Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00017250 | ||
Relator: | FERREIRA DIAS | ||
Descritores: | CHEQUE SEM PROVISÃO FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO ELEMENTOS DA INFRACÇÃO TIPICIDADE | ||
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Nº do Documento: | SJ199210280430963 | ||
Data do Acordão: | 10/28/1992 | ||
Votação: | MAIORIA COM 1 DEC VOT E 1 VOT VENC | ||
Referência de Publicação: | BMJ N420 ANO1992 PAG298 | ||
Tribunal Recurso: | T CIRC PAREDES | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 101/91 | ||
Data: | 04/27/1992 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | PROVIDO. | ||
Área Temática: | DIR CRIM - CRIM C/SOCIEDADE. | ||
Legislação Nacional: | DL 13004 DE 1927/01/12 ARTIGO 23 ARTIGO 24. CP82 ARTIGO 228 N1 B N2. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1991/10/23 IN CJ ANOXVI T4 PAG43. ACÓRDÃO STJ PROC40301 DE 1989/11/29. ACÓRDÃO STJ PROC42619 DE 1992/05/13. ACÓRDÃO STJ PROC42982 DE 1992/09/30. | ||
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Sumário : | Comete o crime de falsificação de documento e não o crime de emissão de cheque sem provisão o titular de uma dada conta bancária que, após a emissão de cheque e sua entrega ao tomador, comunica ao banco sacado o seu extravio, determinando dolosamente o funcionário bancário de boa fé a apor sobre o cheque a declaração falsa do seu extravio, como motivo da recusa do seu pagamento. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público acusou o arguido A, casado, marceneiro, de 37 anos, com os demais sinais dos autos, da pratica de um crime de falsificação previsto e punível pelo artigo 228 ns.1 alínea b) e 2 do Código Penal. Realizado o julgamento, acordaram os juizes que constituiam o Tribunal Colectivo julgar improcedente a acusação contra o arguido deduzida e, consequentemente, absolvê-lo do ilícito que lhe era imputado. II - Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público, motivando-o nos seguintes termos:- - A matéria de facto assente contem todos os elementos constitutivos do crime de emissão de cheque sem provisão, quer no regime dos artigos 23 e 24 do Decreto-Lei n. 13004, quer no regime actual consagrado no artigo 11 do Decreto-Lei n. 454/91, de 28/12/91; - Na verdade constitui a mesma realidade a falta de provisão de uma conta bancária e um não pagamento de um cheque por se ter extraviado; - Está contida na matéria alegada na acusação o elemento constitutivo "prejuízo patrimonial", sendo certo que tal elemento sempre estaria insíto à própria emissão do cheque e o consequente impedimento do pagamento. - Do acórdão resultou provado o prejuízo em consequência da emissão do cheque, prejuízo esse correspondente ao valor do cheque; e - A não se entender assim, deverá o arguido ser condenado pela pratica de um crime de falsificação, como foi acusado, ou então o crime de burla previsto e punível pelo artigo 313 do Código Penal. Não foi deduzida qualquer contra-motivação. III - Subiram os autos a este Supremo Tribunal e, lavrado o despacho preliminar e colhidos os vistos, teve lugar a audiência de julgamento, que decorreu com observância do legal formalismo, como da acta se alcança. Cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada obsta ao conhecimento "de meritis". Deu o douto Tribunal Colectivo como provadas as seguintes realidades factuais: - Em fins de Setembro de 1989, o arguido preencheu, com data de 30 de Janeiro de 1990, assinou e entregou a B o cheque n...., sacado sobre o Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, no montante de 200000 escudos; - A 29 de Dezembro de 1989, o arguido comunicou à agência do banco sacado, onde possuía a respectiva conta, que o cheque se tinha extraviado, a fim de obstar ao seu pagamento; - No dia 31 de Janeiro de 1990, o cheque foi apresentado para cobrança à entidade sacada, tendo sido devolvido com a menção de "cheque extraviado"; - O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo a ilicitude de tal conduta; - O arguido mostra-se arrependido; - O cheque entregue pelo arguido destinava-se ao pagamento de madeiras a utilizar no fabrico de mobiliário; - O arguido trabalha por conta própria, sem empregados, tendo a seu cargo o cônjuge e dois filhos menores. A estes factos deve acrescentar-se ainda a circunstância de, na acta de audiência, o lesado B ter desistido do pedido cível por si oportunamente formulado contra o arguido, desistência essa julgada válida pela decisão recorrida, ao abrigo do estatuído na alínea a) do artigo 31 do Código de Processo Penal. Este o contexto factologico apurado e que este Alto Tribunal tem de acatar como insindicável, dada a sua dignidade de Tribunal de Revista e atento o que dispõem os artigos 433 e 29, respectivamente, do Código de Processo Penal e da Lei n. 38/87, de 23 de Dezembro. IV - Relatados os factos, passemos à fase da sua subsunção às normas jurídico-criminais aplicáveis. Segundo o libelo acusatório foi o arguido trazido ao proscénio judicial acusado da pratica de um crime de falsificação previsto e punível pelo artigo 228 ns. 1 alínea b) e 2 do Código Penal. Reza, assim, tal mandamento: "1- Quem, com intenção de causar prejuízo a outrem ou ao Estado, ou de alcançar para si ou para terceiro um beneficio ilegítimo: ......... b)- Fizer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante; ......... 2 - Se os factos referidos nas alíneas a) a c) do número anterior disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a letra de câmbio, a documento comercial transmissível por endosso ou a qualquer outro titulo de credito não compreendido no artigo 244, a pena será de prisão de 1 a 4 anos e multa ate 90 dias......" O acórdão recorrido optou pela direcção de que o arguido não incorreu em qualquer infracção criminal, nomeadamente o crime imputado ao arguido. "Quid juris"? A questão submetida à cognição deste Tribunal Supremo não é nova, pois, já, por diversas vezes, tem sido debatida na jurisprudência dos nossos Tribunais, designadamente neste Alto Tribunal, ora num sentido, ora noutro, reinando assim, a maior perplexidade. Segundo uns - por exemplo os Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça proferidos nos Recursos ns. 42619, 40301 e 42982 - optavam pela postura de que o arguido comete na hipótese em causa um crime de falsificação previsto e punível pelo normativo do artigo 228 ns. 1 alínea b) e 2 do Código Penal. A abonar a doutrina de que, em tal situação, o arguido incorre num crime de emissão de cheques sem provisão previsto e punível pelo artigo 24 do Decreto-Lei n. 13004, de 12 de Janeiro de 1927, depara-se-nos o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 23/10/91 in Colectânea de Jurisprudência Ano XVI - Tomo 4 a Paginas 43 e seguintes. - Que posição abraçar? Sobre tal problema, já tomamos posição a respeito da presente contenda no Recurso n. 42982, como relator, onde defendemos "expressis litteris" que comete o crime de falsificação de documento, previsto e punível pelo artigo 228 ns. 1 alínea b) e 2 do Código Penal - e não o crime de cheque sem provisão previsto e punível pelos artigos 23 e 24 do Decreto-Lei n. 13004, de 12 de Janeiro de 1927 - o titular de uma dada conta bancária que, após a emissão de um cheque e entrega ao tomador, comunica ao Banco sacado o seu extravio, determinando dolosamente o funcionário bancário de boa fé a apor sobre o cheque a declaração falsa do seu extravio, como motivo da recusa do seu pagamento. E as razões que então deixamos exaradas - que aqui deixamos reproduzidas para os legais, efeitos - permanecem válidas e daí que outra posição não vamos assumir, como é lógico. Considera-se, assim, que o arguido, com o seu actuar, retratou os elementos configurantes do artigo 228 ns. 1 alínea b) e 2 do Código Penal, constituindo-se autor do delito de falsificação ali encaixilhado. V - Qualificados os factos no âmbito do direito criminal, uma outra tarefa se nos apresenta, ou seja o doseamento da pena aplicável. Neste aspecto há que ter em atenção o artigo 72 do Código Penal, que estabelece as directrizes a seguir em tão difícil empreitada. Manda tal comando que no ponto em questão se atenda à culpa do agente, às exigências de prevenção de futuros crimes e a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, sem prejuízo, é claro, dos limites mínimo e máximo da pena aplicável em abstracto, que na situação vertente se situam em 1 e 4 anos de prisão e multa de 10 a 90 dias. Por outro lado, elevado de mostra o grau de ilicitude dos factos e graves foram as suas consequências, na medida em que o lesado ficou privado de ser pago pela quantia constante do cheque. Intenso se patenteia o dolo com que o arguido agiu (dolo directo). O seu passado criminal largamente o desabona (confira certificado de folhas 37 e seguintes, cujo conteúdo aqui se dá como inteiramente reproduzido). A minimizar a sua responsabilidade militam as seguintes circunstâncias: - mostrar-se arrependido; e - o facto de o ofendido haver desistido do pedido cível que contra o arguido deduziu, o que claramente inculca que já indemnizou o referido demandante. O arguido trabalha por conta própria, sem empregados, tendo a seu cargo o cônjuge e dois filhos menores. Ora, ponderando todas estes acontecimentos de facto e não olvidando as necessidades de prevenção de futuros crimes - que hoje estão a surgir com bastante frequência - entendemos aplicar, como se aplica, ao arguido A a pena de um ano de prisão e vinte dias de multa à taxa diária de quinhentos escudos, multa essa na alternativa de treze dias de prisão, bem como na taxa de justiça de 10 ucs e na procuradoria de 1/3 da referida taxa. VI - Acontece, porem, que não nos podemos quedar por aqui. É que, em 28 de Dezembro de 1991 foi publicado o Decreto-Lei n. 454/91, que entrou em vigor, "ex vi" do seu artigo 16, três meses depois da data da sua publicação. O referido Decreto-Lei estabelece novas normas relativas ao uso do cheque. E no seu artigo 11 prescreve deste modo:- "1 - Será condenado nas penas previstas para o crime de burla, observando-se o regime geral de punição deste crime, quem causando prejuízo patrimonial: a) - Emitir e entregar a outrem cheque de valor superior ao indicado no artigo 8 que não foi integralmente pago por falta de provisão, verificada nos termos e prazos da Lei Uniforme relativa ao cheque; b) - Levantar, após a entrega do cheque, os fundos necessários ao seu pagamento integral; c) - Proibir a instituição sacada o pagamento do cheque emitido e entregue...". Fazendo incidir a nossa objectiva sobre o preceito penal em foco, somos forçados a concluir que, se os factos constantes do presente processo tivessem deflagrado após a entrada em vigor do Decreto-Lei acabado de transcrever, a conduta do arguido teria de nele ser enquadrada e punida através do normativo do artigo 313 n. 1 do Código Penal. Daí que se torne necessário chamar à colação alguns outros preceitos legais. A nossa Constituição, no seu artigo 29 prescreve: ".......... 4 - Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido....". No desenvolvimento de tal catequese constitucional, que aliás, já era respeitada no consulado do Código Penal de 1886 (confira artigo 6), determina o n. 4 do artigo 2 do Código Penal de 1982 o seguinte: - "Quando as disposições penais vigentes no momento da pratica do facto forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, será sempre aplicado o regime que concretamente se mostre mais favorável ao agente, salvo se este já tiver sido condenado por sentença transitada em julgado." Tal determinação implica, assim, uma indagação junto de cada um dos regimes perfilhados na lei velha - artigo 228 ns. 1 alínea b) e 2 do Código Penal - e no referenciado regime penal do cheque, por força do Decreto-Lei n. 454/91, de 28 de Dezembro - a fim de se averiguar qual das prescrições legais estabelece o regime que concretamente (e não em abstracto, sublinhe-se) se apresenta mais favorável para o agente do facto criminoso. No que concerne ao crime dado como certificado de falsificação de documento previsto e punível pelo artigo 228 ns. 1 alínea b) e 2, decidimos aplicar ao arguido, como sanção, a pena de um ano de prisão e vinte dias de multa. Relativamente ao crime previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 11 n. 1 alínea c) do Decreto - Lei n. 454/91, de 28 de Dezembro e 313 n.1 do Código Penal, considerando: - tudo quanto acima salientamos - quer no aspecto agravativo, quer no ponto atenuativo;e - as circunstâncias da necessidade de prevenir situações como as dos autos, que se estão a observar com grande frequência, com graves transtornos para os cidadãos honestos e para o descrédito do cheque como meio de pagamento, bem como para os tribunais que se vêm confrontados com uma quantidade enorme de casos de emissão de cheques, em detrimento de uma desejável disponibilidade para se ocuparem de outros tipos de criminalidade - circunstâncias que a todo o transe o aludido Decreto-Lei n. 454/91 pretende esconjurar (confira relatório preambular); Somos de parecer de que a reacção criminal que melhor se ajusta, segundo o mencionado Decreto-lei, à estigmatização da situação do caso do pleito, é a de dezoito meses de prisão. Ora, cotejando seguidamente as duas achadas penas - quer a face da lei vigente ao tempo em que os factos eclodiram, quer de harmonia com a nova lei - somos forçados a rematar que é aquela primeira lei que tipifica o regime mais benigno, em concreto, repita-se, a favor do arguido. E daí que, por força do decreto constitucional do artigo 29 n. 4 e do n.4 do artigo 2 do Código Penal, se tenha de eleger a pena que ao arguido foi atribuída, nos termos do artigo 228 ns. 1 alínea b) e 2 do citado diploma. Fica, assim, o arguido condenado na pena de um ano de prisão e em vinte dias de multa à taxa diária de quinhentos escudos, multa essa na alternativa de treze dias de prisão. Oportunamente, quando o processo baixar e para que ao arguido não seja suprimido um grau de recurso, decidir-se-a se se deve aplicar o perdão estatuído no artigo 14 n. 1 da Lei n. 23/91, de 4 de Julho. VII - desta parte e pelos expostos fundamentos, decidem os juizes deste Supremo Tribunal de Justiça conceder provimento ao recurso e, consequentemente, alterar o acórdão recorrido, nos termos sobreditos. Sem custas neste Tribunal. Lisboa, 28 de Outubro de 1992 Ferreira Dias, Pinto Bastos, Noel Pinto, Sá Nogueira: vencido. Entendo que a conduta do arguido corresponde à convicção de crime de emissão de cheques sem provisão e não à do de falsificação, como foi decidido em acórdão de 23 de Outubro de 1991, referido no texto do presente, e de que fui relator. Daria, por isso, provimento ao recurso. Decisão impugnada: Acórdão de 92.04.27 do Tribunal do Círculo de Paredes. |