Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
041605
Nº Convencional: JSTJ00007723
Relator: FERREIRA DIAS
Descritores: CHEQUE NÃO DATADO
ACORDO DE PREENCHIMENTO
NULIDADE
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
Nº do Documento: SJ199102060416053
Data do Acordão: 02/06/1991
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N404 ANO1991 PAG157
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 422/90
Data: 09/26/1990
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CRIM.
Legislação Nacional: CP82 ARTIGO 228.
LUCH ARTIGO 2 ARTIGO 11 N5 ARTIGO 13 ARTIGO 17.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1944/03/10 IN BMJ N4 PAG194.
ACÓRDÃO STJ DE 1988/06/01 IN BMJ N378 PAG214.
ACÓRDÃO STJ PROC39494 DE 1988/04/27.
Sumário : - Perfectibiliza inteiramente os elementos objectivo e subjectivo do artigo 228, n. 1, alinea b), e 2 do Codigo Penal, a conduta do reu que apõe num cheque, cerca de seis meses depois de o mesmo ter sido apresentado a pagamento, a data de 18 de Janeiro de 1983, positivamente dele fazendo constar um facto judicialmente relevante.
II - Se o cheque não contiver uma data de apresentação a pagamento - e so neste momento a questão se levanta - a data de emissão, o cheque e nulo.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I - Mediante acusação do Ministerio Publico, respondeu em processo de querela, no Tribunal de Penafiel, o arguido A, devidamente identificado nos autos, tendo sido condenado, como autor de um crime de falsificação previsto e punivel pelo artigo 228 ns. 1 alineas b) e c), 2 e 4 do Codigo Penal, na pena de 90 dias de multa a taxa diaria de 5000 escudos, na alternativa de 60 dias de prisão, em 50000 escudos de imposto e em 10000 escudos de procuradoria.
Inconformados com tal decisão, dela recorreram o Ministerio Publico e o arguido.
O Tribunal da Relação do Porto deu provimento ao recurso do Ministerio Publico e parcial provimento ao do reu e, consequentemente, condenou este, como autor de um crime previsto e punivel pelo artigo 228 ns. 1 alinea b) e 2 do Codigo Penal, na pena de seis meses de prisão substituidos por multa a razão diaria de 1000 escudos e em 10 dias de multa a mesma taxa, ou seja na multa global de l90000 escudos, na alternativa de 126 dias de prisão, em 25000 escudos de imposto e 5000 escudos de procuradoria.
De novo irresignado, recorreu o arguido para este Alto Tribunal, alegando em substancia e com interesse: -
- O sacador sabia qual era a data que ia ser aposta no cheque, ja que a data de apresentação a pagamento lhe foi comunicada pelo portador, atraves de carta registada com aviso de recepção.
- A data foi aposta no cheque em conformidade com a que constava de tal carta, e não para fazer crer que o cheque foi apresentado a pagamento na data constante do carimbo aposto no seu verso;
- Contrariamente ao que consta da sentença e do acordão, resulta do quesito 13 que o recorrente não prejudicou o Estado;
- A resposta ao quesito 11 faz improceder a tese do Ministerio Publico, que pretende ter o recorrente agido de ma-fe, apondo a data no cheque, não em conformidade com a carta enviada ao sacador, mas em conformidade com a data constante do verso do cheque;
- Como decorre da resposta dada ao quesito 13, o cheque não foi datado contra a vontade do sacador;
- A entrega do cheque com a data em branco faz presumir o acordo das partes para que o seu preenchimento seja feito pelo portador, como decorre do artigo 13 da Lei Uniforme;
- Tal presunção não foi ilidida, sendo certo que o onus da prova quanto a ilisão de tal presunção cabia ao Ministerio Publico;
- Saber se o sacador tinha ou não conhecimento da data em que o cheque ia ser apresentado a pagamento, se concordava ou não com tal data, são factos irrelevantes, atenta a presunção legal estabelecida a favor do portador, que não foi ilidida;
- O portador de um cheque em branco não esta limitado temporalmente para proceder ao seu preenchimento, podendo o cheque ser preenchido em qualquer ocasião, mesmo apondo-se-lhe uma data anterior, desde que se respeite a data expressa ou tacitamente acordada com o sacador;
- Nenhuma estatuição legal obriga a que o portador de um cheque lhe aponha a data em dia determinado; so obriga a que a data, quando quer que seja aposta, respeite o acordo do preenchimento, seja este acordo expresso, tacito ou presumido;
- Nenhum dispositivo legal impede que, arquivado um processo por falta de um requisito de punibilidade, seja apresentada nova queixa crime, pela pratica do mesmo crime, logo que verificando tal requisito de punibilidade;
- Assim, arquivado o processo referente a primeira queixa, por falta de data no cheque, não estava o portador impedido de apresentar nova queixa, logo que a data passou a constar do cheque;
- A aposição da data não constitui qualquer falsidade, ja que se fez constar do cheque a data do seu vencimento, data esta que tinha sido comunicada ao sacador, e data em que o cheque foi apresentado a pagamento,
- Na logica do acordão, e por identidade de razões, se a data não pode ser aposta depois, tambem o não poderia ser antes, pelo que so no proprio dia da apresentação de um cheque a desconto bancario se poderia datar o mesmo cheque, o que, no minimo e absurdo; e
- Assim, porque violados se mostram os artigos 13 da Lei Uniforme e 228 n. 1 alinea b) do Codigo Penal, deve o acordão ser revogado e o reu absolvido do crime imputado.
- Contra-alegou o Digno Procurador-Geral Adjunto, afirmando em tal destra peça processual que o recurso não e merecedor de provimento.
- Subiram os autos a este Supremo Tribunal e, auscultado, como e de lei, o Excelentissimo Representante do Ministerio Publico, opinou este Ilustre Magistrado, no seu distinto parecer de folhas 298, no sentido de que o recurso não merece que seja provido.
II - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: -
Deu o douto Tribunal da Relação do Porto como provadas as seguintes realidades "de facti" : -
- No dia 17 de Fevereiro de 1983 o reu, como mandatario de B, apresentou queixa contra C, pela emissão de cheque sem provisão, no Tribunal Judicial da comarca de Marco de Canavezes;
- E juntou aos autos o cheque n. 0012019508 assinado pelo dito C, sobre o Banco Fonsecas & Burnay, no montante de 857075 escudos e 90 centavos a ordem de D, tendo como local de emissão a vila de Marco de Canaveses,
- No cheque o espaço destinado a aposição da data do cheque encontrava-se em branco;
- Dada a falta de um requisito de punibilidade enumerado no artigo 1, n. 5 da Lei Uniforme relativa a cheques, o Delegado do Procurador da Republica ordenou o arquivamento dos autos, nos termos do disposto no artigo 345 do Codigo Processo Penal, com despacho datado de 28/02/83;
- Ainda antes do ofendido ter sido notificado de tal despacho para os termos do artigo 6 da alinea a) do Decreto-Lei n. 605/75, de 3 de Novembro, - o que se verificou em 05/07/83 - o reu veio em 17 de Junho de 1983, e em nome daquele B, requerer a devolução do cheque da procuração e demais documentos que acompanhavam a participação;
- Tal requerimento foi deferido em 5 de Julho de 1983 e aqueles documentos entregues ao reu em 6 de Julho desse ano;
- Em sete de Julho de 1983, naquele Tribunal e Delegação da Procuradoria da Republica o reu voltou a apresentar nova queixa-crime pela emissão do mesmo cheque supra referido que juntou aos autos;
_ Mas ja completamente preenchido e com data de emissão de
18 de Janeiro de 1983;
- Tal data foi aposta pelo proprio punho do reu, no seu escriorio de advocacia, sito no Marco de Canaveses, no periodo compreendido entre os dias 6 e 7 de Julho de 1983;
- Tal data coincide com a constante do carimbo de devolução aposto no verso daquele cheque, 18/01;
- De forma a fazer com que o dito cheque fosse apresentado a pagamento no prazo legal;
- O arguido agiu com a intenção de possibilitar a perseguição criminal contra o emitente do cheque, com a consciencia de causar prejuizo ao mesmo;
- Ao datar o cheque, o reu fe-lo sem o conhecimento do emitente;
- O reu agiu voluntaria e conscientemente, sabendo que o cheque e um documento transmissivel por endosso;
- O sacador sabia qual era a data em que o cheque ia ser apresentado a desconto (bancario) ja que tal facto lhe foi comunicado atraves de carta registada com aviso de recepção, que o mesmo recebeu;
- O sacador não se opos a sua apresentação;
- Em ambas as participações-crime indicou-se a data de 18/01/83 como data de apresentação a pagamento;
- Actuou o reu no desempenho da sua actividade de mandatario de B;
- O reu confirmou a quase totalidade dos factos dados como provados;
- Tem bom comportamento anterior aos factos e posterior; e
- E boa a sua situação economica.
III - Este o complexo factico apurado e que este Alto Tribunal tem de acatar como insindicavel, dada a sua qualidade de Tribunal de revista, cumprindo-lhe tão so o seu reexame e a determinação do seu significado juridico.
Descritos os factos, passemos a fase da sua qualificação juridico-criminal.
Em vista de tal objectivo, passemos a alinhar algumas reflexões sobre a tematica dos cheques.
A materia referente aos cheques esta regulada pela Lei Uniforme sobre cheques, resultante das Convenções de Genebra, de 7 de Junho de 1930, convenções que foram aprovadas pelo Decreto-Lei n. 23721, de 29 de Março de 1934, tendo sido publicadas no Diario do Governo de 21 de Junho de 1934.
Tais convenções estão em vigor, como direito interno portugues, desde 8 de Setembro de 1934 (confira artigo 1 do Decreto-Lei n. 26556, de 30 de Abril de 1936).
Estatui o artigo 1 da Lei Uniforme sobre o cheque o seguinte: -
" O cheque contem: -
..........
IV - A indicação da data em que e do lugar onde o cheque e passado ...".
E logo o artigo 2 prescreve:
"O titulo a que faltar qualquer dos requisitos enumerados no artigo precedente não produz efeito como cheque, salvo nos casos determinados nas alineas seguintes.
Na falta de indicação especial, o lugar designado ao lado do nome do sacado considera-se como sendo o lugar de pagamento, se forem indicados varios lugares ao lado do nome do sacado, o cheque e pagavel no lugar primeiro indicado.
Na ausencia destas indicações ou de qualquer outra indicação, o cheque e pagavel no lugar em que o sacado tem o seu estabelecimento principal.
O cheque sem indicação do lugar da sua emissão considera-se passado no lugar designado ao lado do nome do sacador".
Finalmente o artigo 13: -
"Se um cheque incompleto no momento de ser passado tiver sido completado anteriormente aos acordos realizados, não pode a inobservancia desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido o cheque de ma-fe, ou adquirindo-o, tenha cometido uma falta grave".
A leitura atenta dos preceitos legais acabados de transladar leva-nos, na parte que ora nos interessa, a deles extrair as seguintes e importantes conclusões: -
1- A indicação da data da emissão do cheque e um elemento essencial, sacramental (artigo 1 n. 5);
2- A entrega do cheque com a data em branco não acarreta desde logo a nulidade do cheque, ja que tal entrega, nas circunstancias em causa, faz presumir o acordo das partes nosentido de que o seu portador a possa preencher (artigo 13); e
3- No acto da apresentação a pagamento do cheque, não havendo neste indicação da data da emissão, o cheque e nulo.
Destas premissas flui, necessariamente, que, sendo a indicação da data da emissão um elemento essencial, ela tera obrigatoriamente de ser preenchida, quer pelo sacador do cheque, quer pelo portador do cheque, para que este tenha protecção legal e, consequentemente, tenha relevancia juridico-criminal, como tal, tanto mais que e daquela data que se conta o prazo de apresentação a pagamento.
Se assim não acontecer, isto e, se o cheque não contiver, no acto de apresentação a pagamento - e so neste momento a questão se levanta - a indicação da data da emissão, o cheque e nulo.
Esta a orientação que da lei expressamente dimana e que se mostra consagrada, quer na jurisprudencia, quer na Doutrina (confira com interesse, entre outros, os Acordãos do S.T.J. de 10/03/44 in Boletim 4-194 e de 1 de Junho de 1988 in Boletim 378 - a pag. 214, "Algumas considerações sobre o crime de emissão de cheque sem provisão in Scientia Juridica Tomo XVIII - n. 95 e 96 - a pag. 142, "Lei Uniforme sobre cheques de Abel Delgado e "Problemas penais dos cheques sem cobertura de "Lucas Coelho a pag. 32).
Mas com isto não se esgota toda a problematica dos cheques que não contem a data da sua emissão.
Prossigamos, pois, na sua investigação.
Apresentado um cheque a pagamento sem dele contar a data da sua emissão, o cheque e nulo, como vimos, por via do referido vicio e, consequentemente, não beneficia da tutela penal.
E a aposição da data pode ser operada ou pelo sacador ou pelo tomador do cheque, caso em que se pressupõe um acordo de preenchimento.
Ainda nesta ultima hipotese, o preenchimento tera de ser efectuado conforme o clausulado e so, assim, a lei concede protecção criminal ao titulo em questão, quer no dominio das relações entre o sacador e tomador, quer no ambito dos subsequentes.
Sendo assim, uma pergunta ocorre no nosso espirito: podera o subsequente portador do cheque apor a data no cheque entregue ao primeiro tomador e sem que este a tenha aposta?
Os acordãos deste Supremo Tribunal de Justiça, respectivamente, de 27 de Abril de 1988 in Proc. n. 39494 e de 1 de Junho de 1988 in Boletim 378 a pag. 214, proclamaram que "um titulo a que falta a indicação da data em que foi passado não produz, por força do disposto no artigo 2 da respectiva Lei Uniforme, efeito como cheque, não podendo, por isso relevar no dominio penal, contra o sacador, a ulterior aposição da data sem que o portador esteja mandatado para esse preenchimento, como resulta da adequada e correcta interpretação do artigo 13 da citada Lei".
Por outro lado, apresentam os seguintes comentarios a dado passo: -
"a)- O cheque tem de conter, nomeadamente, a indicação da data em que foi passado, requisito que, a faltar, lhe retira tal qualidade - artigos 1 n. 5 e 2 da Lei Uniforme (a omissão em causa não e colmatada pelas varias alineas do artigo 2); b)- O titulo assim incompleto vale como documento com certa dignidade probatoria da obrigação em que se constitui o "sacador", exactamente como acontece no dominio de normas similares relativas as letras - artigo 1 n. 7 e 2 da respectiva Lei Uniforme: se faltar o discutido requisito, a letra e nula (consultar, por exemplo, as lições de Direito Comercial dos Professores Pinto Coelho e Ferreira Correia, respectivamente, nos fasciculos I e II do 2 volume e no volume III pags. 119 e 120 (1975); c)- A inexistencia de acordo para ulterior aposição, pelo portador, dadata de emissão, impede que este complete o titulo a fim de perseguir o "sacador" nos termos dos artigos 23 e 24 do decreto-lei n. 13004 (alias, naquele ambito so sera compreensivel uma convenção entre o sacador e o tomador, ou seja, o primeiro tomador, tendo-se, em principio, por abusiva, porque não autorizada, a intervenção de outro portador, como aconteceu no caso vertente); d)- Isto porque, completar o cheque, "contrariamente aos acordos realizados" - Artigo 13 da Lei Uniforme - e expressão que ha-de ser interpretada no sentido de que se retira dignidade penal (emissão de cheque sem provisão) ao preenchimento por pessoa para tanto não mandatada, visto que, volta a repetir-se, titulo sem o questionado requisito (ou abusivamente inserto) "não produz efeito como cheque" - citado artigo 2: e)- Por consequencia, os referidos artigos 23 e 24, bem como o artigo 29 da Lei Uniforme exclusivamente tutelam a emissão de cheques (titulos com todos os requisitos essenciais apostos desde o inicio, depois inscritos de harmonia com o acordado ou supletivamente preenchidos em conformidade com as 2, 3 e 4 alineas do mencionado artigo 2); f)- Diferente orientação daria a lei um alcance que o interprete esta proibido de atingir no dominio do direito penal (v. g. presumir um acordo para a aposição da data, sem norma que expressamente autorizasse uma tal conjectura), ja que se reconduziria a frontal violação de directrizes da Constituição da Republica - v. g. do seu artigo 29 - e do n. 3 do artigo 1 do Codigo Penal, ensaiava-se a punição de um facto que não esta previsto na lei e que so por recurso a analogia lograria qualificação como crime (não ha preceito que sequer sugira se possa equiparar a emissão do cheque sem provisão a circulação de um titulo sem data e sem acordo para o datar que o sacado se recusasse a pagar por falta de fundos...),
Ora, fazendo uma profunda meditação sobre o que acaba de ser expandido, tambem nos abraçamos a tese em estudo, atenta a autoridade dos seus argumentos.
E, assim, para terminar, e em resumo, podemos firmar, do dominio em questão, os seguintes principios:.
1- Entregue o cheque incompleto quanto a data da emissão, presume-se o acordo das partes no sentido de o primeiro tomador o poder datar, como lhe convier; e
2- Se se tratar de um subsequente tomador, podera este apor a data no cheque, desde que tenha havido convenção expressa sobre a data a apor, entre o endossado e o sacador.
Em qualquer dos aludidos casos, para que o cheque possa produzir efeitos juridico-penais, como tal, obrigatorio se torna que o referido titulo, ao ser apresentado a pagamento, e nesse acto, ja nele tenha sido inserta a data da emissão, nos termos referidos.
V - Exposto, em apertada sintese, este proemio, que demos a estampa para melhor inteligencia do "thema decidendum", passemos sem mais delongar, ao problema de saber se o acordão agravado interpretou correctamente os factos e se, com silhar neles, operou adequada qualificação juridico-criminal.
Mostra-se o arguido condenado como autor de um crime de falsificação previsto e punivel pelo artigo 228 ns. 1 alinea b) e 2 do Codigo Penal.
Reza, assim, tal mandamento: -
"1- Quem, com intenção de causar prejuizo a outrem ou ao Estado, ou de alcançar para si ou para terceiros um beneficio ilegitimo: -
........... b)- Fizer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante;...
2- Se os factos referidos nas alineas a) a c) do numero anterior disseram respeito a documento autentico com igual força, a testamento cerrado, a letra de cambio, a documento comercial transmissivel por endosso ou a qualquer outro titulo de credito não compreendido no artigo 244, a pena sera de 1 a 4 anos e multa ate 90 dias ...".
O exame do presente normativo leva-nos a convicção de que para que se observe o delito nele consignado, necessario se torna a presença dos seguintes pressupostos: -
1- Elemento objectivo: que o agente faça constar falsamente de um documento (no nosso caso de um documento comercial transmissivel por endosso) um facto juridicamente relevante.
2- Elemento subjectivo: concretizado em que o agente tenha a intenção de causar prejuizo a outrem ou ao Estado, ou de alcançar para si ou para terceiros um beneficio ilegitimo.
Verificar-se-ão ambos eles no caso do pleito?
E a tarefa de investigação que ora nos incumbe.
Rememoremos os factos que as instancias deram como assentes, na parte que nos interessa: -
- No dia 17 de Fevereiro de 1983 o reu, como mandatario de B, apresentou queixa contra C, pela emissão de cheque sem provisão;
- E juntou aos autos o cheque n. 0012019508 assinado pelo dito C, sobre o Banco Fonsecas & Burnay, no montante de 857075 escudos a ordem de D, tendo como local de emissão a vila de Marco de Canaveses;
- No cheque o espaço destinado a aposição da data do cheque encontrava-se em branco;
- Dada a falta de um requisito de punibilidade enumerado no artigo 1 n. 5 da Lei Uniforme relativa a cheques, o Delegado do Procurador da Republica ordenou o arquivamento dos autos;
- Ainda antes de o ofendido ter sido notificado de tal despacho para os termos do artigo 6 alinea a) do Decreto-Lei n. 605/75, de 3 de Novembro, e em nome daquele B - o que se verificou em 5/7/83 - o reu veio em 17/06/1983 e em nome daquele B, requerer a devolução do cheque, da procuração e demais documentos que acompanhavam a participação;
- Tal requerimento foi deferido em 5/7/1983 e aqueles documentos entregues ao reu em 6/7/1983;
- Em 7 de Julho de 1983, naquele Tribunal de Marco de Canaveses e Delegação da Procuradoria da Republica, o reu voltou a apresentar nova queixa-crime pela emissão do mesmo cheque que juntou aos autos;
- Mas ja completamente preenchido com a data de emissão de 18 de Janeiro de 1983;
- Tal data foi aposta pelo proprio punho do reu, no seu escritorio de advocacia, no periodo compreendido entre os dias 6 e 7 de Julho de 1983;
- Tal data coincide com a constante do carimbo de devolução aposto no verso daquele cheque, 18 de Janeiro de 1983;
- De forma a fazer com que o dito cheque fosse apresentado a pagamento no prazo legal;
- O arguido agiu com a intenção de possibilitar a perseguição criminal contra o emitente do cheque, com a consciencia de causar prejuizo ao mesmo;
- Ao datar o cheque, o reu fe-lo sem o conhecimento do emitente;
- O reu agiu voluntaria e conscientemente, sabendo que o cheque e um documento transmissivel por endosso;
- O sacador sabia qual era a data em que o cheque ia ser apresentado a desconto bancario, ja que tal facto lhe foi comunicado atraves de carta registada, que o mesmo recebeu;
- O sacador não se apos a sua apresentação;
- Em ambas as participações-crime indicou-se a data de 11 de Janeiro de 1983 como data de apresentação a pagamento; e
- Actuou o reu no desempenho da sua actividade de mandatario de B.
Ora, debruçando-nos sobre o descrito complexo factico, nenhumas duvidas nos assaltam no sentido de que a conduta do reu perfectibiliza inteiramente os elementos objectivo e subjectivo do artigo 228 ns. 1 alinea b) e 2 do Codigo Penal.
Na verdade, o reu, ao apor no cheque em discussão, cerca de seis meses depois de o mesmo ter sido apresentado a pagamento, a data de 18 de Janeiro de 1983, positivamente que fez contar dele falsamente um facto juridicamente relevante.
Falsamente, porque na data da apresentação a pagamento do cheque - 18 de Janeiro de 1983 - desta não constava qualquer data, facto que o reu bem conhecia.
Facto juridicamente relevante, na medida em que a aposição da data, nos termos referidos, faria inculcar que, na data de apresentação a pagamento, o titulo se achava inteiramente completo e, consequentemente, com a viabilidade bastante para com ele o endossado poder fazer desencadear a tutela penal, objectivo ultimo do reu.
E, dessa forma, actuou o arguido com a manifesta intenção de causar prejuizo ao emitente - com a nova perseguição criminal que contra este deduziu para dele haver a sua condenação em processo crime e a consequente indemnização - beneficio ora ilegitimo, ja que, atraves de tal atitude, e com base no titulo, tal como ele foi apresentado ao Banco sacado, jamais poderia responsabilizar criminalmente o emitente.
E nem se diga, como pretende o recorrente, que a circunstancia de se haver provado a comunicação por carta registada com aviso de recepção ao sacador da data da apresentação do cheque a pagamento - 18 de Janeiro de 1983 - a data não se haver aposto a tal apresentação, tem a virtualidade bastante para se presumir que este dera o seu acordo.
E que, como atras deixamos assinalado, a jurisprudencia deste nosso mais Alto Tribunal vai no sentido de que os subsequentes tomadores - no caso "sub-judice" o B - pudessem datar o cheque, necessario se tornaria que essa data tivesse sido acordada em convenção expressa, situação esta que, alias, não aconteceu.
Preenchida se mostra, pois, no actuar do reu, toda a requisitabilidade exigida pelo artigo 228 ns. 1 alinea b) e 2 do Codigo Penal, constituindo-se, assim, o reu autor de crime de falsificação nele compendiado.
VI - E com isto, eis-nos chegados a recta final, ou seja ao aspecto dosimetrico da pena a aplicar.
Neste ponto depara-se-nos, em primeira linha, o artigo 72 do Codigo Penal, que estatui que determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, far-se-a em função da culpa do agente, tendo-se ainda em conta as exigencias de prevenção de futuros crimes e todas as circunstancias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.
Os limites minimo e maximo da pena aplicavel em abstracto situam-se em 1 e 4 anos de prisão e multa de 10 a 90 dias.
Elevado se mostra o grau de ilicitude do facto, mas de pequena monta foi a gravidade do facto, atenta a circunstancia de o endossado haver desistido do procedimento criminal contra o sacador.
O grau de violação dos deveres impostos ao arguido-
- advogado de profissão - tambem elevado se manifesta.
A minimizar a sua responsabilidade concorrem as circunstancias de o arguido ter:
- Bom comportamento anterior e posterior aos factos; e
- Confessado a quase totalidade dos factos dados como provados.
Ponderando todos estes ingredientes de facto e considerando: -
- O longo tempo ja decorrido - mais de sete anos - desde a pratica da infracção; e
- Não convergirem particulares exigencias de prevenção, na hipotese "sub-judicibus",
O acordão apelado, ao abrigo dos artigos 73 ns. 1 e 2 alinea b) e 74 n. 1 alinea d), ambos do Codigo Penal, condenou o arguido na pena de seis meses de prisão substituidos por igual tempo de multa a taxa diaria de mil escudos, e dez dias de multa a mesma taxa, ou seja na multa global de cento e noventa mil escudos, multas essas na alternativa de cento e vinte e seis dias de prisão, pena que em nosso entender se acha equilibradamente doseada, merecendo o nosso inteiro aplauso e confirmação, bem como o demais decidido.
Oportunamente e, se for caso disso, aplicar-se-a o artigo 13 ns. 1 e 2 da lei n. 16/86, de 11 de Junho.
Improcede, assim, toda a dialectica utilizada pelo recorrente para infirmar o acordão agravado.
VII - Desta parte e pelos expostos fundamentos, decidem os juizes deste Supremo Tribunal de Justiça negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar o bem elaborado acordão recorrido.
O recorrente pagara de imposto e procuradoria, respectivamente, trinta mil escudos e dois mil escudos.
Lisboa, 6 de Fevereiro de 1991
Ferreira dias.