Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JSTJ00024997 | ||
Relator: | AMADO GOMES | ||
Descritores: | CONSTITUCIONALIDADE ANTECEDENTES CRIMINAIS ARGUIDO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | SJ199505100475683 | ||
Data do Acordão: | 05/10/1995 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | BMJ N447 ANO1995 PAG337 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Área Temática: | DIR PROC PENAL. | ||
Legislação Nacional: | CONST89 ARTIGO 32 N5. CPP87 ARTIGO 342 N2 N3 ARTIGO 374 N2 ARTIGO 379 A ARTIGO 410 N2 B C. DL 39/83 DE 1983/01/25 ARTIGO 13. CP82 ARTIGO 48. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1989/06/21 IN BMJ N388 PAG364. ACÓRDÃO STJ PROC45749 DE 1994/01/19. ACÓRDÃO STJ PROC46207 DE 1994/03/16. ACÓRDÃO STJ PROC46832 DE 1994/11/02. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | O artigo 342 n. 2 do Código do Processo Penal, ao permitir que o arguido seja perguntado sobre os seus antecedentes criminais não viola as suas garantias de defesa, porque não se intromete nos factos que são objecto da acusação, não viola a presunção da sua inocência porque a declaração sobre os antecedentes criminais não traduz, sequer, um princípio de prova dos factos da acusação e não viola a sua intimidade da vida privada, porque não diz respeito à sua vida privada íntima. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Perante o Tribunal Colectivo da 1. Secção da 2. Vara Criminal de Lisboa, responderam: 1 - A, solteiro, serralheiro nascido a 1 de Dezembro de 1954. 2 - B, solteira, reformada, nascida a 31 de Maio de 1933. Acusados da prática de um crime previsto e punido pelo artigo 23 n. 1 do Decreto-Lei n. 430/83, vieram a ser condenados, mediante convolação, pela autoria material de um crime previsto e punido pelo artigo 25 do Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 3 anos de prisão, cada um, suspensa na sua execução por 4 anos quanto ao arguido Manuel e por 5 anos quanto à arguida B. Esta decisão assenta na seguinte matéria de facto que o Tribunal Colectivo julgou provada. No dia 22 de Maio de 1990, pelas 11 horas e 30 minutos, o arguido, encontrando-se no interior do Bairro do Casal Ventoso de Baixo, em Lisboa, detinha dez embalagens de um produto estupefaciente com o peso bruto de 791 miligramas, e três embalagens de outro produto estupefaciente com o peso bruto de 2,5 gramas. Produtos estes que, submetidos a exame laboratorial, foram identificados como sendo, respectivamente, "heroína" e "cocaína", substâncias que se encontram incluídas na tabela 1-A e 1-B, anexas ao Decreto-Lei n. 430/83, de 13 de Dezembro. Tais produtos destinava-os o primeiro arguido à venda a quem pretendesse e haviam-lhe sido entregues pela segunda arguida, por conta de quem praticava a actividade descrita, contra o pagamento de uma quantia de "heroína" no valor de 3000 escudos. Segundo instruções dadas pela segunda arguida, o primeiro deveria vender cada carteira contendo "cocaína" ao preço unitário de 1000 escudos. Os arguidos agiam deliberada, livre e conscientemente, em comunhão de esforços, com o intuito de obter um enriquecimento ilegítimo, sabendo que a actividade descrita era contrária à lei penal. O arguido A confessou a matéria dada como provada, livre e integralmente. É de condição sócio-económica humilde, é serralheiro civil, tem companheira e filhos menores. Encontra-se preso em cumprimento de dois anos e trinta e quatro dias por furto e não tem qualquer outro processo pendente. Praticou os factos com o objectivo de angariar algum dinheiro visto ter terminado o cumprimento da pena e não ter conseguido emprego. A arguida B é de condição económica e social humilde, é reformada de encadernadora. Tem antecedentes criminais e não tem actualmente processos pendentes. O Tribunal indicou os seguintes motivos de facto que serviram de base à convicção: 1 - Quanto aos factos da acusação, a confissão do arguido A, o depoimento das testemunhas de acusação e o relatório do L.P.C. quanto à natureza do produto apreendido. 2 - Relativamente às condições pessoais, sociais e económicas dos arguidos, as suas próprias declarações. 3 - No tocante aos antecedentes criminais as declarações dos arguidos e os respectivos C.R.C. junto aos autos. A arguida B não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso. A sua extensa motivação termina com a formulação de conclusões nas quais diz a recorrente, em síntese: 1 - O acórdão recorrido, ao assentar no conhecimento dos elementos ordenados pelo artigo 342 do Código de Processo Penal, viola o disposto nos artigos 32, ns. 1, 2, 5 e 6; 26 n. 1 e 13 da C.R.P. e no artigo 6 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, porque: a) restringe as garantias de defesa; b) destrói o princípio da presunção da inocência do arguido quer quanto ao conhecimento dos antecedentes criminais, quer quanto aos processos pendentes; c) permite a obtenção de provas por meio de coacção que a ameaça de sanção penal constitui; e contraria a reserva da intimidade da vida privada; d) deixa em situação de desigualdade duas pessoas iguais perante um crime por que vêm acusadas, mas desiguais no seu passado cadastral; e) muitos de tais normativos são ainda violados (neste caso, pela via indirecta da inconstitucionalidade do Decreto-Lei 39/83, pela junção aos autos do registo criminal e da folha da P.J. de folha 30, e pelo acesso a estes dos julgadores antes do encerramento da matéria de facto. 2 - Os artigos 342 ns. 2 e 3 do Código de Processo Penal e 13 do Decreto-Lei 39/83, de 25 de Janeiro, violam o disposto no artigo 6 da C.E.D.H. 3 - O acórdão recorrido está insuficientemente fundamentado, o que viola o artigo 374 n. 2 do Código de Processo Penal e 208 n. 1 da C.R.P. e constitui nulidade do acórdão, nos termos do artigo 379 alínea a) do Código de Processo Penal. 4 - Há contradição insanável entre as circunstâncias que o Tribunal considerou relevantes para qualificar o crime por que a arguida foi condenada. 5 - E há erro notório na apreciação da prova. 6 - Mesmo que tudo isto improceda, devia ser aplicada à arguida uma pena de prisão suspensa por 3 anos, devido à sua avançada idade. O Ministério Público apresentou desenvolvida e bem fundamentada resposta na qual defende a rejeição parcial do recurso no tocante ao disposto no artigo 374 n. 2 do C.P.P. e a improcedência na parte restante. Neste Supremo Tribunal o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto não suscitou qualquer questão que obstasse ao prosseguimento do recurso. Foram colhidos os vistos legais. Teve lugar a audiência nos termos do artigo 435 do Código de Processo Penal. Passa-se a decidir. I - Começa-se naturalmente pelas inconstitucionalidades visto que a sua procedência torna inútila apreciação das restantes questões. O Código de Processo Penal de 1987 tem estrutura acusatória, em conformidade com o disposto no artigo 32 n. 5 da Constituição. A "estrutura acusatória" não significa que o Código seja do tipo acusatório puro. Significa apenas que o cidadão só pode ser submetido a julgamento por um crime mediante uma acusação deduzida por um órgão diferente do julgador e que nada impede a articulação do princípio do acusatório com outros princípios como o da investigação dirigida ao apuramento da verdade material que é o fim ideal do processo penal. Como garantia de defesa o princípio do acusatório estabelece que a acusação é condição do julgamento e limite dos poderes de cognição do tribunal. O artigo 342 n. 2 do Código de Processo Penal, ao permitir que o arguido seja perguntado sobre os seus antecedentes criminais não viola as suas garantias de defesa porque não se intromete nos factos que são objecto da acusação. Não viola a presunção da inocência porque a declaração sobre os antecedentes criminais não traduz, sequer, um princípio de prova dos factos da acusação. Entender que a revelação do passado criminal do arguido numa fase que antecede a produção da prova afecta o juízo de imparcialidade do julgador é não só ofensivo para os julgadores como é a implantação da demagogia no processo penal porque estabelece a confusão com um ponto de vista minoritário e sem base séria, baseada numa mera suposição. Levado às últimas consequências, todo o processo penal seria inconstitucional porque o julgador, ao iniciar um julgamento, conhece os elementos que fundamentaram a acusação. A intimidade da vida privada, o bom nome e a reputação do arguido em nada são afectadas com a revelação do seu passado criminal porque não diz respeito à sua vida pessoal íntima mas sim a uma série de actos que já foram apreciados publicamente em audiências de julgamento. "A intimidade da vida privada de cada um, que a lei protege, compreende aqueles actos que, não sendo secretos em si mesmos, devem subtrair-se à curiosidade pública por naturais razões de resguardo e melindre, como os sentimentos e afectos familiares, os costumes da vida e as vulgares práticas quotidianas, a vergonha da pobreza e as renúncias que ela impõe e até, por vezes, o amor da simplicidade, a parecer desconforme com a natureza dos cargos e a elevação das posições sociais, em suma, tudo: sentimentos, acções e abstenções que podem ser altamente meritórias do ponto de vista da pessoa a que se referem mas que, vistos do exterior, tendem a apoucar a ideia que delas faz o público em geral" - Parecer da P.G.R., B.M.T. 390 página 142. O passado criminal de um cidadão, depois de apreciado pelos tribunais em audiências públicas, saíu da esfera da intimidade da sua vida privada. Não é a sua revelação pelo arguido numa outra audiência pública que vai afectar o seu bom nome e reputação porque já eram conhecidas do público. Também não há violação do princípio da igualdade e não discriminação. Segundo o recorrente, dois acusados de um mesmo crime, desiguais no seu passado criminal, ficam em situações desiguais ao revelarem o seu passado criminal. Só que não diz porquê. É evidente que as situações são desiguais. O que a constituição pretende é que situações desiguais não tenham o mesmo tratamento. O conhecimento dos antecedentes criminais permite que se dê cumprimento ao princípio da igualdade. Por isso é tão importante a identificação criminal do arguido como a sua identificação civil. Daí que o n. 3 faça incorrer em responsabilidade criminal a falta de resposta sobre os antecedentes criminais ou a falsidade das declarações. O preceituado nos ns. 2 e 3 do artigo 342 nada tem a ver com os factos relativos à culpa. Tanto assim é que o Tribunal recorrido ao indicar os meios de prova que serviram para fundamentar a sua convicção, distinguiu no ponto C) do acórdão: 1 - Quanto aos factos da acusação. 2 - Relativamente às condições pessoais, sociais e económicas dos arguidos. 3 - Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos. Somente quanto ao ponto 3 o Tribunal se serviu dos respectivos C.R.C. juntos aos autos. Não havendo inconstitucionalidade dos ns. 2 e 3 do citado artigo 342, também a junção do C.R.C. aos autos, determinados pelo artigo 13 do Decreto-Lei n. 39/83, de 25 de Janeiro, não viola o artigo 32 da C.R.P.. Pelas singelas razões expostas improcedem as inconstitucionalidades alegadas. Este tipo de questões não foi ignorado na discussão do Código de Processo Penal não merecendo, porém, acolhimento. Só ultimamente (segundo o nosso conhecimento) têm sido alegadas porque se assiste a uma fase de exacerbamento dos direitos dos arguidos, apesar de nunca terem tido tanta protecção, esquecendo que além do princípio do acusatório, outros têm de ser respeitados no processo penal. II - Nulidade do artigo 379 alínea a) do Código de Processo Penal por fundamentação insuficiente, contrariamente ao exigido pelo artigo 374 n. 2 do mesmo Código. Sobre esta matéria o Ministério Público, na sua resposta, suscitou a questão prévia da rejeição parcial do recurso que não foi submetido à conferência por se entender que tal procedimento, em casos de alegada rejeição parcial, evita a prolacção de dois acórdãos e o consequente atraso processual. Na questão posta não é manifesta a improcedência da nulidade, razão porque se entende não se tratar de uma situação de rejeição parcial. O que é manifesto é apenas que a posição defendida pelo recorrente contraria a orientação deste Tribunal na interpretação do artigo 374 n. 2. Na verdade, desde há muito tempo que este Supremo Tribunal vem decidindo que "não está ferida da nulidade prevista nos artigos 374 n. 2 e 379 alínea a) do Código de Processo Penal, a decisão que enumerou, embora por forma suscinta e deslocadamente, os meios de prova de que se socorreu para chegar às conclusões em matéria de facto", como sucedeu no acórdão de 21 de Junho de 1989, publicado no B.M.J. n. 388 página 364, relatado pelo Conselheiro Maia Gonçalves que, em anotação ao artigo 374, no seu Código de Processo Penal, mantém a mesma posição. No mesmo sentido ver ainda, além de muitos outros, os acórdãos de 19 de Janeiro de 1994; 16 de Março de 1994 e 2 de Novembro de 1994, nos recursos ns. 45749; 46207 e 46832, respectivamente. Aquele preceito legal não obriga à indicação desenvolvida dos meios da prova que serviram para fundamentar a decisão, bastando a indicação das fontes das provas ou seja, a indicação da prova sem menção do seu conteúdo, nomeadamente dos depoimentos. A forma como o Tribunal recorrido lhe deu cumprimento e que atrás ficou transcrita é suficiente para os fins tidos em vista e é bem clara porque até faz a indicação dos meios da prova por matérias. Improcede, pois, a nulidade da arguida, sem necessidade de outras considerações pois não é possível discutir a razão porque o Tribunal apreciou a prova desta forma e não da forma que a recorrente pretenderia. III - Contradição insanável da fundamentação - artigo 410 n. 2 alínea b) do Código de Processo Penal. Alega a recorrente que se verifica este vício porque o tribunal afirmou a folha 383 que a arguida negou os factos, "mas não deu explicações plausíveis para a posse de tal produto", reafirmando mais à frente, na mesma folha, a posse de tais panfletos pela arguida, escrevendo mesmo que a "repartição em panfletos, prontos a vender em retalho demonstram bem que a arguida os destinava a venda". Acrescenta ainda a recorrente que isto é assim porque a folha 380 se diz que o "arguido detinha" e que tal produto "havia-lhe sido entregue pela 2. arguida,". Então, ou bem que detinha um ou bem que detinha outro, sendo certo que do processo e do acórdão resulta claro que quem detinha e possuía os panfletos era o arguido, nunca a arguida. Não tem razão a recorrente. Está claramente provado que o estupefaciente encontrado ao arguido pertencia à arguida de quem ele era um vendedor no "mercado da morte". Ela entregara-lho já dividido em carteiras com a recomendação de que devia vender cada carteira contendo cocaína ao preço de 1000 escudos. O arguido detinha os estupefacientes, portanto em nome da arguida. Não se vê onde esteja a contradição. É evidente que os estupefacientes estiveram na posse material da arguida que depois os entregou ao arguido. Para essa posse da arguida não deu ela qualquer explicação como se diz no acórdão. A contradição insanável da fundamentação existe quando, segundo um raciocínio lógico, é de concluir que a fundamentação justifica precisamente a decisão contrária (Professor Figueiredo Dias. Parecer não publicado). Não é isto que sucede no acórdão recorrido. IV - Erro notório na apreciação da prova - artigo 410 n. 2 alínea c), já citado. Alega a recorrente que se verifica este erro quando o Tribunal conclui a folha 383 que a arguida tinha a posse dos panfletos, pois todos os dados do processo, incluindo o próprio relatório do acórdão, evidenciam que quem tinha a posse do produto era o co-arguido e não a arguida. Sobre a questionada posse já atrás se esclareceu o que resulta da decisão. O vício que a recorrente alega não resulta do texto da decisão mas sim da interpretação que ela faz desse texto. Basta atentar no texto do n. 2 do referido artigo 410 para se ficar a saber que o vício que a lei considera é o que resulta do texto da decisão; é aquele erro tão grosseiro que não escapa ao cidadão de média formação e impossibilita a justa decisão. Improcede também esta questão. V - Suspensão da execução da pena. Não conforme com a suspensão da execução da pena, ainda pretende que o período de suspensão seja reduzido de 5 para 3 anos pela razão de ser sexagenária. O Tribunal fixou à arguida um período de suspensão mais dilatado que o fixado ao co-arguido, procedimento que se afigura correcto para garantir a eficácia da intimidação da pena atendendo a que a modalidade de tráfico por ela praticada, através de vendedores de rua, sem ela "dar a cara" poderá levá-la a repetir tal conduta se a intimidação não for duradoura. Porque razão pretende libertar-se tão rapidamente da ameaça da pena? Não é a sua idade, como alega, visto que fisicamente em nada é afectada. O entendimento do Tribunal Colectivo é legal, com apoio no artigo 48 do Código Penal pelo que não merece censura. VI - Decisão. Em face do exposto acorda-se em negar provimento ao recurso, condenando-se a arguida B a pagar 6 UC's de taxa de justiça e as custas com 1/3 de procuradoria. Fixam-se em 10000 escudos os honorários ao defensor oficioso do arguido não recorrente, a cargo do Cofre Geral dos Tribunais. Lisboa, 10 de Maio de 1995. Amado Gomes, Lopes Rocha, Herculano Lima, Vaz dos Santos, Fernandes de Magalhães. Decisão impugnada: Acórdão de 28 de Junho de 1994, 2. Vara Criminal 1. Secção de Lisboa. |