Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA | ||
Descritores: | EMBARGOS DE TERCEIRO EXECUÇÃO REGISTO PREDIAL INEFICÁCIA CASO JULGADO | ||
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Data do Acordão: | 07/12/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL, ARTIGOS 5º, 6º, 17º CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGOS 271º, 191º, 351º | ||
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Sumário : | 1. Uma decisão que declara um contrato de compra e venda ineficaz em relação ao embargado e não faz caso julgado quanto ao embargante, que portanto pode invocar o direito de propriedade que alega para se opor à respectiva execução, não significa que os efeitos de tal venda sejam válidos e eficazes para o embargante, mas apenas que pode opor embargos de terceiro. 2. O embargante não pode ter adquirido dos anteriores proprietários mais do que aquilo de que eram titulares e que, portanto, podiam transmitir; substantivamente, todas as vendas são ineficazes em relação ao embargado, porque assentam sempre numa venda ineficaz. 3. Se quando o embargante inscreveu no registo a aquisição do direito de propriedade a seu favor, estava inscrita a propositura da acção na qual veio a ser declarada tal ineficácia, não pode invocar qualquer prioridade do registo em seu favor. | ||
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Decisão Texto Integral: | 1. No âmbito da execução para entrega de coisa certa instaurada em 11 de Dezembro de 1989 (execução nº 91-E/1987) por “AA” contra “BB” e mulher, “CC”, e “DD” e mulher, “EE”, “FF”deduziu em 15 de Abril de 2002 embargos de terceiro, julgados improcedentes em primeira e em segunda instância.
Em síntese, a embargante alegou ser proprietária da fracções autónoma “H” do prédio urbano identificado nos autos, por a ter comprado, com recurso a crédito concedido pela Caixa Geral de Depósitos e garantido por hipoteca, a “GG”, que por sua vez o comprara a “HH”, e este a “BB” e mulher; que as referidas aquisições, bem como a hipoteca, haviam sido inscritas no registo predial; que “BB” comprara a fracção a “II”, Lda., a vendedora inicial, que adquirira o terreno à exequente e ao (então) seu marido, “JJ”, e construíra o prédio, posteriormente constituído em regime de propriedade horizontal. Sustentou ainda, por entre o mais, que a embargada nunca foi proprietária, nem do prédio, nem da fracção “H”; que, para além de outras vicissitudes, veio a ser determinado que fosse investida na posse da fracção, na presente execução, subsequente ao processo declarativo nº 91/87 do 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Coimbra, iniciado em 23 de Março de 1987); que o direito invocado pela embargada caducara; que ela, embargante, adquiriu o direito de propriedade sobre a fracção por usucapião; que se mantém a inscrição do registo da aquisição da fracção, a seu favor; que é terceira em relação à sentença em execução, “uma vez que não é parte na acção e a transmissão da fracção ‘H’ não ocorreu na pendência daquela”. Terminou a petição pedindo a suspensão da execução, a imediata restituição da posse da fracção “H” e a declaração de que a embargada não é nem nunca foi sua proprietária, de que o direito à entrega do prédio e da fracção caducou e, consequentemente, de que a “II”, Lda foi “legal adquirente do prédio (…), assim como das 42 fracções (…) até à sua alienação”, de que foi “válida a venda feita pela “II”, Lda, da fracção ´H` a “BB” e mulher”, de que foram “válidas também as posteriores aquisições da mesma fracção por “HH” e mulher e “GG””, de que foi “válida a aquisição da fracção ‘H’ pela embargante, assim como válido os respectivos registos a seu favor”, de que foi “ilegal o esbulho e perda da posse pela embargante (…) e devolver-se (…) esta fracção” e, ainda que se ordenasse “o cancelamento de todo e qualquer registo predial que possa obstar ao registo das decisões pedidos e \ordenados nestes autos”. Os embargos foram liminarmente rejeitados, com fundamento no nº 3 do artigo 271º do Código de Processo Civil, pela decisão de fls. 127, confirmada pela Relação a fls. 228; mas vieram a ser recebidos na sequência do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 278, que entendeu que o nº 3 do artigo 271º se não aplicava “à hipótese de aquisição da coisa apenas na pendência da execução e já depois de finda a acção declarativa”. Decidiu-se então que, dado que a embargante não teve “qualquer possibilidade de defender o direitos de que porventura seja titular na acção declarativa”, não pode “ser atingida pelo efeitos de caso julgado da sentença exequenda, em relação à qual tem de ser considerada terceira, sendo em consequência admissível a dedução, por ela, de embargos de terceiros (…)”. A fls.336, os embargos foram recebidos e a execução foi suspensa; esta decisão foi impugnada, em recurso de agravo, cujo conhecimento a Relação julgou desnecessário.
A embargada contestou, sustentando, por entre o mais, que os embargos não deveriam ter sido recebidos, quer porque o caso julgado formado na acção nº 91/87 é oponível à embargante, por ter sucedido “na posição do transmitente titular da relação tal como ficou definida” pela correspondente sentença, quer porque “inexiste o direito e a posse invocados pela embargante”, já que o registo da propositura da acção é anterior ao registo da aquisição que a embargante invoca, prevalecendo sobre ele (artigo 6º do CRP). Acresce que são nulos os registos de aquisição a favor de “HH” e de todos os subsequentes transmissários, nomeadamente da embargante (deveria ter sido feito como provisório e caducado com a conversão em definitivo do registo da acção 91/87). Para além disso, alegou que os sucessivos transmissários da fracção, anteriores à embargante, tinham conhecimento da pendência da acção nº 91/87; que tinha sido judicialmente reconhecida a ineficácia em relação a ela da venda do terreno, com a construção do prédio já iniciada, à “II”, Lda., no processo nº 1910/83, do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra; que a própria embargante tinha também conhecimento da pendência da acção nº 91/87, quando comprou a fracção e que a ineficácia a atinge, sendo portanto igualmente adquirente de má fé e não tendo adquirido validamente a fracção “H”, já que “a ineficácia da venda inicial tornou ineficazes todas as vendas subsequentes, em relação à ora embargada”. Requereu a intervenção de “GG” e da Caixa Geral de Depósitos, SA. (que não foi admitida, cfr. despacho de fls. 562). Concluiu que os embargos devem improceder, que deve ser declarada a nulidade dos registos de aquisição ainda não cancelados ou, se assim se não entender, que o registo da acção nº 91/87 prevalece e que as correspondentes aquisições são ineficazes em relação a ela. ou, finalmente, que se declare que o prédio urbano e em particular a sua fracção “H” são propriedade sua e de seu então marido. A embargante respondeu à contestação. Pela sentença de fls. 729, os embargos foram julgados improcedentes, por se ter entendido que “o direito de propriedade da embargante tem de ceder perante o direito da exequente ora embargada”. Para assim concluir, a 1ª instância considerou que subsistiam registos incompatíveis, “o registo da aquisição do terreno onde veio a ser construído o prédio a favor da embargante e o registo da fracção ‘H´ do prédio ali construído a favor da embargante (bem como da hipoteca por esta constituída sobre tal fracção a favor da C.G.D., S.A.)”, pois “a construção do edifício e a constituição da propriedade horizontal não subtraíram o prédio inicial à exequente ora embargada, uma vez que a propriedade das fracções é incindível da compropriedade sobre o solo, ‘ex vi’ dos arts. 1420º, nº 2 e 1421º, nº 1, al. A) do C. Civil”; logo, “a presunção de propriedade” de que beneficia a embargada incide também sobre a fracção “H”, e prevalece por ser anterior, nos termos do nº 2 do artigo 1268º do Código Civil e do artigo 6º do C. R. Predial. Ainda que assim se não entendesse, acrescentou a sentença, verificam-se os pressupostos da aquisição do direito de propriedade sobre o prédio por usucapião pela embargada e seu então marido, mas não pela embargante, relativamente à qual só se pode ter por assente uma situação de mera detenção. Logo, a execução “não ofendeu qualquer ‘direito’ da embargante, tal como este conceito é delineado no art. 1251º do C. Civil”. Consequentemente, a sentença determinou o prosseguimento da execução sobre a fracção “H”. Embora com fundamentação diversa, a sentença foi confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de fls. 814. Para além de negar a impugnação de parte da decisão de facto, em resumo, a Relação entendeu que: – tendo sido julgado (proc. nº 91/87) ineficaz em relação à embargada a venda da fracção “H” feita pela “II”, Lda. a “BB” e mulher, condenando-se os adquirentes entregá-la à embargada e determinando-se o cancelamento do registo de aquisição a favor dos mesmos, não operou para os que destes adquiriram a transmissão do direito de propriedade correspondente; a embargante não é, portanto, proprietária da fracção, até porque não beneficia de nenhuma das excepções que protegem o adquirente a non domino (o nº 2 do artigo 291º do Código Civil, que visa “proteger os interesses de terceiros de boa fé, relativamente aos efeitos da declaração da nulidade do negócio ou da sua anulação” não se aplica às situações de “ineficácia relativa, onde o negócio permanece eficaz entre as partes, só perdendo eficácia em relação a determinadas pessoas”; o nº 2 do artigo 17º do CRP, “pressupondo uma desconformidade criada pelo próprio registo (…) não abarca as situações de desconformidade substantiva (…), também não se ajusta à situação concreta”); – as sucessivas aquisições, desde a que respeita à embargada e seu marido, foram inscritas no registo predial; a acção 91/87 também foi, beneficiando a embargante da data do registo provisório, 30 de Março de 1987; a decisão da acção foi registada em 19 de Novembro de 2001 e foram então cancelados os registos relativos à aquisição da fracção “H”; ficou provado que os sucessivos adquirentes da fracção”H”, entre os quais se encontra a embargante, tinham conhecimento da pendência da acção 91/87, e do seu registo; e esses adquirentes não podem ser considerados terceiros para os efeitos do artigo 5º do CRP, pois não adquiriram do mesmo transmitente; – este entendimento não contraria o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a fls. 287, que determinou o prosseguimento destes embargos, pois “a (…) decisão apenas apreciou a posição (processual) da embargante para o prosseguimento dos embargos de terceiro por ela deduzidos, concluindo dever ser considerada terceiro em relação à sentença exequenda, nela não cuidando de apurar se tem qualidade (substancial) de terceira para efeitos registrais. De resto, acrescente-se, a boa fé que está inerente à tutela prosseguida pelo artigo 5º do CRP não se descortina no caso da (…) embargante, que sabia, antes de concretizar o negócio relativo à fracção “H” qual a situação registral da mesma, tendo, designadamente, tido conhecimento da pendência da acção nº 91/87 e dos pedidos nela formulados.” – não ocorre outro acto aquisitivo do direito de propriedade sobre a fracção “H” a favor da embargante; nomeadamente, nem sequer decorreu tempo suficiente para uma eventual aquisição por usucapião. Concluiu portanto a Relação que a embargante não fez prova de ser titular, nem do direito de propriedade sobre a fracção, nem de “qualquer outro seu direito acautelado pelo artigo 351º, nº 1 do Código de Processo Civil”.
2. A embargante recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça; o recurso, ao qual não são aplicáveis as alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, foi admitido como revista, com efeito devolutivo. Nas alegações que apresentou, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
«1- A recorrente é proprietária da fracção H do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na cidade de Coimbra na Rua G… H… D… nºs xxx e xxx, freguesia da S… N…, inscrito na respectiva matriz sob o artigo e descrito na Conservatória sob o nº xxx 2- Adquiriu tal fracção por escritura de 5/3/99 a “GG” que outorgou na mesma através de procurador, registando previamente a seu favor essa aquisição do dia 17/2/99. 3- Por Acórdão do STJ, a fls. 336 dos autos, já transitado em julgado foi a recorrente considerada terceira em virtude de a decisão final da acção 91/87, lhe não ser oponível, ordenando-se o prosseguimento dos autos para julgamento dos embargos. 4- Na especificação, foi dado por assente que a fracção H, do prédio constituído em propriedade horizontal em 11/4/83, pela sociedade “II, Ldª foi vendida por esta a “BB” (em 1984) que a habitou durante 10 anos 5- “BB” e mulher venderam a mesma fracção a “HH” em 1992, que a adquiriu para habitação de sua filha “GG”, a quem aquele viria a vender a mesma fracção em 1999. 6- A embargada instaurou uma acção ordinária que correu termos no 4° Juízo Cível com o nº 91/87, onde demandando a sociedade “II”, Lda e todos os adquirentes das fracções, pedia a nulidade da escritura de constituição do prédio em propriedade horizontal e a nulidade de todas as escrituras de compra e venda das fracções desse prédio, com o cancelamento de todos os registos feitos com base nessa escritura. 7 - Essa acção veio a ser julgada no despacho saneador, onde foi decidida a improcedência do primeiro pedido e declarada a ineficácia em relação à Autora (aqui embargada) das escrituras de venda das fracções com o consequente cancelamento dos registos de aquisição. 8- Esta acção foi registada em 30/8/87 provisória por natureza e convertida em definitiva com o registo da decisão em 2001 9- A recorrente adquiriu a fracção H em 1999 e fê-lo livre de ónus e encargos como se demonstra pela certidão da Conservatória que serviu de base à outorga da escritura e que consta de fls. 39 dos autos. 10- Aliás para aquisição da referida fracção, recorreu mesmo ao crédito bancário tendo efectuado os registos provisórios de hipoteca sem que em algum momento se tenha apercebido da acção registada. 11- Face a este facto, cuja responsabilidade não pode ser imputada à recorrente, não era exigível que a mesma soubesse da acção. 12- E, se tal tivesse acontecido, decerto que não a teria adquirido, uma vez que sempre precisaria de recorrer ao crédito bancário. 13- Na decisão da 1a instancia, o MM Juiz a quo entendeu que a embargada goza de uma presunção de propriedade sobre a fracção H, entendimento que levou à improcedência dos embargos e com a qual a recorrente não se pode conformar. 14- O Acórdão da Relação, não se pronuncia quanto a esta questão, e que, no entender da recorrente é fundamental. 15- A presunção de propriedade que, no entender do MM Juiz a quo, existe a favor da recorrida, resulta da incindibilidade da propriedade das fracções da compropriedade do solo, conforme o disposto nos artigos 1420° e 1421° do C. Civil 16- Tal entendimento esquece no entanto que a embargada nunca foi proprietária de qualquer fracção do prédio em causa, mas apenas proprietária de um terreno onde veio a ser construído um prédio submetido mais tarde, pela adquirente ao regime da propriedade horizontal 17 - A esta realidade, não é aplicável a regime da propriedade horizontal, pois a compropriedade do solo e demais partes comuns decorre da propriedade das fracções e não o contrário. 18- Além de que, a propriedade horizontal é um tipo de propriedade especial e distinto do direito de propriedade em geral, com regime próprio, e que gera a constituição de um direito ex novo, distinto do direito de propriedade que lhe esteja subjacente (sobre o prédio rústico/urbano) 19- Por outro lado, o pedido de nulidade da constituição da propriedade horizontal foi julgado improcedente, pelo que o seu registo mantém-se plenamente em vigor, e a favor da “II”, LDa, não constando das inscrições registrais que a fracção H alguma vez tenha estado registada a favor da embargada. 20- Também o facto de a recorrida beneficiar do registo da decisão proferida na acção 91/87, não lhe pode conferir qualquer presunção de propriedade sobre a fracção H, já que tal decisão, não a reconheceu proprietária, mas apenas declarou a ineficácia em relação a si, dos títulos de transmissão dessas fracções 21- E esse direito (traduzido na declaração de ineficácia), não tem como consequência o reconhecimento de um direito de propriedade, nem do mesmo pode resultar qualquer presunção. 22- Por outro lado, não pode aceitar-se que no caso concreto haja uma concorrência de presunções, já que o artigo 6º do CRP, pressupõe essa concorrência se referira a direitos incompatíveis, o que não se verifica no caso concreto, pois o direito da embargada não tem a mesma natureza do direito da embargante, isto é, não é um direito de propriedade 23- Aliás, nem tal poderia ser reconhecido na decisão recorrida, já que a embargada não peticionou tal direito, nem deduziu pedido reconvencional para o efeito. 24- A decisão recorrida, fundamenta-se em primeiro lugar, na aplicabilidade ao caso concreto do disposto no nº 3 do art. 271º do CPC., o que salvo melhor entendimento, vai contra o decidido no Acórdão deste ST J proferido no âmbito do recurso de agravo (Acórdão de fls. 278 a 293) 25- Com efeito, o âmbito de aplicação do artigo 271º do CPC, tem como pressuposto a pendência de um litígio, o que no caso concreto, não aconteceu. 26- A acção 91/87, terminou, relativamente à fracção H, em 13/1/94, data do trânsito em julgado da decisão judicial. 27-Assim, não pode o decidido nessa mesma acção, abranger a ora recorrente, como de resto até resultou do citado Acórdão de fls 278 a 293, que reconheceu à recorrente a qualidade de terceira. 28 - A decisão do Tribunal da Relação de improcedência dos embargos, fundamenta-se ainda, na inaplicabilidade ao caso concreto do conceito de terceiro para efeitos de registo, previsto no artigo 5° do CRP, interpretado à luz do decidido no Acórdão Uniformizador 3/99. 29 - Pela interpretação dada no Acórdão recorrido, chega-se à conclusão que, por força do disposto no citado artigo 5°, nº 4 do CRP, a embargante (ora recorrente), não é terceira para efeitos de registo, já que, não adquiriu de transmitente comum, direito incompatível com o alegado direito da embargada, com a consequente improcedência dos embargos de terceiro. 30 - Mas data maxima venia, julga-se que no Acórdão recorrido não se faz uma interpretação correcta dos citado normativo. Em primeiro lugar: 31 - Se é verdade que o transmitente do direito não é comum à embargante e embargada, verifica-se, não há quanto à embargada qualquer transmissão! Isto é, a embargada não adquiriu de ninguém o direito a que se arroga, pelo que jamais poderia no caso concreto afirmar-se pela inexistência do primeiro requisito do conceito de terceiro para efeitos de registo. 32 - Conforme se expôs o eventual direito da embargada, resulta de uma decisão proferida na acção 91/87 que julgou ineficaz em relação a si (ineficácia relativa) de um determinado negócio celebrado em 1981 e ao qual a recorrente foi e é totalmente alheia. 33 - Assim, desde logo, não se vislumbra no caso concreto a possibilidade de aplicação prática do conceito de terceiro aludido no Acórdão, já que não há aquisição/transmissão de direito para a embargada. 34- O Acórdão do STJ de 7/6/99, veio clarificar o âmbito de aplicação do Acórdão Uniformizador 3/99, excluindo do âmbito da oponibilidade de direitos a terceiros, determinadas formas de aquisição do direito (desde logo, a venda judicial). 35 - Decorrendo daqui – no entender da recorrente que, só se o acto de transmissão tiver a mesma natureza, pode ter-se como aplicável o conceito de terceiro previsto no artigo 5° do CRP. Em segundo lugar, 36 - os direitos adquiridos, têm de ser incompatíveis entre si, entendendo a recorrente que a incompatibilidade advém da natureza do direito, que há-de ser necessariamente a mesma. 37 - no caso concreto, a natureza do direito a que as partes se arrogam não tem qualquer identidade, já que, para a embargante, está em causa o direito de propriedade, já para a embargada, um direito (qual: detentora, fiel depositária ... ?) que resultou de uma declarada ineficácia em relação a si de uma venda de um prédio rústico no qual viria a ser construído um prédio urbano de que faz parte a fracção H. 38 - Pelo que, também por esta via, não parece que o disposto no artigo 5° do CRP, possa prejudicar a pretensão da recorrente. 39 - A embargante goza da prioridade e presunção do registo previstas nos artigos 6° e 7° do CRP., sendo por esta via, que deve proceder o seu pedido. Com efeito, 40 - No pressuposto de que a ineficácia da escritura de compra e venda da fracção H entre a “II” e “BB” (datada de 16/9/84), decidida na acção 91/87, não é aplicável à embargante, por força do já citado Acórdão proferido em sede de recurso de Agravo, resulta que, os efeitos de tal venda, são válidos e eficazes para a recorrente 41 - Ao contrário das fracções enumeradas na página 27 do Acórdão recorrido (fracções "AE", AI, AQ, F, J, K, M, S, X, AF, AH, AK, AL AM e AW, que foram inscritas no registo depois do registo da acção ordinária 91/87), a fracção H, foi registada em 26/9/84, logo muito antes do registo de qualquer acção judicial. 42 - Tal facto tem primordial importância para a embargante, já que, o direito primitivo do qual veio a emanar o seu, foi registado antes de qualquer acção, gozando por isso PRIORIDADE DE REGISTO. 43 - Assim, a decisão que veio favorecer a embargada, e com base na qual pretende executar a fracção H, não resultou de incompatibilidade de registo, mas apenas da revelia de “BB”, na fase de recurso sobre a decisão proferida na acção 91/87. 44 - Logo, à semelhança de todos os adquirentes que registaram as suas fracções antes do registo da acção 91/87, também a ora recorrente tem direito a ver reconhecida a PRIORIDADE do registo da fracção H. 45- Além de que, ao contrário do que se alega a fls. 34 do Acórdão recorrido a embargante/recorrente, não tinha e não teve conhecimento da pendência de qualquer acção e muito menos dos pedidos formulados, pois que, está assente que a fracção H foi adquirida, LIVRE DE ÓNUS OU ENCARGOS, incluindo acções judiciais, com recurso a crédito hipotecário; e por isso não podia deixar de estar de boa-fé (não obstante este elemento não seja essencial à previsão do artigo 5° do CRP) 46- Pelo que, salvo melhor entendimento, encontram-se reunidos os requisitos previstos no artigo 351°, para a procedência dos embargo, pois que: - O decidido na acção 91/87, não abrange a recorrente, face a essa posição de terceira reconhecida pelo Acórdão da Relação de fls. 278 a 293 - O primitivo proprietário da fracção H, adquiriu e registou a fracção antes do registo da acção 91/87, - pelo que, em relação à recorrente este registo deve manter-se válido e eficaz - A recorrente adquiriu a fracção H, em 5/3/99, livre de ónus e encargos, desconhecendo a pendência da acção, logo de BOA-FÉ - O registo da acção é posterior à decisão proferida na acção ordinária 91/87, não pode afectar a recorrente, pois que, sendo ela terceira, não é atingida pela dita decisão, gozando assim da PRIORIDADE DO REGISTO (artigo 6° do CRP), o que lhe confere a presunção de que o direito existe e lhe pertence (art. 7° do CRP) - a recorrente demonstrou a sua qualidade de proprietária, sendo que, do título que a recorrida apresenta para exigir a entrega da fracção, não consta que a mesma tenha direito incompatível como o da recorrente ou vice-versa, ou seja, não resulta que a mesma seja proprietária. 47- Por tudo o exposto, o Acórdão recorrido fez errada interpretação da lei aplicável ao caso concreto, nomeadamente os artigos 351° e 354° do CPC, artigos 5°, 6° e 7° do C. Registo Predial. Nestes termos e por tudo o mais que V. Exas doutamente suprirão, deve o presente recurso de Revista ser julgado procedente e, por via dele, declararem-se procedentes os embargos deduzidos pela recorrente, com a consequente revogação das decisões recorridas.»
Contra-alegou a embargada, concluindo como segue:
«1.ª A matéria versada no ponto I do "corpo /I das alegações da recorrente não consta das conclusões finais pelo que não pode integrar o objecto do recurso. Todavia, a crítica ao julgamento da matéria de facto feito pelo douto Acórdão recorrido é completamente infundada e não fundamentada, enquanto as afirmações factuais atinentes à construção do prédio pela “II”, à sua aquisição da fracção H livre de ónus ou encargos e à sua boa fé são completamente falsas, como o demonstra a factualidade provada, na qual está bem relevada a má fé da embargante. 2.ª A decisão da 1.ª instância e o douto Acórdão recorrido convergem quanto ao incumprimento por parte da embargada do ónus da prova que sobre ela impendia relativamente ao seu alegado direito de propriedade, ou qualquer outro, sobre a fracção H, enquanto a embargada logrou fazer a prova da "exceptio dominii': bastando aquele incumprimento para julgar improcedentes os embargos. 3.ª A legitimidade adjectiva da embargante para a dedução dos presentes embargos declarada pelo Ac. do STJ. de fls. 278 a 293, que a considerou como terceira, não se confunde com a legitimidade substantiva. Tal decisão significa apenas que a sentença da acção 91/87 não é título exequível em relação à embargante. 4.ª Consequentemente, sendo a posição processual da embargante independente em relação à dos executados, já o direito substantivo (direito de propriedade) daquela está dependente do direito dos executados. É que, por força do princípio ''nemo plus iuris': a embargante e os anteriores subadquirentes ocuparam a posição dos respectivios transmitentes até ao “BB” e mulher, tornando-se titulares da relação jurídica tal como estava já definida pela sentença exequenda, a qual era do conhecimento da recorrente face à inscrição registal da acção 91/87 e da subsequente decisão. .A embargante não podia "herdar" o que os transmitentes não tinham. 5ª Assim, se a compra da fracção H feita pelos executados “BB” e mulher à “II” havia já sido declarada ineficaz em relação à embargada e estando a acção registada, a embargante não pode voltar a discutir em juízo a validade dessa venda, mas apenas os efeitos que aquela ineficácia possa ter em relação a si (recorda-se que a própria venda antecedente feita pelo ex-marido da embargada à “II” já havia sido também declarada ineficaz na acção 1910/83). 6.ª Aquela ineficácia impediu a transmissão da fracção H para os executados “BB”, pelo que estes não podiam transmitir, como não transmitiram, o que não era seu, sendo certo que a embargante, elo final da cadeia de transmissões, nada adquiriu, salvo se estivesse ao abrigo de qualquer excepção do princípio ''nemo plus iuris': o que não sucede. 7.ª Com efeito, a embargante não beneficia da protecção conferida ao "terceiro regista/" pelos normativos dos arts. 5, 6 e 7 do CRp, uma vez que não tem tal qualidade, já que não existiu um transmitente comum; e falta-lhe também o requisito da boa fé, integrante daquele conceito de "terceiro registal” 8.ª Também não beneficia da protecção do normativo do art. 291 do C.C. porque além de lhe faltar desde logo a boa fé, tal normativo é inaplicável aos casos de ineficácia relativa. 9.ª A embargante não beneficia igualmente da protecção conferida pelo normativo do art.17º n.º 2 do CRp, pois independentemente da questão de saber se ele abrange apenas as nulidades registais, deixando de fora as nulidades substantivas – opinião seguida pelo Acórdão recorrido –, certo é que exige sempre a boa fé do adquirente, o que não sucede com a recorrente. 10.ª A embargante também não adquiriu por usucapião ou qualquer outra forma de aquisição originária, desde logo por os actos possessórios não terem sido exercidos durante o espaço temporal exigido pelo art. 1296 do C.C. 11.ª Independentemente da irrelevância do registo de aquisição a favor da embargante à luz dos arts. 5, 6, 7 e 17, n. º 2 do CRP e do art. 291 do CC., o registo de aquisição a favor da embargante e todos os antecedentes que se seguiram ao do “BB” foram indevidamente feitos, pois deviam tê-lo sido como provisórios por natureza (art. 92, n.º 2b do CRP) e deviam ser considerados caducados quando o registo da acção foi convertido em definitivo (art. 92, n. º 6 do CRP). 12.ª Acresce que o cancelamento do registo de aquisição a favor do “BB” quebrou o elo das transmissões registais. Assim a subsistência dos registos subsequentes violam o princípio do trato sucessivo pelo que todos eles enfermam de nulidade. Aliás, já foi decidido por Ac. R. Cª de 1/2/1011 que, em situação idêntica relacionada com a fracção AQ do mesmo prédio, se verificava uma ausência do direito que foi causa da inscrição do facto, devendo o cancelamento ocorrer ao abrigo do art. 13 do CRP 13.ª Em suma, a embargante não é titular de qualquer direito sobre a fracção H. 14.ª Pelo contrário, a embargada instaurou as acções 1910/83 e 91/87 sendo que naquela primeira foi declarada a ineficácia da venda do terreno feita pelo seu ex-marido à “II”, condenando-se esta a restituir-lho com a construção nela implantada e ordenando-se o cancelamento do registo de aquisição a favor da “II”. E na acção, 91/87, com base na declarada ineficácia da venda inicial, foi declarada a ineficácia da venda da fracção H feita pela “II” aos executados “BB” e mulher, condenando-se estes a entregar à embargante tal fracção. 15.ª O pedido de reconhecimento do direito de propriedade do casal da embargada sobre o prédio inicial e a construção nele implantada, bem como sobre a fracção H, consideram-se implícitos, sendo um pressuposto necessário daqueles pedidos expressamente formulados. Aliás, para esse efeito, a embargada alegou e provou a compra do terreno e a construção de toda a estrutura do edifício por parte do casal, assim como alegou e provou os actos possessórios necessários à aquisição por usucapião. 16.ª O direito de propriedade do casal relativamente ao terreno é extensivo às fracções, incluindo a fracção H, pois a propriedade destas é incindível da compropriedade sobre o solo, acrescendo ainda que tal direito sobre a construção e sobre as fracções foi reconhecido nas decisões das acções 1910/83 e 91/87, a tal não obstando o facto de a propriedade horizontal ter sido constituída pela “II” já que não é objecto de um direito real titulado por ''A” ou por “B”. Daí que o pedido reconvencional reivindicativo apresentado pela “II” na acção 91/87 tenha sido julgado improcedente. 17. A decisão proferida na acção 91/87, alicerçada no julgado da acção 1910/83, foi objecto de registo com efeitos reportados a 30/3/1987 (data do registo provisório da acção), tendo, por conseguinte, efeitos substantivos sobre a posição da embargante, o mesmo sucedendo com o registo de aquisição do prédio rústico a favor do casal da embargada ocorrido em 8/7/1983. Pelo contrário, os registos de aquisição da “II” e do “BB” foram mandados cancelar. 18.ª Nos presentes embargos, a embargada alegou e provou também o direito de propriedade do casal, adquirido por compra e por usucapião, sobre o terreno e a construção nele implantada, bem como os vícios de que enfermaram os contratos que potencialmente podiam ter transmitido para terceiros tal direito, sendo ineficazes em relação a ela. Assim, negando a revista e confirmando o douto acórdão recorrido, será feita JUSTIÇA.»
3.Vem definitivamente provada a seguinte matéria de facto (transcreve-se do acórdão recorrido):
I. “AA” deduziu em 11 de Dezembro de 1989, a execução apensa, com o n° 91-E/1987 contra “BB” e mulher, “CC”, e “DD” e mulher, “EE”, pedindo a entrega coerciva das fracções autónomas designadas pelas letras “H” e “AO”’, correspondentes ao 2° andar direito e à garagem com o n° 17 na parte posterior do prédio, no plano superior, fila norte, sendo a 6ª a contar do nascente, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Rua G… H… D… n° xxx, em C…, inscrito na matriz da freguesia da S… N… sob o art. xxx° e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° xxx (al.A) dos Factos Assentes); II. Por escritura pública lavrada a 6 de Novembro de 1984, ““II”, Lda.” declarara vender aos executados “BB” e mulher, “CC”, e estes declararam comprar, as fracções autónomas designadas pelas letras “H” e “AO” do mencionado prédio, tendo estes registado a sua aquisição em 26 de Setembro de 1984 (al.B)); III. A execução funda-se na sentença proferida, em 3 de Janeiro de 1994, e nesta parte transitada em julgado, na acção declarativa sujeita aos termos ao processo ordinário n° 91/87, que correu termos no antigo 4° Juízo, 1ª Secção, do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, que declarou a ineficácia em relação à Requerente do contrato de compra e venda supra identificado, condenando os primeiros executados a fazer a entrega desta fracção à Exequente e ordenando o cancelamento do registo de aquisição a favor dos mesmos (al.C)); IV. Os Executados “BB” e mulher estabeleceram a sua residência na fracção “H”, tendo usufruído desta durante cerca de dez anos (al.D)); V. Os Executados “BB” e mulher, “CC” venderam as fracções aos Executados “DD” e mulher, “EE”, que procederam ao registo da aquisição em 6 de Novembro de 1992 (al.E)); VI. Tendo estes colocado a fracção ao serviço da sua filha “GG”, como estudante, assim como alojando outras estudantes (al.F)); VII. Os Executados “DD” e mulher, “EE” venderam a fracção “H” a “GG”, que procedeu ao registo da aquisição em 11 de Janeiro de 1999 (al.G)); VIII. “LL” estabeleceu aí a sua residência como estudante, dali saindo todos os dias para as aulas na Universidade de Coimbra, dispensando em parte a ocupação a colegas, que ali residam comparticipando nas despesas (al.H)); IX. Por escritura de 5 de Março de 1999, lavrada no Primeiro Cartório Notarial de Coimbra, “GG” declarou vender à Embargante “FF”, e esta declarou comprar, livre de quaisquer ónus ou encargos, a mencionada fracção “H”, pelo preço de 12.000.000$00, tendo a Embargante registado a aquisição em 17 de Fevereiro de 1999 (al.I)); X. A aquisição da embargante foi feita com o recurso a crédito hipotecário, efectuado pela Caixa Geral de Depósitos, S.A”, tendo esta inscrito a seu favor hipoteca sobre a fracção “H” inscrita pela Ap. 44 de 17.02.1999 (al.J)); XI. A Embargada/exequente contraiu em primeiras núpcias casamento no dia 8 de Abril de 1979, sem precedência de convenção antenupcial, com “JJ”, tendo este casamento sido dissolvido por sentença de 30 de Abril de 1984, transitada em 7 de Fevereiro de 1986 (al.K)); XII. “JJ” dedicava-se à indústria da construção civil, comprando terrenos e neles efectuando a construção de prédios urbanos (al.L)); XIII. Em 23 de Dezembro de 1980, por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Vila Nova de Poiares, “JJ” declarou comprar a ““MM”, Lda.”, representada por “NN” e “OO”, pelo preço de l .200.000$00, um terreno destinado a construção urbana, com a área de mil quatrocentos e cinquenta metros quadrados, sito na encosta do P… da S…, S… N…, C…, a confrontar do sul com a Rua G… H… D…, poente com “PP”, do norte com o capitão “QQ” e do nascente com “RR”, inscrito na matriz predial rústica sob o art. 28°, com o valor matricial de 5.560$00, descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n° xx.xxx, tendo esta aquisição sido registada em 8/7/1983, mediante a inscrição xx.xxx (al.M)); XIV. Comprometendo-se a “MM” a entregar ao “JJ” o referido terreno em 15 de Fevereiro de 1981, devidamente desaterrado num plano ao nível do passeio da Avenida G… H… D… (al.N)); XV. Em fins de Setembro de 1981, o “JJ” propôs à Exequente o divórcio por mútuo consentimento, bem como a assinatura dum contrato-promessa de partilha de bens, subordinando a proposta de divórcio por mútuo consentimento à assinatura prévia desse contrato (al.O)); XVI. A cláusula terceira do referido contrato era do teor seguinte: «o primeiro outorgante – o “JJ” – no sentido de dar continuidade à sua vida profissional de construtor civil, necessita da parte da segunda outorgante de autorização e procuração com amplos poderes para livremente dispor de bens imóveis que são propriedade adquirida pelo casal» (al.P)); XVII. Enquanto a cláusula quarta tinha os termos seguintes: «A segunda outorgante - a ora Exequente - desde já promete outorgar essa procuração» (al.Q)); XVIII. A Embargada dirigiu-se ao 4° Cartório Notarial de Coimbra com um envelope fechado que o então Advogado do “JJ” lhe entregou, contendo dentro os termos a que deveria obedecer a procuração, e, na convicção de que o “JJ” pretendia a concessão de tais poderes para dar continuidade à sua vida profissional de construtor civil, entregou no 4° Cartório Notarial de Coimbra o envelope que levava, após o que foi redigida pelo respectivo funcionário e por ela assinada a procuração solicitada pelo “JJ” (al.R)); XIX. Procuração que, de seguida, entregou ao Advogado do “JJ” (al. S)). XX. Após a obtenção da procuração, o “JJ” cessou a sua actividade de construtor civil (al.T)); XXI. Refere-se na procuração que a Embargada «constitui procurador seu marido “JJ” (…), a quem concede os poderes necessários para vender, pelos preços e condições que tiver por convenientes quaisquer bens imóveis ou móveis sitos no Concelho de Coimbra (…), outorgar e assinar escrituras» (al.U)); XXII. Com a expressão «pelos preços e condições que tiver por convenientes» quis a Exequente significar que as vendas a efectuar pelo “JJ” deveriam processar-se por preços equilibrados e justos (al. V)). XXIII. No dia 8 de Outubro de 1981, no 2° Cartório da Secretaria Notarial de Coimbra, “SS” e “TT” constituíram entre si a sociedade ““II”, Lda.”. (al.W)); XXIV. Por escritura lavrada na mesma data e no mesmo lugar, munido da procuração outorgada pela Embargada, “JJ”, em nome próprio e em representação desta, declarou vender à ré ““II” -, Lda. e esta declarou comprar-lhe o mencionado terreno pelo preço de 1.300.000$00 (al.X)); XXV. Após a aquisição, a ré ““II”” constituiu o prédio em propriedade horizontal, inscrevendo a seu favor as 42 fracções que o constituem na Conservatória do Registo Predial pela Ap.x de 08.07.83, ficando inscrito na matriz urbana da freguesia da S… N…, concelho de C… sob o artigo xxxº mantendo a descrição n° xx.xxx na Conservatória do Registo Predial, posteriormente convertida em descrição n° xxx (al.Y)); XXVI. A Embargada/exequente instaurou a acção n° 91/87 em 23 de Março de 1987, tendo nesta peticionado a declaração de ineficácia da venda de todas as fracções e a sua entrega (al.Z)); XXVII. A acção na 91/87 havia sido registada provisoriamente por natureza em 30 de Março de 1987, tendo a respectiva decisão sido registada na Conservatória do Registo Predial de Coimbra em 19 de Novembro 2001, e simultaneamente sido cancelados os registos de aquisição da fracção “H” e “AO” a favor dos executados “BB” e mulher (al.AA)); XXVIII. Estando o prédio o prédio nele em edificação já com a respectiva estrutura executada à data da aquisição pela ““II”, Ldª”, esta veio a contratar os trabalhadores e a adquirir os materiais e equipamentos que a continuação e conclusão dessa obra demandaram (resposta aos quesitos 1° a 4° e 14° da Base Instrutória); XXIX. Em 1983, quando a ““II”, Ldª” acabou de edificar o prédio, o valor deste era pelo menos de € 249.398,94 (50.000.000$00) (quesito 5º); XXX. Concretizado o desaterro, “JJ” iniciou em Maio de 1981 a construção do prédio urbano que actualmente ali se encontra (quesito 8°); XXXI. Em finais de Setembro de 1981, a construção levada a cabo pelo “JJ” encontrava-se já no telhado, com toda a estrutura (colunas, placas e telhado) e bem assim algumas alvenarias de tijolo executadas (resposta ao quesito 10°); XXXII. O valor do terreno, já com o desaterro feito, era, em fins de Outubro de 1981, de cerca de € 50.000.00 (quesito 11°); XXXIII. Enquanto o valor da construção nele implantada, no estado em que se encontrava em 8 de Outubro de 1981, ascendia a cerca de € 100.000.00 (quesito 12°); XXXIV. A construção existente nessa data fora executada pelo ex-marido da Exequente no contexto da vida em comum do casal (resposta ao quesito 13°); XXXV. Os sócios da ““II”, L.da” dedicavam-se há muito à construção civil (quesito 16°); XXXVI. Conheciam a situação de desagregação familiar do “JJ” e da Embargada (resposta ao quesito 17°); XXXVII. E tinham ainda conhecimento do terreno e da construção nele implantada pelo “JJ”, bem como da sua localização e valor (quesito 18°); XXXVIII. “DD” e mulher, “LL” e Embargante, antes de efectuarem as suas aquisições, tiveram conhecimento dos pedidos formulados pela Exequente na acção n° 91/87 e do seu registo (quesito 20°); XXXIX. A Exequente e o “JJ”, por si e antecessores, zelaram pelo terreno identificado na escritura de 8 de Outubro de 1981 e nele implantaram a mencionada construção (quesito 21°); XL. O que ocorreu durante mais de 30 anos, sem qualquer oposição, à vista de toda a gente, ignorando lesarem direitos de outrem e na convicção de serem titulares do respectivo direito de propriedade (quesito 22°).
4. Cumpre conhecer do recurso, cabendo apreciar as questões colocadas pela recorrente nas conclusões das respectivas alegações (nº 3 do artigo 684º do Código de Processo Civil): No entanto, há que esclarecer desde já o seguinte: – A embargante fundamentou a oposição de embargos de terceiro na ofensa do seu direito de propriedade sobre a fracção “H” do prédio dos autos, ocorrida no âmbito da execução (para entrega de coisa certa) da sentença proferida na acção declarativa nº 91/87; – Não releva, no contexto dos embargos de terceiro, que a embargada tenha ou não pedido a declaração de que é proprietária (conjuntamente com “JJ”) da referida fracção; – Há caso julgado nos autos quanto à qualidade de terceira da embargante, em relação a essa acção declarativa; o que apenas significa que a força de caso julgado da sentença a não abrange, mas nada implica quanto à eficácia substantiva de eventuais direitos da embargada em relação à embargante, ou quanto à oponibilidade de actos sujeitos a registo, de acordo com as regras registais; – Vem definitivamente provado que a embargante tinha “conhecimento dos pedidos formulados pela exequente na acção nº 91/87 e do seu registo” (ponto XXXVIII da lista de factos provados), não se considerando, portanto, as afirmações em contrário constantes das alegações de recurso, nem as consequências dela retiradas; – A recorrente não questiona neste recurso a não verificação, quanto a si, das condições necessárias para a aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre a fracção “H”, razão pela qual se não apreciará tal questão.
5. A embargante afirma que a Relação não se pronunciou sobre uma questão fundamental, na qual a 1ª Instância assentou a improcedência dos embargos: a “presunção de propriedade sobre a fracção H” a favor da embargante, resultante da incindibilidade entre a propriedade das fracções e a compropriedade do solo (conclusões 13ª a 23ª), e a consequente “concorrência de presunções” fundadas em registo. Ora a decisão neste momento sob recurso é o acórdão da Relação de Coimbra, de fls. 814, que, segundo as suas próprias palavras, fundamentou a improcedência dos embargos em razões distintas das que foram acolhidas em 1ª Instância e que, portanto, não têm que ser apreciadas.
6. Sustenta ainda a recorrente que “a decisão recorrida fundamenta-se (…) na aplicabilidade ao caso concreto do disposto no nº 3 do artigo 271º do CPC (…)” (conclusões 24ª a 27ª). Esta observação não é, porém, correcta: o acórdão recorrido não se fundamentou nessa preceito para negar provimento à apelação. Aplicar ao caso o referido nº 3 seria, aliás, incompatível com o conhecimento de mérito dos embargos e contrário ao caso julgado formado no processo quanto à qualidade de terceira em relação à acção nº 91/87. A verdade é que a decisão do Supremo Tribunal da Justiça de fls. 278, no sentido de não ser aplicável ao caso dos autos o disposto no nº 3 do artigo 271º do Código de Processo Civil e de a embargante não estar abrangida pelo caso julgado formado na acção nº 91/87, podendo opor embargos de terceiro, não significa, nem de perto, nem de longe, que “os efeitos de tal venda” [a venda da fracção H, por “II” a “BB”, em 16 de Setembro de 1984] sejam “válidos e eficazes para a recorrente”. Tal como não significa que o registo da acção nº 91/87 não produza todos os seus efeitos relativamente à embargante, nos termos gerais da eficácia de actos sujeitos a registo e registados. Significa, diferentemente, que a decisão que declarou aquele contrato de compra e venda ineficaz em relação à embargada não faz caso julgado quanto à embargante, que portanto pode invocar o direito de propriedade que alega para se opor à respectiva execução, o que é consabidamente diferente. É justamente por não haver caso julgado que impeça a invocação desse direito de propriedade invocado pela embargante que as instâncias conheceram da questão, no âmbito dos embargos de terceiro. Ora, tal como se decidiu no acórdão recorrido, a embargante não poderia ter adquirido dos anteriores proprietários da referida fracção mais do que aquilo de que eram titulares e que, portanto, podiam transmitir. Por sentença de 8 de Janeiro de 1994 (com cópia a fls. 187), foi decidido serem ineficazes em relação à embargada os contratos celebrados entre a “II” e os demais réus, entre os quais figurava “BB”, que foram condenados a entregar as fracções, sendo ainda determinado o cancelamento dos registos das aquisições correspondentes; quanto a “BB”, a decisão transitou. Substantivamente, todas as vendas da fracção “H” são ineficazes em relação à embargada, precisamente porque assentam sempre numa venda ineficaz .
7. E diz também que o acórdão recorrido fundou a improcedência dos embargos “ainda, na inaplicabilidade ao caso concreto do conceito de terceiro para efeitos de registo, previsto no artigo 5º do CRP, interpretado à luz do Acórdão Uniformizador 3/99” (conclusões 28º a 38ª). O mesmo entendimento é expresso pela recorrente, ainda que por razões diversas das que foram apresentadas pelo acórdão recorrido; nada há, portanto, a analisar. Aliás, não ocorre, no caso presente, nenhuma situação de divergência entre a realidade substantiva e a situação registal, que obrigue a considerar eventuais situações de aquisição a non domino.
8. A recorrente sustenta que “goza da prioridade e presunção do registo previstas nos artigos 6º e 7º do CRP" e que é “por esta via que deve proceder o seu pedido” (concl. 39ª). Mas não tem razão. Em 30 de Março de 1987 foi inscrita no registo a propositura da acção nº 91/87, com identificação das partes (entre as quais figuravam “BB”) e dos pedidos formulados – cfr. fls. 52 a 55 e ponto XXVII da lista de factos provados). O registo, provisório por natureza, foi convertido em definitivo em 19 de Novembro de 2011, descrevendo-se o conteúdo da decisão proferida: “Decisão final: a) improcedente o pedido de declaração de ineficácia da escritura de constituição de propriedade horizontal; b) declaração de ineficácia em relação à Autora da compra feita pelo Réu “BB”; c) cancelamento do registo de aquisição a favor deste Réu” (cfr. fls. 57 e o mesmo ponto XXVII); como se sabe, “o registo convertido em definitivo conserva a prioridade que tinha como provisório”, de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 6º do Código do Registo Predial. Quando a embargante inscreveu a aquisição a seu favor, em 11 de Janeiro de 1999, estava inscrita a propositura da acção; não tem pois qualquer fundamento sustentar que beneficia de prioridade do registo, para o efeito de a sua aquisição prevalecer sobre a ineficácia da venda feita a “BB”, que arrastou a ineficácia das seguintes; e, pela mesma razão, também não beneficia de qualquer presunção de propriedade que prevaleça sobre as demais. Nem tão pouco procede a afirmação de que, como “o direito primitivo do qual veio a emanar o seu [a aquisição por “BB”] foi registado antes de qualquer acção, gozando por isso prioridade do registo”, tal prioridade a beneficia. Não só parte do princípio – incorrecto – de que não é afectada pela ineficácia substantiva da venda ao mesmo “BB”, como desconsidera o regime que decorre das regras próprias da eficácia e da prioridade do registo predial (artigos 5º, 6º e 7º do Código do Registo Predial).
9. A terminar, acrescenta-se apenas que a circunstância de constar, quer do contrato-promessa, quer do correspondente do contrato de compra e venda da fracção H à embargante, que “a venda era feita sem ónus ou encargos”, em nada altera a situação substantiva e registal da mesma fracção; o mesmo se diga, aliás, quanto à afirmação de que a certidão que, nas palavras da embargante, “serviu de base à escritura e que consta de fls. 39 a 48 dos presentes embargos” não revelava “ónus anteriores”, uma vez que a certidão de fls. 50 e segs. os demonstra. Não está em causa, nos presentes embargos, qualquer eventual erro da embargante quando adquiriu a fracção “H”, nem qualquer direito que hipoteticamente pudesse exercer contra a contraparte no contrato de compra e venda. Apenas se trata, aqui, de saber se, perante a embargada, a embargante fez prova de ser proprietária da referida fracção; o que não fez.
10. Nestes termos, resta negar provimento ao recurso. Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Supremo Tribunal de Justiça, 12 de Julho de 2011 |