Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
695/17.6YRLSB.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: MANUEL AUGUSTO DE MATOS
Descritores: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
RECONHECIMENTO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 06/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Área Temática:
DIREITO EUROPEU - COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA EM MATÉRIA PENAL / MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU / EXECUÇÃO DE MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU EMITIDO POR ESTADO MEMBRO ESTRANGEIRO.
Doutrina:
-Anabela Miranda Rodrigues, O mandado de detenção europeu, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 13.º, n.º 1, p. 32 e 33;
-Lopes Costa, A dupla incriminação no mandato de detenção europeu e o verdadeiro alcance da abolição do seu controlo, Temas de extradição e entrega, coordenação Pedro Caeiro, Coimbra: Almedina, 2015, p. 81 e ss, em particular, p. 87;
-Ricardo Jorge Bragança de Matos, O princípio do reconhecimento mútuo e o mandado de detenção europeu, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 14.º, n.º 3, p. 327-328.
Legislação Nacional:
MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU (MDE), APROVADO PELA LEI N.º 65/2003, DE 23 DE AGOSTO: - ARTIGOS, 4.º E 12.º, N.º 1, ALÍNEA G.
Legislação Comunitária:
DECISÃO-QUADRO DO CONSELHO N.º 2002/584/JAI, DE 13 DE JUNHO DE 2002, RELATIVA AO MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU E AOS PROCESSOS DE ENTREGA ENTRE OS ESTADOS-MEMBROS.
(JO L 190 DE 18.07.2002. P. 1).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-DE 23-11-2006, PROCESSO N.º 06P4352;
-DE 10-01-2007, PROCESSO N.º 07P002, IN WWW.DGSI.PT;
-DE 07-01-2016, PROCESSO N.º 179/15.7YRGMR, SJSTJ;
-DE 30-03-2016, PROCESSO N.º 1642/15.5YRLSB.



Jurisprudência Internacional:
TRIBUNAL MONOCRÁTICO DE ROMA:

-SENTENÇA N.º 5872/06 R.G. - 20359/06 SENT.


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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ROMA:


-DE 02-09-2016, N.º 1081/2014, SIEP - 236/2016 CUM, N.º 1081/2014 SIEP - 236/2016 CUM.

Sumário :

I - O tribunal da relação julgou verificada a causa de recusa facultativa contemplada no art. 12.º, n.º 1, al. g), da Lei 65/2003, de 23-08, recusando a entrega do requerido-detido à autoridade judiciária da Itália, determinando, em simultâneo, que o mesmo cidadão cumpra a pena de 6 anos e 2 meses de prisão fixada pelo tribunal italiano na sentença de unificação de penas concorrentes.
II - No recurso interposto pelo MP não está em causa a decisão adoptada no tribunal da relação em recusar a execução do MDE emitido pelas autoridades judiciárias italianas. O próprio requerido aceita tal decisão, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. O que o MP questiona neste recurso é a alegada ausência de reconhecimento, que deveria ter sido simultâneo das sentenças emitidas pelas autoridades judiciária italianas, confirmando as penas aplicadas pelo tribunal de emissão do MDE, incluindo a decisão de reconhecimento das sentenças estrangeiras na decisão que recusa a execução.
III - O mecanismo do reconhecimento e execução, em Portugal, de sentenças em matéria penal que imponham penas de prisão não pode traduzir-se em acrescidas exigências formais no âmbito da adopção do compromisso, previsto no art. 12.º, n.º 1, al. g), da Lei 65/2003, de o Estado Português executar, de acordo com a lei portuguesa, a pena de prisão aplicada pelo Estado emissor do MDE.
IV - O MDE, constituindo uma decisão de uma autoridade de um Estado membro dirigida directamente a outra autoridade judiciária de outro Estado membro, na base do princípio do reconhecimento mútuo, prescinda das formalidades burocráticas que estavam ligadas à antiga extradição, já suprimida em benefício de um processo mais ágil (art. 4.º, da Lei 65/2003) e de execução muito mais simplificada, bastando que o mandado contenha determinados elementos considerados fundamentais, constantes do formulário (art. 3.º da mesma Lei).
V - Tais elementos serão os bastantes, segundo o princípio da suficiência que orienta o MDE, para que o Estado da execução possa decidir com a celeridade e simplicidade que se pretende no âmbito de uma cooperação judiciária própria de Estados que fazem de uma mesma União (conforme o princípio do reconhecimento mútuo).
VI - No caso foi reconhecida uma causa de recusa de execução dos mandados de detenção emitidos pela autoridade judiciária italiana contra o requerido para cumprimento da pena única de 6 anos e 2 meses de prisão em que foi condenado pela sentença italiana, e foi determinado o cumprimento dessa pena em Portugal o que significa que aquela sentença foi reconhecida e tornada aqui exequível.
VII - Os elementos documentais constantes dos autos, desde logo nos formulários dos mandados de detenção emitidos pelas autoridades judiciárias italianas são suficientes para o reconhecimento daquela sentença pelo tribunal da relação, operado no acórdão recorrido, não se verificando a omissão de pronúncia e correspondente nulidade invocadas pelo MP.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I - RELATÓRIO

1. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de Maio de 2017, no processo de execução mandato de detenção europeu contra AA, de nacionalidade ..., foi decidido:

«recusar a entrega do requerido à autoridade judiciária da República Italiana e em determinar que AA cumpra em Portugal a pena de 6 (seis) anos e 2 (dois) meses de prisão a que foi condenado pela Corte di Apello de Roma na sentença de unificação de penas concorrentes n. 1081/2014 SIEP - 236/2016.

No cumprimento desta pena deve descontar-se todo o tempo de prisão e detenção já sofrido à ordem dos processos abrangidos na pena única (a pena residual é de seis anos, um mês e um dia) e o período de dias de detenção que o requerido sofreu à ordem dos presentes autos desde o dia 18 de Abril de 2017.

A execução da pena seguirá nestes autos e é da competência dos juízos criminais de Lisboa, onde este processo deve ser distribuído (artigos 470º nº 2 do Código de Processo Penal e 34º da Lei nº 65/2003 de 23 de Agosto).»

2. O Ministério Público interpôs recurso desta decisão, concluindo:

«1 - O presente recurso vem interposto do douto acórdão proferido nos autos pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 17 de Maio de 2017 (fls. 149 - 153), que, julgando procedente a oposição e recusada a entrega da pessoa procurada AA para cumprimento de pena às autoridades judiciárias da República Italiana, determinou que o mesmo cumprisse em Portugal a pena de 6 (seis) anos e 2 (dois) meses de prisão a que foi condenado pela Corte di Apello de Roma na sentença de unificação de penas concorrentes n. 1081/2014 SIEP -23612016, mais determinando que no cumprimento da pena se deve descontar todo o tempo de prisão e detenção já sofrido à ordem dos processos abrangidos na pena única e o período de dias de detenção que o requerido sofreu à ordem dos presentes autos e bem assim que a execução da pena seguirá nestes autos e é da competência dos juízos criminais de Lisboa, onde este processo deve ser distribuído (artigos 470° n.º 2 do Código de Processo Penal e 34° da Lei n.º 65/2003 de 23 de Agosto) e que após trânsito em julgado, seja comunicada a decisão à autoridade de emissão e sejam os autos remetidos ao tribunal competente para a execução da pena.

2 - Considera o Ministério Público, Recorrente, que o douto acórdão recorrido é nulo, por violação do disposto no art.º 12° n.º 1 al. g), n.º3 e n.º 4, da Lei n.º 65/2003 de 23/08, na redacção introduzida pela Lei n.º 3512015, de 4 de Maio, e com as adaptações introduzidas pelo art. 26° al. a) da Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro.

3 - Com efeito, no caso dos autos, verifica-se que a pessoa procurada reside em Portugal e que o mandado de detenção se destina a cumprimento de uma pena; face ao teor do art. 12° n.º 1 al. g), mostra-se ainda necessário para a verificação da causa de recusa facultativa, que o Estado Português se comprometa a executar aquela pena, de acordo com a lei portuguesa.

4 - A Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio, aditou os n.ºs 3 e 4 ao artigo 12°, da Lei n.º 65/2003, regulando o procedimento a seguir em caso de recusa de execução do MDE fundada na nacionalidade ou residência da pessoa procurada (al. g) do n.º 1) para cumprimento de pena ou medida de segurança.

5 - Face ao disposto nos n.ºs 3 e 4 do art. 12° da Lei n.º 65/2003, de 23/08,

- a recusa de execução do MDE só pode ter lugar mediante decisão simultânea de revisão e confirmação da sentença condenatória estrangeira que declare a sentença exequível em Portugal, confirmando a pena ou a medida de segurança aplicada pelo tribunal de emissão do MDE;

- a decisão de reconhecimento da sentença estrangeira é incluída na decisão que recusa a execução, pois a recusa depende da decisão de confirmação e revisão;

- nestes casos, deve ser solicitada a certidão da sentença condenatória à autoridade que emitiu o MDE;

- obtida a certidão, o Ministério Público requer a revisão e confirmação da sentença estrangeira no próprio processo de execução do MDE, devendo a decisão de revisão e confirmação ser proferida conjuntamente com a decisão sobre a execução do MDE;

- não pode haver lugar a recusa de execução do MDE sem que a sentença condenatória estrangeira se mostre reconhecida;

- a decisão que conhece e julga procedente a causa de recusa deverá integrar a verificação das condições de que depende a recusa, nas quais se inclui a verificação e a declaração de que a condenação estrangeira passa a ser executória e será executada em Portugal com a duração que lhe é fixada na sentença estrangeira (ou, sendo caso disso, com a limitação ao máximo permitido pela lei portuguesa, no caso de a pena ultrapassar este máximo, ou com conversão para pena que se assemelhe à aplicada, no caso de esta pena não estar prevista na lei portuguesa - art. 237°, n.º 3, do CPP).

6 - O art. 26° da Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro, que transpõe para a ordem jurídica interna a Decisão -Quadro 200S/909/JAI relativa ao reconhecimento de sentenças que aplicam penas de prisão ou outras penas privativas de liberdade para efeitos de execução dessas sentenças na União Europeia, com base no princípio do reconhecimento mútuo, determina uma revogação parcial tácita dos n.ºs 3 e 4 do art. 12° (e do n.º 3 do art. 13°) da Lei n.º 65/2003, na redacção introduzida pela Lei n.º 35/2015, uma vez que o regime de revisão e confirmação de sentença estrangeira aplicável por força destas disposições é substituído pelo regime do reconhecimento instituído pela Lei n.º 158/2015; face a este novo regime, reflectido no campo f) do formulário da certidão que constitui o Anexo I da Lei n.º 158/2015, extrai-se que, por força do disposto no art. 26º da Lei n.º 158/2015, onde no n.º 4 do art. 12º da Lei n.º 65/2003 se lê "revisão e confirmação", deverá agora ler-se "reconhecimento" da sentença, nos termos previstos no mesmo diploma.

7 - Do exposto decorre que ao recusar a entrega do Requerido AA à autoridade judiciária da República Italiana e determinar que o mesmo cumpra em Portugal a pena de 6 (seis) anos e 2 (dois) meses de prisão a que foi condenado pela Corte di Apello de Roma, o Tribunal a quo deveria ter procedido em simultâneo ao reconhecimento das sentenças emitidas pelas Autoridades Judiciárias italianas, confirmando as penas aplicadas pelo tribunal de emissão do MDE, incluindo a decisão de reconhecimento das sentenças estrangeiras na decisão que recusa a execução. Para o efeito, teria de previamente ter solicitado as certidões das sentenças condenatórias, bem como estas, às autoridades que emitiram os MDE's constantes dos autos (cfr. os arts. 13º e 16º da Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro) e proferido a decisão de reconhecimento conjuntamente com a decisão sobre a execução dos MDE's.

8 - Não o tendo feito, o Acórdão recorrido violou o disposto no art. 12º al. g) da Lei n.º 65/2003, por não se ter comprometido a executar a sentença estrangeira de acordo com a lei portuguesa, sendo nulo, nos termos do art. 379º n.º 1 al. c), do C. de Processo Penal, por não se pronunciar sobre questão que devia apreciar - o reconhecimento imposto pelos n.os 3 e 4 do art. 120 da Lei n." 65/2003, na redacção introduzida pela Lei n.º 35/2015, de 04/05, e com a adaptação imposta pelo art. 26º da Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro.

9 - Nulidade esta que assim se argui e cuja consequência é a prolação de novo acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em que concomitantemente com o recusar da entrega do Requerido à autoridade judiciária da República Italiana, se pronuncie sobre o reconhecimento das sentenças penais estrangeiras (após solicitar e receber as certidões e as sentenças, nos termos da Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro) a executar em Portugal.

10 - Sem prejuízo da nulidade arguida, sempre se dirá que não existe nenhuma norma na Lei n.º 65/2003 que permita extrair a conclusão de que o Requerido renunciou ao direito de interposição de recurso que lhe confere a lei adjectiva italiana ao formular a pretensão de que seja decretada a exequibilidade da sentença condenatória e que em consequência lhe seja determinado o efectivo cumprimento da pena em Portugal, pois que não há, não está prevista a renúncia ao direito de recurso no processo de execução do MDE, pelo que, se nos suscitam dúvidas sobre a possibilidade de o Tribunal "a quo" considerar válida a renúncia do Arguido às garantias dadas prelos Tribunais italianos.»

3. Respondeu o requerido, apresentando as seguintes:

«CONCLUSÕES

I)          Antes de mais, em função do disposto no artigo 12.º, n.º 1, alínea g) e n.ºs 3 e 4, do RJMDE, com a última redacção que lhe foi atribuída, a posição assumida pelo Ministério Público repudia qualquer entendimento que não passe pela consideração de que o funcionamento da causa de recusa facultativa de execução de um mandando de detenção europeu, tem como pressuposto a exigência de revisão a exigência de revisão e confirmação das sentenças penais proferidas pelas Autoridades Judiciárias Italianas.

II)         Contudo, face ao disposto nos n.ºs 3 e 4, do artigo 12.º, do RJMDE, resultantes da redacção que lhe foi atribuída pela Lei n.º 35/2015, de 04 de Maio, e no douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, proferido a 17/05/2017, constata-se que, ainda que não tenha sido requerida pelo Ministério Público, o Venerando Tribunal, dando cumprimento aos preceitos legais supra referidos, determinou que o Requerido, aqui Recorrido, cumpra em Portugal a pena a que foi condenado pela Corte di Apello de Roma, resultante da unificação de penas concorrentes, declarando aquela douta sentença exequível em Portugal e confirmando-a.

III)        Por seu turno, saliente-se ainda que, dando cumprimento ao disposto no n.º 4, do artigo 12º, do RJMDE, resultante da última redacção que lhe foi atribuída, a decisão do douto acórdão, proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, 3ª Secção, declarativa da exequibilidade da sentença proferida pela autoridade judiciária italiana, em Portugal, foi incluída na decisão de recusa de execução dos Mandados de detenção europeus, emitidos pela Procuradoria-Geral junto da Corte di Appello di Roma.

IV)       Assim sendo, conjugando o preceituado no artigo 12.º, n.º 1, alínea g) e nºs 3 e 4, do RJMDE, com o devido respeito, o Recorrido, não pode acompanhar tal douto entendimento do Ministério Público, não obstante no n.º 4, do dispositivo legal supra referido, se determinar a aplicabilidade, com as devidas adaptações, do regime relativo à revisão e confirmação de sentenças condenatórias estrangeiras à decisão de exequibilidade da sentença estrangeira em Portugal.

V)   Por conseguinte, neste sentido cumpre referir o douto entendimento vertido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 07/01/2016, referente ao Proc. n.º 179/15/7YRGMR, ao qual se adere, segundo o qual:

“ … A confirmação da sentença no processo de execução do MDE, não se trata mais de um «processo tradicional de validação», mas de uma execução de uma decisão com efeito pleno e directo no estado português, competindo apenas a este a declaração de exequibilidade da sentença (cf. art. 12.º, n.º 3, do RJMDE).”

VI)       Na verdade, de harmonia com Anabela Miranda Rodrigues, in “O mandado de detenção europeu – na via da construção de um sistema penal europeu: um passo ou um salto?, RPCC, 2003, importa referir que a confirmação da sentença estrangeira no processo de execução dos mandados de detenção europeus, deve respeitar o princípio do reconhecimento mútuo e confiança recíprocas entre Estados-membros,

“ … de modo que a confirmação da sentença ocorre no âmbito da própria decisão de execução (ou não) do MDE – estando neste âmbito o respeito pela pena aplicada pelo Estado emissor, atentos os princípios do reconhecimento mútuo e da confiança mútua que estão subjacentes a todo o regime do MDE.”

VII)      Por outro lado, com o propósito de salvaguardar os princípios acima indicados, saliente-se ainda a revogação parcial tácita dos n.ºs 3 e 4 do artigo 12.º do RJMDE, operada pelo artigo 26.º, alínea a), da Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro, devendo o regime de revisão e confirmação de sentença estrangeira ser substituído pelo regime do reconhecimento entretanto instituído por aquele diploma legal.

VIII)     Destarte, em conformidade com o teor da douta decisão resultante do douto acórdão proferido pela 3ª Secção do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, afigura-se-nos que da mesma resulta o reconhecimento da sentença de unificação de penas concorrentes, proferida pela Corte di Appello di Roma, pelo que, nesse sentido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 20.º, n.º 1, da Lei n.º 158/2015, com o devido e merecido respeito, constitui entendimento do ora Recorrido que, do teor do douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 17/05/2017, se podem extrair, tanto a decisão de reconhecimento da sentença unificadora de penas concorrentes, bem como a decisão da sua execução em Portugal, tendo o douto acórdão se pronunciado sobre todas as questões que devia apreciar, não padecendo, por isso, de qualquer vício ou irregularidade.

IX)        Além disso, no que diz respeito à conexão estabelecida pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, entre o decretamento da exequibilidade da sentença condenatória em Portugal e a renúncia pelo Requerido, ora Recorrido, ao direito de interposição de recurso junto das autoridades judiciárias italianas, que lhe é conferido pela lei processual ou adjectiva italiana, aderindo ao douto argumento vertido pelo Ministério Público, sempre se dirá que ao aqui Recorrido, como condição da execução pelo Estado Português de uma sentença em matéria penal proferida por uma Autoridade Judiciária Italiana, não lhe é exigível que renuncie a uma garantia de defesa que lhe é assegurada por outro Estado-membro.

X)         Ora, deste modo, com o devido e merecido respeito e salvo melhor opinião, por que elaborado em conformidade com o RJMDE e com a Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro, não apresentando qualquer contradição ou defeito que a invalide, afigura-se-nos que o douto acórdão recorrido deve ser mantido, negando-se, por isso, provimento ao douto recurso interposto pelo Ministério Público.

 Nestes termos e nos mais de Direito, que os Colendos Conselheiros doutamente suprirão, requer-se a V. Exas. que, por inexistência de qualquer vício ou irregularidade que padeça, deverá ser negado provimento ao douto recurso interposto pelo Ministério Público, mantendo-se o douto acórdão recorrido, proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, seguindo-se os demais termos legais até final e assim se fazendo a costumada e habitual Justiça.»

4. Colhidos os vistos legais e submetido o recurso à conferência, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Os factos

O acórdão recorrido considerou assente o seguinte «circunstancialismo fáctico-processual» com interesse para a decisão:

«2.1 Constam nestes autos três Mandados de Detenção Europeus respeitantes ao Requerido AA, respectivamente identificados no rosto sob n.catt.PG 76/16/1/AG (fls. 96 a 100), n.catt.PG 76/16/2/AG (o que foi junto com o requerimento inicial, de fls. 89 v.° a 95 v.°) e n.catt.PG 76/16/3/AG (fls. 85 a 89).

2.2 O MDE identificado no rosto sob n.catt.PG 76/16/1/AG (fls. 96 a 100), destina-se a cumprimento de pena pelo Requerido AA, foi emitido pelas autoridades italianas para execução da sentença emitida em 03.11.2006 pelo Tribunal Monocrático de Roma, sendo esta sentença a N. 5872/06 R.G. - 20359/06 SENT., para cumprimento da pena de 6 (seis) meses de prisão, e, em face da disposição de unificação de penas concorrentes n. 1081/2014 SIEP - 236/2016 CUM. emitida em 02.09.2016 pela Procuradoria-Geral da República junto do Tribunal da Relação de Roma, que englobou ulteriores sentenças de condenação, o Requerido tem ainda por cumprir a pena de 6 (seis) anos, 1 (um) mês e 1 (um) dia de prisão.

Este MDE respeita a dois crimes, considerados crimes continuados nos termos do art. 81° do Código Penal italiano, sendo:

-o crime previsto e punido pelos artigos 110º e 337º do Código Penal italiano (concurso em resistência a funcionário público), respeitante a factos praticados pelo Requerido AA em Roma em 14.06.2005, em co-autoria com BB (este julgado separadamente), usando de violência e ameaças, pontapés e murros para se opor aos carabineiros CC e DD, funcionários públicos no exercício das suas funções

-o crime previsto e punido pelos artigos 582 e 585 do Código Penal italiano, em relação ao artigo 576 do Código Penal italiano (lesões pessoais), respeitante a factos praticados pelo Requerido AA em Roma em 14.06.2005, tendo este provocado lesões que foram consideradas curáveis em sete dias aos carabineiros CC e DD, funcionários públicos no exercício das suas funções, para praticar o crime indicado no ponto antecedente.

Consta neste MDE que a pessoa interessada NÃO compareceu pessoalmente no processo terminado com a decisão.

Livre ausente durante o juízo, AA foi representado e assistido ao longo do juízo por um defensor, a Advogada EE. Ele estava certamente a par do processo penal pendente contra ele, já que foi preso em flagrante delito em 15 de junho de 200 5 para responder pelas infracções a ele contestadas; a prisão foi convalidada pelo Juiz do Inquérito preliminar sem aplicação da medida cautelar.

(…)

A lei italiana confere ao condenado o direito de propor impugnação contra a sentença, caso resultar que ele não tenha tido conhecimento, sem ter culpa, do processo ou da sentença (artigo 175, parágrafo 2 do código de processo penal: "se foi proferida sentença por contumácia, o acusado é restituído, a seu pedido, dentro do prazo para propor impugnação, a não ser que ele próprio tenha tido efectivo conhecimento do processo ou da disposição, e tenha renunciado voluntariamente a comparecer ou a propor impugnação. Para este fim a autoridade judiciária realiza toda verificação necessária").

2.3 0 MDE identificado no rosto sob n.catt.PG 76/16/2/AG (fls. 89 v.° a 95 v.°) destina-se a cumprimento de pena pelo Requerido AA, foi emitido pelas autoridades italianas para execução da sentença emitida em 10.12.2012 pelo Tribunal da Relação de Roma, primeira secção penal, para cumprimento da pena de 6 (seis) anos e 2 (dois) meses de prisão, e, em face da disposição de unificação de penas concorrentes n. 1081/2014 SIEP - 236/2016 CUM emitida em 02.09.2016 pela Procuradoria-Geral da República junto do Tribunal da Relação de Roma, que englobou outras sentenças de condenação, o Requerido tem ainda por cumprir a pena de 6 (seis) anos, 1 (um) mês e 1 (um) dia de prisão.

Este MDE respeita a sete crimes considerados continuados nos termos do artigo 81 do Código Penal italiano, de extorsão, crimes de ofensa à integridade física, quer simples quer grave, crimes de violência doméstica/maus tratos, crimes de roubo e crimes de receptação continuada.

Consta igualmente neste MDE que a pessoa interessada NÃO compareceu pessoalmente no processo terminado com a decisão.

Detido presente durante o processo de primeiro grau e livre contumaz no processo de apelação, AA foi representado e assistido por um defensor, o Advogado FF, em substituição do Advogado GG do Foro de Roma.

Além disso, consta que ele elegeu domicílio em ... - Roma, para efeitos de todas as comunicações processuais a ele dirigidas.

(…)

A lei italiana confere ao condenado o direito de propor impugnação contra a sentença, caso resultar que ele não tenha tido conhecimento, sem ter culpa, do processo ou da sentença (artigo 175, parágrafo 2 do código de processo penal: "se foi proferida sentença por contumácia, o acusado é restituído, a seu pedido, dentro do prazo para propor impugnação, a não ser que ele próprio tenha tido efectivo conhecimento do processo ou da disposição, e tenha renunciado voluntariamente a comparecer ou a propor impugnação. Para este fim a autoridade judiciária realiza toda verificação necessária").

2.4 O MDE identificado no rosto sob n.catt.PG 76/16/3/AG (fls. 85 a 89), destina-se a cumprimento de pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão pelo Requerido AA, foi emitido pelas autoridades italianas para execução da sentença emitida em 17.04.2014 pelo Tribunal da Relação de Roma e, em face da disposição de unificação de penas concorrentes n. 1081/2014 SIEP - 236/2016 CUM. emitida em 02.09.2016 pela Procuradoria- Geral da República junto do Tribunal da Relação de Roma, que englobou ulteriores sentenças de condenação, o Requerido tem ainda por cumprir a pena de 6 (seis) anos, 1 (um) mês e 1 (um) dia de prisão.

Este MDE respeita a dois crimes, considerados crimes continuados nos termos do art. 81° do Código Penal italiano, sendo um crime previsto e punido pelos artigos 110 e 628 parágrafos 1 e 3 n. 1, do Código Penal italiano (concurso em roubo agravado), e um crime previsto e punido pelos artigos 110 e 605 do Código Penal italiano (concurso em sequestro de pessoas

Consta neste MDE que a pessoa interessada NÃO compareceu pessoalmente no processo terminado com a decisão.

Livre revel tanto durante o processo de primeiro grau como no processo de apelação, AA foi representado e assistido ao longo do processo de primeiro grau por um defensor de confiança por ele nomeado, o Advogado HH do Foro do Roma, e durante o juízo de segundo grau pelo Advogado II do Foro de Roma.

Além disso, consta que ele elegeu domicílio em ... (junto da Comunidade de ...) - Poma, para todas as comunicações processuais a ele dirigidas.

X 3.2. estando a par da data fixada, o interessado conferiu um mandado a um defensor - nomeado pelo interessado - para ser patrocinado em juízo, e foi com efeito patrocinado em juízo por tal defensor

(…)

A lei italiana confere ao condenado o direito de propor impugnação contra a sentença, caso resultar que ele não tenha tido conhecimento, sem ter culpa, do processo ou da sentença (artigo 175, parágrafo 2 do código de processo penal: "se foi proferida sentença por contumácia, o acusado é restituído, a seu pedido, dentro do prazo para propor impugnação, a não ser que ele próprio tenha tido efectivo conhecimento do processo ou da disposição, e tenha renunciado voluntariamente a comparecer ou a propor impugnação. Para este fim a autoridade judiciária realiza toda verificação necessária").”

2.5 O requerido AA reside em Portugal desde 2 de Julho de 2008, na ...

O requerido vive com a sua companheira JJ desde 2009 e o casal teve um filho, nascido em 19-04-2017.

O requerido tem trabalhado como pintor desde que passou a morar em Portugal.

3. O requerido suscitou a verificação de causa de recusa facultativa do cumprimento dos mandados de detenção europeu destes autos, embora, paradoxalmente, afirme pretender a título principal que este Tribunal declare a exequibilidade precisamente da pena única resultante do englobamento das penas parcelares a que se reportam aqueles mesmos três mandados (ou seja, a pena de 6 (seis) anos e 2 (dois) meses de prisão, aplicada na unificação de penas concorrentes n. 1081/2014 SIEP - 236/2016 CUM) para cumprimento efectivo em Portugal.»

2. Na apreciação das questões a decidir:

«a) Saber se se verifica causa de recusa facultativa prevista no artigo 12-A do regime jurídico do mandado de detenção europeu aprovado pela Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto;

b) Saber se se verificam os pressupostos de que depende o reconhecimento e cumprimento em Portugal da pena aplicada pelo Tribunal da Republica Italiana»;

Considera-se no acórdão recorrido que:

«Quanto á questão enunciada em primeiro lugar.

O detido fundamenta a sua pretensão na circunstância de o julgamento ter decorrido à revelia e sem que tivesse sido representado e assistido por um defensor por si escolhido, o que constituiria desrespeito do artigo 6º, nº 3, alínea c) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Recorde-se que estabelece o artigo 12-A da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto sob a epígrafe Decisões proferidas na sequência de um julgamento no qual o arguido não tenha estado presente:

1 - A execução do mandado de detenção europeu emitido para efeitos de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade pode ser recusada se a pessoa não tiver estado presente no julgamento que conduziu à decisão, a menos que do mandado conste que a pessoa, em conformidade com a legislação do Estado membro de emissão:

a) Foi notificada pessoalmente da data e do local previstos para o julgamento que conduziu à decisão, ou recebeu informação oficial da data e do local previstos para o julgamento, de uma forma que deixou inequivocamente estabelecido que tinha conhecimento do julgamento previsto e de que podia ser proferida uma decisão mesmo não estando presente no julgamento; ou

b) Tendo conhecimento do julgamento previsto, conferiu mandato a um defensor por si designado ou pelo Estado para a sua defesa e foi efetivamente representado por esse defensor no julgamento; ou

c) Depois de ter sido notificada da decisão e expressamente informada do direito a novo julgamento ou a recurso que permita a reapreciação do mérito da causa, incluindo de novas provas, que pode conduzir a uma decisão distinta da inicial, declarou expressamente que não contestava a decisão ou não requereu novo julgamento ou recurso dentro do prazo aplicável; ou

d) Não foi notificada pessoalmente da decisão, mas na sequência da sua entrega ao Estado de emissão é expressamente informada de imediato do direito que lhe assiste a novo julgamento ou a recurso que permita a reapreciação do mérito da causa, incluindo apreciação de novas provas, que podem conduzir a uma decisão distinta da inicial, bem como dos respetivos prazos.

2 - No caso de o mandado de detenção europeu ser emitido nas condições da alínea d) do número anterior, e de a pessoa em causa não ter recebido qualquer informação oficial prévia sobre a existência do processo penal que lhe foi instaurado, nem ter sido notificada da decisão, ao ser informada sobre o teor do mandado de detenção europeu pode a mesma requerer que lhe seja facultada cópia da decisão antes da sua entrega ao Estado membro de emissão.

3 - Para efeitos do disposto no número anterior, logo após ter sido informada do requerimento, a autoridade judiciária de emissão faculta, a título informativo, cópia da decisão por intermédio da autoridade judiciária de execução, sem que tal implique atraso no processo ou retarde a entrega, não sendo esta comunicação considerada como uma notificação formal da decisão nem relevante para a contagem de quaisquer prazos aplicáveis para requerer novo julgamento ou interpor recurso.

4 - No caso de a pessoa ser entregue nas condições da alínea d) do n.º 1 e ter requerido um novo julgamento ou interposto recurso, a detenção desta é, até estarem concluídos tais trâmites, revista em conformidade com a legislação do Estado membro de emissão, quer oficiosamente, quer a pedido da pessoa em causa.

No caso vertente, o requerido foi sempre assistido por defensor e, quanto a duas situações, o mandado não é claro para saber se se tratou de defensor da escolha do arguido. Nada permite afirmar que tenha sido injustificada a preterição da possibilidade de o arguido escolher ele próprio um defensor.

Certo é que em cada um dos três MDE consta que a lei italiana não prescinde da notificação pessoal ao condenado do teor da sentença e permite o direito de recurso da decisão proferida na sua ausência.

Esta faculdade de impugnação preenche a previsão da alínea d) do nº 1 do artigo 12º A da Lei 65/2003 de 23 de Agosto e tem sido considerada consonante com a observância dos direitos de defesa consagrados no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa (neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-03-2016, Oliveira Mendes, proc. 1642/15.5YRLSB)

O circunstancialismo invocado pelo requerido não constitui causa de recusa facultativa do cumprimento do MDE, nem compressão intolerável dos direitos e garantias de defesa.

Quanto à questão sintetizada em segundo lugar:

Nos termos já repetidamente expostos, o mandado emitido pelas competentes autoridades italianas destina-se a cumprimento de uma pena privativa da liberdade (pena de seis anos e dois meses de prisão em consequência de unificação de penas concorrentes n. 1081/2014 SIEP - 236/2016 CUM) e não ao prosseguimento do procedimento criminal.

Nos termos do artigo 12º, alínea g) da citada Lei nº 65/2003, a execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando a pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa;

A pretensão, formulada a título principal, de que seja decretada a exequibilidade da sentença condenatória e que em consequência lhe seja determinado o efectivo cumprimento da pena em Portugal só se pode compreender se se entender também que o arguido renuncia ao direito de interposição de recurso que lhe confere a lei adjectiva italiana.

Tem sido entendimento uniforme do Supremo Tribunal de Justiça que em hipótese de aplicação da al. g) do n.º 1 do art. 12.° da Lei 65/2003, de 23-08, o Tribunal da Relação é o órgão do Estado competente para determinar a execução da pena em Portugal como condição de recusa facultativa de execução de um mandado emitido para execução de uma pena. Ao Estado da execução não compete sindicar a sentença que subjaz ao MDE e cabe-lhe apenas verificar da regularidade do mandado.

Não se vislumbra a verificação de alguma causa de recusa de reconhecimento e de execução prevista no artigo 17º, aplicável por força do artigo 26º, ambos da Lei nº 158/2015, de 17 de Setembro.

Nestes autos, está assente que o requerido Florin Luta, cidadão romeno, mantem residência em Portugal desde há cerca de nove anos, onde vive com uma companheira, aqui tem trabalhado como pintor e agora nasceu-lhe um filho.

O cumprimento da pena de prisão próxima da companheira e do filho permite a manutenção dos laços afectivos e familiares, com evidente vantagem para a reinserção social e para a atenuação dos riscos de reincidência. Ao que tudo indica, o requerido não terá hoje qualquer ligação com Itália. 

Os benefícios da execução da pena em Portugal são por isso evidentes, justificando-se plenamente que o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa.»

3. Apreciação

3.1. O programa de medidas destinado a dar execução ao princípio do reconhecimento mútuo das decisões penais, referido no ponto 37 das conclusões do Conselho Europeu de Tampere, de Outubro de 1999, e aprovado pelo Conselho em 30 de Novembro de 2000, aborda a questão da execução mútua de mandados de detenção.

Na elaboração da decisão quadro que conduziu à criação do mandado de detenção europeu foi determinante o objectivo que a União fixou de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça o que conduziu à supressão da extradição entre os Estados-Membros e à substituição desta por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias.

O mandado de detenção europeu previsto na Decisão-Quadro do Conselho n.º 2002/584/JAI, de 13 de Junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros, transposto para a ordem jurídica interna pela Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, «constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de "pedra angular" da cooperação judiciária»[1], sendo o seu mecanismo «baseado num elevado grau de confiança entre os Estados-Membros», cuja execução só poderá ser suspensa em situações graves, excepcionais e limitadas[2].

A instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal permitiu suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos actuais procedimentos de extradição.

O objectivo que a União fixou de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça conduziu à supressão da extradição entre os Estados-Membros e à substituição desta por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias. Acresce que a instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas, ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal permitiu suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos actuais procedimentos de extradição.

As relações de cooperação clássicas que até ao momento prevaleciam entre Estados-Membros deram lugar a um sistema de livre circulação das decisões judiciais em matéria penal, tanto na fase pré-sentencial como transitadas em julgado, no espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça.

O mandado de detenção europeu previsto na decisão-quadro de 2002 constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de "pedra angular" da cooperação judiciária. Pode-se afirmar que o mecanismo do mandado de detenção europeu é baseado num elevado grau de confiança entre os Estados-Membros substituindo, nas relações entre os Estados-Membros, todos os anteriores instrumentos em matéria de extradição, incluindo as disposições nesta matéria do título III da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen.

O seu núcleo essencial reside em que, «desde que uma decisão é tomada por uma autoridade judiciária competente, em virtude do direito do Estado-Membro de onde procede, em conformidade com o direito desse Estado, essa decisão deve ter um efeito pleno e directo sobre o conjunto do território da União».

O que significa que as autoridades competentes do Estado-Membro no território do qual a decisão pode ser executada devem prestar a sua colaboração à execução dessa decisão como se tratasse de uma decisão tomada por uma autoridade competente deste Estado.

O princípio do reconhecimento mútuo significa que uma decisão judicial tomada pela autoridade judiciária de um Estado-Membro, segundo a sua lei, é exequível directamente pela autoridade judiciária de outro Estado-Membro. O MDE, em suma, constitui um instrumento superior de cooperação judiciária, específico do espaço da União Europeia, distinto da extradição, porquanto assente no princípio do reconhecimento mútuo. Um procedimento inteiramente jurisdicizado/judicializado. Jurisdicizado porque não há qualquer juízo de oportunidade política na decisão. Judicializado porque a cooperação se faz directamente entre as autoridades judiciárias dos Estados-Membros, sem qualquer intervenção do poder executivo.

O princípio do reconhecimento mútuo impõe que uma decisão tomada por uma autoridade judiciária de um Estado-Membro com base na sua legislação interna seja reconhecida e executada pela autoridade judiciária do Estado-Membro requerido como se de uma própria decisão desta última se tratasse, sem necessidade portanto de qualquer “revisão” ou “confirmação” por parte desta, embora admita casos de recusa, obrigatória ou facultativa.

Como igualmente se sublinha no acórdão deste Supremo Tribunal, de 7-01-2016, proferido no processo n.º 179/15.7YRGMR – 5.ª Secção[3],

«o núcleo essencial do reconhecimento mútuo reside em que “desde que uma decisão é tomada por uma autoridade judiciária competente, em virtude do direito do Estado-Membro de onde ela procede, em conformidade com o direito desse Estado, essa decisão deve ter um efeito pleno e directo sobre o conjunto do território da União. Isto significa que as autoridades competentes do Estado-Membro no território do qual a decisão pode ser executada devem prestar a sua colaboração à execução dessa decisão como se se tratasse de uma decisão tomada por uma autoridade competente desse Estado» [Daniel Flore]”[4]. Ou seja, cabe ao Estado português (a partir do momento em que recusa a execução do mandato de detenção europeu) executar aquela decisão que já transitou em julgado, pelo que não poderá agora ser objecto de alteração».

3.2. No caso em apreço, o Tribunal da Relação julgou verificada a causa de recusa facultativa contemplada no artigo 12.º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, recusando a entrega do requerido-detido à autoridade judiciária da Itália, determinando, em simultânea, que o mesmo cidadão cumpra a pena de 6 anos e 2 meses de prisão fixada pelo tribunal italiano na sentença de unificação de penas concorrentes.

No recurso interposto pelo Ministério Público não está em causa a decisão adoptada no Tribunal da Relação de Lisboa em recusar a execução do mandado de detenção europeu emitido pelas autoridades judiciárias italianas.

O próprio requerido aceita tal decisão, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

O que o Digno Recorrente questiona neste recurso é a alegada ausência de reconhecimento, que deveria ter sido «simultâneo» das sentenças emitidas pelas Autoridades Judiciárias italianas, «confirmando as penas aplicadas pelo tribunal de emissão do MDE, incluindo a decisão de reconhecimento das sentenças estrangeiras na decisão que recusa a execução».

«Não o tendo feito, considera o Recorrente, o Acórdão recorrido violou o disposto no art. 12º al. g) da Lei n.º 65/2003, por não se ter comprometido a executar a sentença estrangeira de acordo com a lei portuguesa, sendo nulo, nos termos do art. 379º n.º 1 al. c), do C. de Processo Penal, por não se pronunciar sobre questão que devia apreciar - o reconhecimento imposto pelos n.os 3 e 4 do art. 120 da Lei n.º 65/2003, na redacção introduzida pela Lei n.º 35/2015, de 04/05, e com a adaptação imposta pelo art. 26º da Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro».

3.3. De acordo com o disposto no artigo 12.º, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 65/2003, a recusa de execução nos termos da alínea g) do n.º 1 depende de decisão do tribunal da relação, no processo de execução do mandado de detenção europeu, a requerimento do Ministério Público, que declare a sentença exequível em Portugal, confirmando a pena aplicada, decisão essa que é incluída na decisão de recusa de execução, aplicando-se, com as devidas adaptações, o regime relativo à revisão e confirmação de sentenças condenatórias estrangeiras.

Numa situação muito semelhante à que aqui se nos apresenta, em que estava em causa a imediata execução de decisão condenatória estrangeira e o disposto no citado artigo 12.º, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 65/2003, entendeu este Supremo tribunal no acórdão de 23-11-2006 (Proc. n.º 06P4352)[5] que:

«II. O recorrente, como se acaba de ver, não contesta a recusa da execução MDE. Apenas põe em causa a imediata ordem de execução, sem prévia revisão e confirmação da sentença do tribunal francês.

A decisão do recurso exige uma prévia análise, ainda que sucinta, do sentido e função do MDE. Como se recorda no acórdão deste STJ anteriormente proferido nestes autos, o MDE, introduzido pela Lei nº 65/2003, de 23-8, inscreveu-se na linha de aprofundamento da construção europeia, mais concretamente do seu “terceiro pilar”, e resultou naturalmente, mais do que desta ou daquela circunstância conjuntural, da necessidade de simplificar a cooperação judiciária entre países integrados num espaço político comum.

O MDE funda-se e constitui a primeira manifestação legislativa do princípio do reconhecimento mútuo, que assenta, por sua vez, na ideia de confiança mútua entre os Estados-Membros da União Europeia e destina-se a substituir integralmente o anterior procedimento da extradição, que assenta precisamente na ideia oposta de “desconfiança”, ou “dúvida”, como princípio.

O princípio do reconhecimento mútuo significa que uma decisão judicial tomada pela autoridade judiciária de um Estado-Membro, segundo a sua lei, é exequível directamente pela autoridade judiciária de outro Estado-Membro. “Segundo o princípio, uma decisão tomada por uma autoridade judiciária de um Estado-Membro com base na sua legislação interna será reconhecida e executada pela autoridade judiciária de outro Estado-Membro, produzindo efeitos pelo menos equivalentes a uma decisão tomada por uma autoridade judiciária nacional.” (Ricardo Jorge Bragança de Matos, “O princípio do reconhecimento mútuo e o mandado de detenção europeu”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 14º, nº 3, pp. 327-328; sobre a matéria ver também, Anabela Miranda Rodrigues, “O mandado de detenção europeu”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 13º, nº 1, pp. 32-33).

[…]

O MDE está, no entanto, sujeito a uma reserva de soberania, que em alguns casos impõe ao Estado Português a recusa da execução do mandado (art. 11º) e noutros lhe permite que o faça (art. 12º). É precisamente sobre uma dessas causas facultativas de recusa que versa o presente recurso, a prevista na al. g) do nº 1 do art. 12º e cujos pressupostos de aplicação se podem enumerar assim:

a) A pessoa procurada encontrar-se em território nacional;

b) Tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal;

c) Ter sido o MDE emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança;

d) Comprometer-se o estado Português a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa.

A verificação das três primeiras condições não é questionada pelo recorrente, pelo que consideraremos essa matéria fora do objecto do recurso. O que o recorrente põe em causa é a verificação do último requisito: o compromisso do Estado Português para execução da sentença do tribunal francês. Para o recorrente, a referência a “lei portuguesa”, constante da parte final da citada al. g), significa a necessidade de sujeição da sentença exequenda ao processo de revisão e confirmação de sentença estrangeira, previsto no art. 234º do CPP. E daí que conclua que a sentença do tribunal francês não é, desde já, exequível.

III. Não é essa, porém, seguramente a única, nem certamente a melhor, interpretação da lei. Na verdade, como se viu atrás, o MDE é um instrumento especial de cooperação judiciária, restrito ao espaço da União Europeia e assente no princípio do reconhecimento mútuo. A revisão da sentença estrangeira, como o processo de extradição, baseiam-se, ao invés, precisamente na ideia de “suspeição” ou, no mínimo, de dúvida em relação ao pedido, precisamente porque proveniente de Estado relativamente ao qual não vigora o princípio do reconhecimento mútuo, e daí a necessidade de rever e confirmar a sentença estrangeira ou de avaliar com rigor o pedido de extradição.

O MDE, insiste-se, é um instrumento específico que substituiu integralmente o processo de extradição dentro da União Europeia. A Lei nº 65/2003, que o introduziu no nosso ordenamento jurídico, não prevê nenhum processo de revisão da sentença estrangeira, pois tal seria absolutamente contraditório com a razão de ser e função do MDE. O Título IV da Lei nº 144/99, de 31-8, não tem aplicação ao MDE, pois constitui a “lei geral” de cooperação judiciária penal, ao passo que a Lei nº 65/2003 constitui “lei especial”.

Mas a que “lei portuguesa” se refere a parte final da al. g) do nº 1 da Lei nº 65/2003? Obviamente à lei de execução das penas ou medidas de segurança! Ou seja, o Estado da execução deve aceitar a condenação nos seus precisos termos, mas tem o direito de executar a pena ou a medida de segurança de acordo com a lei nacional. É uma reserva de soberania quanto à execução. É isso e apenas isso que estabelece a parte final do preceito.

Parece envolver alguma perplexidade para o recorrente o facto de o “compromisso” a que se refere o citado preceito vir a ser assumido pelo próprio Tribunal da Relação. Mas isso não pode suscitar qualquer dúvida, atenta a judicialização do procedimento a que atrás se aludiu. O Tribunal da Relação, enquanto órgão de soberania, é o órgão do Estado Português a que a lei defere a competência para comprometer (ou não) o Estado na execução da sentença em Portugal.

Aliás, a “proposta” do recorrente conduziria a um verdadeiro impasse na cooperação comunitária. Propõe ele, de facto, que se mantenha a recusa de execução do MDE, “sem prejuízo de a sentença penal francesa, oportunamente, vir a ser executada em Portugal, de acordo com a lei portuguesa”, ou seja, depois de revista e confirmada. Daí resultaria uma situação de indefinição quanto ao cumprimento do MDE e da pena. No caso de a sentença não ser revista e confirmada, o MDE seria deferido? Manter-se-ia a recusa? Com que fundamento? Mesmo no caso de “oportuna” revisão, não constituiria o arrastamento da situação e consequente incerteza para o tribunal do Estado-Membro emissor do MDE um elemento de perturbação de uma cooperação judiciária fundada no princípio do reconhecimento mútuo?

O MDE, insiste-se mais uma vez, foi criado como instrumento expedito e simplificado de cooperação penal entre Estados que confiam entre si. Esse carácter simplificado e expedito, próprio de uma cooperação que procura a eficácia sob pena de falhar os seus próprios objectivos, repudia a criação de incertezas e impasses quanto ao desenrolar do processo. A recusa do MDE, nos termos da citada al. g), só pode legitimar-se na vontade clara e prontamente expressa do Estado Português em, ele próprio, promover a execução da pena (ou medida de segurança). Se o tribunal português recusa a execução do MDE tem de imediatamente ordenar o cumprimento da pena pelo tribunal competente para o efeito. Foi o que fez o Tribunal recorrido.»

Também nós consideramos que a decisão recorrida se pauta pela correcção e obedece aos ditames legais. Ela consubstancia uma decisão de recusa da execução do mandado de detenção emitido pelas justiças de Itália e, em simultâneo, como tinha de suceder, o reconhecimento da decisão condenatória proferida pelo tribunal italiano.

3.4. As regras previstas no Capítulo II da Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro, quanto ao «Reconhecimento e execução, em Portugal, de sentenças em matéria penal que imponham penas de prisão ou outras medidas privativas de liberdade», diploma invocado pelo Recorrente, têm de ser adaptadas e ajustadas às disposições do regime jurídico do Mandado de Detenção Europeu consagrado na Lei n.º 65/2003.

Na verdade, com expressamente se estabelece no artigo 26.º, alínea a), da Lei n.º 158/2015, sobre a execução de condenações na sequência de um mandado de detenção europeu:

«Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, alterada pela Lei n.º 35/2015, de 4 de maio, o disposto na presente lei aplica-se, na medida em que seja compatível com as disposições dessa lei, à execução de condenações, se:

a) O mandado de detenção europeu tiver sido emitido para efeitos de cumprimento de uma pena de prisão ou medida de segurança privativa de liberdade, quando a pessoa procurada se encontrar no Estado de execução, for sua nacional ou sua residente e este Estado se comprometa a executar essa pena ou medida de segurança nos termos do seu direito nacional».

Decorre da disposição transcrita não ter sido intuito do legislador, com a transposição das Decisões-Quadro operada através da Lei n.º 158/2015, introduzir no sistema acrescidos elementos de exigência formal e de complexidade no âmbito do cumprimento e execução de mandados de detenção europeu. Se o fizesse, estaria a abalar o princípio do reconhecimento mútuo e o sistema de livre circulação das decisões judiciais em matéria penal no espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça, infringindo o ordenamento jurídico da União Europeia.

Como justamente se dá nota no acórdão deste Supremo Tribunal, de 10-01-2007 (Proc. n.º 07P002), o mecanismo do MDE é baseado num elevado grau de confiança entre os Estados membros substituindo, nas relações entre si, todos os anteriores instrumentos em matéria de extradição, incluindo as disposições nesta matéria do título III da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen», residindo o seu núcleo essencial em que, «desde que uma decisão é tomada por uma autoridade judiciária competente, em virtude do direito do Estado-Membro de onde procede, em conformidade com o direito desse Estado, essa decisão deve ter um efeito pleno e directo sobre o conjunto do território da União, o que significa que as autoridades competentes do Estado membro no território do qual a decisão pode ser executada devem prestar a sua colaboração à execução dessa decisão como se se tratasse de uma decisão tomada por uma autoridade competente deste Estado».

Daí que, o mecanismo do «reconhecimento e execução, em Portugal, de sentenças em matéria penal que imponham penas de prisão» não possa traduzir-se em acrescidas exigências formais no âmbito da adopção do compromisso, previsto no artigo 12.º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 65/2003, de o Estado Português executar, de acordo com a lei portuguesa, a pena de prisão aplicada pelo Estado emissor do mandado de detenção europeu.

3.5. Reafirmando considerações já tecidas, interessa insistir no facto de o Mandado de Detenção Europeu assentar no princípio da confiança e do reconhecimento mútuos, em que os Estados-Membros prescindem de uma parcela da sua soberania penal para reconhecerem, também, as pretensões punitivas estrangeiras, abrindo as fronteiras nacionais às decisões judiciais dos outros Estados-Membros. O objectivo geral deste princípio é conferir à decisão judicial eficácia total e directa, em todo o território da União Europeia, criando operacionalidade ao exercício das acções por parte de cada um dos seus Estados-Membros.

Daí que o Mandado de Detenção Europeu, constituindo uma decisão de uma autoridade judiciária de um Estado membro dirigida directamente a outra autoridade judiciária de outro Estado membro, na base do princípio do reconhecimento mútuo, prescinda das formalidades burocráticas que estavam ligadas à antiga extradição, já suprimida em benefício de um processo mais ágil (cfr. o art. 4º da Lei 65/2003) e de execução muito mais simplificada, bastando que o Mandado contenha determinados elementos considerados fundamentais, constantes do formulário (cfr. o citado art. 3º da mesma Lei).

Tais elementos serão os bastantes, segundo o princípio da suficiência que orienta o Mandado de Detenção Europeu, para que o Estado da execução possa decidir com a celeridade e simplicidade que se pretende no âmbito de uma cooperação judiciária própria de Estados que fazem parte de uma mesma União (conforme o princípio do reconhecimento mútuo).

3.6. No caso sub judice, como já se referiu, foi reconhecida uma causa de recusa de execução dos mandados de detenção emitidos pela autoridade judiciária italiana contra o requerido para cumprimento da pena única de seis anos e dois meses de prisão em que foi condenado pela Corte di Apello de Roma na sentença de unificação de penas concorrentes n. 1081/2014 SIEP – 236/2016.

E foi determinado o cumprimento dessa pena em Portugal o que significa que aquela sentença foi reconhecida e tornada aqui exequível.

Os elementos documentais constantes dos autos, desde logo nos formulários dos mandados de detenção emitidos pelas autoridades judiciárias italianas são suficientes para o reconhecimento daquela sentença pelo Tribunal da Relação, operado no acórdão recorrido, não se verificando a omissão de pronúncia e correspondente nulidade invocadas pelo Ministério Público.

Improcede, pois, o recurso interposto.

III – DECISÃO

Em face do exposto, acordam os Juízes da 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, confirmando o acórdão recorrido.

Sem custas, por força da isenção consagrada no artigo 522.º do CPP

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 14 de Junho de 2017

(Processei e revi – artigo 94.º, n.º 2, do CPP)

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[1]     Considerando 6 da Decisão-Quadro.
[2]     Vd. Considerando 10 da Decisão-Quadro.
[3]              Sumários de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça – Secções Criminais.
[4]              Idem, p. 32-3; também neste sentido, Lopes Costa, A dupla incriminação no mandato de detenção europeu e o verdadeiro alcance da abolição do seu controlo, Temas de extradição e entrega, coord. Pedro Caeiro, Coimbra: Almedina, 2015, p. 81 e ss, em particular, p. 87.
[5] Disponível, como os demais acórdãos citados sem outra indicação quanto à fonte, nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, em www.dgsi.pt