovativo do consentimento do agente cedido para a cessão;
70) A compra e venda dos activos acordada neste segundo contrato, estava dependente de algumas condições, que apenas se tiveram por verificadas em Março de 2003;
71) A efectiva compra de algumas aplicações informáticas (software), incluindo algum hardware, bem como a cessão da posição contratual nos 10 contratos de agência, estavam dependentes de uma opção de venda a exercer pela FF;
72) Por acto administrativo do membro do Governo com a tutela da área das telecomunicações foi atribuído às 2.ª e 4.ª rés, parte do espectro que havia sido atribuído à FFpor via da Licença n.º ICP-03/...;
73) Não decorrendo a atribuição daquele espectro adicional de transmissão directa da FFpara a HH, a II e a JJ;
74) A ré FFfoi constituída para exercer a actividade de telecomunicações, designadamente através do estabelecimento, da gestão e da exploração de infra-estruturas e sistemas de telecomunicações e da prestação de serviços de telecomunicações;
75) No âmbito daquele objecto, a principal actividade subjacente à constituição da Ré FFfoi a de explorar sistemas de telecomunicações móveis ditos de «terceira geração», conhecidos pela designação IMT 2000/...;
76) Até ao final de 2002, o referido investimento e custos conexos atingiram o montante de € 1.009.327.520,68 (aproximadamente 202,3 milhões de contos);
77) Sendo que o investimento total a que a ré FFse obrigou no processo de atribuição da licença número ICP-03/... e até ao final do prazo desta — 2015 — ascendia a € 2.614.364.381,84 (cerca de 524 milhões de contos);
78) A ré FFiniciou contactos com a segunda e terceira rés para obter aquela interligação em Setembro de 2001;
79) Naqueles contactos, a ré FFpropôs celebrar acordos de interligação em condições idênticas aos acordos em vigor no Mercado;
80) As propostas apresentadas pela ré FFpara assegurar a interligação com as redes da segunda e terceira rés foram rejeitadas por estas;
81) Apesar de todas as deliberações havidas e das diligências realizadas, a ré FFcontinuou sem dispor de interligação com a rede da terceira ré;
82) E só em 20 de Novembro de 2002 a ré FFalcançou com a segunda ré acordo de princípio, ainda condicional, para o mesmo fim;
83) O que, na prática, inviabilizou o início das operações comerciais de exploração de sistemas de comunicações móveis em GSM/GPRS, pela ré, até ao termo do período de oportunidade para o efeito — a época natalícia de 2002;
84) Em 6 de Janeiro de 2003, a ré FFrequereu ao Senhor Ministro da Economia a revogação do acto administrativo de atribuição da Licença número ICP-‑03/... e, em consequência, a caducidade desta Licença;
85) A revogação do acto administrativo de atribuição à ré FFda Licença número ICP-03/... foi determinada pelo despacho número 1704/2003, de 13 de Janeiro de 2003;
86) Por efeito desta revogação, a ré FFficou impedida de utilizar o espectro radioeléctrico que lhe estava atribuído para a realização das comunicações móveis terrestres ...;
87) Também não podendo, por isso, estabelecer, gerir ou explorar infra-‑estruturas e sistemas de telecomunicações ...;
88) E também não tendo licença para emissão nas frequências em que o GSM/GPRS funciona;
89) Em Outubro de 2002, a ré FFtinha ao seu serviço 357 trabalhadores;
90) Dos quais 330 mantinham contratos de trabalho sem termo;
91) Em execução da decisão tomada em 26 de Novembro de 2002 pelo Conselho de Administração da ré, foram iniciados procedimentos destinados a fazer cessar a totalidade dos contratos de trabalho em vigor na empresa;
92) Estes procedimentos consistiram na apresentação de proposta de revogação de cada contrato de trabalho por tempo indeterminado;
93) Na declaração da intenção de não renovar os contratos de trabalho a termo certo;
94) E na rescisão imediata dos contratos de trabalho em período experimental;
95) Em consequência, foram feitos cessar ou acordada a cessação de 355 dos 357 contratos de trabalho vigentes em Outubro de 2002;
96) Dos 313 trabalhadores a quem foi proposta, nestas condições, a cessação dos respectivos contratos de trabalho, 311 aceitaram-na;
98) Por não ter acordado com a Ré FFa cessação do respectivo contrato, o primeiro Autor mantém-se ao serviço desta;
99) Recebe dela a retribuição que é contrapartida do trabalho;
100) Comparece nas instalações da Ré, todos os dias úteis, disponível para a prestação de trabalho;
104) Entre as diversas obrigações que decorriam da concessão da licença, as três restantes operadoras, detentoras de licença GSM/DCS, comprometeram-se a oferecer «roaming» nacional à FF, permitindo assim estabelecerem-se as ligações entre os telemóveis chamados de segunda geração (GSM/DCS) e os da terceira, por duração não inferior a cinco anos desde a data da licença;
105) A ré FFiniciou o seu processo de contratações, tanto por ofertas de emprego, como por convite a trabalhadores vinculados a outras empresas e cuja experiência, know-how e elevados conhecimentos técnicos lhe eram imprescindíveis;
112) Os acordos de interligação entre a FFe as restantes operadoras de telecomunicações eram essenciais para a entrada no mercado do quarto operador, uma vez que sem eles não era possível aos clientes da FFrealizarem chamadas para os clientes das outras operadoras e vice-versa;
113) A deliberação referida em 36) deixava antever preocupações com a livre concorrência e com a necessária colaboração entre os diversos operadores móveis, reconhecida mundialmente;
114) Até 18 de Outubro de 2002, o réu ICP-Anacom não aplicou qualquer medida sancionatória contra a HH e a II;
115) Nunca foi celebrado acordo de interligação entre a FFe a II;
116) As rés HH e II recusaram proceder à referenciada interligação com a FF, mesmo após a prorrogação do prazo para esse efeito concedida pelo ICP-Anacom, de uma queixa apresentada na Comissão Europeia pela FFe de uma acção de indemnização intentada no Tribunal Cível de Lisboa por esta última;
117) A perspectiva da concorrência por parte do quarto operador, fez as rés, HH e II temerem por prejuízos;
118) Na deliberação aprovada em 24 de Setembro de 2002, o réu ICP-‑Anacom voltou a pronunciar-se sobre a obrigatoriedade da HH e a II fornecerem interligação à FFe estabeleceu um prazo de quinze dias para cumprimento desta obrigação;
119) O réu ICP-Anacom não aplicou as sanções de suspensão ou cassação de licenças relativamente ao incumprimento das deliberações que aprovou no sentido da obrigatoriedade de celebração de acordos de interligação entre a HH, II e a FF;
120) As rés HH e II recorreram judicialmente da deliberação do réu ICP-Anacom de 24 de Setembro de 2002 para evitarem o início de actividade comercial da FF;
121) A HH e a II defendiam publicamente a insuficiência de mercado para quatro operadores;
122) Entre os operadores estabeleceram-se conversas a propósito do suposto excesso de operadores de ... em Portugal;
123) Nessas conversas foi abordada a hipótese de encerramento da FF;
124) Em 22 de Novembro de 2002, a HH, a JJe a II entregaram à ré FF, individualmente, propostas de aquisição dos activos da FF;
125) Em 14 de Novembro de 2002, a ré HH anunciou publicamente que iria proceder à interligação à ré FF;
126) Em 22 de Novembro de 2002, a JJ, a II e a HH entregaram à ré FF, individualmente, as propostas de aquisição dos activos da FFque constam de fls. 1035 a 1036, 1181 a 1182 e 1227 a 1230;
127) A JJ, HH e II só manifestaram interesse na aquisição dos activos da FF;
128) As rés pretendiam o espectro radioeléctrico adicional libertado pela FFe o know-how que lhes pudesse ser útil;
129) A HH entendeu que seria a única operadora que reunia condições financeiras para adquirir a FF;
130) A concessão de benefícios fiscais era uma componente do preço acordado entre a HH e a FFe a repartição do espectro radioeléctrico adicional libertado pela FFfoi decisiva para a apresentação das propostas de aquisição de activos pela HH, JJe II;
131) A ré HH compraria a FFliberta de todas as responsabilidades para com credores e indemnizações ao pessoal, num processo em que pediria ao Estado que autorizasse créditos fiscais à operação;
132) Do montante final de créditos fiscais a conferir à operação de compra da FFpela HH dependeria o valor final que os accionistas da FFreceberiam;
137) A apreciação das diferentes alternativas existentes que teve lugar na Assembleia-Geral de accionistas da ré FF, realizada no dia 6 de Janeiro de 2003, foi posterior à aceitação pelo Conselho de Administração da FFdas propostas de aquisição dos activos apresentadas pela HH, JJe II;
138) Nas propostas de aquisição dos activos da FFapresentadas pela JJ, HH e II, figuravam as seguintes condições suspensivas:
                Revogação da Licença ... da FFpelo Ministro da Economia, mediante requerimento a apresentar, para o efeito, pela FF;
              –   Reatribuição gratuita da totalidade das frequências de 2x15 M Hz de espectro emparelhado compreendido nas faixas 1920-1980 M hz/2110-‑2170 MHz tornadas vagas em virtude da revogação da licença, a favor dos restantes titulares de licenças para exploração de sistemas de telecomunicações móveis internacionais (IMT2000/...);
139) Após a recepção das propostas de aquisição dos activos pela HH, JJe II, a FFcomunicou aos seus trabalhadores a cessação dos respectivos contratos de trabalho;
140) A ré FFcomunicou a rescisão dos vínculos laborais aos trabalhadores que se encontravam no período experimental;
141) Com a venda de activos pretendeu-se transferir da esfera jurídica da FFtodos os equipamentos e materiais;
142) A HH, JJe II pretendiam continuar a exercer a sua actividade com os equipamentos, software e hardware da ré FF;
143) Tanto mais que os adquiriram;
144) As razões que justificaram o atraso na previsão inicial da implementação do sistema ... foram a evolução da tecnologia disponível (manifesta discrepância entre a evolução tecnológica antecipada e o ritmo efectivo de consolidação das inovações utilizáveis), a retracção do nível da procura esperada para os serviços em causa e, por forma genérica, abrandamento geral da economia a nível interno e internacional, a maior onerosidade e menor disponibilidade de alternativas de financiamento existentes para os investimentos necessários;
145) A constituição da FFteve em vista o exercício da actividade de telecomunicações e, no âmbito desta, a prestação do serviço de telefonia móvel através do sistema de comunicações móveis de terceira geração habitualmente designado por ...;
146) A FFnão teve qualquer volume de negócios, quer no ano de 2001, quer no ano de 2002, não tendo sequer iniciado a exploração comercial da actividade prevista no seu objecto social;
147) Em cumprimento das deliberações do ICP-Anacom a ré HH encetou, sob protesto, negociações com a FFcom vista à conclusão de um acordo de interligação;
148) A HH, cumprindo os termos e condições estabelecidos nas deliberações do ICP-Anacom sobre esta matéria, ofereceu interligação à FFem Novembro de 2002;
149) A FFpropôs-se entrar no Mercado GSM sem possuir licença para o efeito, sem ter participado nos concursos públicos para a atribuição de licenças GSM e sem dispor de uma rede ...;
150) A HH sempre entendeu que os pedidos de atribuição de frequência DCS1800 e de interligação efectuados pela FF à HH encontram-se desprovidos de cobertura legal e regulamentar, não podendo por isso constituir uma alternativa justificada relativamente ao adiamento do desenvolvimento das redes ... e não podendo consequentemente impender sobre ela a obrigação de dar interligação à FF, nos termos e condições por esta propostos;
151) A ré FFentendeu que o início da sua actividade ao nível da exploração do sistema ... se encontrava prejudicada, em virtude da conjugação de diversos factores ponderosos, não expectáveis no momento da atribuição das licenças aos operadores ..., que se verificam no âmbito nacional e europeu;
152) Entre os quais se destacam, a alteração significativa da conjuntura relativa ao início da exploração dos serviços ... ocorrida desde meados do ano de 2001, assistindo-se a nível europeu, designadamente, à desistência de diversos operadores ... de vários Estados-membros, por impossibilidade de cumprimento dos compromissos a que se vincularam aquando da atribuição das respectivas licenças;
153) A discrepância entre a evolução tecnológica esperada e a efectivamente ocorrida, antecipando-se dificuldades na obtenção do financiamento necessário para o desenvolvimento tecnológico subjacente aos serviços ...;
154) E o carácter desfavorável da actual conjuntura sócio-económica internacional e europeia ao investimento e a não existência de perspectivas de alteração da mesma no curto e médio prazo;
155) Neste enquadramento, os quatro operadores ponderaram várias hipóteses de reajustamentos, impostos pela actual realidade do sector, entre as quais a de desistência do arranque das operações comerciais do candidato a quarto operador (FF);
156) Nas conversas que se estabeleceram entre os operadores também se ponderou a hipótese de desistência do arranque das operações do candidato a quarto operador (FF);
157) Todas estas dificuldades, verificadas ao nível internacional e europeu, repercutiram-se e repercutem-se directamente no plano nacional e foram reconhecidas pelo próprio Estado Português, a propósito do adiamento do prazo de início da exploração dos serviços ...;
158) Foram estas razões de natureza económica, financeira e comercial que levaram a FFa considerar que não se encontram actualmente reunidas as condições necessárias para poder cumprir as obrigações inerentes à licença ... que lhe foi concedida;
159) E, por essas razões, a FF, em Dezembro de 2002, decidiu não iniciar a sua actividade de exploração comercial do sistema ...;
160) Tendo, para o efeito, adoptado as medidas prévias à implementação de tal decisão, em conformidade com critérios de prudência e racionalidade económica e de gestão;
161) Pretendia a FF(e os seus accionistas) com essas medidas ver retribuídos ou compensados, na medida do possível, o esforço económico e financeiro necessário ao encerramento da empresa e os custos necessários para executar tal decisão;
162) Bem como os induzidos pelo não arranque comercial e não rentabilização de todos os programas de investimento até então levados a cabo;
163) A ré HH teve conhecimento da decisão da FFde alienar os seus activos aos restantes operadores, acompanhados da transmissão da totalidade do respectivo capital social, com vista à fusão por incorporação;
164) Manifestando a sua (da ré HH) disponibilidade para, subordinada à verificação de algumas condições, adquirir determinados activos pertencentes à ré FF(sites, antenas, equipamentos, terminais, etc.), com vista à optimização da gestão e expansão técnica das suas redes de telecomunicações, bem como a totalidade das acções representativas do capital social da FF;
165) Idênticas propostas restringidas aos activos integrados no património da FFforam, aliás, apresentadas pelos restantes operadores (JJe II);
166) A desistência da exploração comercial do Sistema ... pela FFteve na sua sequência, em conformidade com critérios de prudência e racionalidade económica e de gestão, um processo de integral liquidação dos seus activos;
167) No âmbito deste processo a ré HH comprou, e a ré FFvendeu, os activos seguintes:
                Terminais (vulgo telemóveis, marcas Nokia 7650 e Ericson T68i);
              –   Câmaras para os terminais Ericson T68i;
                Software, denominado SIGNC, Sistema Integrado de Gestão do Negócio de Comunicações, desenvolvido com base em pacotes standard, de acordo com um conjunto de especificações adaptadas ao mercado português, incluindo especificações, manuais e o respectivo código em suporte informático;
              –   Estudos de mercado desenvolvidos pela FFpara suportar a sua entrada no mercado, integrando uma extensa avaliação do mercado de comunicações, nas suas componentes nacional e internacional, com recurso a empresas de consultadoria estratégica;
                Estudos associados à marca V, não incluindo os direitos relativos à própria marca;
              –   Estudos para o conceito das Lojas V, associados à imagem, incluindo projectos de lay-out, memórias descritivas e respectiva avaliação de custos;
                Procedimentos de navegação no Portal … e …, & e associados;
168) E a ré II comprou e a ré FFvendeu, os activos seguintes:
                Terminais (vulgo telemóveis, marcas Nokia 7650 e  Ericson T68i);
              –   Câmaras para os terminais Ericson T68i;
169) Estando também acordada a aquisição, ainda não consumada, dos activos seguintes:
                Software, denominado SIGNC, Sistema Integrado de Gestão do Negócio de Comunicações, desenvolvido com base em pacotes standard, de acordo com um conjunto de especificações adaptadas ao mercado português, incluindo especificações, manuais e o respectivo código em suporte informático;
              –   Estudos de mercado desenvolvidos pela FFpara suportar a sua entrada no mercado, integrando uma extensa avaliação do mercado de comunicações, nas suas componentes nacional e internacional, com recurso a empresas de consultadoria estratégica;
                Estudos associados à marca V, não incluindo os direitos relativos à própria marca;
              –   Estudos para o conceito das Lojas V, associados à imagem, incluindo projectos de lay-out, memórias descritivas e respectiva avaliação de custos;
                Procedimentos de navegação no Portal …, & e associados;
                Outro software e hardware, especificado em anexo ao acordo celebrado;
170) A ré FFsó a partir de 24-04-2002 esteve em condições de, ao abrigo de licença válida e eficaz, iniciar a sua actividade comercial;
171) Para além do acordo referido em 63), tornava-se também necessário que a FFassegurasse a interligação com as redes dos restantes operadores;
172) A interligação permitiria o estabelecimento de comunicações de e para as outras redes, ou seja, falar de um telemóvel FFpara um telemóvel JJ, HH ou II e vice-versa;
173) A ré FFnão chegou a dar início efectivo à sua actividade comercial com o recurso à tecnologia GPRS;
174) Em finais de 2002, a FFtomou a decisão de descontinuar a exploração da actividade para que estava especificamente licenciada;
175) Tendo tomado conhecimento dessa decisão, a JJmanifestou à FFa sua disponibilidade para adquirir alguns activos;
176) No seguimento desses contactos, por dois acordos celebrados com data de 03.12.2002, a JJcomprometeu-se a adquirir à FFalguns activos;
177) Com o primeiro contrato, foram apenas adquiridos alguns terminais (telemóveis) e respectivos periféricos;
178) Com o segundo contrato, a JJcomprometeu-se a adquirir mais alguns telemóveis e respectivos periféricos, algumas aplicações informáticas (software), incluindo algum hardware, alguns estudos de mercado desenvolvidos pela FFpara suportar a sua entrada no mercado, estudos associados à marca V, excluindo os direitos relativos à própria marca, estudos de mercado desenvolvidos pela FFpara o conceito a implementar nas suas lojas e os procedimentos de navegação num portal que a FFiria implementar;
179) A opção de compra sobre o software e o hardware só veio a ser exercida pela FFem princípios de Abril de 2003, não tendo ainda sido celebrados os efectivos contratos de compra e venda;
180) Quanto aos contratos de agência, a FFainda não exerceu a opção que lhe foi conferida para ceder a sua posição de principal à JJ;
181) Por via dos acordos celebrados entre a FFe a JJ, esta última não adquiriu qualquer participação no capital social da primeira, infra-estruturas de rede ou espaços das antenas;
182) Os activos adquiridos pela ré JJnão são suficientes para a prestação dos serviços de telecomunicações no âmbito do Sistema de Telecomunicações Móveis Internacionais (IMT 2000/...), pois para a prestação desse serviço é necessário, desde logo, espectro;
183) Para além do espectro, torna-se necessária, também, a existência de determinadas infra-estruturas que permitam fazer o registo e a ligação, como, por exemplo, antenas para a prestação dos serviços de telecomunicações no âmbito do Sistema de Telecomunicações Móveis Internacionais (IMT 2000/...);
184) A prestação daquele serviço implica, necessariamente, a existência de elementos de rede que permitam fazer a ligação entre os terminais (telemóveis) e o espectro;
185) Como a implementação de novas estações de base para o ... (nós B), RNC's e comutadores;
186) A JJnão adquiriu à FFquaisquer dessas infra-estruturas;
187) O software e o hardware a adquirir pela JJà FFnão estão aptos a, por si só, desempenharem as tarefas para que foram concebidos;
188) Pois tal software e hardware necessitam de ser adaptados e integrados nas aplicações da JJ;
189) O espectro não era um activo da FF, do qual pudesse dispor livremente;
190) Os autores estavam distribuídos por diversas áreas dentro da FF;
191) O acordo de «roaming» celebrado entre a JJe a FF, em Fevereiro de 2002, não permitia a prestação de quaisquer serviços de telecomunicações nas áreas geográficas não cobertas pela rede da titularidade da quarta ré;
192) Para isso, seria necessário assegurar a interligação da primeira ré com as redes detidas pelas segunda e terceira rés, as quais, em conjunto, detêm 48% do mercado de telecomunicações móveis em Portugal;
193) O facto descrito em 82) constituiu elemento decisivo para impossibilitar o lançamento da exploração comercial do projecto de telecomunicações móveis da ré FF;
194) A ré FFfoi confrontada com a necessidade de reequacionar a viabilidade económica da sua manutenção como operadora de telecomunicações móveis;
195) Aquela reapreciação foi feita, em primeiro lugar, pelo Conselho de Administração da ré, reunido a 26 de Novembro de 2002;
196) O qual decidiu reduzir significativamente a actividade da ré FF, iniciando a prática dos actos de gestão destinados à execução dessa decisão;
197) Na mesma reunião do Conselho de Administração, os administradores da ré indicados pela accionista Telenor Mobile Communications sugeriram como alternativa àquela interrupção a apresentação da ré à falência;
198) O que levou a ré FFa fazer cessar ou a negociar a cessação dos contratos celebrados com vista ao exercício da actividade a que se propusera;
199) O que se verificou, logo, com os contratos de agência comercial para promoção e venda dos serviços da ré junto dos potenciais clientes;
200) A ré FFnão exerce actualmente qualquer actividade económica autónoma;
201) Limitando-se às tarefas de gestão corrente e as necessárias ao encerramento da sua actividade;
202) A ré FFcessou a quase totalidade dos negócios jurídicos celebrados, como os de fornecimento, agência, arrendamento, prestação de serviços, consultoria;
203) Mantêm-se em vigor, com as condições de cessação já acordadas, alguns contratos necessários ao encerramento da actividade, como o de arrendamento das actuais instalações ocupadas pela Ré FF;
204) A ré FFnão dispõe de clientela;
205) Nem presta serviços remunerados a nenhuma pessoa ou entidade;
206) A conclusão de tarefas indispensáveis ao termo da actividade da ré FFimpõe que, embora já acordada, a revogação de 23 daqueles contratos só produza efeitos, previsivelmente, em 30 de Abril de 2003;
223) A ré FF, do seu património, alienou soluções informáticas aplicacionais e de gestão (programa SAP);
224) Esses elementos patrimoniais consistem, basicamente, em soluções informáticas aplicacionais e de gestão (programa SAP);
225) Bem como em sistemas de comunicação para envio de mensagens SMS para redes de telecomunicações móveis, sistemas computorizados de gestão de negócios de comunicações móveis e sistemas de voice mail;
226) Nenhum dos sistemas alienados permite o exercício de actividade económica autónoma;
227) Pois nenhum deles, ou todos agrupados, permitem estabelecer comunicações ou prestar serviços de telecomunicações, móveis ou outras;
228) Nem gerir ou explorar infra-estruturas e sistemas de telecomunicações;
229) Os elementos patrimoniais transmitidos não constituem qualquer unidade de negócio;
230) Por ser o operador mais recente no mercado português, a II foi obrigada a realizar, intensivamente, investimentos elevados, que representaram um esforço financeiro muito superior ao realizado pelos outros dois operadores (JJe HH), visando apresentar níveis de cobertura e qualidade, no mínimo, ao nível desses outros dois operadores, presentes no mercado havia então mais do dobro do tempo;
231) A II sempre entendeu que o reconhecimento do direito da FFà celebração de acordos de acesso às redes dos operadores presentes no mercado tendo em vista a prestação de serviços GSM/GPRS, além de ilegal, seria inadequado e injusto;
232) Foi este o entendimento e preocupação que a II sempre manifestou e defendeu em todos o processo denominado de interligação, pugnando na sua intervenção pelo rigoroso respeito de toda a regulamentação sectorial aplicável, designadamente das regras de concorrência;
234) O réu ICP-Anacom, por deliberação aprovada em 18 de Outubro de 2002, decidiu instaurar processos de contra-ordenação contra as rés HH e II, por estas terem incumprido as determinações constantes dos n.os 1 e 2, da parte l, da sua deliberação aprovada em 24 de Setembro de 2000.

Face à transcrita factualidade, o aresto recorrido concluiu «que não ocorreu transmissão de qualquer unidade produtiva autónoma, com organização específica, da FFpara as restantes operadoras. Desde logo, porque sem espectro radioléctrico e sem licença de ..., a FFnão chegou a iniciar sequer a actividade para a qual foi constituída, de exploração de telecomunicações móveis de terceira geração. Por isso, nunca se chegou a constituir a referida unidade económica, que configuraria verdadeiramente um estabelecimento e se não se chegou a constituir tal unidade económica não se pode transmitir algo que não existe.»

E, prosseguindo, o acórdão recorrido teceu as considerações seguintes:

                    «Por outro lado, resulta da matéria de facto provada que os activos transmitidos pela FFà JJ, HH e JJnão estavam afectados a uma determinad[a] área ou unidade de negócio, dotada de suficiente autonomia, que permitisse a prossecução da exploração da tecnologia .... Ou seja, os activos adquiridos pelas referidas operadoras não eram suficientes para a prestação dos serviços de telecomunicações no âmbito do sistema ....
                      Aliás, no que se refere à tecnologia ..., o próprio mercado a nível internacional não se encontrava em condições de operar a tecnologia 3G por não existirem, na altura, no mercado equipamentos de infra-estruturas de rede e terminais que permitissem o início da actividade ..., conforme resulta da deliberação do ICP-ANACOM de 22/10/2002 (doc. de fls. 220). Deste modo, se o mercado não se encontrava apto a operar em ..., consequentemente, por maioria de razão, não poderia a FFestar apta a desenvolver tal actividade.
                      E encontrava-se, igualmente, inviabilizado o prosseguimento da actividade na tecnologia GSM/GPRS, para a qual a FFnunca esteve licenciada, nem estava dotada de todas as infra-estruturas necessárias para iniciar a exploração comercial dessa actividade. Aliás, no que se refere a esta tecnologia (GSM/GPRS), a FFapenas firmou acordos de interligação e roaming com a JJ, não tendo chegado a firmá-los com a II e a HH. Ora, sendo estes acordos essenciais para a entrada no mercado da FF(uma vez que sem eles não era possível aos futuros clientes da FFrealizarem chamadas para os clientes HH e II), não poderá, de modo algum, afirmar-se que esta estava dotada das infra-estruturas de que necessitava para iniciar o lançamento da sua actividade comercial.
                      Mesmo que assim não fosse, a potencialidade para o desenvolvimento de uma actividade comercial não é suficiente, contrariamente ao que sustentam os apelantes, para permitir a configuração de uma transmissão de estabelecimento. É necessária a existência de uma organização produtiva, bem como o desenvolvimento efectivo de uma actividade comercial por parte do cedente, pelo que, para efeitos de enquadramento da FFcomo estabelecimento, teria forçosamente que existir, da parte desta, o efectivo exercício de uma ou de outra das referidas actividades de telecomunicações (de tecnologia 2,5 ou de tecnologia 3G) e a existência de clientela, e não apenas a potencialidade para o seu exercício.
                      Deste modo, se a FFnunca iniciou a actividade para a qual foi constituída, não dispunha de clientela nem prestava serviços remunerados a nenhuma pessoa ou entidade (n.os 204 e 205 da matéria de facto provada) não se pode, de modo algum, falar em transmissão de estabelecimento, por inexistência do mesmo, e por essa transmissão pressupor a continuação da mesma actividade e a manutenção (pelo menos de parte) dessa clientela. Aliás, sem espectro radioléctrico e sem licença ..., a FFnunca poderia iniciar a actividade para a qual foi constituída.
                      Finalmente e no que diz respeito aos activos adquiridos pela HH, II e JJ, estes também não podem ser considerados parte integrante de um estabelecimento, ou uma unidade económica, não só pelas razões que atrás referimos, mas também porque ficou provado nos autos que os elementos patrimoniais transmitidos não constituíam unidades económicas dotadas de autonomia produtiva e como tal nunca poderiam continuar a assegurar o exercício da actividade económica, principal ou acessória que a FFanteriormente se encontrasse a exercer, tanto mais que esta não chegou a iniciar a actividade económica para que foi constituída.
                      Pelo contrário, o que esteve ali essencialmente em causa foi a aquisição/venda de activos definidos pela FF, que foram destacados do seu património na sequência e em concretização do processo de liquidação decidido por aquela, activos esses que perderam, na lógica deste processo, qualquer interligação entre si ou relativamente à actividade que se destinavam a assegurar, e que foram assim transmitidos sem respeito por qualquer solução de continuidade.
                      Aliás, sintomático da não verificação de transmissão de estabelecimento é a circunstância de os Recorrentes, todos trabalhadores da FF, nunca terem conseguido identificar o “complexo”, “a unidade orgânica ou produtiva”, a “unidade económica” ou o “complexo subalterno” em que a prestação laboral de cada um deles se integrava, cuja “aquisição” importaria a transmissão ope legis dos respectivos vínculos contratuais. Nem sequer conseguiram identificar qual das operadoras presentes no sector (as Recorridas HH, JJou II) passou ou passaria a ser, por via da alegada transmissão de estabelecimento, a sua entidade empregadora. Ao invés, limitam-se a pedir a sua integração simultânea nas três operadoras, pretensão que se nos afigura inviável, uma vez que os Recorrentes não podiam trabalhar, simultaneamente, para três empresas completamente distintas, na sequência da alegada transmissão.
                      Acresce ainda que da matéria de facto provada nas alíneas FFFF), GGGG) e HHHH) [a que correspondem os factos provados n.os 98, 99 e 100, acima transcritos] consta que o Recorrente AA “por não ter acordado com a Ré FFa cessação do respectivo contrato (…) mantêm-se ao serviço desta (…) recebe dela a retribuição que é contrapartida do seu trabalho (…) comparece nas instalações desta, todos os dias úteis, disponível para a prestação de trabalho”, o que, salvo o devido respeito, é manifestamente incompatível com a posição que o mesmo sustenta nesta acção de que o seu vínculo contratual se transmitiu para as operadoras demandadas (as Recorridas HH, JJou II), ao abrigo do regime previsto no art. 37.º da LCT.
                      Temos assim de concluir, tal como concluiu a sentença recorrida, pela inexistência de transmissão de estabelecimento da Ré FFpara as RR. HH, JJe II e pela improcedência dos pedidos de condenação destas RR. na reintegração dos Autores e no pagamento das quantias que reclamaram fundadas no seu despedimento.»

Tudo ponderado, sufragam-se as considerações transcritas e confirma-se o julgado, neste preciso segmento decisório, pelo que improcedem as conclusões 1.ª a 9.ª e 13.ª a 19.ª da alegação do recurso de revista dos autores.

4. Os autores defendem que «[a] conduta da R. FFneste processo se afigura como preenchendo claramente e na íntegra o que é comummente designado por venire contra factum proprium, ou seja uma das modalidades de abuso d[o] direito, prevista no art. 334.° do Código Civil», que «[o] que as ora RR., gozando da, pelo menos, complacência do Estado, pretenderam fazer — e fizeram — foi “partir”, como reiteradamente se afirma, a empresa FFem duas partes, sendo que uma destas partes era constituída pela licença, atribuída pelo Estado, pelos materiais, “know-how” e equipamentos entretanto adquiridos e pela posição de mercado que a R. FFiria necessariamente deter e que amedrontava as outras operadoras, conjunto este de elementos a que chamaram activos, ficando para a segunda parte, denominada de passivos, os vínculos laborais assumidos pela FF, bem como todos os outros compromissos contratuais», e que, «[e]ncapotado sob uma imagem de actos faseados no tempo, o que se pretendeu foi justamente, numa clara manobra de fraude à lei, frustrar os efeitos legais da transmissão de estabelecimento».

O abuso do direito, conforme decorre do artigo 334.º do Código Civil, traduz-se no exercício ilegítimo de determinado direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular, ao exercê-lo, exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Não basta, pois, que o titular do direito exceda os limites referidos naquele preceito, é necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório da boa fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico do direito que é exercido.

Doutra parte, não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, ou seja, não é necessário que tenha a consciência de que, ao exercer o direito, está a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, basta que na realidade (objectivamente) esses limites tenham sido excedidos de forma nítida e intolerável, pois, como é sabido, o ordenamento jurídico acolheu a concepção objectiva do abuso do direito (cf., por todos, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 1967, p. 217).

A proibição do venire contra factum proprium é uma das modalidades que o abuso de direito pode revestir, caracterizando-se pelo «exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente» (cf. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, Almedina, Coimbra, 2005, p. 275) e, no dizer de BAPTISTA MACHADO («Tutela da Confiança e Venire contra factum proprium», in Obra dispersa, vol. I, p. 416, e in RLJ, n.º 3726 e seguintes), o ponto de partida do venire é «uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira», podendo «tratar-se de uma mera conduta de facto ou de uma declaração jurídico-negocial que, por qualquer razão, seja ineficaz e, como tal, não vincule no plano do negócio jurídico».

«Todavia, para que o venire se verifique não basta a existência de condutas contraditórias. É necessário que a conduta anterior tenha criado na contraparte uma situação de confiança, que essa situação de confiança seja justificada e que com base nessa situação de confiança a contraparte tenha tomado disposições ou organizado planos de vida de que lhe surgirão danos irreversíveis, isto é, que tenha investido nessa situação de confiança e que esse investimento não possa ser desfeito sem prejuízos inadmissíveis» (Acórdão deste Supremo Tribunal, de 30 de Março de 2006, Revista n.º 3921/05 da 4.ª Secção).

Ora, cabe àquele que invoca o abuso de direito ou a fraude à lei demonstrar os factos em que assenta tal invocação (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil), sendo que, atenta a matéria de facto provada, esse ónus, no caso, não se mostra cumprido.

Com efeito, da factualidade acima discriminada, não resulta provado que as rés tenham assumido qualquer actuação que, objectivamente considerada, constitua uma ofensa grave e manifesta das regras da boa fé e do fim social e económico do direito, nem a existência de um intuito fraudulento de evitar a aplicabilidade da lei.

Tal como se explicitou no aresto recorrido, «[a] tese de acordo simulado ou fraudulento entre as operadoras do sector, abuso de direito ou fraude à lei não têm, manifestamente, o mais pequeno amparo na matéria de facto provada. O que resulta de forma linear dessa matéria de facto foi que a Recorrida FFdecidiu, face a inesperadas e ponderosas razões de natureza económica, financeira e comercial, não iniciar (sequer) a sua actividade comercial e como forma de “ver retribuídos ou compensados, na medida do possível, o esforço económico e financeiro necessário ao encerramento da empresa e os custos necessários para executar tal decisão, bem como os induzidos pelo não arranque comercial e não rentabilização de todos os programas de investimento até então levados a cabo” (cfr. n.os [161] e [162] da matéria de facto provada), deu início ao processo de liquidação dos seus activos, negociando a sua alienação aos respectivos fornecedores, aos demais operadores móveis e a outras entidades interessadas, activos esses que perderam, na lógica desse processo, qualquer interligação entre si ou relativamente à actividade a que se destinavam, e que foram assim transmitidos sem qualquer solução de continuidade.»

Não se configurando abuso do direito ou fraude à lei na actuação das rés, no processo de encerramento da FFe de liquidação dos seus activos, improcedem as conclusões 10.ª a 12.ª da alegação do recurso de revista dos autores.

5. Os autores BB, CC e DD alegam que estavam vinculados à ré FFpor contrato de trabalho sem termo e que esta denunciou ilicitamente os respectivos vínculos contratuais no decurso do período experimental, pois, apesar da denúncia do contrato ser livre nesse período, o motivo subjacente a tal denúncia não é legalmente atendível e configura abuso de direito.
Concretamente, sustentam que, não obstante a denúncia dos seus contratos ter ocorrido no período experimental, a mesma ficou a dever-se a causas diversas da sua prestação de trabalho, sendo que, para essa denúncia ser lícita, era necessário que tivesse subjacente a inaptidão, a incompatibilidade ou a frustração de expectativas dos contraentes, o que, neste caso, não se verificou, acrescentando que «o direito de denunciar o contrato durante o período experimental está, como aliás não podia deixar de ser, limitado pelo fim económico e social do mesmo e pela boa fé».

Neste particular, relevam os factos provados seguintes:

16) O Autor BB Pereira celebrou contrato de trabalho com a FFem 1 de Outubro de 2002, com a categoria profissional de Especialista;
18) O Autor CC foi contratado pela R. FF, em 23 de Outubro de 2002, com a categoria profissional de Especialista, auferindo à data: a) 3.500 Euros de remuneração base mensal ilíquida; b) 7,48 Euros, por cada dia útil de trabalho, a título de subsídio de alimentação; c) um cartão Galp, com o plafond anual de 1400 Euros; d) um plano de saúde (que se consubstanciava no direito de ser recebido por um médico afecto à Sãvida sem qualquer encargo inerente e no levantamento gratuito dos medicamentos comparticipados), um seguro de vida e um seguro de acidentes pessoais, sendo o capital seguro de 50.000 Euros em caso de morte, invalidez permanente e doenças graves;
19) O Autor DD foi contratado pela R. FF, em 24 de Junho de 2002, com a categoria profissional de Especialista, auferindo, à data da celebração: a) 2.850 Euros de remuneração base mensal ilíquida; b) 7,48 Euros, por cada dia útil de trabalho, a título de subsídio de alimentação; c) um plano de saúde (que se consubstanciava no direito de ser recebido por um médico afecto à Sãvida sem qualquer encargo inerente e no levantamento gratuito dos medicamentos comparticipados), um seguro de vida e um seguro de acidentes pessoais;
45) O Autor BB recebeu uma carta de rescisão, datada de 15 de Dezembro de 2002;
46) O Autor CC recebeu uma carta de rescisão de índole idêntica à do Autor, BB;
47) O Autor DD recebeu uma carta similar às anteriores, datada de 15 de Dezembro de 2002;
103) Segundo, terceiro e quarto autores e ré fixaram em 180 dias no período experimental dos respectivos contratos de trabalho;
140) A ré FFcomunicou a rescisão dos vínculos laborais aos trabalhadores que se encontravam no período experimental;
207) A cessação dos contratos de trabalho pela ré FFfundou-se também na consequente redução da actividade da empresa decidida pela administração da ré;
208) Os fundamentos que justificaram a decisão de fazer cessar os contratos de trabalho foram confirmados pela deliberação da Assembleia-Geral da ré de 6 de Janeiro de 2003;
209) E corroborados pela revogação da autorização para o exercício de actividade de telecomunicações móveis terrestres;
210) Já que encontrando-se impedida, de facto e de direito, de prestar serviços de telecomunicações móveis ..., a ré FFnão dispunha de tarefas a atribuir aos seus diversos trabalhadores;
211) As razões para a cessação dos contratos de trabalho pela ré FFforam explicadas a todos os trabalhadores;
212) E foram declaradas, quando necessário, para efeitos de obtenção por aqueles de subsídio de desemprego (cfr. doc. n.º 69 junto com a petição inicial);
219) Após comunicar a cessação dos contratos de trabalho em período experimental, a ré dirigiu a cada um dos trabalhadores nesta situação proposta de pagamento de compensação (docs. n.os 67 e 72 junto com a petição inicial).

Apreciando a questão, o acórdão recorrido teceu as seguintes considerações e decidiu nos termos que se passam a transcrever:

                    «Cada um dos mencionados Autores celebrou com a Ré FF— o BB, em 1/10/2002; o CC, em 23/10/2002 e o DD, em 24/6/2002 — um contrato de trabalho sem prazo, onde constava que tinham a categoria profissional de especialista e nos quais ficou estabelecido que ficavam sujeitos ao período experimental de 180 dias, contados da data do início das suas funções, durante o qual o contrato podia ser livremente rescindido por qualquer das partes, sem invocação  de motivo ou justa causa e sem direito a qualquer indemnização.
                      Em 15 de Dezembro de 2002 (dentro do referido período experimental) cada um dos referidos Autores recebeu uma carta da Ré FFa comunicar a rescisão do contrato, com efeitos a partir dessa data.
                      Os contratos de trabalho que os mesmos mantinham com a Recorrida FFterminaram, assim, por denúncia desta, durante o período experimental (alíneas Q), T), XX), AAA) e LLLLL) da especificação) [correspondentes aos factos provados 16), 19), 45), 47) e 103)].
                      Durante o período experimental qualquer das partes pode rescindir o contrato sem aviso prévio e sem necessidade de invocação de justa causa, nem direito a indemnização (art. 55.º, n.º 1 da LCCT), mas esta ampla liberdade do empregador denunciar o contrato não pode redundar em práticas discriminatórias: assim se o mesmo se “aproveita” do período experimental para se desvincular de um trabalhador, devido às suas convicções ideológicas ou religiosas, orientação sexual ou filiação sindical — aí teremos práticas abusivas e discriminatórias, sindicáveis judicialmente através da figura do abuso de direito (muito embora a prova da real motivação do empregador constitua, em muitos desses casos, uma dificuldade insuperável, uma vez que não existe obrigação de revelar a motivação que esteve subjacente a essa denúncia).
                      Impõe-se, assim, na apreciação desta questão ter bem presentes os motivos que estão subjacentes ao período experimental e verificar se a rescisão dos contratos dos recorrentes, no decurso desse período, se ficou a dever ou não à falta de algum desses motivos.
                      Apesar do período experimental se revelar de extrema importância para que as partes se conheçam mutuamente, é necessário atender ao facto de também interessar a mútua percepção, quanto ao modo como se vai executar o contrato no seio da empresa onde o trabalhador vai desempenhar as funções para que foi contratado. Daí que se afirme que o período experimental é um período de quarentena contratual destinado a possibilitar uma avaliação das condições de execução do contrato por forma a que cada um dos contraentes julgue da conveniência de continuarem ou não uma relação de trabalho estável. O empregador certifica-se, no decurso desse período, se o trabalhador possui as aptidões laborais requeridas para o cabal desempenho das funções ajustadas na sua empresa; o trabalhador certifica-se de que as condições (humanas, logísticas, ambientais, etc.) de realização da sua actividade profissional são as esperadas.
                      Não obstante a fase de negociação do contrato poder já dar uma antevisão do desenvolvimento futuro do vínculo, só com a execução do trabalho podem, efectivamente, as partes aferir do seu interesse na manutenção de um negócio que, ainda por cima, se prevê continuado no tempo. Daí que só com a prestação efectiva da actividade laboral é que o empregador pode avaliar as qualidades e aptidões do trabalhador para a função, e da mesma forma, só com a sua integração na organização do empregador (ou seja, verificado o elemento de inserção organizacional do contrato) é que o trabalhador pode confrontar as suas expectativas em relação a essa organização, e, por consequência, confirmar o seu interesse na manutenção do vínculo.
                      Sendo este o objectivo do período experimental, a ponderação a fazer pelo empregador quanto à viabilidade do prosseguimento da relação de trabalho não pode nem deve ser uma apreciação isolada, circunscrita à idoneidade da prestação do trabalho, já que a prestação é normalmente oferecida no contexto de uma organização empresarial e só permite a satisfação do interesse do credor quando essa prestação se conjuga e se harmoniza com os demais factores de produção necessários para assegurar a actividade produtiva a que este se propôs. Logo, uma situação inesperada de crise na empresa, determinando previsivelmente o seu encerramento ou a redução dos postos de trabalho, constitui um facto que legitima a cessação do contrato de trabalho no período experimental, não obstante a apreciação positiva da prestação do trabalhador. Ainda aqui se trata de apreciar (negativamente) o interesse na “manutenção do contrato”, não no que especificamente respeita à prestação do trabalho, mas nos elementos com que interage para cumprir o objectivo que presidiu à respectiva contratação .
                      Portanto, o abuso do direito só se verificaria, no caso em apreço, se a Ré FFao denunciar os referidos contratos tivesse, de facto, excedido manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (art. 334.º do Cód. Civil), designadamente, se ficasse demonstrado nos autos que o motivo subjacente à denúncia dos contratos tivesse sido o alegado negócio gizado entre todos os réus, negócio esse que, segundo os Recorrentes, consistiu no encerramento da FFe na subsequente venda dos seus activos às restantes operadoras, deixando de lado o seu passivo constituído pelos contratos de trabalho (trabalhadores) e outros vínculos contratuais.
                      Os Recorrentes, porém, não conseguiram demonstrar a existência desse alegado negócio (gizado entre todos os réus), nem que tivesse sido esse ou outro o motivo que determinou a denúncia dos seus contratos de trabalho.
                      No caso em apreço, resulta da matéria de facto provada que foram motivos de ordem tecnológica, financeira, económica, técnica e comercial que justificaram a decisão da FFde fazer cessar os contratos de trabalho com os autores.
                      Assim, no que concerne a esses motivos, além da matéria de facto que atrás enunciámos (respeitante à alegada transmissão de estabelecimento), apurou-se ainda o seguinte:
                      a) Numa primeira fase, ficou inviabilizado o início da prestação de serviços da FFcom recurso à tecnologia GPRS, por recusa dos restantes operadores em permitir a interligação com as respectivas redes [cf. factos provados 78) a 83)];
                      b) A Ré FFconsiderou que o início da sua actividade ao nível da exploração do sistema ... se encontrava prejudicado, em virtude da conjugação de diversos factores ponderosos, não expectáveis no momento da atribuição das licenças aos operadores ..., que se verificavam no âmbito nacional e europeu, entre os quais se destacam, a alteração significativa da conjuntura relativa ao início da exploração dos serviços ... ocorrida desde meados do ano de 2001, assistindo-se a nível europeu, designadamente, à desistência de diversos operadores ... e de vários Estados-membros, por impossibilidade de cumprimento dos compromissos a que se vincularam aquando da atribuição das respectivas licenças [cf. factos provados 151) e 152)];
                      c) A discrepância entre a evolução tecnológica esperada e a efectivamente ocorrida, antecipando-se dificuldades na obtenção do financiamento necessário para o desenvolvimento tecnológico subjacente aos serviços ..., bem como o ambiente desfavorável da conjuntura sócio-económica internacional e europeia ao investimento e a não existência de perspectivas de alteração das mesmas no curto e médio prazo [cf. factos provados 153) e 154)];
                      d) Todas estas dificuldades, verificadas a nível internacional e europeu, repercutiram-se e repercutem-se directamente no plano nacional e foram reconhecidas pelo próprio Estado Português, a propósito do adiamento de início da exploração dos serviços ... [cf. facto provado 157)];
                      e) Na sequência da revogação da licença ... que lhe estava atribuída e consequente libertação do espectro radioléctrico, a FFficou impedida, de facto e de direito, de prestar serviços de telecomunicações móveis ..., pelo que deixou de dispor de tarefas para atribuir aos seus diversos trabalhadores [cf. factos provados 207) a 210)];
                      f) Foram estas razões de natureza económica, financeira e comercial que levaram a FF a considerar que não se encontravam reunidas as condições necessárias para poder cumprir as obrigações inerentes à licença ... que lhe foi concedida [cf. facto provado 158)];
                      g) E que a levaram a decidir, em Dezembro de 2002, não iniciar a sua actividade de exploração comercial do sistema ... [cf. facto provado 159)];
                      h) A desistência da exploração comercial do Sistema ..., pela FF, teve, na sua sequência, em conformidade com critérios de prudência e racionalidade económica e de gestão, um processo de integral liquidação dos seus activos [cf. facto provado 166)];
                      i) A FF(e os seus accionistas) pretendiam com tais medidas ver retribuídos ou compensados, na medida do possível, o esforço económico e financeiro necessário ao encerramento da empresa e os custos necessários para executar tal decisão, bem como os induzidos pelo não arranque comercial e não rentabilização de todos os programas de investimento até então levados a cabo [cf. factos provados 161) e 162)].
                      Foi todo este circunstancialismo que determinou a decisão da FFde redução da sua actividade e de, consequentemente, fazer cessar os contratos de trabalho com os Recorrentes.
                      Entendemos, assim, que não se verificou aqui um exercício abusivo do direito na denúncia dos referidos contratos.
                      A Recorrida FFcomunicou aos Recorrentes BB, CC e DD a rescisão dos seus contratos de trabalho, no circunstancialismo atrás descrito, numa situação de crise na empresa, que motivou a redução da sua actividade e de postos de trabalho, o que constitui facto legitimador da cessação dos contratos de trabalho no período experimental. Ainda aqui se tratou de apreciar (negativamente) o interesse na manutenção dos contratos de trabalho dos Autores contratados, dentro do período experimental, não no que especificamente respeita à prestação de trabalho, mas nos elementos com que interagem para cumprir o objectivo que presidiu à respectiva contratação. Além disso, da matéria de facto provada não resulta que tenha havido qualquer actuação conjunta de todos os Réus no sentido de provocar o encerramento da FFe a subsequente venda dos seus activos e a desconsideração do seu passivo, designadamente, dos seus trabalhadores, ou que o Estado tivesse autorizado a concessão de quaisquer benefícios fiscais relativamente à operação de venda de activos e ao encerramento da FFou que o ICP-ANACOM não tivesse actuado com a diligência que lhe era exigível no uso da sua competência reguladora e sancionatória em matéria de telecomunicações.
                      Tal como resulta da matéria de facto provada e já foi sobejamente referido, foram razões de natureza exclusivamente tecnológica, financeira, económica, técnica e comercial que motivaram a decisão da FFde não avançar com a tecnologia ..., de reduzir a sua actividade e de subsequentemente fazer cessar os contratos de trabalho, para as quais não contribuiu qualquer actuação isolada ou conjunta dos Réus.
                      Termos em que se conclui pela validade da rescisão dos contratos de trabalho dos Autores BB, CC e DD, não merecendo a sentença recorrida qualquer reparo, nesta parte.»

Tudo ponderado, sufragam-se as considerações transcritas e confirma-se o julgado, neste preciso segmento decisório.

Na verdade, o regime do período experimental caracteriza-se pela liberdade de denúncia do contrato de trabalho de que gozam as partes nesse período, sem qualquer aviso prévio e sem necessidade de invocar justa causa, sendo certo que, no caso vertente, conforme bem se assinalou no aresto recorrido, não se vislumbra o exercício abusivo do direito na denúncia dos contratos de trabalho em questão.

Assim, neste conspecto, não colhe o invocado na conclusão 24.ª da alegação do recurso de revista dos autores.

Tudo para concluir que é lícita a denúncia, durante o período experimental, dos contratos de trabalho relativos aos autores BB, CC e DD, não se configurando o pretendido exercício abusivo do direito na denúncia dos referidos contratos, pelo que improcedem as conclusões 20.ª a 24.ª da alegação do recurso de revista dos autores.

6. Resta apreciar a pretensão dos autores no sentido de que lhes assiste o direito a uma indemnização pelos danos invocados. Para tanto, os autores invocam que «[s]e é inegável a responsabilidade da Ré FF, quer no que concerne à ilicitude das rescisões operadoras antes da transmissão, como bem se demonstrou supra, quer quantos aos inegáveis e patentes danos morais que causou, [n]ão menos o é a responsabilidade das três restantes operadoras, também RR., a saber, HH, JJe II sobre as quais, além de impender a obrigação de reintegrar todos os AA., face à ilicitude dos seus despedimentos, com as devidas consequências legais, bem como de assegurar a manutenção do posto de trabalho do A. AA, impende igualmente a competente indemnização pelos danos morais sofridos e que resultaram provados».

Mais aduzem que «não resultam dúvidas acerca da responsabilidade do ICP-‑ANACOM, uma vez que, nos termos do seu próprio Estatuto, é responsável pelas suas omissões, tendo ainda personalidade jurídica, sendo que tal matéria foi oportunamente alegada e dada como provada», e que, «[a]inda que se entenda que, de facto, o ICP-ANACOM não dispunha de competência legal que permitisse sancionar devidamente as RR. II e HH, então é forçoso concluir que a responsabilidade se repercute sobre o Estado, [n]a medida em que, com a sua atitude omissiva, consistente em não ter legislado convenientemente sobre tal matéria, causou danos de elevada monta aos aqui AA.», sendo que, «quanto ao Réu Estado Português, responsável nos termos do art. 22.º da C.R.P., cumpre apenas reiterar que o mesmo, ao arrepio do regulamento de concessão das licenças que criou, aceitou dividir o referido espectro radioeléctrico, escamoteando a posição legalmente protegida dos ora AA.».

O n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil estipula que «[a]quele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».

Assim, a responsabilidade civil por factos ilícitos pressupõe a existência de um facto ilícito, a imputação do facto ao lesante, a verificação de um dano e a existência de um nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Por seu lado, o n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil reza que, «[n]a fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito», dispondo o n.º 3 que a indemnização por danos não patrimoniais será fixada equitativamente, devendo o tribunal considerar, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º do mesmo Código, o qual prevê que, na fixação do valor da indemnização há que ter em conta «o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso».

A este propósito, há que considerar os factos provados seguintes:

133) Os constantes avanços e recuos do projecto da FF, veiculados pela comunicação social, onde os autores foram tratados como «passivo», geraram nestes receio de perderem o seu emprego;
134) Em consequência do fracasso do projecto da FF, os autores sentiram angústia e incerteza;
135) Em consequência do fracasso da FF, os autores sentiram-se desgostosos;
136) Em consequência do fracasso do projecto da FF, os autores sentiram-se angustiados e tristes;

Apreciando a questão, o acórdão recorrido teceu as seguintes considerações:

                    «Também neste ponto não assiste razão aos recorrentes.
                      Em primeiro lugar, não existe qualquer responsabilidade (quer em termos de danos patrimoniais quer em termos de danos não patrimoniais) da Ré FF, no que concerne à rescisão dos contratos de trabalho dos Recorrentes BB, CC e DD, uma vez que essa rescisão, como vimos atrás, ocorreu dentro período experimental e foi considerada legal.
                      Em segundo lugar, não existe qualquer responsabilidade da parte das outras três operadoras (HH, JJe II), designadamente a obrigação de reintegrar os Autores despedidos, bem como a de assegurar a manutenção do posto de trabalho do A. AA, uma vez que não ficou demonstrada a transmissão de qualquer estabelecimento (ou de qualquer unidade económica) da Ré FFpara as Rés HH, JJe II. Mesmo que tivesse ficado demonstrada qualquer transmissão de estabelecimento — e já vimos que não ficou — os Recorrentes não podiam requerer a sua reintegração simultaneamente nas três operadoras, por se nos afigurar uma pretensão impossível de concretizar, na medida em que não podiam desempenhar as suas funções simultaneamente para três empresas distintas. Por outro lado, não se compreende, que o A. AA formule tal pretensão e continue a apresentar-se diariamente nas instalações da FFpara prestar o seu trabalho e onde recebe a sua retribuição e não nas instalações do estabelecimento que alega ter sido transmitido para as Rés HH, JJe II.
                      Em terceiro lugar, não existe responsabilidade dos RR. pelo pagamento de qualquer quantia, a título de indemnização por danos não patrimoniais que os Recorrentes alegam ter sofrido, uma vez que estes não conseguiram demonstrar os pressupostos ou os factos constitutivos do direito à indemnização reclamada (ou seja, a prática de um facto voluntário pelos Recorridos; a ilicitude desse facto; existência de um nexo de imputação do facto aos lesantes traduzido num juízo de culpa; a existência de danos não patrimoniais graves e a existência de um nexo de causalidade entre o facto praticado e os danos graves sofridos).
                      A este respeito provou-se apenas i) que os constantes avanços e recuos do projecto da FF, veiculados pela comunicação social geraram nos Autores receio de perderem o seu emprego e ii) que em consequência do fracasso do projecto da FF, os Autores sentiram-se desgostosos, angustiados e tristes.
                      Assim, em relação ao primeiro elemento para a concretização da responsabilidade civil (a prática de um facto), resulta apenas da matéria provada o fracasso do projecto da FF, não se tendo apurado, em relação a este elemento, a prática por qualquer um dos Réus, de um qualquer facto ou acto dominável ou controlável pelas suas vontades ou a existência de uma qualquer obrigação de agir de outra forma que tenha sido violada por estes. Quanto à imputação do fracasso desse projecto aos Réus, também se põe em causa a sua verificação, sendo certo que apenas actua com culpa quem não actua com o cuidado e segundo as regras de conduta a que está obrigado e é capaz de observar e, neste processo, não se vislumbra a existência de uma intenção (malévola) dos Réus no sentido de causar o fracasso do projecto da FFou uma falta de cuidado, de desatenção ou de desleixo (da sua parte) que tenha contribuído para esse fracasso. A falta destes requisitos é suficiente para julgar improcedente a pretensão indemnizatória dos Autores, porquanto os pressupostos da responsabilidade civil supra enunciados são cumulativos.
                      De qualquer forma, mesmo que se mostrassem preenchidos todos os referidos pressupostos, sempre se teria de concluir pela improcedência da pretensão dos Recorrentes, por se verificar que os danos não patrimoniais por eles sofridos não assumem um carácter suficientemente grave que justifique a sua tutela pelo direito (art. 496.º, n.º 1 do Cód. Civil).
                      Os danos não patrimoniais graves a que se refere este preceito não têm que ser considerados apenas os danos exorbitantes ou excepcionais, mas também aqueles que saem da mediania, que ultrapassam as fronteiras da banalidade, que, no mínimo, espelhem a intensidade de uma dor, de uma angústia, de um desgosto, de um sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso comum, se tornam inexigíveis em termos de resignação e que não se traduzam em meras contrariedades e incómodos .
                      Como já dissemos atrás, no caso em apreço, provou-se apenas que os constantes avanços e recuos do projecto da FF, veiculados pela comunicação social geraram nos Autores receio de perderem o seu emprego, e que, em consequência do fracasso do projecto da FF, aqueles sentiram-se desgostosos, angustiados e tristes. Contudo, nesta matéria de facto, não se descortinam elementos que traduzam a gravidade, a dimensão e a duração desse desgosto, dessa angústia e dessa tristeza e que nos permitam concluir que se trata de danos não patrimoniais graves e não de desgostos, angústias e tristezas que não saem da mediania e não ultrapassam as fronteiras da banalidade, pelo que também por este motivo, a pretensão dos Recorrentes não poderá ser julgada procedente.
                      O Apelado ICP-ANACOM foi também demandado, nesta acção, por no entender dos Recorrentes, ter adoptado condutas omissivas e ilícitas, que se consubstanciaram no não uso das suas competências sancionatórias. Tais omissões, no entender dos Apelantes geram responsabilidade e conferem-lhe o direito a ser indemnizados pelos danos que alegaram ter sofrido.
                      Mas não lhes assiste razão.
                      Com efeito, da matéria de facto provada, designadamente, da matéria dos n.os 25.º a 36.º, resulta precisamente o contrário do que alegam os apelantes, por tais factos demonstrarem que a actuação do ICP-ANACOM não consubstancia a conduta omissiva que aqueles lhe imputam. Dos referidos factos o que se conclui é que o ICP-ANACOM actuou e que as operadoras não se conformaram com a sua actuação e reagiram, tendo impugnado judicialmente as suas deliberações. Se o ICP actuou e as operadoras reagiram naqueles termos, não se lhe pode imputar a conduta omissiva que os Recorrentes lhe imputam ou negligência no exercício das suas funções e competências. É certo que não foram cassadas, nem suspensas as licenças das operadoras II e HH, como pretendiam os recorrentes. Mas tal cassação ou suspensão não era exigível e a verificar-se seria desproporcional e desadequada à situação em apreço, na medida em que implicaria a paralisação das comunicações móveis. Tais medidas, porque extremas, seriam desproporcionais e violariam o interesse dos consumidores, o bem comum que o ICP-‑ANACOM, enquanto regulador, tem o dever de acautelar.
                      Por outro lado, os apelantes também não conseguiram demonstrar, em relação ao ICP-‑ANACOM, a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil previstos no art. 483.º do Cód. Civil, designadamente, a prática de um facto ilícito, a imputação desse facto ao apelado a título de culpa, a existência de danos não patrimoniais graves e a existência de nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos sofridos, pelo que tem necessariamente de improceder o pedido de indemnização por eles formulado.
                      Finalmente, os Recorrentes alegam que mesmo que se entenda que, de facto, o ICP-‑ANACOM não dispunha de competência legal que permitisse sancionar devidamente as RR. II e HH, então é forçoso concluir que a responsabilidade se repercute sobre o Estado, na medida em que, com a sua atitude omissiva, consistente em não ter legislado convenientemente sobre tal matéria, causou danos de elevada monta aos Autores.
                      Os Recorrentes, no entanto, nada alegaram, na sua petição inicial ou no decurso da acção sobre esta matéria.
                      Nos termos dos arts. 676º, n.º 1 e 684º, n.º 3 do CPC, os recursos são meios que visam modificar as decisões impugnadas, obter o reexame das questões nelas tratadas e não obter decisões sobre questões não submetidas ao exame do tribunal de que se recorre, ou seja, visam o reestudo de matérias já apreciadas e de questões já vistas, estudadas e resolvidas pelo tribunal a quo e não a pronúncia do tribunal ad quem sobre matérias ou questões novas.
                      Nesta óptica, ao tribunal de recurso cabe apenas apreciar a matéria e as questões decididas pelo tribunal de que se recorre, salvo se estiver em causa matéria ou questão que seja de conhecimento oficioso.
                      Ora, como a pretensão agora formulada pelos recorrentes não foi formulada na sua petição inicial nem no decurso da acção e como, por essa razão, tal pretensão e a matéria que lhe serve de fundamento não foram apreciadas pelo tribunal recorrido, esta Relação não pode pronunciar-se sobre a mesma, tanto mais que não está em causa uma questão de conhecimento oficioso.»

Tudo ponderado, sufragam-se as considerações transcritas e confirma-se o julgado, neste preciso segmento decisório.
Apenas se acrescentará que também em relação ao réu Estado Português, ao qual é imputado «que o mesmo, ao arrepio do regulamento de concessão das licenças que criou, aceitou dividir o referido espectro radioeléctrico, escamoteando a posição legalmente protegida dos ora AA.», tal como sucedeu quanto ao ICP- ANACOM, os autores não conseguiram provar a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil previstos no artigo 483.º do Código Civil.

Nesta conformidade, improcedem as conclusões 25.ª a 30.ª da alegação do recurso de revista dos autores.

                                             III

Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação deduzida pela ré/recorrente FF, negar a revista trazida pelos autores e confirmar o acórdão recorrido.

Custas da reclamação a cargo da ré/recorrente FF.

Custas da revista trazida pelos autores a cargo destes.

    Lisboa, 26 de Setembro de 2012


Pinto Hespanhol (Relator)

Fernandes da Silva
                               
Gonçalves Rocha