Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
| Relator: | PAULO SÁ | ||
| Descritores: | CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL CONSENTIMENTO EXECUÇÃO ESPECÍFICA PRESSUPOSTOS INCUMPRIMENTO DEFINITIVO | ||
| Data do Acordão: | 05/27/2014 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Área Temática: | DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA (NULIDADES). | ||
| Doutrina: | - ANA PRATA, O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil, Almedina, Coimbra, 1995, pp. 92/93, 728, 920. - ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 6.ª edição, vol. 1.º, p. 301. - ANTUNES VARELA, Sobre o Contrato Promessa, Coimbra Editora, Coimbra, 2.ª Edição, p. 103. - CALVÃO DA SILVA, Sinal e Contrato Promessa, 4.ª edição, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1995, pp. 103-104, 109-110. - GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, 6.ª ed, pp. 83-84. - MANUEL JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Em tema de Contrato-promessa, AAFDL, 1990, pp. 70-71. - MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, Almedina, Coimbra, 1979, pp. 578-579. - MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Almedina, Coimbra, 5.ª edição, vol. I, p. 227 que cita HENRIQUE MESQUITA, Obrigações Reais, p. 233. - MOTA PINTO, Cessão da Posição Contratual, Almedina, Coimbra, 1982, pp. 71/72. | ||
| Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC):- ARTIGOS 410.º, 424.º, N.º1, 441.º, 442.º, 762.º, N.º1, 801.º, N.º1, 804.º, N.º1, 805.º, N.º1, 830.º, N.º2. CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 660.º, N.º2, 668.º, N.º1, AL. D). | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 18.6.1996, CJSTJ, ANO IV, TOMO II, P. 53; -DE 18.2.1997, CJSTJ, ANO V, TOMO III; -DE 7.5.2009, PROC. Nº 09A0350 E DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT . -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: -DE 4 DE OUTUBRO DE 2005, CJ, ANO XXX, TOMO IV, PP. 25-28. -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: -DE 17 DE JUNHO DE 1993, CJ, ANO XVIII, TOMO III, PP. 132-134. -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: -DE 11 DE JUNHO DE 1992, CJ, ANO XVII, TOMO III, PP. 308-310. | ||
| Sumário : | I - O contrato de cessão de posição contratual tem natureza instrumental e são dois os seus principais requisitos: (i) a bilateralidade, isto é, um acordo de que advenham direitos e obrigações para ambas as partes; e (ii) o consentimento do outro contraente, o qual pode ser dado antes ou depois da cessão, sendo que, no primeiro caso, a cessão só produz efeitos a partir da sua notificação ou reconhecimento. II - A inserção em contrato-promessa de uma cláusula com o seguinte teor: «Pelo presente contrato promessa o Primeiro Outorgante promete vender ao Segundo Outorgante, ou a quem este indicar…» equivale a uma manifestação prévia/antecipada de consentimento na cessão da posição contratual do outro promitente, considerando-se este notificado da outorga do negócio translativo através da citação para a acção. III - O recurso à execução específica de contrato-promessa pressupõe o incumprimento da promessa por parte do obrigado, desde que estejamos perante uma situação, não de incumprimento definitivo, mas de mora. IV - Ultrapassado o prazo inicial acordado para a outorga do contrato prometido, sem que a mesma tenha sido levada a cabo, esta obrigação – de celebrar o contrato – transforma-se numa obrigação pura, o que implica que, para que a mesma se considere vencida, necessário será que ocorra uma interpelação, a qual poderá revestir a forma de citação para a acção de execução específica. V - Tendo o réu manifestado de forma clara e inequívoca a intenção de não cumprir o contrato promessa de compra e venda, tal declaração dispensa a necessidade de interpelação, traduzindo um incumprimento definitivo para efeitos do disposto no art. 801.º, n.º 1, do CC, pressuposto suficiente para a exigibilidade do cumprimento e a execução específica do contrato-promessa. | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1066/10.0TBVCT.G1.S1[1]
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I – No Tribunal Judicial da Comarca de ..., AA intentou acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra BB, pedindo:
– que seja reconhecido ser titular de crédito sobre CC; – que seja reconhecida a validade e a eficácia do contrato de cessão da posição contratual de CC a seu favor ; – que seja reconhecida a validade e a eficácia do contrato-promessa celebrado entre CC e o Réu; – que seja reconhecido ser titular de um crédito sobre o Réu no valor de € 150 000,00 e, consequentemente, - seja judicialmente decretada a transmissão do “Prédio urbano, sito na Rua ..., …, da freguesia de ..., ..., composto de casa de r/c, 1º andar e águas furtadas, destinada a habitação, inscrito na respectiva matriz predial sob o numero …º, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número …, aí inscrito a favor do inventariado DD”, a favor do Autor, por adjudicação compulsiva do R. e em cumprimento ao contrato-promessa celebrado entre o Réu e CC e cessão da posição contratual deste naquele contrato a favor do Autor.
Para tanto, alegou, em síntese:
Entregou a CC, nos anos de 2002/2003, diversas quantias, no valor total de € 148 500,56, tendo ficado acordado entre ambos que a restituição do referido montante seria efectuada até ao último dia do mês de Março de 2004; Por sua vez, em 14/7/2004, o Réu e CC outorgaram um “contrato promessa de compra e venda”, no âmbito do qual o Réu prometeu vender ao primeiro – ou a favor de pessoa que este viesse a indicar – e este prometeu comprar-lhe, pelo preço de € 150 000,00, o direito de acção e quota hereditária do Réu na herança aberta por óbito de seu pai, DD, ocorrido em 11 de Junho de 2004, livre de quaisquer obrigações, hipotecas ou encargos; Aquando da outorga do referido contrato-promessa de compra e venda, já o CC havia pago a totalidade do preço e, porque o mesmo CC não havia restituído ao Autor a quantia total de € 148 500,56 até ao ultimo dia do mês de Março de 2004 – como estava acordado entre ambos –, em 13 de Outubro de 2004, o CC outorgou, unilateralmente, a favor do Autor, um “contrato de cessão de posição contratual”, nos termos do qual cedeu (o que tudo foi comunicado de imediato ao Réu, que tomou conhecimento, ficou ciente e aceitou) ao autor a sua posição no contrato-promessa de 14/7/2004, sendo que, ainda em 13/10/2004, e para acerto de contas, o autor entregou a CC a quantia de € 1 500,00; Entretanto, na sequência e em razão da existência de várias acções judiciais cíveis intentadas contra CC, Autor e Réu celebraram um contrato-promessa de compra e venda do direito e acção e quinhão hereditário na herança aberta por óbito do pai do Réu, DD, o que sucedeu sem que pretendessem, porém, tornar ineficaz em relação a eles o contrato-promessa de compra e venda do direito de acção e quinhão hereditário celebrado entre o Réu e CC, celebrado em 14 de Julho de 2004, nem o contrato de cessão da posição contratual outorgada pelo CC a favor do Autor; Apesar de no âmbito da partilha da herança aberta por óbito de DD, pai do Réu, e em sede de processo judicial de inventário, o quinhão hereditário do Réu ter ficado preenchido integralmente com o “Prédio urbano, sito na Rua ..., …, da freguesia de ..., ..., composto de casa de r/c, 1º andar e águas furtadas, destinada a habitação, inscrito na respectiva matriz predial sob o numero …º, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o numero …, aí inscrito a favor do inventariado DD”, até à presente data e apesar de instado a fazê-lo, o Réu não concretizou o negócio prometido, antes se recusa a outorgar a escritura pública de compra e venda do bem que no referido inventário lhe foi adjudicado.
Devidamente citado, contestou o Réu, por excepção [invocando, v.g, a existência de caso julgado e a anulabilidade, nos termos do disposto no art. 247.º do CC, do contrato-promessa outorgado com CC] e impugnação motivada, e seguindo-se a Réplica, veio o Ex.mo Juiz titular a proferir decisão que admitiu a intervenção nos autos de CC, como associado do Autor, vindo este último, após citação, a oferecer o seu articulado.
Dispensada a audiência preliminar (nos termos do art.º 508-B, do CPC) e proferido que foi o despacho saneador, neste foi decidido não se verificar a excepção dilatória do caso julgado e, fixados os Factos Assentes, foi elaborada, outrossim, a Base Instrutória da Causa, peças estas que não foram objecto de qualquer reclamação.
Finalmente, realizada a audiência de discussão e julgamento, respondeu o tribunal a quo à matéria da base instrutória da causa, não tendo as partes deduzido quaisquer reclamaçõesao respectivo despacho.
De seguida, conclusos os autos para o efeito, elaborou o tribunal a quo Sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor: “(…) Pelo exposto, julga-se a presente acção totalmente improcedente e em consequência absolve-se o R. dos pedidos formulados. Custas pelo A. e Chamado. Viana, 22.04.2013 “
Inconformado com tal sentença, apresentou, então, o autor AA, recurso de apelação, tendo vindo a Relação a conceder-lhe provimento, a julgar procedente a impugnação do recorrente dirigida contra a decisão do tribunal a quo, relativa à matéria de facto e o pedido de execução específica e, consequentemente, a decretar judicialmente a transmissão pelo Réu e a favor do autor, do “Prédio urbano, sito na Rua ..., …, da freguesia de ..., ..., composto de casa de r/c, 1.º andar e águas furtadas, destinada a habitação, inscrito na respectiva matriz predial sob o numero ….º, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número …”, e pelo preço de 150.000,00 € já pago.
De tal acórdão veio ora o R. recorrer, de revista, recurso que foi admitido.
O R. apresentou as suas alegações, que rematou com as seguintes conclusões:
Ao apreciar a verificação da cessão da posição contratual entre o Autor e o CC, o acórdão recorrido decidiu questão de que não podia conhecer. 1. Efectivamente, o Autor limitou as suas alegações e conclusões à impugnação da matéria de facto dada como provada nos quesitos 16° a 25°, correspondendo a matéria relativa à validade e eficácia do contrato de cessão à constante dos quesitos 11° e 12° da base instrutória, a qual não foi impugnada. 2. Pelo que, impõe-se considerar que a mesma ficou definitivamente decidida, não podendo dela ter conhecido o Tribunal recorrido. 3. Ora, apesar de o Tribunal a quo não declarar expressamente que procedia à alteração da matéria de facto relativa aos mencionados quesitos 11° e 12°, a verdade é que se pronunciou acerca do respectivo conteúdo e concluiu em sentido contrário ao decidido em 1ª instância. Da nulidade do acórdão 4. Deste modo, porque proferida em violação dos artigos 684º nºs 2 e 3, e 685º-A n.º 1, 668º n° 1, alínea d), 2ª parte, 716º nº 1, 660º n° 2, 2ª parte, e 713° n° 2, todos do Código de Processo Civil, a decisão emanada do Tribunal a quo é nula por excesso de pronúncia. 5. Da invalidade do contrato de cessão de posição contratual 6. Sem prescindir, sempre se dirá que o Tribunal a quo errou ao decidir que o contrato de cessão de posição contratual foi válida e eficazmente celebrado. 7. Isto porque, para a perfeição do contrato de cessão da posição contratual exige-se a convergência das vontades negociais do cedente, do cessionário e do cedido e o consentimento deste último – cfr. artigo 424º do Código Civil. 8. O Tribunal a quo interpretou o teor da cláusula (A) inserta no contrato-promessa de compra e venda celebrado entre o Réu e CC como uma manifestação antecipada do consentimento daquele à celebração do contrato de cessão de posição contratual. 9. O que não se concebe, uma vez que da mencionada cláusula apenas resulta objectivamente que o ora Recorrente consentiu que o promitente-comprador indicasse um terceiro para com ele celebrar a escritura, sem lhe transmitir a sua posição no contrato-‑promessa, mas apenas no contrato prometido. 10. Assim, inexistindo o consentimento do cedido, falta a terceira vontade negocial, integrante do contrato de cessão da posição contratual contemplado no artigo 424º nº 1 do CC, pelo que tal contrato não chegou sequer a formar-se, não decorrendo do mesmo qualquer obrigação para o Recorrente. 11. Por outro lado, ainda que assim se não considere, tal como resulta da resposta dada ao quesito 12º da base instrutória, nunca o ora Recorrente foi notificado ou reconheceu o contrato de cessão em causa. 12. Ora, não tendo a matéria relativa ao mencionado quesito sido impugnada em sede de recurso pelo Autor, e nunca tendo o Autor alegado que o Réu deveria considerar-se notificado com a citação efectuada nos presentes autos, não podia o Tribunal a quo apreciar e decidir a verificação da notificação em causa – cfr. supra citados normativos legais. 13. Acresce que, o contrato de cessão da posição contratual encontra-se ferido de nulidade. 14. Com efeito, de acordo com os factos provados constantes dos quesitos 1º a 4º (cuja matéria não foi impugnada), o Autor celebrou verbalmente com o CC quatro contratos de mútuo, todos de valor superior a € 20.000,00. 15. Tais contratos, nulos por vício de forma, são, tal como foi configurado pelo Autor, o negócio causal da cessão da posição contratual em questão – cfr. artigos 219º e 1143º do Código Civil 16. Tal nulidade afecta a validade e determina a nulidade do contrato de cessão da posição contratual celebrada entre o Autor e CC – cfr. artigos 280º e 425º do cc. Da execução específica 17. Apenas a mora, e já não o incumprimento definitivo, pode fundamentar o recurso à execução específica do contrato-promessa de compra e venda. 18. Existe incumprimento definitivo sempre que o devedor declara inequivocamente ao credor que não cumpre o contrato – recusa de cumprimento –, situação que se verifica nos presentes autos e que decorre da factualidade assente. 19. Pelo que se impunha ao Tribunal a quo decidir pela impossibilidade da execução específica, apenas compaginável com a mora. 20. Atento tudo quanto se expôs, resulta que, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 219º, 238º nºs 1 e 2, 280º, 424º, 425º, 442º nº 2, 801º e 1143º do CC e 660º nº 2, 668º nº 1 d), 684º nºs 2 e 3, 685º-A nº 1, 713º nº 2 e 716º nº 1 do CPC. 21. Motivo pelo qual deve o acórdão recorrido ser revogado, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância.
Houve contralegações, defendendo a bondade do decidido.
Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
II.1. De Facto
Depois das alterações pela Relação, foram considerados provados os seguintes “factos”:
1) Por acordo celebrado por escrito em 14 de Junho de 2004 entre BB e CC, e ao qual as partes apelidaram de Contrato Promessa de Compra e Venda, este prometeu comprar e aquele prometeu vender o “direito de acção e quota hereditária do primeiro outorgante na herança aberta por óbito de DD ocorrido no dia 11 de Junho de 2004”, constando do referido documento as seguintes cláusulas: A – Pelo presente contrato promessa o Primeiro Outorgante promete vender ao Segundo Outorgante, ou a quem este indicar, e este por sua vez promete comprar o já referido direito de acção e quota hereditária, livre de quaisquer obrigações, hipotecas ou encargos. B – O preço da venda é de 150.000,00 Euros. C – O Segundo Outorgante já pagou ao Primeiro Outorgante a totalidade do montante de 150.000,00 Euros através de diversas entregas de dinheiro realizadas ao longo dos últimos quatro anos, e pagamentos de dívidas, execuções, ao Primeiro Outorgante, a título de Sinal e integral pagamento, o qual dá neste mesmo documento a respectiva quitação. D – A escritura será celebrada no prazo de três meses a contar da presente data, e todos os seus encargos serão suportados pelo Segundo Outorgante. E – Não obstante o carácter de sinal atribuído à quantia referida no número dois da cláusula segunda, as partes acordam em afastar a presunção estabelecida no nº 2 do artigo 830° do Código Civil, pelo que, em caso de incumprimento, a parte não inadimplente poderá, em alternativa optar por obter sentença que substitua a declaração negocial do faltoso ou por exercer os direitos que o n° 2 do artigo 442° do Código Civil lhe confere. 2) Por acordo celebrado por escrito no dia 13 de Outubro de 2004 entre AA e CC, e ao qual as partes apelidaram de Contrato de Cessão da Posição Contratual, este arrogou-se “titular do contrato promessa de compra e venda de direito de acção e herança do herdeiro BB” e “pelo presente contrato o Segundo Outorgante indica para a sua posição contratual e cede a mesma naquele contrato ao Primeiro Outorgante”, constando do referido documento as seguintes cláusulas: 1º – O Segundo Outorgante é titular do contrato promessa de compra e venda de direito de acção e herança do herdeiro BB, casado no regime da comunhão de adquiridos, com EE, residente na …, freguesia de ..., do Concelho de ..., Contribuinte fiscal nº … e Bilhete de Identidade nº …, o qual outorga na qualidade de herdeiro da herança aberta por morte de DD, e integralmente pago. 2º – Pelo presente contrato o Segundo Outorgante indica para a sua posição contratual e cede a mesma naquele contrato ao Primeiro Outorgante. 3º – São responsabilidade do Segundo Outorgante as despesas de concretização deste negócio. 3) Para partilha da herança aberta por óbito de DD, pai do Réu, correu o processo de inventário nº 3329/04.5TBVCT do 2º Juízo Cível, deste Tribunal, o qual já transitou em julgado; 4) No referido inventário o quinhão hereditário do Réu foi preenchido integralmente com o seguinte bem: Prédio urbano, sito na Rua …, nº …, da freguesia de ..., ..., composto de casa de rés-do-chão, primeiro andar e águas furtadas, destinada a habitação, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …; 5) O Réu recusa-se a outorgar a escritura pública de compra e venda do prédio referido em 4); 6) No ano de 2002, o Autor entregou a CC a quantia de € 54.085,00, titulada pelo cheque cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 13 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; 7) No ano de 2002, o Autor entregou a CC a quantia de € 49.415,56, titulada pelo cheque cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 14 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; 8) No ano de 2003, o Autor entregou a CC a quantia de € 20.000,00, titulada pelo cheque cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 15 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; 9) No ano de 2003, o Autor entregou a CC a quantia de € 25.000,00, titulada pelo cheque cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 29 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; 10) O Autor e CC acordaram que a restituição dos montantes supra referidos seria efectuada até ao último dia do mês de Março de 2004; 11) O acordo descrito em 2). foi subscrito porque CC não restituiu ao Autor a quantia de € 148.500,56 até ao último dia de Março de 2004; 12) Nem o podia fazer por não ter condições económicas para tal; 13) À data da assinatura do acordo referido em 1), CC era advogado do Réu que, por sua vez, exercia de facto a gerência da sociedade FF & Companhia, Lda; 14) Fruto da adversa conjuntura económica que então se verificava, as dívidas da empresa que geria começaram a acumular-se sem que o Réu tivesse capacidade financeira para lhes fazer face; 15) Não provado (anteriormente “Pelo que, foi aconselhado pelo seu advogado a adquirir as restantes quotas (cerca de 34,63%) da FF & Companhia, Lda. para que, assim, ficasse em condições de vender o edifício onde se encontrava sedeada e instalada a referida sociedade); 16) Não provado (anteriormente “Tudo com o objectivo de, com o produto da venda, saldar as dívidas da empresa”); 17) Não provado (anteriormente “Para tanto CC disponibilizou-se a procurar um ou mais investidores que lhe emprestassem o montante necessário à aquisição das referidas quotas”); 18) Provado apenas que o Réu DD assinou o acordo em causa (anteriormente provado que “Foi nesse contexto que assinou o acordo em causa, e outros mais, na convicção de que se tratava de instrumentos necessários à concretização da compra e venda das quotas daquela sociedade”); 19) Não provado (anteriormente, “Nesse contexto, CC informou o Réu de que para, em seu nome, poder negociar as quotas em questão, precisava que o mesmo lhe conferisse poderes nesse sentido”); 20) Provado apenas que, no decurso de 2004, o R. apôs a sua assinatura em vários documentos, de entre os quais, o documento em questão (anteriormente, “Pelo que, no decurso de 2004 e sob esse pretexto, solicitou que o Réu apusesse a sua assinatura em vários documentos, de entre os quais, o documento em questão”; 21) Não provado (anteriormente “Sem qualquer objecção, o réu assinou-o sem, em nenhum momento, ler ou confirmar se o respectivo conteúdo correspondia à sua vontade e à informação que lhe havia sido transmitida pelo referido CC”); 22) Não provado (anteriormente “Não tendo ficado com o documento em sua posse, nem com qualquer duplicado”); 23) Não provado (anteriormente “Nunca o Réu ponderou a hipótese de vender ou prometer vender esse quinhão hereditário”); 24) Não provado (anteriormente “E muito menos pelo preço de € 150.000,00”); 25) Pois o valor do quinhão hereditário era superior àquele montante; 26) O Réu tomou conhecimento dos documentos descritos em 1) e 2) no dia em que foi citado para a presente acção.
II.3. De Direito
II.3.1. – Como se sabe, o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões dos recorrentes (art.º 684.º n.º 3, e 690.º, n.os 1 e 3, do CPC), importando ainda decidir as questões nelas colocadas e bem assim, as que forem de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – art.º 660.º, n.º 2, também do CPC.
A presente revista visa discutir as seguintes questões:
a) Nulidade do acórdão por excesso de pronúncia; b) Invalidade da cessão contratual e c) Inviabilidade da execução específica.
III.1 – Nulidade
As nulidades referidas na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC estão relacionadas com o comando fixado no n.º 2 do artigo 660.º do mesmo código (o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras).
Refere-se o excesso de pronúncia ao conhecimento de questões não suscitadas pelas partes e que não sejam de conhecimento oficioso.
Podem suscitar-se dificuldades em fixar o exacto conteúdo das questões a resolver que devem ser apreciadas pelo juiz na decisão. Existe, porém, acentuado consenso no entendimento de que "não devem confundir-se questões a decidir com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes: a estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido".
Saliente-se, antes de mais, que questão a resolver, para os efeitos do artigo 660.º do C.Proc.Civil, é coisa diferente de questão jurídica (v.g., determinação de qual a norma legal aplicável e qual a sua correcta interpretação que, como fundamento ou argumento de direito, pudesse – ou até devesse – ser analisada no âmbito da apreciação da questão a resolver).
A melhor resolução da questão a resolver deveria, porventura, levar à apreciação de várias questões jurídicas, utilizadas como argumentos e fundamento da decisão sobre a questão decidenda. Se o juiz, porém, não apreciar todas essas questões jurídicas e não invocar todos os argumentos de direito, que cabiam na melhor, mais completa ou exaustiva fundamentação, mas vier a proferir decisão, favorável ou desfavorável à parte, sobre a questão a resolver, haverá deficiência ou incompletude de fundamentação, mas não omissão de pronúncia.
Seguindo os ensinamentos do Prof. ALBERTO DOS REIS, a propósito do critério de reconhecimento do que se deve entender por questão a resolver, as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado. Para tanto, o Juiz deve conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer. Por isso, a circunstância de não considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado não constituirá nulidade.
Importa agora ver em que termos o acórdão abordou ou não as questões suscitadas.
Relativamente ao excesso de pronúncia, diz o recorrente que:
1. …., “o Autor limitou as suas alegações e conclusões à impugnação da matéria de facto dada como provada nos quesitos 16º a 25º, correspondendo a matéria relativa à validade e eficácia do contrato de cessão à constante dos quesitos 11º e 12º da base instrutória, a qual não foi impugnada. 2. Pelo que, impõe-se considerar que a mesma ficou definitivamente decidida, não podendo dela ter conhecido o Tribunal recorrido. 3. Ora, apesar de o Tribunal a quo não declarar expressamente que procedia à alteração da matéria de facto relativa aos mencionados quesitos 11º e 12º, a verdade é que se pronunciou acerca do respectivo conteúdo e concluiu em sentido contrário ao decidido em 1ª instância. (…) 4. Deste modo, porque proferida em violação dos artigos 684º nºs 2 e 3, e 685º-A n.º 1, 668º n° 1, alínea d), 2ª parte, 716º nº 1, 660º n° 2, 2ª parte, e 713° n° 2, todos do Código de Processo Civil, a decisão emanada do Tribunal a quo é nula por excesso de pronúncia.”
Sobre esta nulidade se pronunciou a Relação, em conferência, considerando não ter cometido tal nulidade, por não ter alterado matéria de facto não impugnada.
Só podemos acompanhar este entendimento, porquanto é facto que a matéria dos quesitos 11.º e 12.º ficou intocada. O que aconteceu, sem que tal implicasse qualquer alteração da matéria factual, foi que o tribunal concluiu da resposta ao ponto 26 da matéria de facto que o cedido foi notificado da cessão, através da citação para a presente acção, o que implica a validade da mesma.
Tal inferência não é ilegítima nem conflitua com a resposta negativa dos quesitos 11.º e 12.º.
Termos em que carece de fundamento a arguição da referida nulidade.
III.2. – Inviabilidade da cessão contratual
Dispõe-se no n.º 1, do art. 424.º do CC, aplicável ao contrato-promessa, ex vi do artigo 442.º do mesmo diploma legal, que, num contrato com prestações recíprocas, “qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão”.
O contrato de cessão tem uma natureza instrumental, traduzindo-se na “transferência ex negotio por uma das partes contratuais (cedente), com consentimento do outro contraente (cedido), para um terceiro (cessionário), do complexo de posições activas e passivas criadas por um contrato”, o contrato-base. (MOTA PINTO, Cessão da Posição Contratual, Almedina, Coimbra, 1982, pp. 71/72)
Para que a cessão possa determinar o subingresso negocial dum terceiro na posição de parte contratual do cedente, continua o ilustre professor (obra citada, p. 72) “torna-se imprescindível o consenso do outro contraente originário, isto é, do cedido, consenso cuja manifestação pode ser simultânea, posterior ou anterior ao acordo das duas partes restantes”, sendo que, no caso de adesão preventiva do cedido, “acresce a necessidade (…) da notificação ou reconhecimento desta – da transmissão da posição contratual –, sem o que a cessão não tem eficácia (cfr. art. 424.º,n.º 2, do CC)”.
MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA (Direito das Obrigações, Almedina, Coimbra, 1979, pp. 578-579), sintetiza assim os dois requisitos fundamentais da cessão:
I) Primo: exige-se que se trate de um contrato bilateral, quer dizer, de que advenham direitos e obrigações para ambas as partes; II) Secundo: exige-se o consentimento do outro contraente, o qual pode ser dado antes ou depois da cessão, mas, no primeiro caso, a cessão só produz efeitos a partir da sua notificação ou reconhecimento, sendo que, na segunda situação, o reconhecimento “ só relevará, para que a cessão produza efeitos em relação a ele, no caso de se revestir de um significado tão amplo que “ equivalha para esse efeito à notificação”.
Dúvidas não há que, perante a matéria de facto provada, bem se entendeu estar configurado um contrato de cessão e que “tendo presente o teor da cláusula (A) inserta no contrato-base [A – Pelo presente contrato promessa o Primeiro Outorgante promete vender ao Segundo Outorgante, ou a quem este indicar (…)], e perfilhando-se o entendimento de Gravato de Morais () no sentido de que uma cláusula com o referido teor e inserta em Contrato-‑Promessa equivale, em rigor, a uma manifestação prévia/antecipada de consentimento na cessão da posição contratual do outro promitente, qual forma especial de prestação preventiva de consentimento na transmissão e a que alude Mota Pinto (), impõe-se considerar verificado in casu o requisito a que alude o n.º1, in fine, do art.º 424º, do CC.”
E não merece igualmente censura o entendimento acolhido no acórdão de que o cedido (BB) foi notificado da outorga do negócio translativo, através da citação para a acção, devendo, portanto, produzir ele efeitos em relação à sua pessoa.
Irrelevante é a invocação, em sede de recurso, da nulidade dos alegados contratos de mútuo, uma vez que nunca foi suscitado no processo a qualificação das entregas de dinheiro a que se referem os factos 6 a 9 nem a nulidade desses negócios, tratando-se, pois, de uma questão nova, fora do objecto do recurso.
III.3. – Execução específica
Da matéria fixada na acção resulta a intenção das partes da futura celebração dum contrato de venda, tendo por objecto o imóvel referido.
Na petição foi pedida pelo A. a execução específica do contrato, nos termos previstos nos arts. 442.º, n.º 3 e 830.º, ambos do Código Civil.
Ora, o art.º 410.º do Código Civil (diploma a que pertencem as normas doravante citadas sem indicação expressa) consagra o regime aplicável ao contrato-promessa, nestes termos:
“1. À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa. 2. Porém, a promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral. 3. (...)”
“Contrato-promessa é a convenção pela qual, ambas as partes ou apenas uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo, ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato” – ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 6.ª edição, vol. 1.º, p. 301.
“Contrato-promessa – é um acordo preliminar que tem por objecto uma convenção futura, o contrato prometido. Mas em si é uma convenção completa, que se distingue do contrato subsequente. Reveste, em princípio, a natureza de puro contrato obrigacional, ainda que diversa seja a índole do contrato definitivo. Gera uma obrigação de prestação de facto, que tem apenas de particular consistir na emissão de uma declaração negocial. Trata-se de um “pactum de contrahendo” (GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, 6.ª ed, p. 83).
Ou, como refere ANTUNES VARELA (Sobre o Contrato Promessa, Coimbra Editora, Coimbra, 2.ª Edição, p. 103), [n]o contrato promessa de compra e venda, (…), os contraentes não declaram ainda que querem vender e comprar. Obrigam-se apenas a vender e a comprar no futuro, só nessa altura emitindo as respectivas declarações negociais. Os contratos promessa são, deste modo, como Manuel Andrade já salientava, verdadeiros contratos-promessa de contratar”.
O contrato-promessa é bilateral se ambas as partes se obrigam a celebrar o contrato definitivo; unilateral se apenas uma das partes se vincula” – (GALVÃO TELLES, ob. cit., pp. 83-84).
Para se poder falar em incumprimento, importa que o obrigado não cumpra a prestação a que se obrigou.
“O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado” – art. 762.º, n.º 1.
Importa salientar que, como refere ANA PRATA (O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil, Almedina, Coimbra, 1995, p. 728 ) (salvo “(…) diversa estipulação convencional, só ao não cumprimento desta – a obrigação principal – respeita o sinal na sua eficácia sancionatória”, não podendo assim a eficácia penal do sinal ser desencadeada por um qualquer e diferente incumprimento contratual.
A factualidade apurada denuncia a celebração entre as partes duma promessa de celebração dum contrato de compra e venda de um imóvel, pelo que há que concluir, face ao já citado n.º 1 do art. 410.º, que nos encontramos perante um contrato-promessa bilateral de compra e venda.
O contrato-promessa é regulado pelas normas de carácter geral aplicáveis aos negócios jurídicos e pelos arts. 410.º, 441.º, 442.º e 830.º
No caso sub judice, o pedido formulado pelos A. consiste no reconhecimento do direito à execução específica, com a prolação de sentença que produza os efeitos da declaração negocial do R. faltoso, de molde a permitir a aquisição do mesmo a favor daquele.
“A chamada execução específica é,(…) no plano funcional, a mesma coisa que a acção de cumprimento: apenas esta se dirige à condenação do devedor no adimplemento da prestação, enquanto aquela produz imediatamente os efeitos de declaração negocial do faltoso”, ou seja, “o credor obtém o que poderemos chamar de cumprimento funcional da promessa, isto é, o resultado prático de cumprimento, independentemente e mesmo contra a vontade do promitente faltoso, em via imediata e sem ter de recorrer à sentença de condenação, nem, obviamente, ao processo executivo” (CALVÃO DA SILVA, Sinal e Contrato Promessa, 4.ª edição, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1995, p. 110).
Dispõe o n.º 3 do art. 442.º que “em qualquer dos casos previstos no número anterior, o contraente não faltoso pode, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, nos termos do art. 830.º; (…)”.
E, no n.º 1 deste normativo, estatui-se:
“Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida”.
E o seu n.º 2 estipula, na parte que ora nos interessa, que “entende-se haver convenção em contrário, se existir sinal (…)”.
No caso vertente há sinal e está convencionada a execução específica, a tal não se opondo o carácter de sinal atribuído à quantia recebida pelo apelado, já que as partes acordaram em afastar a presunção estabelecida no n.º 2 do artigo 830.° do Código Civil.
“Na execução específica, o modo como, na prática, o tribunal supre a declaração negocial do faltoso é o de considerar como realizado o contrato prometido, por força da sentença.
O tribunal só pode substituir-se ao devedor faltoso no caso de este se recusar a celebrar o contrato prometido, podendo embora fazê-lo” – Ac. deste STJ, de 18.2.1997, CJSTJ, ano V, tomo III.
Daí que, desde logo, tenha que existir incumprimento do devedor, ainda que exprima mora.
Discute-se, na doutrina e na jurisprudência portuguesas, se a execução específica ocorre nas situações de incumprimento definitivo do contrato ou se basta a mera verificação da mora.
MANUEL JANUÁRIO DA COSTA GOMES, (Em tema de Contrato-‑promessa, AAFDL, 1990, pp. 70-71, escreve, a propósito da execução específica, “que esta persegue a realização da prestação ainda possível, tal como acontece com a acção de cumprimento, pelo que admite este tipo de acção quer em caso de simples mora, quer em caso de incumprimento definitivo, desde que o credor mantenha interesse na realização da prestação. Como ali se refere, a propósito daqueles dois tipos de acções, “tanto uma como outra têm, logicamente, por pressuposto a não realização da prestação no vencimento da obrigação, por causa imputável ao demandado e a subsistência do interesse do demandante. Quer através da acção de cumprimento, quer através da acção de execução específica, o credor pretende ver o seu interesse satisfeito pela actuação da obrigação, quer a mesma se efective através de cumprimento subsequente a condenação, quer através de um acto jurisdicional gerador de efeitos idênticos aos da prestação realizada – rectius, aos do contrato prometido, para cuja realização voluntária era necessária a suprida manifestação de vontade do contraente infiel. Atenta a necessidade de pressupostos de funcionamento da acção de cumprimento e da acção de execução específica, uma conclusão se impõe: o contraente fiel pode pedir a execução específica do contrato-promessa enquanto mantiver interesse na prestação. Certo é que é no estado e na pendência da mora que a execução específica (…) encontra o seu habitat normal, por ser característica desse estado a subsistência do interesse do credor na realização da prestação. Demonstrada, porém, a eventualidade da subsistência do interesse do credor, após o incumprimento definitivo, demonstrada fica também a compatibilização da execução específica com os casos de incumprimento definitivo em que essa subsistência tenha lugar”.
Afirma o Prof. CALVÃO DA SILVA ser a mora o pressuposto da execução específica:
“Na verdade, se, na hipótese de o promitente (no contrato-promessa unilateral) ou um dos promitentes (na promessa bilateral) não cumprir pontualmente, nos termos devidos, o contrato, a outra parte intenta a acção, manifesta a vontade de ainda obter a prestação devida. Equivale a dizer, portanto, que o credor considera como simples atraso a violação do contrato por parte do devedor e, por isso insiste no cumprimento retardado. Se, inversamente, o credor não tivesse, fundadamente, mais interesse na prestação, consideraria a violação do contrato como incumprimento definitivo e optaria pela resolução do mesmo” – (cf. obra e edição citada, pp. 109-110).
Também vai no mesmo sentido MENEZES LEITÃO (Direito das Obrigações, Almedina, Coimbra, 5.ª edição, vol. I, p. 227 que cita HENRIQUE MESQUITA, Obrigações Reais, p. 233).
Também ANA PRATA (Ibidem, p. 920) sustenta que “Em qualquer caso, como decorre dos princípios gerais e já foi sobejamente salientado, ainda que se considere que o não cumprimento é pressuposto de recurso ao instrumento da execução específica, sempre esse não cumprimento é apenas aquele que for temporário, pois que, se já existir definitivo inadimplemento – qualificado ou não por impossibilidade – a execução específica encontra-se então precludida”.
No domínio da jurisprudência, é igualmente seguido o entendimento que o recurso à execução específica do contrato-promessa pressupõe o incumprimento da promessa por parte do obrigado, desde que esse incumprimento não seja definitivo, ou seja, desde que nos encontremos perante uma situação de retardamento da prestação, isto é, perante uma situação de mora, posição esta que sufragamos.
“A mora do devedor é o pressuposto de execução específica do contrato-‑promessa. Tal mora depende de o devedor ter sido interpelado – judicial ou extrajudicialmente – para cumprir. Tal interpelação só pode ser efectuada a partir do momento em que o credor pode exigir a realização da prestação devida. As obrigações de prazo natural, circunstancial ou usual, dão lugar a fixação judicial de prazo, sempre que o credor não acorde com o devedor quanto ao momento do seu cumprimento” – Ac. deste Supremo Tribunal, de 18.6.1996, CJSTJ, ano IV, tomo II, p. 53.
Concordantemente, vejam-se ainda os acórdãos da Relação do Porto, de 11 de Junho de 1992, CJ, ano XVII, tomo III, pp. 308-310, da Relação de Lisboa, de 17 de Junho de 1993, CJ, ano XVIII, tomo III, pp. 132-134 e da Relação de Coimbra de 4 de Outubro de 2005, CJ, ano XXX, tomo IV, pp. 25-28.
Dispõe o art. 805.º, n.º 1, que “o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir”, pressupondo a mora um atraso ilícito no cumprimento, conforme resulta do n.º 1 do art. 804.º, n.º 1 – “a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor”.
Atento o que se deixou dito, temos que, no contrato dos autos, ficou estipulado que a escritura seria celebrada no prazo de três meses, a contar de 14 de Junho de 2004, o que não veio a acontecer, não tendo qualquer das partes interpelado a outra para a outorga do contrato definitivo.
Temos por correctas e judiciosas as considerações tidas no acórdão sobre os prazos absolutos e relativos e concordamos com o entendimento de que, «nada “obriga e justifica” in casu a considerar que o prazo fixado no CPCVenda dos autos deva ser interpretado como um “prazo fatal”, e, ademais, não resultando do teor do referido contrato e, bem assim, da factualidade assente, que ao apelado incumbisse providenciar pela marcação da escritura dentro do prazo acordado [e não olvidando o disposto no art.º 779.º, do CC], ou, sequer, que o promitente comprador o tenha interpelado para o efeito, nada permite concluir por um quadro de incumprimento definitivo, ou até mesmo de mora do Réu apelado».
Em consequência, ultrapassado o prazo inicial sem reacção das partes, a obrigação de celebração do contrato prometido, transformou-se em obrigação pura, o que implicaria que ocorresse interpelação para que a obrigação se considerasse vencida, o que também não aconteceu.
Porém, decorre dos factos provados que “O Réu recusa-se a outorgar a escritura pública de compra e venda do prédio referido em 2.4.”, ou seja, manifesta, de uma forma clara, a intenção de não cumprir o contrato promessa de compra e venda.
Ora, comunga-se do entendimento de ANA PRATA (ibidem, p. 92/93), de que não existe fundamento pertinente que afaste a possibilidade de, perante uma obrigação pura, poder a citação para a acção desempenhar o papel de interpelação do devedor para o cumprimento, certo é que uma declaração do promitente-vendedor do referido teor não pode sem mais equivaler a uma impossibilidade da prestação, subjectiva ou objectiva, traduzindo em rigor um incumprimento definitivo para efeitos do art.º 801.º, n.º 1, e, consequentemente, obstar a uma pretensão de exercício do direito à execução específica.
No mesmo sentido vai o Acórdão deste Tribunal de 7.5.2009, Proc. nº 09A0350 e disponível in www.dgsi.pt. que sustenta:
«Provado que o promitente vendedor recebeu no acto da celebração do contrato-promessa a totalidade do preço acordado, de que logo deu quitação, e que as partes estipularam ainda, de modo expresso, que o “não cumprimento” do contrato implicaria “o direito à execução específica, nos termos do art. 830.º do Código Civil”, a declaração efectuada pela ré, representada pela sua herdeira universal, que “não é sua intenção desfazer-‑se do mencionado imóvel, motivo pelo qual, recusa, e se recusou, a outorgar qualquer escritura pública de compra e venda”, apenas pode significar a desnecessidade da interpelação admonitória a que alude o art. 808.º, n.º 2, para o efeito de colocar o promitente comprador em condições de exercer o direito de resolução do contrato. Verificando-se que o A., apesar da categórica declaração da ré, mantém o interesse na sua prestação, isso é o suficiente para não lhe negar o direito à execução específica com aquele fundamento».
Ou, como defende CALVÃO DA SILVA (ibidem, pp. 103/104), “concebida a obrigação como um processo que flui para o cumprimento, a legítima expectativa ou confiança do credor no adimplemento da prestação implica a existência de um intermédio e instrumental dever de conduta do devedor, que mantenha a fiducia do credor na prestação final, rectius, no cumprimento, actuação voluntária (prestare) e não execução forçada (prendere). Pelo que, se é ir longe de mais entender-se que o devedor tem a obrigação de tornar evidente por factos a intenção e a possibilidade de cumprir pontualmente ou que a declaração de não querer cumprir pode ser provocada, antes do vencimento, por uma interpelação do credor (...) é, pelo menos, certa e segura a obrigação de não contradizer com uma declaração de recusa ou com actos não equívocos o dever de cumprir. (...) Não há, portanto, razão para manter o credor vinculado, até ao vencimento, a uma relação jurídica que, em virtude de uma declaração séria, certa e segura, ante diem, de não cumprir do devedor, perdeu a força originária e desapareceu como vínculo em cuja actuabilidade final o sujeito activo possa confiar para satisfação plena e integral do seu interesse, razão existencial da obrigação. É exacto, por isso, configurar a declaração antecipada de não cumprir (ou o comportamento inequívoco demonstrativo da vontade de não cumprir, ou da impossibilidade antes do tempo de cumprir) como incumprimento (antes do termo) pressuposto suficiente de consequências jurídicas imediatas, como a exigibilidade do cumprimento e a execução específica do contrato-promessa, se o credor nisso ainda tiver interesse, ou a própria resolução do contrato e, em geral, todos os remédios ou sanções previstos para o incumprimento”.
Bem se decidiu, por isso, no acórdão recorrido, ao considerar verificados os pressupostos para a decretada execução específica.
IV. – Termos em que se acorda em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 27 de Maio de 2014
Paulo Sá (Relator) Garcia Calejo Helder Roque
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