Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | OLIVEIRA MENDES | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISÃO DECISÃO QUE PÕE TERMO AO PROCESSO DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 05/27/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE COM * DEC VOT | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | REJEITADO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL - ACTOS PROCESSUAIS ( ATOS PROCESSUAIS ) / FORMA DOS ACTOS E SUA DOCUMENTAÇÃO ( FORMA DOS ATOS E SUA DOCUMENTAÇÃO ) - RECURSOS. | ||
Doutrina: | - Oliveira Mendes, in “Código de Processo Penal” Comentado (Almedina-2014), 1220. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 97.º, N.º1, ALS. A) E B), 449.º, N.º2. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 282.º, N.º3. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 07.04.11, 07.10.07, 09.01.27, 09.02.18, 09.04.02, 10.09.29 E 11.12.21, PROFERIDOS NOS PROCESSOS N.ºS 618/07, 3289/07, 109/07, 105/09, 106/09, 520/00.7TBABT-A.S1 E 978/99.05TBPTM-A.S1. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I - A decisão revidenda que considerou o arguido como solidariamente responsável pelo pagamento da pena de multa em que a sociedade arguida foi condenada, não sendo uma sentença, mas antes um mero despacho, que não põe fim ou termo ao processo, não cai na previsão do disposto no n.º 2 do art. 449.º do CPP, sendo como tal insusceptível de revisão.
II - A CRP no n.º 3 do art. 282.º, a propósito dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, exclui expressamente a sua aplicação aos casos julgados, apenas permitindo a sua aplicação quando o TC assim decidir e a norma declarada inconstitucional respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: |
* Acordam no Supremo Tribunal de Justiça O Ministério Público interpôs recurso extraordinário de revisão do despacho que condenou AA solidariamente responsável pelo pagamento de pena de multa aplicada à sociedade "... & Filhos, Lda. No requerimento apresentado formulou as seguintes conclusões[1]:
«I - Nos presentes autos, o arguido AA, enquanto sócio-gerente da mesma, foi declarado solidariamente responsável pelo pagamento da multa aplicada nos autos à sociedade arguida "... & Filhos, Lda." , no valor de 3.800,00€ (três mil e oitocentos euros). II - Essa decisão foi proferida ao abrigo do disposto no art.º 8.° n.º 7 do RGIT que prevê que "Quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção". III - Sucede, que quer o Tribunal Constitucional, quer o Supremo Tribunal de Justiça, pelos acórdãos 171/2014 de 18/02/2014 e n.º 11/2014, de 01/07/2014 vieram declarar que (É inconstitucional, por violação do art.º 30.º n.º 3 da constituição da republica portuguesa, a norma do art.º 8.º n.º 3 do regime geral das infracções tributárias, na parte em que se refere à responsabilidade dos gerentes e administradores de uma sociedade que hajam colaborado dolosamente na prática de infracção pelas multas aplicadas á sociedade". IV - À data em que foi proferido o acórdão de fixação de jurisprudência pelo Supremo Tribunal de Justiça a decisão dos autos já tinha transitado em julgado. VI- O Tribunal Constitucional não fez a menção prevista no artigo 282.°, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, ou seja, não declarou a excepção do caso julgado. VII- E no caso presente, a norma declarada inconstitucional do artigo 8.° n.º 3 do regime geral das infracções tributárias é de conteúdo menos favorável ao arguido, porque prevê a sua responsabilização. Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exas Venerandos CONSELHEIROS, doutamente se dignarão suprir, deve ser julgado procedente o presente recurso, autorizando-se a revisão da decisão proferida a fls. 520 dos autos principais que considerou o arguido AA solidariamente responsável pelo pagamento da pena de multa aplicada nestes autos à sociedade arguida "... & Filhos, Lda. por violação do art.º 30.º n.º 3 da Constituição da Republica Portuguesa, de acordo com o comando emanado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 171/2014 de 18/02/2014 publicado no D.R. de 13/03/2014». O Exmo. Juiz prestou a informação seguinte:
«Por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 23-06-2010, transitado em julgado, considerou-se o co-arguido AA responsável solidário, nos termos do artigo 8.°, n.º 7 do RGIT, pelo pagamento da multa aplicada à sociedade ... & Filhos, Lda. Sucede que, o Tribunal Constitucional e o Supremo Tribunal de Justiça através dos Acórdãos 171/2014 de 18-02-2014 (DR, 1.ª Série, de 13-03-2014) e n.º 11/2014 de 1/07/2014 vieram declarar que: é inconstitucional, por violação do artigo 30.°, n.º 3 da Constituição, a norma do artigo 8.°, n.º 7 do Regime Geral das Infrações Tributárias, na parte em que se refere à responsabilidade solidária dos gerentes e administradores de uma sociedade que hajam colaborado dolosamente na prática da infração pelas multas aplicadas à sociedade». O Acórdão de Fixação de jurisprudência n.º 11/2014 de 1-07-2014 não tem aqui aplicação, uma vez que à data da prolação desse acórdão, há muito havia transitado em julgado a decisão que considerou o arguido AA, civil e solidariamente responsável pelo pagamento da multa aplicada à sociedade arguida. O Tribunal Constitucional não fez a declaração a que alude o n.º 3 do artigo 282.° da CRP, declarando expressamente a exceção ao princípio da intangibilidade do caso julgado. Assim, afigura-se que a declaração, com força obrigatória geral da inconstitucionalidade da norma do artigo 8.°, n.º 7 do RGIT na parte em que se refere à responsabilidade dos gerentes e administradores de uma sociedade que hajam colaborado dolosamente na prática de infração pelas multas aplicadas à sociedade, por violação do artigo 30.°, n.º 3 da Constituição, constitui fundamento de revisão a interpor pelo interessado nos termos do artigo 449.°, n.º 1, alínea f) do Código de Processo Penal». A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer: «O Ministério Público, junto da Instância Local de Paredes, em 19 de Novembro de 2014, nos termos dos arts. 449.º, n.º 1, f) do CPP, interpôs recurso extraordinário de revisão da decisão/despacho proferida, em 06.10.2010 (fls. 20 ou fls. 46), transitada em julgado, que havia declarado o arguido AA, enquanto sócio gerente, solidariamente responsável pelo pagamento da multa aplicada à sociedade arguida. O pedido de revisão fundamenta-se essencialmente no facto de ter sido aplicado o nº 7 do artº 8º do RGIT e de, já após o trânsito em julgado da decisão, ter sido declarada a inconstitucionalidade daquela norma, com força obrigatória geral. Para melhor compreensão do processado, vejamos a tramitação até agora operada: Agora o MºPº interpõe o presente recurso extraordinário de revisão, ao abrigo do art. 449.º, n.º 1, al. f) do CPP, invocando o n.º 3 do art. 282.º da Constituição da República Portuguesa, que expressamente refere no fundamento – o n.º 3 estabelece uma excepção ao princípio da intangibilidade do caso julgado que consiste na declaração da inconstitucionalidade ter efeitos retroactivos mesmo em relação aos casos julgados se da revisão retroactiva das decisões transitadas em julgado resultar um regime mais favorável aos cidadãos condenados por ilícito criminal, disciplinar ou contra-ordenacional. E o Mmº Juiz na informação sobre o mérito do recurso (art. 454.º do CPP) considerou que não tendo o Tribunal Constitucional feito a declaração do n.º 3 do art. 282.º, al. f) declarou expressamente a excepção ao princípio da intangibilidade do caso julgado e por isso haver fundamento para a revisão (fls. 25), não nos parecendo que estas interpretações correspondem ao disposto no n.º 3 daquela disposição da Constituição. 1 - O Tribunal Constitucional, no acórdão nº 171/2014, de 18.02.2014, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artº 8º nº 7 do RGIT, na parte em que se refere à responsabilidade dos gerentes e administradores de uma sociedade que hajam colaborado dolosamente na prática da infracção pelas multas aplicadas à sociedade, por violação do artigo 30º, nº 3, da Constituição (DR de 13/3/2014). 2 - O Supremo Tribunal de Justiça em 8/1/2014 havia fixado jurisprudência sobre o n.º 7 do art. 8 do RGIT do recurso que tinha sido interposto. Deste acórdão de fixação houve recurso obrigatório do MºPº para o Tribunal Constitucional, que por decisão sumária decidiu aplicar a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do Ac. de 13/3/2014, (DR), àquele acórdão proferido em data anterior. O Supremo Tribunal de Justiça, na sequência da decisão do TC, veio, no acórdão nº 11/2014, de 28.05.2014, alterar e a fixar jurisprudência no sentido do Acórdão do Tribunal Constitucional. 3 – A primeira questão que se nos coloca é equacionar se o despacho de que é requerida a revisão se pode equiparar a uma sentença. Um dos fundamentos do recurso de revisão de sentença, nos termos do artº 449º nº 1 alínea f) do CPP, verifica-se quando é declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação. Mas no n.º 2 da mesma disposição legal à sentença é equiparado que tiver posto fim ao processo, para o efeito de todos os pressupostos previstos no n.º 1. Como este recurso de revisão visa o despacho que determinou a responsabilidade solidária do arguido ter-se-á de questionar se o mesmo põe/pôs fim ao processo para poder ser equiparado, por isso, a uma sentença. 3.1 - Tal como aliás foi considerado no acórdão de fixação de jurisprudência de 28/5/2014 e já constava na decisão a que foi aplicada a inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, o n.º 7 do art. 8.º do RGIT estabelece que o administrador/gerente, além da responsabilidade pessoal (penal) que lhe caiba como co-autor da infracção, era ainda responsável solidariamente, pelo pagamento das multas penais e coimas da pessoa colectiva, o que se tem considerado ser uma responsabilidade civil. É que na decisão condenatória de 2/12/2009, apenas a arguida ... & Filhos, Lda foi condenado ao pagamento único de 3800€ sem ter sido envolvido nessa condenação o arguido AA. Só em 6/10/2010 por despacho/decisão é que o arguido AA como sócio gerente passou a ser responsável solidariamente pelo pagamento daquela multa. 3.2 - No douto Acórdão do S.T.J. de 25/3/2015, (proc. 160/08.2IDBRG.B.S1) para ser autorizada a revisão com o pressuposto da al. f) do art. 449.º do CPP, foi considerado primeiramente que o despacho que declarou o arguido recorrente solidariamente responsável por uma pena de multa da sociedade pôs termo no processo, tendo operado uma alteração no sujeito processual a quem incumbia o pagamento da pena de multa imposta à sociedade arguida, tratando-se de caso julgado posto em causa com a decisão do TC. 3.3 - Mas como todos sabemos a jurisprudência da 3ª secção do STJ, é no sentido de só ser passível de recurso de revisão ao abrigo do n.º 2 do art. 449.º do CPP o despacho que ponha fim ao processo o que apenas se verificará quando é conhecida uma relação substantiva e lhe é posto termo ou porque dela não conhece arquivando ou encerrando o processo. 3.4 - Não se verificando nenhuma destas circunstâncias nos despachos, designadamente os que revogarem a suspensão da execução da pena, não têm sido passíveis de recurso extraordinário de revisão, estes despachos porque não encerram o processo. De qualquer modo parece-nos dever suscitar previamente esta questão sobre o despacho de que se requer a revisão extraordinária, porque não nos parece que lhe ponha fim. Mas se vier a ser decidido que este despacho pôs fim ao processo, embora nem seja uma apreciação de uma decisão condenatória penal, podemos ainda colocar uma outra questão prévia, antes de se verificar o pressuposto p. na al. f) do art. 449.º do CPP. 4 – Neste recurso de revisão a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, é superveniente ao despacho que considerou solidariamente responsável ao pagamento da multa da sociedade do arguido e ao trânsito em julgado desta decisão. 4.1 - A propósito da força e alcance de uma decisão do Tribunal Constitucional que declare a inconstitucionalidade de uma norma, importa ter presente o que dispõe o art. 282º da Constituição, até face à interpretação efectuada pela 1ª instância. Refere o artigo 283º da CRP, com a epígrafe efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade: Da leitura deste preceito, em especial do nº 3, resulta que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz os efeitos estabelecidos no nº 1 ou no nº 2, exceptuadas as situações em que haja caso julgado (em que não produz tais efeitos). Mas resulta ainda que, em relação aos casos julgados, tratando-se de matéria penal, disciplinar ou ilícito de mera ordenação social, aquela declaração de inconstitucionalidade poderá produzir efeitos aos casos julgados que o Tribunal declarar tal aplicabilidade se a norma declarada inconstitucional for de conteúdo menos favorável ao arguido. Ora, no caso em apreço, na decisão que declarou a inconstitucionalidade do nº 7 do artº 8 do RGIT (acórdão nº 171/2014), o Tribunal Constitucional não declarou expressamente que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade se estendem ao caso julgado. A questão a equacionar é, pois, a de se saber se, não tendo o Tribunal Constitucional feito aquela declaração, serão os efeitos da declaração de inconstitucionalidade aplicáveis no caso vertente admitindo-se, em face disso, o recurso de revisão. Na doutrina, é pacífico que o caso julgado não tem um valor absoluto. 4.2 - O nº 3 deste preceito, em relação à ressalva dos casos julgados, tem suscitado dúvidas quanto à sua interpretação e os efeitos que produzem no pressuposto de revisão p. na al. f), do n.º 1 do art. 449.º do CPP. Uns autores consideram que, a aplicação da lei mais favorável ao arguido, prevalece sobre o princípio do respeito pelos casos julgados, independentemente de qualquer decisão do Tribunal Constitucional mesmo quando resulte da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral. Outros autores sobre a mesma interpretação do nº 3 do artº 282º da CRP, consideram que a declaração de inconstitucionalidade de uma norma com força obrigatória geral para ser aplicada, num caso julgado menos favorável a um arguido, terá de ser, necessariamente o Tribunal Constitucional a estabelecer esses efeitos. 4.3 – Já Jorge e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, 2007, pá. 833) começa por considerar que a ressalva do caso julgado revela que «a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral não constitui fundamento autónomo de revisão das sentenças firmes». 4.3.1 - Mas no entanto, no que respeita à ressalva dos casos julgados, prevista na primeira parte do nº 3, entendem que tal ressalva não pretende «afastar em absoluto a relevância do reconhecimento da inconstitucionalidade da lei aplicada pela decisão jurisdicional transitada em julgado, não impedindo que, nos termos gerais do Direito processual, se atenda supervenientemente à injustiça (constitucional) da sentença firme.». O respeito pelos casos julgados imposto pela primeira parte do nº 3 do artigo 282º não constitui portanto uma regulamentação especial destinada a afastar em absoluto a relevância da inconstitucionalidade da lei aplicada pela decisão transitada em julgado e posteriormente como tal declarada. (…) O nº 3 do artigo 282º exclui unicamente que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral dê origem a qualquer remédio específico contra as sentenças firmes fundadas na norma posteriormente declarada inconstitucional» (fls. 832 e 833). Entendem que a quebra pelo respeito pelo caso julgado formado sobre a aplicação da norma declarada inconstitucional não opera ope juris, dependendo da ponderação do tribunal constitucional. E que o poder de afastar o respeito pelo caso julgado explica-se por ser necessário fazer um concreto juízo de ponderação «com referência à específica norma jurídica em causa, daquelas razões de justiça, ao qual não poderão se alheios os princípios da adequação e da proporcionalidade»(ob. cit. pág. 837). Mais entendem estes autores, segundo nos parece que não poderá ser feita uma interpretação que consideram literal do art. 282º nº 3, devendo os tribunais judiciais proceder livremente.
4.4 –Mas Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II, 4ª edição revista, Coimbra Editora, pág. 976 e 977, de 2014, estando em vigor desde 2007 al. f), n.º 1 do art. 449.º do CPP) entendem que «a possibilidade de revisão de sentenças constitutivas de caso julgado em matéria penal ou equiparada não é automática, pois tem de ser expressamente decidida pelo TC na sentença que declarar a inconstitucionalidade (ou ilegalidade) da norma, não podendo obstar a isso o preceito (de resto, de constitucionalidade muito duvidosa) do artº 2º-4 do Cód. Penal. Em suma, estabelece-se aqui uma limitação automática dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade, em homenagem ao princípio do caso julgado (…), limitado este pelo princípio da norma penal (ou equiparada) mais favorável». Esclarecem ainda estes autores que, embora a Constituição não defina o que é caso julgado, em seu entender, «trata-se de um conceito pré-constitucional suficientemente densificado (designando situações que, de forma definitiva e irretractável, foram fixadas por sentença judicial), para não permitir a sua ampliação de modo a abarcar outras situações (relações ou situações definitivamente consolidadas ou exauridas por outros meios jurídicos, como cumprimento, transacção, prescrição, caducidade)». E que estas situações definitivamente consolidadas não podem ser retroactivamente perturbadas pela eficácia ex tunc da declaração de inconstitucionalidade. 4.4.1 - Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral segundo estes autores, são em resumo “1º- o regime-regra – que nem sequer precisa de ser explicitado pelo TC e que vale na falta de qualquer declaração sobre o assunto – é o de que os efeitos se produzem desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal, (ou desde o momento em que ela se tornou superveniente inconstitucional ou ilegal), salvo quanto aos casos julgados, que não são afectados; 2º o TC poderá ampliar os efeitos normais da declaração quanto à questão da ressalva dos casos julgados, excluindo dessa ressalva certos casos, nos termos do n.º 3; 3º- o TC pode restringir os efeitos da declaração, quanto a dois aspectos: eliminando, total ou parcialmente, o efeito repristinatório e protelando o início de produção dos efeitos da declaração (de todos ou de parte deles). 4.4.3- Sobre a restrição temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, dizem ainda “… na falta de especificação constitucional, nada parece impedir que o TC recorra a limitações temporais apenas quanto a certos dos efeitos produzidos pela norma (limitação temporal parcial dos efeitos), deixando que outros se produzam desde o início. Ao fim e ao cabo, a limitação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade (ou ilegalidade) traduz-se em ampliar a excepção do caso julgado, que a própria Constituição ressalva. Tudo se passa como se, durante um certo tempo, para todos ou alguns dos seus efeitos, a norma não tivesse sido inconstitucional (ou ilegal). 4.5 - Paulo Pinto de Albuquerque, em análise à alínea f) do nº 1 do artº 449º do CPP, começa mesmo por anunciar não seguir o defendido por Simas Santos quando considera que a esta alínea é inconstitucional porque «vem atribuir efeitos à declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação, em todos os casos penais já julgados, a apreciar em processo de revisão pelos tribunais judiciais» quando «é a própria Constituição que estabelece, em termos não coincidentes, os efeitos dessa mesma declaração, competindo tão só ao Tribunal Constitucional balizar os efeitos retroactivos dessa condenação» - Revista do CEJ, 1º Semestre, 2008, Número 9 (especial), Estudos, pág. 381). Por isso defende que este preceito deve ser interpretado restritivamente e, portanto, havendo caso julgado, só há fundamento de revisão em relação «aos casos julgados postos em causa por decisão expressa do TC. Isto é, a alª f) do nº 1 deve ser sujeita a uma interpretação conforme o artigo 282, nº 3, parte final, da CRP, no sentido de só constituir fundamento de revisão a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral relativamente aos casos julgados determinados pelo TC» (Comentário da CPP, 4ª Ed., UCE, 1213). 4.6 Ainda sobre o caso julgado na Constituição da República André Ribeiro Leite no seu mestrado considera que a característica da sua imutabilidade implicitamente atribuída pelo art~282ºnº 3 não é absoluta pois comporta excepções. Recorda por isso que “ a relativização do atributo da imutabilidade do caso julgado efectuado” nesta disposição “ que ao protege-lo dos efeitos de declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Tribunal Constitucional da norma que fundamenta, excepciona, desde que haja decisão do próprio tribunal nesse sentido e além disso a norma julgada inconstitucional possua conteúdo menos favorável ao arguido (http//repositorium.sdum.uminho.pt).
5 – Só depois da resolução destas duas questões segundo cremos poderá ser decidido se verificam ou não os pressupostos previstos no art. 449.º, n.ºs 1, f) e 2 do CPP e se deverá ser admitido recurso de revisão do despacho que atribuiu responsabilidade solidária ao arguido e que neste momento não se mostra totalmente cumprida sem ser violada a Constituição, nomeadamente, o artº 282 na interpretação do disposto no nº1 e e 2 do artº 449º CPP. Assim parece-nos que tendo em conta tudo o acima exposto mesmo que seja eventualmente decidido que o despacho de que é interposto recurso de revisão é equiparado a uma sentença, então, não deverá ser deferido o recurso de revisão requerido pelo MP, por não haver fundamento de revisão em relação ao caso julgado posto em causa por decisão expressa do Tribunal Constitucional no seu acórdão que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral».
Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir. * Questão prévia que a Exma. Procuradora-Geral Adjunta coloca no douto parecer que emitiu é a da natureza jurídica da decisão revivenda, tendo em vista saber se a mesma cai ou não na previsão do artigo 449º, do Código de Processo Penal, norma que regula os fundamentos e a admissibilidade do recurso extraordinário de revisão, ou seja, se a decisão em causa é ou não susceptível de revisão. Trata-se de saber se a decisão revivenda, não sendo uma sentença, antes um mero despacho, se deve ter por incluída no n.º 2 do artigo 449º, segundo o qual: «Para efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto ao processo». Vejamos pois se o despacho cuja revisão vem requerida pôs termo ao processo. Em matéria de definição dos actos decisórios a lei adjectiva penal estabelece nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 97º: «1. Os actos decisórios dos juízes tomam a forma de: Decisão que põe fim ou termo ao processo é, pois, a sentença, a qual conhece a final do objecto do processo e, em regra, conhece da relação substantiva ou mérito da causa, bem como a que, proferida antes da sentença, tem como consequência o arquivamento ou o encerramento do processo, isto é, o término do procedimento. Neste preciso sentido, aliás, a propósito do sentido da expressão despacho que tiver posto fim ao processo, constante do n.º 2 do artigo 449º, se tem pronunciado, de forma pacífica e constante a 3ª Secção Criminal deste Supremo Tribunal[2]. Sendo certo que a decisão cuja revisão vem requerida não pôs termo ao procedimento, tendo sido proferida depois da sentença, torna-se claro que a mesma, não caindo na previsão do artigo 449º, é insusceptível de revisão. Sempre se dirá, no entanto, que a considerar-se susceptível de revisão o despacho cuja revisão vem requerida, a decisão a proferir seria, em qualquer caso, a denegação do respectivo pedido. Com efeito, como bem refere a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer, a Constituição da República no n.º 3 do artigo 282º, a propósito dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, exclui expressamente a sua aplicação aos casos julgados, apenas permitindo a sua aplicação quando o Tribunal Constitucional assim decidir e a norma declarada inconstitucional respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido[3]. * Termos em que se acorda denegar o pedido de revisão. Sem tributação. * Oliveira Mendes (Relator)
---------------------
|