Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | AZEVEDO RAMOS | ||
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Nº do Documento: | SJ200302180000546 | ||
Data do Acordão: | 02/18/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL GUIMARÃES | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 224/02 | ||
Data: | 07/03/2002 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
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Sumário : | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em 13-4-2000, A instaurou a presente acção ordinária contra Companhia de Seguros B, S.A., e "C", pedindo que sejam solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia de 67.328.000$00 e ainda a importância mensal de 120.000$00 de salários perdidos desde a data da propositura da acção e até ao pagamento efectivo da indemnização peticionada, verbas essas acrescidas de juros, à taxa legal, desde a citação, como indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu, em consequência do acidente de viação ocorrido em 20-5-97, quando o autor atravessava, a pé, a estrada nacional nº 101, em Braga, acidente esse em que foram intervenientes o veiculo pesado de passageiros, de matrícula SP, seguro na ré "B", e um outro veiculo ligeiro não identificado, cuja culpa atribui aos condutores destas viaturas. Os réus contestaram, impugnando a culpa e os danos. Saneado e condensado o processo, procedeu-se a julgamento. Apurados os factos, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os réus do pedido. Apelou o autor, mas sem êxito, pois a Relação de Guimarães negou provimento à apelação e confirmou a sentença recorrida. Continuando irresignado, o autor recorreu de revista, onde resumidamente conclui: 1 - As respostas dadas aos quesitos 1º e 35º são contraditórias, pois na primeira diz-se que o autor cruzou a estrada perpendicularmente e na segunda enviesadamente e na direcção do pesado. 2 - A resposta dada ao quesito 40º (o condutor do pesado travou e imobilizou de imediato) é contraditória com a resposta que mereceu o quesito 9º (o SP deixou rastos de travagem de dois metros de extensão) e impossível face à resposta dada ao quesito 29ª (o pesado circulava à velocidade de 40 a 50 Km por hora) e à dada ao quesito 34º (o condutor do pesado avistou o peão a 4 a 5 metros de distância a atravessar a rua). 3 - Com efeito, se o peão surgiu no espaço de visão do condutor do pesado a 4 ou 5 metros de distância, a atravessar a rua, da esquerda para a direita, circulando o pesado a 40 a 50 Km horários, quando o peão chegasse à faixa de rodagem por onde o pesado circulava, este já não podia colhê-lo (salvo talvez com o lado), pois já ultrapassara o plano da projecção de marcha do peão. 4 - Se o veículo pesado de passageiros circulava a 40 a 50 Km horários, só podia parar a uma distância situada entre 20,6 m e 29,6 m, e só podia travar a 16 a 25 metros de distância, pois chovia intensamente, nunca podendo imobilizar-se de imediato. 5 - Por isso, a relação devia ter feito uso dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 712º, nºs 1, 2 e 4 do C.P.C., por forma a sanar as deficiências e contradições apontadas às respostas aos quesitos. 6 - Sendo certo que o peão atravessou a via da esquerda para a direita, próximo de uma paragem de autocarros, que o veículo pesado de passageiros circulava a 40 a 50 Km por hora, que a rua constitui uma recta com mais de 500 metros de extensão e que o referido veículo pesado apenas deixou dois metros de rasto de travagem, afigura-se demonstrado que o veículo pesado de passageiros circulava por forma a não poder parar no espaço livre e visível à sua frente e a velocidade instantânea próxima ou coincidente com a máxima permitida. 7 - Daí que o condutor do pesado de passageiros deva ser considerado culpado pela produção do acidente. 8 - O autor nenhuma contribuição culposa teve para a eclosão do sinistro. 9 - Quanto ao condutor do outro veículo não identificado, porque se não apurou qualquer facto de que resultasse a sua culpa, nem a culpa do autor, deve funcionar o regime da responsabilidade do art. 508º do Cód. Civil, à luz do decidido no Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades de 14-9-2000, que fixa, com reflexos no direito interno, os valores mínimos a considerar, em caso de responsabilidade pelo risco. 10 - Foram violados os arts 24º, 27º, 99º, nº 1 e 2 e 101º do Cód. da Estrada, arts 499º e 508º do Cód. Civil e arts. 712º, nºs 1, 2 e 4 do C.P.C. 11 - Deve anular-se o Acórdão recorrido, quanto à fixação da matéria de facto, para que sejam vencidas as apontadas contradições nas respostas aos quesitos 1º, 3º, 5º, 9º, 29º, 34º e 40º. 12 - De qualquer modo, deve revogar-se o Acórdão impugnado e julgar-se a acção procedente. Os réus contra-alegaram em defesa do julgado. Corridos os vistos, cumpre decidir. As instâncias consideraram provados os factos seguintes, relativos às circunstâncias em que ocorreu o acidente: 1 - O autor A nasceu em 20-6-1955. 2 - No dia 20 de Maio de 1997, na estrada nacional nº 101, ao Km 94. 05, na cidade de Braga, pelas 15 horas, ocorreu um acidente de trânsito, no qual foram intervenientes. a)- D, motorista profissional, conduzindo o veículo pesado de passageiros SP, de transporte colectivo, pertencente aos "E", que circulava no sentido Morreira-Braga; b)- Um condutor não identificado, tripulando um veículo automóvel que não foi possível identificar, que circulava no sentido Braga-Morreira ; c) - o autor A, que atravessava a estrada, da esquerda para a direita, cruzando-a perpendicularmente, considerando o sentido daquele veículo pesado de passageiros (resp. quesito 1º). 3 - No dia, hora e local referidos, os dois citados veículos circulavam na estrada nacional nº 101, sendo o pesado SP no sentido Morreira-Braga e a outra viatura não identificada no sentido inverso, Braga-Morreira (resp. quesito 2º). 4 - Nas aludidas circunstância de tempo e lugar, o autor decidiu atravessar a via, da esquerda para a direita, atento o sentido Guimarães - Braga (resp. quesito 4º). 5 - O SP circulava na estrada nacional nº 101, pela respectiva metade direita da faixa da rodagem, atento o seu sentido de marcha, que era de Guimarães - Braga (resp. quesito 27º). 6 - O SP circulava afastado cerca de meio metro da berma direita da estrada e a cerca de 90 cm do eixo da via, atento o referido sentido de trânsito (resp. quesito 28º). 7 - O SP circulava a uma velocidade de cerca de 40 a 50 Km horários (resp. quesito 29ª). 8 - O SP mede cerca de 2,40 m de largura (resp. quesito 30º). 9 - O local onde veio a ocorrer o acidente de viação constitui uma longa recta, com mais de 500 m de comprimento (resp. quesito 31º). 10 - Quando o SP assim circulava, o condutor foi surpreendido pelo aparecimento súbito e imprevisto do autor, na estrada por onde aquele veículo circulava (resp. quesito 32º). 11 - O autor saiu do passeio do lado esquerdo da estrada nacional nº 101, atento o sentido de marcha do SP (resp. quesito 33º) 12 - E resolveu atravessar a estrada, quando o SP estava a cerca de quatro a cinco metros dele (resp. quesito 34ª). 13 - O autor atravessou a estrada de forma enviesada e na direcção do SP (resp. quesito 35ª). 14 - Além disso, atravessou a estrada em passo de corrida (resp. quesito 36º). 15 - Em sentido contrário ao da marcha do SP e pela respectiva metade direita da faixa de rodagem, circulava um outro veículo automóvel, que não foi possível identificar (resp. quesito 37º). 16 - Ao ver esse veículo, o autor "atirou-se" para a frente, para a hemi-faixa de rodagem onde circulava o SP, para fugir e evitar ser embatido por tal veículo não identificado (resp. quesito 38º). 17 - Foi então e na precipitação da fuga desse veículo embater no SP (resp. quesito 39º). 18 - Cujo condutor, ao ver surgir o autor nas condições já referidas, travou com quantas forças tinha, imobilizando, de imediato, o SP (resp. quesito 40º) 19 - O embate ocorreu com a frente do corpo do autor, no canto esquerdo da frente do SP, e na metade direita da faixa da rodagem da estrada nacional nº 101, atento o sentido de marcha do SP, a cerca de 90 cm do eixo da via (resp. quesito 41º), 20 - O embate verificou-se com a frente lateral esquerda do veículo pesado de passageiros e o autor (resp. quesito 8º). 21 - Ficando o veículo pesado de passageiros imobilizado e tendo deixado impressos rastos de travagem de apenas 2 metros (resp. quesito 9º). 22 - O autor foi colhido pelo vidro fronteiro da autocarro e projectado contra o solo, tendo sofrido ferimentos que determinaram fosse conduzido ao Hospital de Braga (resp. quesito 10º). 23 - O referido veículo pesado de passageiros era conduzido por D, sob as ordens, direcção e fiscalização da respectiva proprietária, "E" (resp. quesito 14º). 24 - Não foi possível identificar o veículo terceiro, nem a pessoa que o conduzia (resp. quesito 15º). 25 - Através de contrato de seguro titulado pela apólice nº 2-1-43-718038-01, os "E" haviam transferido para a ré "B" a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo veículo SP, até ao montante de 240.000.000$00 com o limite de 120.000.000$00, por lesado. 26 - Remete-se para todos os demais factos considerados provados no Acórdão recorrido (que são os atinentes aos ferimentos, consequências e sequelas sofridas pelo autor), ao abrigo dos arts 713º, nº 6 e 726º do C.P.C. Vejamos agora o mérito do recurso. O recorrente apresenta as mesmas alegações que já produziu perante a Relação. Olvida que este Supremo é um tribunal de revista que, em princípio, se limita a aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido - art. 729º, nº 1, do C.P.C. O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo nos dois casos especiais previstos na 2ª parte, do nº 2, do art. 722º, do C.P.C., que aqui não ocorrem. A Relação já apreciou as pretensas contradições das respostas aos quesitos cuja invocação o recorrente continua a repetir nas conclusões da revista, tendo interpretado as respostas em crise, por forma a concluir que não existe qualquer contradição relevante que possa afectar a decisão da causa. O recorrente não impugna a fundamentação da interpretação feita pela Relação, quanto às respostas sindicadas. Porque estamos no domínio da matéria de facto e não se mostra que tal interpretação, destinada a fixar o sentido relevante das questionadas respostas, viole qualquer preceito legal, é de aceitar a matéria de facto, nos termos em que foi considerada apurada pela Relação - art. 729º, nº 2, do C.P.C. De resto, das decisões da Relação sobre as matérias contempladas no art. 712º do C.P.C. não cabe sequer recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do nº 6, do mesmo art. 712º, na redacção introduzida pelo dec-lei 375-A/99, de 20 de Setembro (aqui aplicável, por a acção ter sido instaurada em 13-4-2000). Ao nível dos poderes do Supremo, consignados no art. 729º, nº 3, do C.P.C., dir-se-á que as apontadas contradições na decisão sobre a matéria de facto não inviabilizam a correcta decisão jurídica do pleito, pelo que não assumem a necessária relevância para justificar a anulação do julgamento. Reconhecendo e lamentando as trágicas consequências que do acidente resultaram para o infeliz autor, o certo é que os factos apurados não permitem outra conclusão que não seja a de que foi ele o único e exclusivo culpado pela produção do acidente. Isto pelo facto de ter procedido à travessia da estrada nº 101, da esquerda para a direita, em passo de corrida, sem previamente se certificar de que o podia fazer sem perigo de acidente, quando se aproximavam o pesado SP, a cerca de quatro ou cinco metros, e um outro veículo não identificado (transitando o primeiro em sentido contrário do segundo), de tal modo que o autor se atirou para a frente do SP, para fugir e evitar ser embatido pelo outro veículo não identificado, sendo na precipitação da fuga desta viatura que foi embater no SP, o qual circulava pela metade direita da respectiva faixa de rodagem, à velocidade de cerca de 40 a 50 Km horários e cujo condutor, apesar de ter travado a fundo e de se ter imobilizado de imediato, após ter deixado um rasto de travagem de dois metros, não logrou evitar o embate. É patente e manifesto que o autor infringiu, com a sua conduta imprevidente, de forma grave, o preceituado no art. 101º, nº 1, do Código da Estrada. A negligência do autor, na travessia da via, foi a única causa adequada do acidente. O condutor do SP não infringiu o art. 24º do Código da Estrada, nem qualquer outro preceito estradal apontado pelo recorrente. A regra legal de que o condutor tem a obrigação de poder parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, pressupõe que não se verifiquem condições anormais ou factos imprevisíveis e inopinados que alterem de súbito a sua marcha ou visibilidade. Quem cumpre as regras de trânsito, como era o caso do condutor do SP, não pode ser penalizado pela falta de prudência alheia. Não era exigível que o condutor do SP agisse de outro modo, face ao aparecimento súbito e imprevisto do autor na metade direita da via por onde este veículo circulava e a todo o demais circunstancialismo concreto que ficou apurado. Estando provada a culpa exclusiva do autor, está excluído o risco e o dever de indemnizar de quem quer que seja - art. 505º do Cód. Civil. Termos em que negam a revista. Custas pelo autor. Lisboa, 18 de Fevereiro de 2003 Azevedo Ramos Silva Salazar Ponce de Leão |