Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B2132
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: GIL ROQUE
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DANOS FUTUROS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: SJ200707050021327
Data do Acordão: 07/05/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1. O cálculo das indemnizações por danos futuros, deve apoiar-se tanto em tabelas financeiras como em fórmulas matemáticas como meio de mais facilmente se obter um valor equitativo e equilibrado da indemnização por danos futuros. Tem-se usado em algumas decisões do S.T.J., para obtenção do valor da indemnizações por danos futuros, tabela financeira, entre elas a seguinte : C = Px[1/i – 1+i/(1+i)) Nx i] + P x (1+ i) –N , em que: C - representa o valor do capital (total) com juros acumulados até ao fim dos anos de vida activa provável do sinistrado; P - o valor do rendimento anual do último ano de trabalho do lesado antes do sinistro; I - a taxa de juros provável no decurso da vida activa e N - o número de anos de vida activa provável que o sinistrado trabalharia se não fosse vítima do acidente.
2. O montante da indemnização por danos não patrimoniais deve ser proporcional à gravidade do dano e calculado segundo as regras da prudência, do bom senso prático e da justa medida das coisas.
3. Deve ter-se em consideração o sofrimento do lesado, durante e após o acidente bem como as dores físicas e morais de que a vítima sofreu e sofre, bem como o desgosto que as mazelas lhe trouxeram ou trazem.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I.
1. AA, intentou em 20.9.2001 contra «F... de G... Automóvel, a presente acção sob a forma ordinária, pedindo a condenação deste a pagar­ a quantia total de 69.535.358$00 de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais e ainda os juros vencidos desde a citação.
Para tanto alega, em síntese, que no dia 22.6.97 ocorreu um acidente de viação na E. N n.º18, no qual foi interveniente o motociclo «Yamaha» 1100, matrícula L0-00-00 propriedade do e por ele conduzido, e o veículo ligeiro de mercadorias, marca «Peugeot 205», de matrícula desconhecida, o qual fez uma ultrapassagem ao motociclo, embatendo nele e empurrando o A. ara fora da estrada, vindo a embater numa árvore; que após o acidente o condutor do veículo desconhecido pôs-se em fuga. Do embate resultaram lesões várias para a A. que descreve.
Em consequência, reclama, para além de danos patrimoniais emergentes, a quantia de 7.507.957$00 por danos patrimoniais resultantes da LP.P. de que ficou a sofrer, e 10.000.000$00 por danos morais.
Contestou o réu arguindo a prescrição do direito invocado pelo A., e pondo em causa a extensão e o "quantum" dos danos, que impugnou.
Saneado o processo, julgando-se improcedente a suscitada excepção da prescrição, seleccionaram-se os factos assentes e fixou-se a base instrutória, que não foram objecto de qualquer reclamação.
Oportunamente, e depois de longa espera pela perícia de avaliação do dano corporal do teve lugar o julgamento, decidindo-se a matéria de facto controvertida, sem reparos das partes, seguindo-se a sentença em 14.6.06, na qual se julgou a acção parcialmente procedente, condenando-se a ré, para além do mais, a pagar ao autor a quantia de 29.263.086$00 a título de indemnização, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a sentença até efectivo pagamento.
Apelaram autor e réu, e na sequência desses recursos foi proferido acórdão que julgou parcialmente procedentes ambas as apelações, aumentando-se para € 125..000,00 a indemnização arbitrada ao autor a título de danos patrimoniais futuros, e em reduzir para € 30.000,00, a indemnização devida ao autor pelos danos não patrimoniais sofridos.

2. Inconformados, voltam a recorrer ambas as partes, agora de revista que apresentaram alegações, retirando delas as seguintes conclusões:
AA:
. 1ª Quanto ao danos patrimoniais (Lucros Cessantes), o recorrente não se conforma com o acórdão da Relação de Coimbra, por considerar que a indemnização fixada peca por defeito, apesar de a ter aumentado em relação à fixada na 1ª instância.
2a Os venerandos juízes "a quo" enumeraram no acórdão os critérios a tomar em consideração na fixação da indemnização: a equidade-critério primordial-; a formula matemática utilizada nos autos; a esperança média de vida; a percentagem de incapacidade do recorrente; a percentagem de dano futuro; a remuneração do recorrente e expectativas de ganho, a inflação; a taxa de juro; ganhos de produtividade e promoção profissional; idade à data do acidente, a idade à data do pedido e a actual, e os demais circunstancialismos fácticos da sentença de 1ª, os quais se considera como acertados e a tomar em conta como forma de se alcançar uma indemnização justa.
3a A esperança média de vida dos homens Portugueses é de 74,9 anos, conforme divulgação no dia 05/03/2007 pelo gabinete de estatística das comunidade europeias, efectuando-se o arredondamento para os 75.
4a Pelo que, aplicando tal idade na formula utilizada nos autos (a constante do AC. in CJ ano XX, 1995, Tomo II, pag.23) com os factores constantes das anteriores alegações de recurso apresentadas pelo recorrente, com a correcção da idade de esperança média de vida, o valor da indemnização em termos de lucros cessantes seria de 48.334.685$00.
5ª Munindo-nos do valor alcançado pela formula matemática, verificando que a mesma atribui um valor superior ao peticionado pelo recorrente, devido às recentes alterações à esperança média de vida, divulgadas pela Comunidade Europeia.
Considerando, ainda, a situação em que o recorrente ficou, designadamente: que o A. tinha quase 20 anos à data do acidente; em virtude do acidente ficou com uma incapacidade permanente geral de 50%, à qual acresce a título de dano futuro mais 10%, em termos de rebate profissional, é responsável por esforços acrescidos no seu desempenho, podendo mesmo existir tarefas que o A. não consiga executar; auferia como aprendiz de mecânico, o salário mensal de
56 700$00; estava no início de carreira e tinha possibilidade de vir a auferir, pelo menos,
150 000$00; desde jovem que ambicionava ser mecânico de automóveis; trabalha actualmente como auxiliar dos outros mecânicos, aufere o salário de 500 €, o A. continua no mesmo posto de trabalho que ocupava desde momento anterior ao acidente, com a progressão de carreira limitada, tinha à altura do acidente 57 anos pela frente até aos 75 anos (idade média dos Portugueses); que nunca mais poderá ascender à categoria profissional de mecânico, entre outras. E utilizando a equidade como critério principal terá de se concluir que a indemnização a atribuir ao recorrente a título de danos patrimoniais futuros deverá ser superior à atribuída pelos Venerandos Desembargadores.
6ª Utilizando como ponto de partida o valor alcançado através da formula matemática; corrigindo-a com a situação actual do A. recorrendo a juízos de equidade, o valor da indemnização a pagar ao A. a título de danos patrimoniais futuros deverá ser fixada em 183 029,92€ (36 694 205$00).
7ª Considera-se acertada a fundamentação legal relativamente à indemnizibilidade dos danos morais, nos termos do art.496° nº l do C.C. e o recurso a juízos de equidade.
8ª O recorrente não se conforma com a redução efectuada pelos Juízes "a quo" ao valor fixado na primeira instância, quanto a danos morais.
Não podendo colher a fundamentação que tal valor se aproximava do valor do dano morte.
Tal como os venerandos desembargadores afirmaram no acórdão recorrido, tem a jurisprudência mais recente tentado chegar a valores significativos e não miserabilistas, pelo que no caso dos autos deverá ser fixada ao A. uma indemnização a título de danos morais significativa, já que a situação actual do A., o que este padeceu durante o acidente e a sua recuperação, não tem preço.
9ª Para a fixação de tal indemnização terão V.Ex3.s de tomar em consideração os factos provados resultante das base instrutória, designadamente: 1 a 13; 15 a 22, 26, 28 a 43 e 50, para os quais se remete e se dão por reproduzidos.
Resulta de tais factos que o A. com, apenas, 19 anos de idade sofreu um brutal acidente provocado por culpa exclusiva de um condutor desconhecido que o abandonou à morte, na berma da estrada.
As dores que o recorrente padeceu, durante o acidente e na sua recuperação, foram qualificadas pelo IML de Coimbra (cfr. fls .... ) num quantum doloris de grau 06 em 07.
Os internamentos e as intervenções cirúrgicas que o A. padeceu. As dores acompanham-no irão acompanhá-lo toda a sua vida, nomeadamente: dores de cabeça persistentes; dores corporais no final do dia de trabalho e com as mudanças de temperatura, etc.
O A. sente-se inferiorizado face às outras pessoas, por não ter olfacto, por estar surdo do ouvido direito e ouvir mal do outro, por apresentar um quadro depressivo permanente; tem um encurtamento na perna esquerda o que o leva a claudicar da mesma; é vítima de gracejos por parte dos colegas, devido às deficiências físicas de que é portador. O dano estético de grau 05 em 07, o qual perturba e entristece o A . Prejuízo de afirmação pessoal de grau 03 em 05.
O A. não pode sentir o agradável aroma das flores, da terra molhada, entre outros que o mundo lhe poderia dar.
Por outro lado, recentes estudos científicos revelaram que o paladar está ligado ao olfacto, pelo que a possibilidade de o A. poder desgostar uma refeição confeccionada com todo o requinte está, necessariamente, posto em causa, tudo devido ao acidente em que se viu envolvido sem qualquer espécie de culpa.
O sonho que faz mover a vida, foi cortado ao A. no dia do acidente, pois a partir dessa data a possibilidade de ser a transformar em mecânico foi decepada, reduzindo-lhe a sua capacidade profissional a 50% com tendência futura de chegar a 60%, ocupando actualmente o posto profissional de auxiliar de mecânico.
O recorrente tem o 2° ano do ciclo, pelo que a possibilidade de vir a exercer uma profissão com cariz intelectual está posta de parte.
A vida do recorrente e as suas expectativas foram abaladas no auge da juventude, carregando deficiências graves, que o entristecem e que lhe criam depressões nervosas constantes.
10º A fim de se atenuar a dor do A. e lhe permitir arranjar distracções e prazeres que o façam olvidar, ainda que momentaneamente, a falta de olfacto, a pouca audição, a dificuldade em caminhar, a impossibilidade em se dobrar, as depressões, as dores do acidente, as dores da recuperação, o estado de coma posterior ao acidente, o dano estético, as dificuldades de afirmação pessoal, a impossibilidade de saborear plenamente qualquer refeição, entre outras supra referidas, reputa-se ajustada e adequada a atribuição de uma indemnização de esc.l0.000.000$00 (49879,79€), a título de danos morais.
Deve o presente recurso ser julgado procedente e provado, mantendo-se o acórdão proferido, excepto: Quanto aos danos patrimoniais futuros, condenando­-se a R. a pagar ao A. a quantia de 183.029,92€, a este título;
Quanto ao danos não patrimoniais, condenando-se a R. a pagar ao A. a quantia de 49.879,79€, a este título.
Subsidiariamente, caso improceda o pedido supra formulado, requer a V.Ex3s. que nunca venham a ser estipulados valores inferiores aos definidos na sentença de 1ª instância quanto aos danos morais e no acórdão da Relação de Coimbra quanto aos danos patrimoniais futuros.

F...de G... Automóvel :
a) O ressarcimento dos danos patrimoniais futuros/lucros cessantes visa compensar a perda de rendimentos ou os esforços acrescidos para os obter.
b) Está assim directamente ligada à actividade profissional da vítima.
c)Aliás, o cálculo dos lucros cessantes parte do valor salarial auferido pela vítima.
d) É este o elemento mais importante do cálculo.
e) Numa situação de “não acidente” o lesado não trabalharia para além da idade da reforma, podendo até vir a reformar-se com antecedência relativamente a tal/limite.
f) Em situação de “não acidente” o lesado após os 65 anos apenas auferiria a subvenção social.
g) Razão pela qual, num juízo de prognose para cálculo de indemnização, não há que cumular, após os 65 anos, uma subvenção social com uma compensação por perdas salariais,
h) Situação que o lesado não teria caso não tivesse sofrido o acidente.
i) Pelo que se conclui que em situação de “acidente” são cumulados dois rendimentos, o que leva a um enriquecimento provocado pela indemnização.
j) Por fim, ao valor obtido da tabela financeira, há que efectuar uma dedução na ordem dos %; 1/3, para tentar compensar o enriquecimento que a atribuição do valor indemnizatório de uma só vez provoca, tendo em conta que numa situação de “não acidente” tal valor seria atribuído ao longo de toda a vida laboral.
k) Assim, com base na tabela financeira usualmente utilizada pelos tribunais de recurso, e tendo em conta a idade de reforma como limite ao ressarcimento dos danos patrimoniais futuros, utilizando como variável a taxa de juros de 5% reservada a aplicações financeiras e uma progressão economlca de 2%, efectuando ainda o desconto final para evitar o enriquecimento provocado pela atribuição do valor de uma só vez, obtém-se um valor de 42.000 Euros, pelo qual se pugna para tal ressarcimento, por se afigurar mais equitativo.
l) A sentença de que se recorre violou entre outras, as disposições dos artigos 562°, 564°, 566°, todos do Código Civil. Deve dar-se provimento ao presente recurso,

- Corridos os vistos e tudo ponderado cabe apreciar e decidir.

II. Os factos dados como provados nas instâncias são os seguintes:
A factualidade em que assentou a sentença da 1.ª instância por ter sido posta em causa nos recursos de apelação foi mantida pela Relação, ao abrigo do disposto no art.713° /6,C.P.C.
Assim, tem-se por assente, porque não vem discutida, a atribuição no acidente a culpa exclusiva do condutor da viatura «Peugeot 205», cuja identidade se desconhece. Também não foi questionado nos recursos o montante da indemnização pelos danos patrimoniais emergentes sofridos pela A..
A questão única que foi objecto de recurso para a Relação, foi o quantum indemnizatório pelo dano futuro e pelo dano não patrimonial.
Nesse âmbito os factos provados no acórdão recorrido são os seguintes:
13. Em consequência do acidente, o autor sofreu traumatismo do membro inferior esquerdo, com fractura exposta grau II dos condilos femorais esquerdos, traumatismo crânio encefálico e fractura órbito-malar do lado direito.
14. Nessa mesma data, deu entrada de urgência no Hospital Distrital do Fundão.
15. Foi transferido no mesmo dia para o Hospital da Covilhã e daí para os Hospitais da Universidade de Coimbra.
16. Esteve em coma até ao dia 24/06/97.
17. Foi operado de urgência em Coimbra, onde ficou internado nos serviços de Neurotraumatologia.
18. Foi observado nos serviços de cirurgia maximo-facial do Hospital da Universidade de Coimbra, tendo-lhe sido diagnosticada fractura da mendíbula sinfisárica e ramo horizontal esquerdo, fractura do complexo nasal etmoidal, anosmia e perda de audição à direita.
19. Do ponto de vista ortotraumático a fractura foi estabilizada com um fixador externo.
20. Que lhe foi removido cerca de 4 meses após a colocação, por ter feito reacção ao material de osteossíntese.
21. Após a extracção do fixador, foi-lhe colocado um aparelho de gesso cruro-podalico.
22. Que usou durante 5 meses e meio.
23. Ao fim deste tempo, a fractura estava consolidada, tendo sido feita a extracção do aparelho de gesso.
24. O autor teve alta em 08/07/98, tendo continuado em observações.
25. À data do acidente, o autor trabalhava como aprendiz de mecânico, auferindo um salário de 56.700$00.
26. Ficou incapacitado totalmente para o trabalho entre 22 de Junho de 1997 e 30 de Agosto de 1998.
27. As lesões sofridas pelo autor encontram-se actualmente consolidadas.
28. Apresentando as seguintes sequelas:
- cicatriz de ferida operatória na arcada supraciliar direita de cerca de 3 cm de comprimento;
- cicatriz de ferida operatória na arcada supraciliar esquerda de cerca de 2 cm de comprimento;
- cicatriz de ferida operatória na região orbitocicular inferior direita de cerca de 3 cm de comprimento, de forma irregular;
- assimetria facial com protuberância do ramo horizontal esquerdo do maxilar inferior esquerdo assimetria do nariz com desvia para a direita;
- hipoacusia profunda do ouvido direito; anosmia; encurtamento do membro inferior esquerdo de 4 cm.
- Instabilidade do joelho com um recurvatum até 20 graus de hiperextensão; rigidez na flexão, mobilizando o joelho até 70 graus;
- claudicação acentuada da marcha; diminuição da força muscular da coxa e perna esquerdas e consolidação da fractura em posição viciosa.
29.Estas sequelas conferem ao autor, uma incapacidade permanente geral fixável em 50%.
30. Estas sequelas, são, em termos de rebate profissional, responsáveis por esforços acrescidos no seu desempenho, podendo mesmo existir algumas tarefas que o autor não consiga executar.
31. O autor, à data do acidente, era saudável.
32. Sofreu dores, quer no momento do acidente e das cirurgias, quer durante o período de recuperação.
33. O autor ainda sofre dores, designadamente ao fim de um dia de trabalho e com as mudanças do tempo.
34. O autor queixa-se, por vezes, de dores de cabeça.
35. O autor, por vezes, apresenta um quadro depressivo.
36. De anosmia e hipocrisia à direita.
37. O autor perdeu o olfacto no acidente.
38. O autor tem desgosto com as lesões e sequelas de que padece.
39. O autor se for a uma discoteca, não suporta ouvir o barulho da música.
40. Sente-se inferiorizado, em virtude de coxear, não ter olfacto e ouvir muito mal.
41. O autor estava no início da sua profissão de mecânico de automóveis, tendo possibilidades de vir a ascender na sua carreira profissional e de vir a auferir, pelo menos, 150.000$00.
42. O autor ambicionava, desde a adolescência, ser mecânico de automóveis.
43. O autor actualmente trabalha, como mecânico de pesados, mas como auxiliar dos outros, pois que por ouvir mal, não pode ouvir, com rigor o barulho dos motores e igualmente, não se pode deitar debaixo de um veículo.
44. O autor, actualmente, aufere o salário mensal de cerca de 500,00 €.
45. O autor nasceu em 28.8.77 (certidão de fls.115).

III. Direito:
Como se verifica das conclusões o objecto dos recursos restringe-se à discordância do valor das indemnizações, o Autor, AA, do fixado para os danos futuros e não patrimoniais e o F...de G... Automóvel por entender elevado o montante fixado no acórdão recorrido para ressarcir o autor pelos danos futuros (lucros cessantes) de que foi vítima.
A apreciação dos recursos será feita conjunta em simultâneo face à fundamentação apresentada nas alegações, embora em contraposição nos fundamentos de um e outro.

Danos futuros (lucros cessantes) :
1 – Ambos os recorrentes discordam do valor da indemnização por danos futuros fixado no acórdão recorrido em € 125.000,00.
Pretende o autor que o valor do danos seja elevado para a quantia de 183.029,92 €, estribando-se na idade média de vida dos homens em Portugal que diz rondar os de 75 anos, e na idade do sinistrado à data do acidente sem ter em conta os restantes factores, designadamente o vencimento mensal da vítima à data do acidente. Por seu lado, o F...de G... Automóvel, fica-se pelos, 42.000,00 €, apoiando-se no facto da vida activa da pessoas, que corresponde aos anos de trabalho na função, não se poder confundir com o índice de esperança dos anos de vida provável dos homens e das mulheres em Portugal, apontando com alguma pertinência a idade de 65 anos como limite normal de trabalho dos portugueses. Recorde-se a polémica que se tem levantado ultimamente pelo facto de se ter elevado para os 65 anos a idade de reforma.

Quanto à fixação do valor da indemnização por danos futuros consequentes da incapacidade parcial permanente de que o recorrente passou a sofrer após o acidente, a discordância é sintetizada nas, 2ª, 3ª, 4.ª, 5ª e 6ª conclusões das alegações do autor. Na sua apreciação, não se pode deixar de ter em conta que alguns dos elementos indicados pelo recorrente para censurar a decisão da Relação por ter fixado o valor da indemnização por danos futuros (lucros cessantes)em €125 000,00, não correspondem aos índices reais, como adiante de mostrará e por outro lado a indemnização relativa à IPP, com repercussão nos danos futuros, não pode assentar apenas nas tabelas financeiras, servindo estas apenas como dizia o Conselheiro Sousa Dinis, de barómetro ou meio de melhor se obter uma indemnização em dinheiro, tendo-se em conta o disposto no art.º 562º do CC.
Assim, há que ter em consideração que o recorrente tinha à data do acidente cerca de 20 anos de idade, trabalhava como aprendiz de mecânico e auferia o vencimento mensal de 56.700$00. Esse rendimento base deve multiplicar-se por 14 meses, para incluir os subsídios de férias e de Natal, o que perfaz o montante do rendimento anual à data do acidente de 793.800$00, ou sejam, € 3.960,00 em moeda actual.
Aceitando-se o critério base da obtenção do valor da indemnização através do uso generalizado das tabelas financeiras como “pauta” tendencial e normalizadora, tendo em vista uma apreciação tanto quanto possível objectiva, para se obter o valor da indemnização correspondente à IPP de 50% alargada para os 60% na perspectiva dos danos futuros, de que o recorrente foi vítima, há que ajustar, tanto quanto possível à realidade, os índices base do rendimento anual do lesado à data do acidente, do valor da taxa anual de juros dos depósitos a longo prazo e do número provável de anos de vida activa do sinistrado, que se pode alargar no máximo até aos 70 anos.
Entende o recorrente que o limite da vida dos portugueses se situa, em média, nos setenta e cinco anos de idade e que a taxa de juros anuais segundo a fórmula utilizada na 1ª instância é de 0,25%, calculada do seguinte modo: i= (1+r): (1+k)-1, sendo:
r= taxa de juro nominal liquida das aplicações financeiras de (4%) e,
k= taxa anual de crescimento de PNB (3%) mais consentânea e ajustada, no seu entender, à realidade da conjuntura económica actual, perspectivada para o futuro.
Nos cálculos efectuados na 1.ª instância, apurou-se o capital total e juros adicionados no valor de 16.643.000$00, correspondente a € 83.014,93, que depois se alargou, invocando-se a equidade para, € 100.000,00.

Os elementos tirados da prova produzida e estatísticos dão-nos números diferentes.
Quanto à taxa de juros a aplicar na formula financeira temos usado a taxa anual de juros a longo prazo, que presentemente se situa na ordem dos 2,5%, com tendência para subir. Como se sabe a taxa de juros é fixada por determinação do Banco Central Europeu, sabendo-se que este ano já subiu, pelo menos, duas vezes e a tendência aponta no sentido de continuar a subir.
No cálculo das indemnizações por danos futuros, este Tribunal, tem-se por vezes apoiado não só em tabelas financeiras como em fórmulas matemáticas (1) como meio de mais facilmente se obter um valor equitativo e equilibrado.
Na sequência de algumas decisões que vêm sendo proferidos pelo S.T.J., temos usado nos recursos em que surgem situações que dão lugar a indemnizações por danos futuros a seguinte tabela financeira : C = Px[1/i – 1+i/(1+i)) Nx i] + P x (1+ i) –N , em que:
C - representa o valor do capital (total) com juros acumulados até ao fim dos anos de vida activa provável do sinistrado, ou em caso de morte e o sinistrado deixa filhos menores o número de anos, até completar a sua formação profissional;
P - o valor do rendimento anual do último ano de trabalho do lesado antes do sinistro;
I - a taxa de juros provável no decurso da vida activa do sinistrado e
N - o número de anos de vida activa provável que o sinistrado trabalharia se não tivesse sido vítima da incapacidade que sofreu.
No caso em apreciação, está provado que o recorrente tinha à data do acidente cerca de 20 anos de idade e sendo o seu rendimento mensal à data do acidente de, 56.700$00 mensais, durante os catorze meses no ano, perfaz o rendimento anual de 793.700$00 a que correspondem, € 3.960,00, à data do acidente.
Considerando que o recorrente era trabalhador por conta de outrem, o máximo previsível, segundo o regime de segurança social, que podia manter-se no trabalho seria até ao 70 anos. O período da sua vida activa provável seria assim de 50 anos até atingir aquela idade e a taxa anual de juros a prazo actual cifra-se em 2,5%.
Usando como base de cálculo a tabela financeira acima indicada e feitas as operações adequadas, substituindo as letras pelos seus valores, tendo-se em conta o grau de IPP de 60% de que o recorrente foi vitima, optem-se a verba correspondente aos danos futuros (lucros cessantes) de € 67.388,85 (112 314,75x 0,60)..
O cálculo do montante da indemnização por danos futuros é, como se sabe, sempre aleatório. Isto tendo-se em conta, desde logo, que os anos prováveis de vida média dos homens ultrapassa presentemente os 74 anos, e de vida activa, que raramente chega aos 65 anos, pode ser ultrapassado ou reduzido, por o sinistrado mesmo sem o acidente poder ter o seu óbito antes do decurso desse período de tempo ou deixar de trabalhar muito antes dos 65 anos, como são os casos de reforma antecipada, do mesmo modo que a taxa de juros, tanto pode ser de 2,5 %, de 3%, ou qualquer outra, mais elevada ou não.
Não é possível saber-se com rigor qual será a taxa de juros anual para os depósitos (a prazo) de longa duração, embora se saiba que presentemente não vai além de 3% e mesmo esta taxa, só é paga a alguns depositantes ou excepcionalmente.
De qualquer modo, usando-se esta fórmula, se em vez da taxa de juros de 2,5% ao ano se tivesse usado a taxa de 1,5%, o montante da indemnização por danos futuros para a mesma IPP seria de € 83.159,25 com a taxa de 2% seria de € 74.662,48 e com a taxa de 3,5% seria de € 55.730,54, bem mais reduzida do que aquela que foi arbitrada pelas instâncias.

O critério de cálculo com recurso a tabelas financeiras é uma das várias fórmulas de se obter o valor da indemnização por danos futuros, embora esta deva ser sempre temperada segundo o prudente arbítrio do tribunal, com recurso à equidade (art.ºs 564.º n.º2, 566.º n.º3 , e 496.º n.º 3 do Código Civil) (2)
Todas as fórmulas são mais ou menos falíveis, uma vez que a possibilidade de vida futura está sempre dependente de variados factores, podendo o período de vida encurtar-se ou alongar-se, do mesmo modo que o valor da inflação, e da hipotética mudança de profissão ou progressão na carreira profissional, das taxas de juros a prazo, da conjuntura económica do País e de outras questões que embora previsíveis, não têm um grau seguro de exactidão7.
Tendo a 1.ª instâncias fixado a indemnização para a IPP de 50% de que o recorrente foi vítima em € 100.000,00, e a Relação por ter tomado em consideração a IPP de 0,60%, em €125.000,00 ultrapassaram ambas em grande medida os valores obtidos pelos cálculos efectuados através das tabelas financeiras.
Assim, não só não é pensável elevar-se o valor da indemnização por danos futuros, como não é razoável manter-se no nível em que as instâncias o fixaram, uma vez que não se vislumbram razões válidas para se terem fixado nesses montantes o valor da indemnização por danos futuros, mesmo com o recurso à equidade, uma vez que o montante fixado nas instâncias se nos afigura manifestamente elevado, face ao rendimento mensal do sinistrado à data do sinistro.

De qualquer modo, entende-se que o valor de € 42.000,00, sustentado pelo F...de G... Automóvel, também não se ajusta ao grau de incapacidade de que o autor foi vítima, sendo claramente miserabilistico, mesmo tendo-se em consideração o baixo vencimento que a vítima auferia à data do acidente.
Atendendo a todos os elementos e índices que se referiram, designadamente ao grau de IPP do autor vitima do acidente e, considerando que o seu vencimento ronda hoje os 500,00 € mensais, recorrendo à equidade e tendo em consideração as disposições conjugadas dos artigos 564.º, n.º2, 566º, nº3 e 496º, n-3 do Código Civil, entende-se justa e equilibrada a indemnização por danos futuros (lucros cessantes) a pagar pela Ré, ao AA, de € 95.000,00.
Improcedem assim as conclusões que ambos os recorrentes tiram das alegações em relação ao valor arbitrado para a indemnização relativa à IPP, de que o autor, ora recorrentes foi vítima, para o ressarcir dos danos futuros, pela perda parcial da sua capacidade de trabalho.

2 – No que se refere à indemnização por danos não patrimoniais, o art.º 496.º, n.ºs 2 e 3, determina que o montante da indemnização seja fixado equitativamente, devendo ter-se em atenção as circunstâncias referidas no art.º494.º do Código Civil, designadamente o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as circunstâncias em que o acidente ocorreu, entre elas as lesões sofridas, os sofrimentos e ainda para que não se verifiquem situações dispares, consequentes do subjectivismo, os padrões geralmente adoptados pela jurisprudência corrente neste Tribunal, bem como as flutuações da moeda entre os momentos em que os valores são arbitrados.
Deve ter-se em consideração que o Supremo tem evoluído quanto aos montantes que se vêm fixando para compensação dos danos não patrimoniais, no sentido de já não se fixarem indemnizações com valores miserabilistas, ponderando-se por forma equilibrada, nos comandos do preceituado no art.º 496.º do CC.
Como refere o Profº Antunes Varela, “o montante da indemnização deve ser proporcional à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. E este, como já foi observado por alguns autores é um dos domínios onde mais necessário se torna o bom senso, o equilíbrio e a noção das proporções com que o julgador deve decidir”. Refere ainda o mesmo Professor, citando o Autor italiano G.Verga, a propósito do tribunal da Cassação de Roma que:
“Embora a determinação dos danos desta natureza, não patrimoniais indemnizáveis – e do seu montante dependa do prudente arbítrio do juiz, deve este referir sempre com a necessária precisão o objecto do dano, para evitar que a sua liquidação se converta num acto puramente arbitrário do tribunal” (3)

Da matéria de facto provada resulta que o autor/recorrente, em consequência do sinistro, sofreu dores quer no momento do acidente e das cirurgias, quer durante o período de recuperação e que ainda sofre dores, designadamente ao fim do dia e por vezes queixa-se da cabeça e apresenta um quadro depressivo. Perdeu o olfacto e ouve mal em consequência do acidente. Tem grande desgosto das sequelas de que padece, designadamente por não poder ouvir barulhos e sente-se inferiorizado por coxear.

Sem se minimizar o sofrimento do recorrente com as referidas mazelas que resultaram do acidente, a verdade é que, ponderada a situação e confrontando-a com outras apreciadas neste Tribunal, não se pode entender que o valor da indemnização pelos danos não patrimoniais embora graves, se deva elevar para além do valor arbitrado pelo tribunal recorrido. Não seria razoável, em termos de equidade, para que justiça se faça, arbitrar-se uma compensação mais elevada.
Na verdade, na 1.ª instância a compensação foi fixada em 8.000.000$00, valor que a Relação entendeu reduzir para € 30.000 000,00, de forma que entendemos correcta..
Assim, face às razões alinhadas, não se vislumbram motivos válidos que justifiquem a alteração do valor da compensação por danos não patrimoniais para uma quantia superior à arbitrada no acórdão recorrido.

III- DECISÃO:
Em face de todo o exposto, nega-se a revista ao autor e concede-se revista parcial ao recorrente F...de G... Automóvel, revogando-se o acórdão recorrido, quanto ao montante dos danos futuros, nos termos referidos e mantendo-se no resto.
Custas pelos recorrentes na proporção de vencidos, sem prejuízo do apoio de que beneficia o autor (art.º 446.º n.ºs1 e 2 do CCJ).

Lisboa, 4 de Julho de 2007

Gil Roque (Relator)

Oliveira Vasconcelos

Duarte Soares

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(1) Veja-se o trabalho de Joaquim José de Sousa Dinis, “Dano Corporal em Acidente de Viação” – Cálculo da indemnização em situações de morte, incapacidade total e incapacidade parcial – Perspectivas futuras” , in C.J. – Acórdãos do STJ, Ano IX, Tomo I, 2001, pgs.5 e segs. ,
(2) Veja-se neste sentido o Ac. do STJ de 28/09/1995, Ano III, Tomo III, pags. 36 e segs..
(3) Das Obrigações em Geral , Vol. I- 9.ª Edição , pag. 599- 600 e 629.