Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02B678
Nº Convencional: JSTJ00000154
Relator: MOITINHO DE ALMEIDA
Descritores: CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
SEGURO
RESTITUIÇÃO DE BENS
INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
ABUSO DE DIREITO
SEGURO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: SJ200204040006782
Data do Acordão: 04/04/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 7523/01
Data: 10/04/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR PROC CIV - RECURSOS.
DIR CIV - TEORIA GERAL / DIR OBG.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 236 ARTIGO 237 ARTIGO 406 N2 ARTIGO 448 N1 ARTIGO 644 ARTIGO 798 N1 ARTIGO 800.
Legislação Comunitária: DL 171/79 DE 1979/06/06 ART2.
CPC67 ART661 N2.
DL 446/85 DE 1985/10/25 ART11 N2.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1994/04/13 IN BMJ N436 PAG339.
ACÓRDÃO STJ DE 1995/03/28 IN BMJ N445 PAG339.
ACÓRDÃO STJ PROC1005/01 DE 2001/05/17.
ACÓRDÃO STJ PROC2015 DE 2001/09/27.
ACÓRDÃO STJ PROC3564 DE 2001/12/13.
Sumário : I - Sendo o contrato de seguro, formalizado, "ex vi", da locação financeira, um contrato de adesão, deve prevalecer o sentido mais favorável ao aderente, no âmbito dos artigos 236 e 237 do C.C. e, 11, n. 2, do DL n.446/85, de 25 de Outubro, e daí a sua validade.
II - A restituição do veículo, não integra abuso de direito, por envolver previsão legal da locação celebrada, nem enriquecimento sem causa.
III - Pelo seguro caução a seguradora não assume a obrigação do tomador do seguro perante o credor, com o efeito de o isentar da responsabilidade contratual em caso de incumprimento.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. A, SA., intentou contra B, SA. e Companhia de Seguros C, SA. A presente acção declarativa, com processo ordinário, pedindo a condenação da 1ª Ré a devolver-lhe os veículos automóveis Toyota Hiace, SQ-81-56 e SQ-80-72 bem como a condenação de ambas as Rés a pagarem-lhe, solidariamente, a quantia de 3297087 escudos, acrescida de juros à taxa de 8,75% ao ano, até integral pagamento, juros que, em 23 de Abril de 1996, perfazem a quantia de 410657 escudos).

Alegou para o efeito que, no exercício da sua actividade de locação financeira de bens móveis,celebrou com a 1ª Ré, em 26 de Fevereiro de 1992, dois contratos, relativos aos mencionados veículos. Quanto ao primeiro (SQ-81-56), estabeleceu-se o valor de 2624065 escudos e uma renda trimestral de 299245 escudos e ao segundo (SQ-80-72), um valor de 3803615 escudos e uma renda trimestral de 433760 escudos.

A 2ª Ré concluiu com a Ré B um contrato de seguro que garante à Autora (beneficiária) o pagamento daquelas rendas que, ocorrido o seu vencimento, a esta não tenham sido pagas.

Ora, a Ré B deixou de pagar quatro rendas trimestralmente vencidas de 1 de Junho de 1994 a 1 de Março de 1995, no valor global de 3297087 escudos.

Ambas as Rés contestaram, deduzindo a Ré C reconvenção. Para o efeito alegou que a Autora conhecia a prática da Ré B de se apropriar das rendas pagas pelos locatários de longa duração sem lhe pagar as rendas estabelecidas nos respectivos contratos de locação financeira. Pactuando com este ilícito, não resolvendo os contratos que a B não cumprira nem participando à Seguradora os sinistros nos prazos legais estipulados nas apólices, a autora é civilmente responsável pelos danos a esta causados. Deve, assim, ser condenada a pagar à Ré reconvinte uma indemnização a fixar em execução de sentença, equivalente, no mínimo, ao montante pelo qual venha a responder por força da apólice.

A acção foi julgada procedente e improcedente a reconvenção.

Tendo aos recursos interpostos por ambas as Rés sido negado provimento, recorrem agora para este Tribunal, concluindo as alegações das suas revistas nos seguintes termos:

Recurso da Ré C.

-São nulos os contratos de locação financeira celebrados entre Autora e B, por ofensa ao artigo 2° do Decreto-Lei n°171/79, pois, na verdade, tais contratos tiveram por objecto, não bens de equipamento, mas antes veículos que as partes bem sabiam destinar-se a uso pessoal dos seus adquirentes, com quem a B, com conhecimento e consentimento da Autora, contratara previamente a celebração dos contratos de locação financeira;

-No limite, admitir-se-ia, conforme se alegou oportunamente, a necessidade de reformulação da especificação e do questionário nos termos oportunamente requeridos na reclamação e apelação apresentadas, por forma a proceder-se ao apuramento de todos os factos com interesse para a correcta decisão da questão da nulidade dos contratos de locação financeira por fraude à lei, seguindo-se os demais termos até final;

- Nos casos como aquele que ora nos ocupa, em que estamos perante um vício que afecta a própria validade e subsistência da obrigação garantida, deve ser dada primazia às normas imperativas que regulam o ordenamento jurídico em causa, ainda que de uma garantia autónoma se trate, sendo tal vício invocável pelo garante e oponível ao beneficiário da garantia;

- A decisão do processo não foi acompanhada da necessária análise crítica dos meios de prova oferecidos pelas partes, em flagrante violação da lei processual, no caso o artigo 659° do Código de Processo Civil;

- A determinação da efectiva vontade das partes - C e B - ao contratarem entre si os seguros de caução, constitui requisito prévio essencial para uma boa interpretação das apólices dos autos;

- A natureza formal do contrato de seguro não implica a automática irrelevância de todos e qualquer elemento de interpretação para além do texto da apólice, apenas não sendo admissível que se sobreponha a esse texto estipulações que lhe são exteriores;

- Dos protocolos firmados entre seguradora e Ré B resulta de forma cristalina que a intenção das partes, ao contratarem a emissão dos seguros dos autos, consistia na prestação de garantia ao pagamento das rendas por parte dos clientes desta última, locatários nos contratos de aluguer de longa duração;

-As propostas com base nas quais foram emitidas as apólices dos autos, enviadas à C pela B, identificam claramente os contratos de aluguer de longa duração através da indicação dos respectivos locatários;

-Ao definirem, nas condições particulares das apólices, qual o objecto da garantia prestada, as partes não concretizam a que rendas se referiam, se às da locação financeira, ou antes às de aluguer de longa duração;

-A dúvida assim suscitada deverá ser esclarecida com recurso à vontade das partes e aos elementos de prova constantes dos autos, o que, conforme vimos, nos leva a concluir que estão garantidas as rendas referentes ao aluguer de longa duração;

-Seja como for, é inequívoco que a vontade das partes, tal como acima a identificámos, tem no texto das apólices um mínimo de correspondência, ainda que expresso de forma imperfeita, pelo que pode e deve valer na respectiva interpretação;

-A não ser assim teríamos que concluir pela nulidade do contrato em sede interpretativa, sob pena de se fazer valer o negócio com um sentido totalmente contrário à vontade das partes nele intervenientes (artigo 220° do Código Civil);

-Ao condenar a Recorrente no pagamento das rendas vencidas e não pagas em data posterior ao termo do prazo de vigência das apólices dos autos, o douto acórdão recorrido viola o artigo 426° do Código Comercial, na parte em que estabelece a obrigatoriedade de determinação na apólice do "tempo em que começam e acabam os riscos";

-Os argumentos constantes do acórdão recorrido para justificar a improcedência do pedido reconvencional não colhem, justificando-se, com a descida do processo, a reformulação da especificação e do questionário nos termos oportunamente requeridos na reclamação apresentada e que, de posse de todos os factos relevantes, o tribunal possa proferir decisão de mérito sobre o referido pedido reconvencional;

-O presente acórdão viola os artigos 236, 238, 280 e 281 do Código Civil, 511, 712 e 659 do Código de Processo Civil e 426 do Código Comercial.

Recurso da Ré B

-Apesar do brilho e erudição do Douto Acórdão, não pode a recorrente conformar-se com a Douta Decisão, porquanto, não se teve em consideração que o Seguro de Caução Directa é uma garantia autónoma, automática, à 1ª interpelação, tal como, aliás, consta na carta, de fls.36, dirigida pela Companhia de Seguros C, S.A. à A, S.A.- ( que apenas celebra contratos de locação financeira, pelo que as rendas aí referidas só podem ser as do contrato de locação financeira). Não há, portanto, devedores solidários, mas apenas as Seguradoras, tendo a R. B apenas de pagar o valor residual- já que exerceu a opção de compra, cfr. carta de fls. 152/153-, para que a propriedade do veículo se transferisse para si, e, depois, para o Locatário de ALD - tal como, num caso idêntico, bem decidiu o Venerando Supremo Tribunal de Justiça;

-Salvo o devido respeito, deveria ter sido afastada a condenação solidária, atenta a natureza jurídica do seguro de caução directa, que não é a mesma fiança (não há, portanto, devedores solidários, mas apenas um único devedor, ou seja, a entidade garante - a Seguradora-), sendo ainda certo, que se a aludida Seguradora tivesse pago logo à primeira interpelação da A., conforme carta de fls.36, não haverá lugar à devolução dos veículos, pois os CLFs ficariam pagos na sua totalidade, faltando apenas o pagamento do valor residual, já que a ora Recorrente fez a opção de compra por carta de fls. 152/153, para que a A. pudesse transferir a propriedade dos veículos para a B, que, por sua vez os transmitiria para os seus Locatários, caso estes estivessem em cumprimento;

-O contrato de seguro caução directa é o cerne da questão, e, sendo o seguro de caução directa uma garantia autónoma, automática, à primeira interpelação, sendo certo que o garante está obrigado a satisfazê-la e imediato, bastando que para tal o beneficiário o tenha solicitado, não pode a ora Apelante ser condenada, mas tão - só a R. Seguradora, atento o facto de a natureza jurídica do seguro de caução directa não ser a da fiança, mas sim uma garantia autónoma, assumindo a Seguradora a totalidade da responsabilidade da dívida, ou seja, o pagamento de todas as rendas vencidas e não pagas, bem como as vincendas, dos contratos de locação financeira, cujo incumprimento se discute nos autos;

-Na verdade, também o Tomador (no caso a Apelante), através do seguro viu transferida a responsabilidade civil contratual resultante do incumprimento, salvaguardando-se, assim, das consequências do incumprimento;

-A A, aquando da celebração dos contratos de locação financeira com a ora Apelada, exigiu como condição, que fosse prestada uma garantia idónea que cobrisse o eventual incumprimento da B;

-Tal garantia foi prestada por seguros de caução directa, celebrados com a Companhia de Seguros C, S.A., os quais constam das apólices n°150104100871 e 150104100872, (Docs. 3 e 4 da douta P.I., a fls. 31 e 33);

-Nestas apólices, constam como Tomador a R. B e Beneficiário a A;

-Resulta do contrato de seguro-caução directa celebrado, que a C garantiu à A (Beneficiária), em caso de incumprimento da B (Tomador), o pagamento das rendas vencidas e não pagas, bem como das rendas vincendas, pagamento esse que seria efectuado à 1ª interpelação e no prazo de 45 dias, sem qualquer outra formalidade, cfr. carta de fls. 36 e n°s 4 e 5 do art°11° das condições gerais das apólices, de fls. 32 e 34;

-Assim, face ao incumprimento da B, outra coisa não restaria à A senão ter agido em conformidade com o negociado, ou seja, accionar o seguro de caução directa por forma a ressarcir-se do valor das rendas vencidas e não pagas, bem como das vincendas, e, caso a Seguradora não honrasse o compromisso assumido, accioná-la judicialmente, e apenas esta;

-Na verdade, por força do contrato seguro-caução celebrado, a C, S.A. vinculou-se a pagar à 1ª interpelação e no prazo de 45 dias, à Beneficiária A o valor das rendas vencidas e não pagas, bem como das rendas vincendas, no caso de incumprimento por parte da B, cfr. carta da C à A, Doc. 5 da douta P.I., a fls. 36;

-O seguro de caução é um contrato,rigorosamente, formal ad substanciam, reforçado pelo n. 1 do art. 8 do Dec.-Lei n. 183/88, de 24 de Maio;

-O contrato formal é a apólice de seguro-caução não é uma fiança;

-O seguro de caução directa cobre o risco de incumprimento das obrigações... susceptíveis de caução, fiança ou aval (vide n°1 do art. 6 do citado DL 183/88, 24/5); logo a natureza jurídica do seguro caução não é a da fiança;

-Para garantir os Contratos de ALD a C emitiu outro tipo de apólices em que o Tomador do Seguro é o Locatário de ALD e Beneficiária a B, como a de fls. 422; Será que este tipo de apólice garante o mesmo que as de fls. 31 e 33?

-Enquanto a fiança é prejudicada, na sua eficácia, pela característica da acessoriedade, o contrato de garantia, em virtude da autonomia que, por definição, o individualiza, torna inoponíveis ao beneficiário as excepções fundadas na relação principal (por exemplo, sobrevinda impossibilidade do cumprimento do contrato);

- O recurso a esta nova figura torna-se constante, acabando por ser um instrumento que bancos e companhias de seguros adoptam para garantir uma prestação "auf jedem Fall", ou seja, independentemente da circunstância de a obrigação do devedor principal subsistir ou de ser tornado impossível de cumprir;

- Por isso, aparece, para neutralizar este último inconveniente, com o apoio dos próprios bancos e seguradoras, interessados em não se envolverem em disputas deste tipo- a cláusula de pagamento à primeira solicitação;

- Consegue-se, deste modo, uma segurança total, pois, não só a garantia se desliga (porque autónoma) da relação principal (entre o beneficiário e o devedor) ,como igualmente se elimina o risco de litigância sobre ocorrência ou não dos pressupostos que legitimam o pedido de pagamento feito pelo beneficiário;

- Assim, perante uma garantia de pagamento à primeira solicitação, o garante está obrigado a satisfazê-la de imediato, bastando para tal que o beneficiário o tenha solicitado nos termos previamente acordados (cfr. carta da C à A - Doc.5 da douta P.I. a fls. 36- aliás que rendas estaria a R. C a garantir que não a do CLF, se a carta de fls. 36 está dirigida à A, S.A., uma vez que esta sociedade só celebra Contratos de Locação Financeira (CLFs));

- Salvaguarda-se, assim, o risco de falta de solvabilidade do devedor, ao mesmo tempo que se supera o grave inconveniente que a natureza acessória da fiança comporta;

- A garantia autónoma, quer, pois, dizer que é exigível, independentemente das vicissitudes da relação principal entre o credor/beneficiário da garantia e o devedor, - à primeira solicitação -, ou seja, a pagar logo que o beneficiário o solicite à entidade garante, sem que esta ou o devedor possam opor-lhe quaisquer objecções;

- Diferentemente da fiança, trata-se de uma garantia autónoma, isto é, não acessória, visto não ser afectada pelas vicissitudes da relação principal, e automática, porque a garantia à primeira interpelação opera imediatamente, logo que o seu pagamento seja pedido pelo beneficiário;

- O recurso à garantia autónoma visa precisamente superar a grave desvantagem que a natureza acessória da fiança comporta, incompatível com as exigências de celeridade e eficácia do comércio (Contrato de garantia à primeira solicitação, Prof. Dr. Mário Júlio de Almeida Costa e Dr. António Pinto Monteiro, in col. Jurisp., tomo V, 1986, pág. 15 e ss.):

- A causa da garantia autónoma, a finalidade económico-social que serve, o seu escopo, é precisamente garantir determinado contrato-base;

- Assim sendo, outra coisa não restava à R. Seguradora senão pagar a quantia peticionada, à primeira interpelação (extrajudicialmente, nos termos do art. 805, n. 1 do Cód. Civil), pelo que, não o tendo feito, incorrem em mora desde que essa interpelação, perfeitamente válida e eficaz, lhe foi feita pela A;

- Em consequência, e sendo o seguro de caução directa um exemplo típico de garantia autónoma, e nunca do negócio fiduciário, não pode a ora Apelante ser condenada solidariamente, devendo apenas ser condenada a R. Seguradora;

- Nas condições gerais de apólice de seguro caução, de fls. 32, está bem explícito o que é O Sinistro e o objecto da garantia que é:

"Sinistro: O incumprimento atempado do tomador do Seguro da obrigação assumida perante o Beneficiário (art°1); A C 5...) garante ao Beneficiário pela presente apólice, até ao limite do capital seguro, o pagamento da importância que devia receber do tomador de Seguro, em caso de incumprimento por este último da obrigação garantida";

- Assim, e como também consta da referida apólice, sendo o beneficiário a A e o tomador a B, no caso de incumprimento deste, a única e exclusiva responsável só poderá ser a R. C, S.A.;

- O capital seguro corresponde, exactamente, à soma das 12 rendas Trimestrais do contrato de Locação Financeira e não do contrato ALD, cujas rendas são mensais, sendo o seu valor superior ao do contrato de Locação Financeira, cfr.fls. 416 a 418 (no caso do segundo contrato de ALD, de fls. 419 a 421 a situação é idêntica...);

- Portanto, a única e ser accionada judicialmente deveria ser a 2ªR., mas jamais a B, tendo em conta que o seguro caução não tem a natureza jurídica da fiança, logo, não há devedores solidários;

- A carta dirigida pela C à A, (Doc. 5 daPI, de fls. 36), é clara, e não se entenderia porque motivo esta seguradora escreveria à referida Leasing, se não estivesse a garantir o cumprimento do C.L.F., uma vez que a A só celebra contratos de locação financeira;

- Assim, incumprindo o tomador de seguro (B) as obrigações garantidas pela apólice de seguro, constituiu-se a C na obrigação de pagar ao beneficiário, isto é, à A, a quantia que deveria receber da B, S.A., pela celebração do contrato de locação financeira;

- O pagamento de tal indemnização deveria ter sido efectuado no prazo de 45 dias após a interpelação da A à C, cfr. carta de fls. 36 e n°5 do art°11° das condições gerais de fls. 32;

- Não tendo a R. Seguradora pago na data prevista , constitui-se em mora, pelo que à indemnização acrescem juros à razão da taxa de desconto do Banco de Portugal, art. 11 n. 6 das Condições Gerais da Apólice, a fls. 32;

- Finalmente, se a Seguradora pagasse o estipulado na apólice, ou seja, as rendas vencidas e não pagas, bem como as vincendas, não havia que restituir os veículos à A, pois esta ficava ressarcida, devendo o veículo ser entregue à B que, por sua vez, o entregaria ao seu Locatário de ALD, (no caso de estar em cumprimento perante a R. B);

- Isto, sob pena de enriquecimento sem justa causa, por parte da A.;

- Se garantisse o incumprimento do contrato de ALD, o nome deste, segurado, deveria constar da apólice, atento o disposto na alínea a) do n. 1 do art. 8 do DL 183/88, de 24.5., que dispõe que no caso do Tomador e do Segurado não coincidirem, deverá constar na apólice a identificação do tomador e a do segurado. Pergunta-se: onde consta na apólice o come do segurado?;

- Toda a conduta da A., foi no sentido de fazer confiara R. B na possibilidade de outorga futura de um contrato de ALD, com terceiro alheio ao CLF, conforme aliás a própria A. confessa;

- Daí que a "confiança" transmitida pela A. à R. B impediria a condenação na restituição do veículo objecto do contrato de leasing, cfr. Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que se juntou;

- O protocolo em vigor à data da emissão das apólices juntas como Docs. 3 e 4 da douta P.I., é o datado de 15 de Novembro de 1991, cujo teor se explica no capítulo referente aos protocolos e que prevê a emissão de dois tipos de apólices com coberturas diferentes, umas previstas do art°1° ao 7° do sobredito protocolo, para garantir os contratos ALD, como a de fls. 422, e outras previstas no seu art. 8 para garantir os contratos de locação financeira, em que a B, ora Recorrente é a Tomadora, como as de fls. 31 e 33;
- Data venia, nem havia necessidade de tocar nos protocolos, porquanto as apólices de fls; 31 e 33 são Contratos, rigorosamente, formais ad substantiam, são claras, está lá tudo e entender de forma diferente é pretender alterar, profundamente, os termos do contrato de seguro caução accionado, nele substituindo as pessoas da Tomadora do Seguro e da Beneficiária. É tentar ver nesse contrato um outro que nele de todo não pode ser encontrado, em claro desrespeito pelo disposto no art°238° do Cód.Civil;

- Foram assim violados os arts. 334, 398, 405 e 805 do Código Civil, 426 e 427 do Código Comercial, e 668, alíneas b), c), d) e e) do actual C.P.C. e ainda o Decreto-Lei 183/88, de 24 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei 127/91, de 22 de Março.

2. Quanto à matéria de facto, remete-se para a decisão da 1ª instância (artigos 713°, n°5 e 726°, do Código de Processo civil).

3. São as seguintes as questões suscitadas no recurso da Ré C: âmbito da garantia assumida ela seguradora (1), validade do contrato de seguro (2),exclusão da garantia no que respeita á última renda de ambos os contratos (3), apreciação do pedido reconvencional (3);

3.1 Âmbito da garantia assumida pela seguradora

Este recurso tem, em primeiro lugar, por objecto a interpretação do contrato de seguro concluído pela Recorrente com a B e de que é beneficiária a Autora A. Tudo está em saber se este seguro garante à beneficiária o pagamento das rendas do contrato de locação financeira, em que é locatária a B, ou as rendas dos contratos de aluguer de longa duração concluídos entre esta e D e E.

Como este Tribunal entendeu, em vários acórdãos respeitantes a contratos de seguro com idêntico clausulado, é a primeira interpretação que se impõe (ver, entre outros, os acórdãos de 15 de Março de 2001, processo 438/00 e de 2001, processso 1005/01).

Com efeito, importa salientar, em primeiro lugar, que o contrato de seguro em causa corresponde à obrigação assumida pela B, nas negociações que precederam a conclusão dos contratos de locação financeira,de prestar garantias em caso de incumprimento .

E o contrato de seguro corresponde à obrigação deste modo assumida. É o seguinte o objecto da garantia, definido no n°1 das "condições gerais" dos contratos de seguro em causa: "A C... garante ao Beneficiário, pela presente Apólice, até ao limite do capital seguro, o pagamento da importância que devia receber do tomador do Seguro, em caso de incumprimento por este último da obrigação garantida..."

É certo que as condições gerais precisam o objecto da garantia no sentido de que consiste no "Pagamento de 12 rendas trimestrais no valor de 3597156 escudos, referentes ao veículo Toyota Hiace SQ-81-56" e no "Pagamento de 12 rendas trimestrais no valor de 4985568 escudos referentes ao veículo Toyota Celica 1.6 SQ-80-72". Todavia, a referência a estes veículos surge aqui com vista a identificar o objecto do seguro e não para modificar o objecto da garantia: ela respeita aos veículos mencionados que a B alugou a terceiros mediante contrato de longa duração.

Esta interpretação imposta pela necessidade de dar um conteúdo útil a ambas as cláusulas, bem como pela finalidade do seguro de caução, tem ainda em seu apoio o facto de as 12 rendas trimestrais se referirem ao contrato de locação financeira e não aos contratos de aluguer de longa duração. E ela não é posta em causa pelas cartas mencionadas pela Recorrente, relativas ao agravamento dos prémios, que mencionam a identidade dos locatários de longa duração, também aqui utilizada para a identificação dos mesmos contratos.

A esta interpretação do contrato de seguro não obstam os "Protocolos" invocados pela recorrente. A este respeito basta observar que, independentemente da questão de saber se tais Protocolos abrangem o seguro em causa ou outros seguros concluídos pela B junto da C, eles são inoponíveis ao beneficiário de uma promessa irrevogável nos termos do disposto no artigo 448°, n°1 do Código Civil. Quaisquer alterações do contrato a favor de terceiro exigem, neste caso, o consentimento do beneficiário (veja-se, neste sentido, o acórdão do STJ de 13 de Abril de 1994, no BMJ, n. 436, p. 339).

3.2 Nulidade do contrato de seguro

Considera a Recorrente que o contrato de seguro é nulo por ser nulo o contrato de locação financeira cujas rendas são por ele garantidas (artigo 632, n. 1 do Código Civil).

A este respeito invoca o Decreto-lei 171/79 de 6 de Junho cujo artigo 2° limitava o contrato de locação financeira a bens de equipamento. Para contornarem esta disposição e alargarem a locação financeira a bens utilizados por consumidores particulares, algumas sociedades de leasing serviam-se de empresas intermediárias. Estaríamos, assim, perante negócios que visam contornar uma proibição legal e,por isso, em fraude à lei (artigo 280° do Código Civil).

A este respeito importa observar que o aparecimento de empresas cujo objecto social são os contratos de aluguer de longa duração era a consequência da proibição legal, hoje extinta, de as empresas de locação financeira recorrerem a este instrumento no âmbito da aquisição de bens de consumo por particulares. Só existiria fraude à lei se a empresa de locação financeira criasse um intermediário para contornar a proibição legal ou utilizasse uma empresa sob o seu controlo para esse fim (veja-se, neste sentido, o mencionado acórdão deste Supremo de 17 de Maio de 2001, proferido na revista 1005/01). Ora, a recorrente não alegou quaisquer factos no sentido de ser este o caso.

3.3 Rendas garantidas pelos contratos de seguro

Considera a Recorrente que os contratos de seguro em causa não garantem o pagamento da última renda.

Alega a este respeito que os contratos foram ambos concluídos "pelo prazo de 36 meses, com início em 27/02/1992 e termo em 26/02/1995". Assim, as rendas dos contratos de locação financeira vencidas e não pagas a 1 de Março de 1995, não se encontram garantidas.

Não tem razão a recorrente.

Com efeito, a cláusula mencionada, relativa à duração do contrato, é contraditória com o objecto da garantia, a qual, como vimos, abrange o pagamento das 12 rendas trimestrais dos contratos de locação financeira em causa,vencendo-se a última em momento posterior ao termo da duração estabelecida naquela cláusula.

Ora, sendo o contrato de seguro um contrato de adesão, deve prevalecer o sentido mais favorável ao aderente, como já resultava do Código Civil (artigos 236 e 237, veja-se, neste sentido, o acórdão do Supremo de 28 de Março de 1995, no BMJ, n°445, pág.519) e se encontra hoje expressamente consagrado no artigo 11, n. 2 do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro.

3.4 Reconvenção

Considera a Recorrente que a Autora, perante o incumprimento dos contratos de locação financeira, devia desde logo, fazendo uso de cláusulas neles inseridas, impedir que continuassem em vigor. Se é certo que tais cláusulas contemplam uma mera faculdade, dos contratos de seguro resultam deveres para a A, como o da limitação dos prejuízos da Seguradora e o de acautelar o direito de regresso que a esta assiste.

O comportamento negligente da A permitiu que a B continuasse a receber as rendas dos locatários de longa duração, embolsando-as em proveito próprio, e impediu uma recuperação pronta dos veículos, através dos quais teria podido amortizar parte substancial do seu investimento, com natural reflexo nas indemnizações exigidas à recorrente.

Devem, assim, os factos em que assenta o pedido reconvencional ter sido levados à especificação e/ou questionário e sobre este pedido ser proferida decisão.

Não tem razão a Recorrente.

Consagra o n. 2 do artigo 406 do Código Civil o princípio da eficácia relativa dos contratos. Embora admitindo que, em determinadas condições, o princípio da boa-fé imponha o respeito por terceiro de cláusulas de um contrato concluído a seu favor (neste sentido, o acórdão do Supremo de 13 de Dezembro de 2001, revista 3564/01), o facto é que a Recorrente não concretizou os prejuízos por ela sofridos em consequência do atraso na participação de alguns sinistros. E quanto à não resolução dos contratos não se vê em que medida a tenha podido prejudicar. Como este Supremo tem entendido, resulta, nestas condições, sem cabimento a aplicação do disposto no n. 2 do artigo 661 do Código de Processo Civil (acórdãos de 27 de Setembro de 2001, revista 2015/01 e de 13 de Dezembro de 2001, revista 3564).

4. Recurso da Recorrente B

O recurso da recorrente B visa, por um lado, a sua condenação ao pagamento das quantias objecto do pedido e, por outro,a sua condenação a entregar à Autora os veículos em causa.

4.1 Quanto à primeira questão ,entendeu o acórdão já mencionado deste Supremo, proferido na revista 1005/01, que mesmo que o contrato de seguro se possa configurar nos termos sugeridos pela recorrente (o que é contestado), o facto é que tal contrato apresenta elementos da fiança (garantia da satisfação de uma obrigação alheia) sendo, por isso, aplicável o disposto no artigo 644 do Código Civil que prevê a sub-rogação do fiador nos direitos do credor;

Pelo seguro caução a seguradora não assume a obrigação do tomador do seguro perante o credor, com o efeito de o isentar da responsabilidade contratual em caso de incumprimento. Por um lado, nenhuma seguradora aceitaria um contrato com tal objecto que eliminaria todo o interesse, por parte do devedor, em cumprir a obrigação. Tudo se passaria como se a dívida tivesse sido transmitida à seguradora e é óbvio que o prémio não cobre tal risco. Por outro lado, se se entendesse ser o objecto do contrato de seguro o que a recorrente pretende, não seria o contrato um contrato de seguro (ausência de risco) e estaria ferido de nulidade, designadamente por ofensa do princípio de que o devedor não pode excluir a responsabilidade contratual resultante do incumprimento de uma obrigação a ele imputável (artigos 798, n. 1, 800 e 280, n. 1, do Código Civil).

4.2 Entrega dos veículos. Considera a recorrente que a Autora, ao pedir a restituição dos veículos em causa age com manifesto abuso de direito. E invoca como fundamento do recurso que a A conhecia o destino desses veículos. Ora, nestas circunstâncias, não podendo ignorar a Autora que a Ré B podia vir a não cumprir o contrato de locação financeira, e daí a exigência do seguro caução, de algum modo provocou a situação de facto que hoje se depara. Atendendo à natureza do contrato de aluguer de longa duração, a Recorrente convenceu-se de que a restituição do equipamento jamais seria reclamada pela A.

E considera ainda a Recorrente que a entrega dos veículos à autora constituiria um enriquecimento sem causa.

A esta argumentação já o acórdão recorrido deu cabal resposta, bem como a jurisprudência deste Tribunal (veja-se, entre outros, o acórdão já citado, proferido na revista 1005/01). Para aquele acórdão se remete nos termos do disposto no artigo 713, n. 5, do Código de Processo Civil.

Termos em que se negam as revistas.

Custas pelas Recorrentes.

Lisboa, 4 de Abril de 2002

Moitinho de Almeida,

Henriques de Matos,

Ferreira de Almeida.