Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1938/08.2TBCTB.C1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MOREIRA ALVES
Descritores: UNIÃO DE FACTO
MORTE
SEGURANÇA SOCIAL
PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
ALIMENTOS
REQUISITOS
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/10/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
I - À luz do regime instituído pelo DL n.º 322/90, de 18-10, Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18-01, e Lei n.º 7/2001, de 11-05 (na redacção anterior à Lei n.º 23/2010, de 30-08) para que o membro sobrevivo de uma relação de facto tivesse direito às prestações sociais do regime geral da segurança social decorrente do óbito do companheiro(a) beneficiário(a), tinha de provar, cumulativamente, os seguintes requisitos, tidos como elementos constitutivos do direito: 1.º que vivia com o beneficiário falecido há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges; 2.º que o beneficiário falecido era pessoa, não casada, ou, sendo casada, se encontrava separada judicialmente de pessoas e bens; 3.º que o companheiro sobrevivo carecia de alimentos; e, 4.º que os não podia obter de nenhuma das pessoas referidas nas als. a) a d) do art. 2009.º do CC, nem da herança do falecido companheiro, quer porque não existiam bens, quer porque, a existirem, eram insuficientes.

II - A Lei n.º 23/2010 veio introduzir importantes alterações na Lei n.º 7/2001, designadamente, mantendo o direito de acesso às prestações sociais em causa, estabelecendo que o membro sobrevivo da união de facto tem direito à prestação por morte, segundo o regime geral ou especial da segurança social, independentemente da necessidade de alimentos, bastando provar a união de facto há mais de dois anos à data da morte do beneficiário – cf. art. 6.º da Lei n.º 7/2001, na redacção introduzida pelo art. 1.º da Lei n.º 23/2010.

III - O óbito do beneficiário é o elemento determinante do direito à atribuição da pensão de sobrevivência e subsidio por morte, não sendo elemento constitutivo desse direito. A Lei n.º 23/2010 não restringiu o seu campo de aplicação ao estatuto pessoal de membro sobrevivo de uma união de facto dissolvida no seu domínio, ou seja, após o início da sua vigência.

IV - A Lei n.º 23/2010 regula directamente este novo estatuto pessoal, abstraindo do facto que lhe deu origem: como é evidente, tal situação jurídica prolonga-se no tempo, independentemente do momento em que se constituiu, i.e., da dissolução, por morte de um dos seus membros, da união de facto pré-existente.

V - Há que distinguir entre a entrada em vigor e a produção de efeitos da Lei n.º 23/2010: a) como não foi estabelecida qualquer vacatio legis na lei, ela entrou em vigor no 5.º dia após a respectiva publicação; b) nos termos do art. 6.º da Lei n.º 23/2010, a aplicação da lei (nova) à situação concreta, implica que o direito às prestações sociais abrange apenas as prestações que se vencerem a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2011.
Decisão Texto Integral:

Relatório

No Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco,

AA

intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra

Instituto de Solidariedade e Segurança Social, IP – Centro Nacional de Pensões,

alegando em resumo (considera-se a p.i. aperfeiçoada):

- que em 8/7/2008 faleceu BB, que era pensionista do R., com o n.º 00000000000;

- A falecida era casada com o A., mas encontravam-se separados judicialmente de pessoas e bens;

- não obstante, desde 2002 que o A. e a falecida BB, viviam em união de facto (alegou a factualidade pertinente), situação que se mantinha à data do óbito;

- na data da sua morte, a BB não possuía quaisquer bens, excepto os que constam da que foi a sua casa de habitação;

- o A. é reformado, tendo como único rendimento, o proveniente da  sua reforma de 365,35 €, que não é suficiente para fazer face às despesas correntes da vida;

-o A. tem três irmãos e duas filhas, mas nenhum destes familiares tem rendimentos suficientes para lhe prestar alimentos (alega a factualidade pertinente).


*

Pede, em consequência, se declare que o A. é titular das prestações por morte, no âmbito da segurança social, previstos no D.L. 322/90, D.Reg. 1/94 e Lei 7/2001, decorrentes da morte da BB, condenando-se o R. a tal reconhecer.

*

O R. contestou.

*

Elaborou-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.

*

Realizado o julgamento e lida a decisão de facto, foi proferida sentença final que julgou a acção improcedente, por não ter ficado provado, quer a necessidade de alimentos por parte do A., quer a impossibilidade de os obter da herança da falecida companheira ou dos familiares referidos nas alíneas a) a d) do Art.º 2009º do CC.

*

Inconformado, recorreu o A., pretendendo a alteração de várias respostas aos quesitos e com base na fixação da nova matéria de facto, a aplicação do direito no sentido da procedência da acção.

*

Sem êxito, porém, visto que a Relação, embora alterando as respostas impugnadas, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

*

Novamente inconformado, volta a recorrer o A., agora de revista (excepcional), ao abrigo do disposto no Art.º 721-A n.º 1 b) do C.P.C..

*

Apreciados os pressupostos específicos de admissibilidade de revista excepcional, pela formação de juízes a que se refere o n.º 3 do Art.º 721 –A, foi a revista admitida.

*


Conclusões

*

Oferecidas tempestivas alegações, formulou o recorrente as seguintes conclusões:

*


Conclusões da Revista

*


1ª Para que haja direito às prestações por morte do beneficiário pela pessoa que com ele vivia em situação de união de facto (no antigo regime das prestações por morte) são necessários os seguintes requisitos: que haja uma vivência de duas pessoas de sexo diferente em condições análogas às dos cônjuges a verificar-se na altura do falecimento do beneficiário e desde há mais de dois anos, ser essa pessoa casada ou separada judicialmente de pessoas e bens;

O requerente carecer de alimentos;

Não poder o sobrevivo obter alimentos do seu cônjuge ou ex-cônjuge, descendente, ascendente ou irmãos;      

Que a herança do falecido não possa prestar alimentos a requerente, por falta ou insuficiência.

2ª Considera o recorrente que os documentos, juntos com as alegações de recurso, deveriam ter sido apreciados, nos termos do art.693-B do CPC, pois não os pôde apresentar até à ao final da audiência de julgamento, destinando-se a provar factos que vieram a ser utilizados como motivação do tribunal "a quo" para manter a improcedência da acção, isto é, considerado que não está provada a impossibilidade de obter alimentos da herança.

3ª Dos documentos que se juntam resulta que a herança não tem bens suficientes para satisfazer uma pensão de alimentos.

4ª Assim, estão verificados todos os requisitos para a procedência da acção,

5ª Nos tempos de crise económica e social que o País atravessa, não permitir ao A., pessoa idosa, com um pequeno rendimento proveniente de uma pensão de reforma, que possa ver a sua pretensão apreciada pelo STJ, tribunal que poderá, eventualmente, vir a declarar que o recorrente tem direito à pensão de sobrevivência da sua antiga companheira, o que se traduziria numa melhoria das suas condições de sobrevivência.

Considera o recorrente que o presente recurso tem relevância social e de cariz humanitário, pelo que o presente recurso deve ser recebido e apreciado por V.Exas.

Nestes termos, requer a V.Exas. se dignem considerar, totalmente, procedente todo o recurso do recorrente, e em consequência considerar procedente o pedido do recorrente.

PEDE JUSTIÇA


*


Contra-alegou o R., defendendo, no que ora interessa, a improcedência da revista, com a consequente confirmação do acórdão recorrido.

*


Os Factos

*

Após diversas alterações a da matéria de facto, a Relação fixou a seguinte factualidade:

*


1.         No dia 8 de Julho de 2008 faleceu BB, com última residência habitual na Rua da E... de F..., ..., Retaxo, no concelho de Castelo Branco, no estado de casada mas separada de pessoas e bens de AA.

2.         A falecida BB era pensionista do réu com o n.° 00000000000.

3.         O autor, pelo menos desde 2002, viveu com a falecida BB no n.° ... da Rua da E..., no Retaxo, até esta ser internada no Lar da Santa Casa da Misericórdia de Castelo Branco.

4.         Na referida habitação o autor relacionava-se com a dita BB afectiva e sexualmente, partilhando a mesma cama.

5.         O autor e a dita BB tomavam refeições juntos.

6.         O autor cuidava da falecida BB quando esta estava doente, e era ela que cuidava do autor quando este adoecia.

7.         Nos últimos anos de vida a falecida BB esteve internada no Lar da Santa Casa da Misericórdia de Castelo Branco.

8.         O autor suportou as despesas inerentes ao internamento da falecida BB no Lar da Santa Casa da Misericórdia de Castelo Branco.

9.         Foi o autor que suportou as despesas inerentes ao funeral da falecida BB .

10.       O autor e a falecida BB eram reconhecidos e tratados por todas as pessoas com quem se relacionavam como se de marido e mulher fossem.

11. O autor é reformado e tem como rendimento o proveniente da sua reforma no valor de € 365,55.

12. O autor tem como único rendimento o proveniente da sua reforma.

13.  O montante auferido pelo autor a título de reforma é todo ele consumido mensalmente nas suas despesas em alimentação, vestuário, medicamentos electricidade, água, comunicações e deslocações.

14.       Havendo meses em que o referido montante não é suficiente para fazer face às referidas despesas.

15.       CC e DD são filhas do autor.

16.       A CC é auxiliar de acção educativa, auferindo vencimento mensal no valor de € 498,00.

17.       A DD é auxiliar de acção educativa em Lisboa, auferindo vencimento que ronda o salário mínimo nacional.

18.       Tanto a CC como a DD, têm de fazer face com os seus salários às despesas de alimentação e educação dos seus filhos, e às suas despesas de habitação.

19.       EE, FF e GG são, como o autor, filhos de HH e de II.

20.       Os aludidos FF, EE e GG, vivem, cada um deles, de uma pensão de reforma que auferem, por velhice, de montante não concretamente apurado.


*

Fundamentação

*

A questão colocada na revista consiste em saber se o A. tem ou não direito às pensões sociais por morte da beneficiária, com quem viveu em situação de união de facto.

*

Ora, como se vê das decisões das instâncias, a questão foi exclusivamente equacionada à luz do regime instituído pelo D.L. 322/90 de 18/10, D. Reg. 1/94 de 18/1 e Lei 7/2001 de 11/5 (na redacção anterior à Lei 23/2010 de 30/8).

*

Interpretando os mencionados diplomas, vinha-se decidindo maioritariamente, que, para que o membro sobrevivo de uma relação de união de facto tivesse direito às prestações sociais do regime geral de segurança social, decorrente do óbito do companheiro(a) beneficiário(a), tinha de provar, cumulativamente, os seguintes requisitos, tidos como elementos constitutivos do direito:

- que vivia com o beneficiário falecido há mais de dois anos, em condições análogas às dos cônjuges;

- que o beneficiário falecido era pessoa não casada, ou, sendo casada, se encontrava separada judicialmente de pessoas e bens;

- que o companheiro sobrevivo carece de alimentos e

- que os não podia obter de nenhuma das pessoas referidos nas alíneas a) a d) do Art.º 2009º do CC., nem da herança do falecido companheiro, quer porque não existiam bens, quer porque a existirem serem insuficientes.


*

Foi esta orientação jurisprudencial dominante, a adoptada pelo acórdão recorrido, o qual, afastou, à partida, a aplicação à situação dos autos, da Lei 23/2010 de 30/8, que introduziu profundas alterações no que respeita às condições de acesso ao regime das prestações da segurança social, no âmbito das uniões de facto, uma vez que, quando o aludido diploma foi publicado e entrou em vigor, já há muito havia sido instaurada a presente acção e, inclusive, tinha sido já proferida a sentença recorrida, além do que a mencionada Lei não contém qualquer regime transitório especial quanto ao seu campo de aplicação.

Assim, nos termos do Art.º 12º do C.C., apreciou-se a questão à luz do regime vigente à data da publicação da Lei 23/2010.


*

Nesta conformidade, e após alterar as respostas impugnadas, a Relação acabou por ter por demonstrado que o A. carecia de alimentos e que os não podia obter, quer dos seus três irmãos, quer das suas duas filhas.

Porém, considerou, também, que o A. não provou a impossibilidade de obter alimentos da herança da falecida companheira (dado a resposta negativa ao quesito 12º, que, de resto, o A. não impugnou na sua apelação).


*

Consequentemente, julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.

*

Com a apelação o A. juntou diversos documentos, com os quais pretendia provar a falta de rendimento dos seus três irmãos e a falta de bens da herança que suportassem a prestação de alimentos.

Quer dizer, no que respeita à insuficiência dos bens da herança, embora o A. não tenha impugnado formalmente a resposta negativa ao quesito 12º, impugnou-a, de facto, na sua substância, como se vê da conclusão 4ª da apelação.


*

Seja como for, a Relação não alterou aquela resposta e não admitiu a junção dos documentos apresentados com a apelação.

Por isso, agora, em sede de revista, pretende o A. que tais documentos deviam ter sido aceites nos termos do Art.º 693-B do C.P.C., e consequentemente ponderados, já que deles resultaria a demonstração de que herança da falecida companheira não tem bens suficientes para satisfazer uma pensão de alimentos (cofr. conclusões 2º e 3º da revista).


*

Seria, então, esta a primeira questão (questão prévia) a apreciar em sede de revista.

*

Pensamos, porém, ao contrário do acórdão recorrido e da opinião do R. (que sobre a questão se pronunciou expressamente, como se vê das suas contra-alegações) que a Lei 23/2010 tem aplicação no caso concreto, daí que a referida questão prévia seja irrelevante, como irrelevante é, também, o anterior regime de acesso às prestações sociais aqui em causa.

*


Vejamos, então, a questão decisiva da aplicabilidade ao caso, da nova lei (LN).

*


A lei vigente à data do óbito da BB era a Lei 7/2001, que instituiu um regime unitário de protecção das uniões de facto.

Segundo os seus Art.ºs 1º, 3º e 6º, as pessoas que viviam em união de facto há mais de 2 anos, à data da morte do beneficiário, tem direito à protecção na eventualidade da morte do beneficiário, pela aplicação do  regime geral da segurança social e da lei.


*

Porém, tal direito encontrava-se condicionado, na medida em que só dele beneficiava quem se encontrasse na situação prevista no Art. 2020 do C.C., como tudo decorria da conjugação dos Art.ºs 6º da Lei 7/2001, 8 n.º 1 do DL 322/90 e 2º e 3º do D. Reg. 1/94.

Daí que o direito à pensão de sobrevivência e subsídio por morte, dependesse da prova da união de facto há mais de dois anos, da carência de alimentos do companheiro sobrevivo e da impossibilidade de os obter dos familiares a que aludem as alíneas a) a d) do Art.º 2009 do CC. (ou seja, do cônjuge, ex-cônjuge, descendentes, ascendentes e irmãos), ou da herança do beneficiário falecido.


*

Como se disse, foi à luz deste regime que o acórdão recorrido concluiu pela improcedência da acção, visto que o A., provando embora que carecia de alimentos e que não os podia obter dos seus 3 irmãos e 2 filhas, não demonstrar a mesma impossibilidade em relação à herança da companheira falecida.

*

Ora, a Lei 23/2010 de 30/8 (LN) veio introduzir algumas importantes alterações na Lei 7/2001, designadamente, mantendo o direito de acesso às prestações sociais em causa, estabeleceu que o membro sobrevivo da união de facto, tem direito à prestação por morte segundo o regime geral ou especial da segurança social, independentemente da necessidade de alimentos.

*

Consequentemente, de acordo com a nova redacção do Art.º 6 da Lei 7/2001, introduzida pelo Art.º 1º da Lei 23/2010, para a atribuição da pensão de sobrevivência, basta provar a união de facto há mais de 2 anos à data da morte do beneficiário.

*

Quer dizer, o direito às referidas prestações sociais deixou de estar condicionado à prova da necessidade de alimentos.

E, é claro, se as ditas prestações sociais são devidas independentemente da necessidade de alimentos, também não há que exigir a prova de que não podem ser obtidas, quer dos familiares referidos no Art.º 2009 do C.C., quer da herança do falecido beneficiário, até porque as normas que no D.L. 332/90 – Art.º 8º - e na Lei 7/2001 (redacção primitiva) – Art.º 6º - remetiam para o Art.º 2020º do C.C. foram alteradas pela Lei 23/2010, deixando de conter tal remissão.


*

Mas, será que tal alteração se aplica às situações de união de facto já dissolvidos à data da entrada em vigor da Lei 23/2010, ou tão somente àquelas em que o óbito do beneficiário ocorra posteriormente?

*

Sabemos que a união de facto se dissolve com o falecimento de um dos seus membros e que a definição das condições de atribuição das prestações sociais se afere por referência à data da morte do beneficiário.

Porém, se é certo que o momento do óbito tem a relevância referida, não passa, no entanto, de elemento de facto despoletador do direito à atribuição da pensão de sobrevivência e subsídio por morte, não sendo elemento constitutivo desse direito.


*

A LN (L. 23/2010) não restringiu o seu campo de competência ao estatuto pessoal de membro sobrevivo de uma união de facto dissolvida no seu domínio, ou seja, após o início da sua vigência. Não é isso que resulta do Art.º 6 da L. 7/2001, na redacção introduzida pela L. 23/2010.

Na verdade, nenhuma restrição contém a Lei nesse sentido, nem nada resulta dos trabalhos preparatórios que permita considerar tal restrição como facto relevante para a determinação da Lei competente.

A situação jurídica cujo conteúdo a LN contempla é tão só, a de membro sobrevivo de uma união de facto, sem mais.

Quer dizer, o facto morte de um dos membros da união de facto, apenas dá origem, é o pressuposto, se se quiser, de uma nova situação jurídica de que é titular o membro sobrevivo, conferindo-lhe o direito às prestações sociais aqui em causa e que ele pode fazer valer contra as instituições da segurança social competentes.

É este novo estatuto pessoal de membro sobrevivo de uma união de facto (o seu conteúdo), que a LN regula directamente , abstraindo do facto que lhe deu origem.

Ora, como é evidente, tal situação jurídica prolonga-se no tempo, independentemente do momento em que se constituiu, isto é, da dissolução por morte de um dos seus membros, da união de facto pré-existente.

E, porque tal situação jurídica subsiste à data do início da vigência da LN, está submetida à sua regulamentação.


*

Concluímos, assim, que as alterações introduzidas pela Lei 23/2010, na Lei 7/2001, são imediatamente aplicáveis ao caso concreto, atento o disposto no Art.º 12º n.º 2, 2ª parte, do C.C..

*

Consequentemente, provado que está a união de facto existente entre o A. e a beneficiária, BB, à data da morte desta, tem o A. direito às pretendidas prestações sociais, sem ter de provar que carecia de alimentos e que os não podia obter da herança da falecida companheira, ou dos familiares a que alude o Art.º 2009 do C.C..

*

Mas, é ainda necessário determinar a partir de que momento se deve reconhecer ao A. o direito às ditas prestações sociais.

É que, face ao disposto no Art.º 11º da Lei 23/2010, há que distinguir entre entrada em vigor e produção de efeitos.

Ora, na Lei 23/2010, não foi estabelecido qualquer “vocatio legis” daí que ela entrou em vigor no 5º dia após a respectiva publicação.

Porém, determinou-se no seu Art.º 11º que “os preceitos da presente lei com repercussão orçamental, produzem efeitos com a Lei do Orçamento de Estado posterior à sua entrada em vigor”.

Não haverá dúvidas sérias que a aplicação da LN às situações de união de facto, independentemente da carência de alimentos dos respectivos titulares, tem repercussão no Orçamento de Estado, pelo aumento de despesa que obviamente acarreta e que não foi cabimentado no anterior orçamento.

Portanto, a aplicação da LN à situação concreta dos autos, implica que o direito às prestações sociais que se reconhecem ao A., abrange apenas as que se vencerem, nos termos do regime geral de segurança social, a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2011.


*


Decisão

*

Termos em que acordam neste S.T.J., em julgar procedente a revista excepcional do A. e, consequentemente:

- revogam o acórdão recorrido;

- julgam procedente a presente acção e, por isso, declarar-se o A. titular das prestações por morte, no âmbito do regime da Segurança social, previstos no D.L. 322/90, e na Lei 7/2001, na redacção que lhe foi conferida pela Lei 23/2010, condenando-se o R. a reconhecer tal direito do A.;

- as referidas prestações sociais são devidas nos termos do regime geral de segurança social definido no D.L. 322/90, mas só a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado para 2011.


*

*


Custas pelo R. (também nas instâncias).

*

Lisboa, 10 de Janeiro de 2012.

Moreira Alves (Relator)

Alves Velho

Paulo de Sá