Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SANTOS CABRAL | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO OPÇÃO DO RECORRENTE CONCURSO DE INFRACÇÕES CONHECIMENTO SUPERVENIENTE CÚMULO JURÍDICO | ||
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Nº do Documento: | SJ200609200019203 | ||
Data do Acordão: | 09/20/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | INDEFERIDO | ||
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Sumário : | I - Sobre a questão da interpretação dos normativos dos arts. 428.º e 432.º, al. d), do CPP e a ponderação sobre a atribuição de um direito de opção ao recorrente no sentido de este se dirigir, alternativamente, ao STJ ou ao Tribunal da Relação quando o recurso versar sobre matéria de direito constante de decisão do tribunal colectivo têm-se perfilado neste Supremo Tribunal duas orientações distintas, cuja argumentação se encontra exaustivamente retratada nos acórdãos datados de 14-01-2004 (CJ, Ano XII, Tomo I, p.165) e de 20-01-2006 (Proc. n.º 273/06). II - Em sede de operação interpretativa e do questionar da própria letra da lei não se retira qualquer elemento que nos determine no sentido de sufragar a opinião daqueles que apontam a emergência de um direito de opção do recorrente em face da Reforma à lei adjectiva penal introduzida pela Lei 59/98, de 25-08. III - Se é certo que dos elementos teleológico e histórico nenhum argumento é susceptível de persuadir sobre o referido direito, é igualmente certo que o apelo a princípios de processo civil se mostra totalmente desadequado, pois que, embora os dois ramos de direito processual tenham de comum entre si a circunstância de serem processos inteiramente jurisdicionalizados, a coincidência termina praticamente aqui, correspondendo à diferenciação dos respectivos objectos processuais diferenças marcadas na estrutura e nos princípios fundamentais: a interpretação dos normativos sistémicos relativos à matéria de recurso, chamando à colação princípios do processo civil, por forma a colocar na disponibilidade do recorrente a definição do tribunal de recurso, fazendo depender de um acto de vontade do recorrente a intervenção de um tribunal superior ou deste STJ, em matérias envolventes da própria afirmação do Estado, não é compaginável com os princípios do processo penal. IV - Este entendimento em termos de recurso aos elementos de interpretação mobilizados tem igualmente o apoio do único texto doutrinal em que esta questão é especificamente analisada - cf. José Manuel Vilalonga, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Direito de Recurso em Processo Penal, p. 376 e ss.. V - Assim, dos acórdãos finais do tribunal colectivo é interposto recurso directo para o STJ quando o objecto seja restrito ao reexame da matéria de direito. VI - Nos termos do art. 78.º, n.º 1, do CP, o regime da pena do concurso será ainda aplicável aos casos em que o concurso só venha a ser conhecido supervenientemente, sendo dois os pressupostos de que depende esta extensão do regime: - é necessário, por um lado, que o crime de que haja só agora conhecimento tenha sido praticado antes da condenação anteriormente proferida, de tal forma que esta deveria tê-lo tomado em conta, para efeito da pena conjunta, se dele tivesse tido conhecimento, sendo que o momento temporal decisivo para a questão de saber se o crime agora conhecido foi ou não anterior à condenação é o momento em que esta foi proferida - e em que o tribunal teria ainda podido condenar numa pena única -, não o do seu trânsito em julgado; - é necessário, em segundo lugar, que a pena proferida na condenação anterior se não encontre ainda cumprida, prescrita ou extinta: só uma pena que ainda se não encontre, por qualquer forma, extinta, pode ser integrada no objecto do processo posterior e servir para a formação da pena conjunta; o momento temporal decisivo para saber se a pena anterior já está ou não extinta é, também aqui, aquele em que a nova condenação é proferida e até ao qual ainda se tornaria possível condenar numa pena conjunta. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam neste Supremo Tribunal de Justiça Por Acórdão do Tribunal Colectivo da Comarca de Oliveira de Azeméis o arguido AA foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena de oito anos e seis meses de prisão. O mesmo arguido interpõe recurso de tal decisão formulando, em síntese, as seguintes conclusões. a)-O recorrente discorda da pena única que lhe foi aplicada pelo Tribunal recorrido, e no Acórdão ora objecto de recurso, porquanto não foi tomada em conta uma pena, já cumprida, de doze meses de prisão em que havia sido condenado por crimes que se encontram numa relação de concurso com os demais aludidos (Processo 0006/03 TAOAZ do 1º Juízo Criminal da Comarca de Oliveira de Azeméis). b)-O tribunal recorrido interpretou as normas ínsitas nos artigos 77 e 78 do Código Penal não considerando a sua aplicabilidade em relação a penas já cumpridas mas numa relação de concurso. Na perspectiva do recorrente o tribunal deveria ter determinado a pena única que caberia, englobando a pena já cumprida no mencionado processo, e condenar na medida equivalente ao que faltaria para perfazer a pena única. c)- A decisão recorrida violou o preceituado nos artigos 78 nº1 e 77 do Código Penal ao não ter considerado na realização do cúmulo todas as penas em que o arguido foi condenado concretamente aquelas em que o arguido foi condenado no Processo Comum Colectivo nº144/03 TAOAZ do 2º Juízo Criminal da Comarca de Oliveira de Azeméis; no Processo Comum Colectivo 652/027 GDVFR da 2ª Vara Competência Mista do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia e no referido processo 396/03 Termina peticionando que o Acórdão proferido seja revogado por outro que determine que há, no caso em apreço, lugar á realização de cúmulo, englobando, também a pena já cumprida e, seguidamente, condenar-se o arguido na medida equivalente ao que faltaria cumprir para perfazer a pena única sem prejuízo da consideração do tempo cumprido em situação de prisão em alternativa Foi produzida resposta pelo MºPº defendendo a manutenção da decisão recorrida. Os autos tiveram os vistos legais. * Cumpre decidir: A decisão recorrida, e no que concerne á matéria relevante para análise dos presentes recurso é do seguinte teor: “ Nos presentes autos (Processo Comum Colectivo nº 144/03.7TAOAZ): por factos ocorridos entre Agosto de 2002 e Junho de 2003, e por acórdão de 26/05/2004, parcialmente alterado por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/1112004, transitado em julgado em 20/06/2005, nas penas de: - 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática, em autoria, de um crime de furto qualificado, previsto e punido (p. e p.) pelos art. 203°, nº 1, e 204°, nº 2, al. e), do Código Penal; - 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática, em autoria, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art. 2030, nº 1, e 204°, nº 2, al. e), do Código Penal; - 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática, em autoria, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art 203°, nº 1, e 204°, nº 2, al. e), do Código Penal; - 2 (dois) anos de prisão, pela prática, em co-autoria, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art. 2030, nº 1, e 204°, nº 1, al. f), do Código Penal. - 3 (três) anos de prisão, pela prática de um crime de receptação, na forma continuada, p. e p. pelos art 300, nº 2, 79° e 231 ° do Código Penal; - 8 (oito) meses de prisão, pela prática de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, p. e p. pelo art. 60 da Lei nº 22/97, de 27/06. Em cúmulo jurídico de tais penas parcelares foi-lhe imposta a pena única de 7 (sete) anos e 9 (nove) meses de prisão. 2 _ No Processo Comum Colectivo nº 652/02.7GDVFR da 28 Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia: por factos de ocorridos entre 12 e 20 de Junho de 2002 e por acórdão de 14/04/2004, confirmado por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/02/2005, transitado em julgado em 17/02/2005, nas seguintes penas: _ 10 (dez) meses de prisão, pela prática de um crime de receptação, p. e p. pelo art. 231°, nº 1, do Código Penal; _ 10 (dez) meses de prisão, pela prática de um crime de receptação, p. e p. pelo art. 231°, nº 1, do Código Penal; _ 10 (dez) meses de prisão, pela prática de um crime de receptação, p. e p. pelo art. 231°, nº 1, do Código Penal. Em cúmulo jurídico destas penas parcelares, foi-lhe imposta a pena única de 20 (vinte) meses de prisão (cfr. certidão de fls. 5306 e ss.). Realizada que foi a audiência prevista no art. 472° do Código de Processo Penal, cumpre proceder ao cúmulo das referidas penas em razão do conhecimento superveniente de crimes. De acordo com o disposto nos art. 77° e 78° do Código Penal, a determinação da pena única far-se-á ponderando em conjunto os factos e a personalidade do agente, tendo presentes os seguintes critérios legais que ao caso interessam: 1. A formação do cúmulo jurídico implica sempre a eliminação de cúmulos parcelares anteriores, ou seja, não é possível integrar nos cúmulos penas conjuntas, mas apenas penas parcelares. 2. A pena conjunta não pode ser inferior à mais elevada das penas parcelares. 3. E não pode ser superior à soma material das mesmas penas parcelares. 4. Bem como não pode exceder o máximo legal da penalidade (25 anos de prisão e 900 dias de multa). * No caso vertente, ambas as referidas condenações transitaram em julgado e as respectivas penas ainda não estão cumpridas ou extintas nem se encontram prescritas. Assim sendo, cumpre agora cumular tais penas, uma vez que este é o tribunal da última condenação em concurso (art. 471 0, n. ° 2, do Código de Processo Penal). Com efeito, em face do supra exposto conclui-se que todos os crimes elencados no ponto I. estão em relação de concurso entre si, nos termos do art. 77° do Código Penal. No cúmulo jurídico a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas (in casu 15 anos e 8 meses de prisão) e como limite mínimo a mais elevada dessas penas (3 anos de prisão). Por seu lado, a medida da pena única é fixada em função da avaliação conjunta dos factos e da personalidade do agente, que respinga dos acórdãos condenatórios, cumprindo destacar o seguinte: - O grau de ilicitude dos factos foi quase sempre elevado. - A intensidade do dolo (directo) revela em todos os casos um grau de culpa acentuado. - Os factos ocorreram em momentos temporais próximos. - O arguido é de modestas condições pessoais e tem filhos a cargo. - Sobressai pelo tipo e número de crimes, uma forte propensão do arguido para o cometimento de crimes contra o património, o que revela assinaláveis exigências de prevenção especial, sendo certo que tem antecedentes criminais. - Também as exigências de prevenção geral são notórias, pela frequência que a prática dos crimes em apreço assume, causadora de sentimentos de insegurança na sociedade. Assim sendo, considerando todas as circunstâncias atendíveis, demonstradas pela análise e leitura das condenações sofridas, reavaliando-as de forma unitária, afigura-se-nos correcta a pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.” A decisão proferida termina condenando o arguido na referida pena. * Sinteticamente a questão em apreço no presente recurso pode-se sintetizar da seguinte forma: -O tribunal colectivo da comarca de Oliveira de Azeméis, por Acórdão de 13/03/06, fez o cúmulo jurídico das penas aplicadas nestes autos (factos ocorridos entre Agosto de 2002 e Junho de 2003 e acórdão condenatório de 26.05.2004, parcialmente alterado por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.11.04, transitado em julgado em 20.06.2005) com as penas aplicadas, por Acórdão de 14.04.04, confirmado por Acórdão do STJ de 02.02.05, transitado em 17.02.05, no Proc. C.C. nº 652/02.7GDVFR da 2ª Vara de Competência Mista do Tribunal da comarca de Vila Nova de Gaia, a factos ocorridos entre 12 e 20 de Junho de 2002, mas não ter englobado nesse cúmulo as duas penas parcelares de oito meses de prisão aplicadas, por factos de 25.07.02, no P.C. S. n° 396/03.2TAOAZ do 1° Juízo Criminal de Oliveira de Azeméis (Acórdão de 14.10.04). É que, realmente, os crimes dos três processos estão em concurso, tal como este é perspectivado na primeira parte do nº1 do artº 77° do C. Penal, mas, naturalmente porque a pena única resultante do cúmulo jurídico das duas últimas penas - 12 meses de prisão - já se encontrava cumprida desde 7 de Janeiro p.p., o tribunal colectivo I entendeu não considerar tais penas parcelares. I A primeira questão cuja apreciação nos é suscitada no presente recurso prende-se com a interpretação dos normativos dos artigos 428 e 432 alínea d) do Código de Processo Penal e a ponderação sobre a atribuição de um direito de opção ao recorrente no sentido de este se dirigir, alternativamente, este Supremo Tribunal de Justiça ou ao Tribunal da Relação quando o recurso versar sobre matéria de direito constante de decisão do tribunal colectivo. Sobre a mesma questão perfilaram-se neste Supremo Tribunal duas orientações distintas cuja argumentação se encontra exaustivamente retratada nos Acórdãos datados de 14 de Janeiro de 2004 ( C.J Ano XII Tomo I pagina 165) e 20 de Janeiro de 2006 (Processo 06P273). Em nosso entender a génese da divergência situa-se na interpretação dos normativos apontados considerando o denominador comum e questão estrutural que foram as alterações da lei adjectiva penal introduzidas pela Lei 59/98 de 15 de Agosto. * No que concerne a tal tarefa e, nomeadamente, sobre a forma que deverá condicionar o trabalho interpretativo do intérprete da lei processual penal relembramos as palavras do Professor Figueiredo Dias quando refere que, nas suas linhas essenciais, o problema de interpretação em termos de direito processual penal não ganha autonomia. Trata-se aí, como em geral, da necessidade - prévia em relação à aplicação do direito e que, por isso mesmo, em nada contende com o carácter não-subsuntivo desta operação - tendente a descortinar o conteúdo de sentido ínsito em um certo texto legal. Só convirá relembrar dois pontos-: é o primeiro o da relevância que, para uma interpretação axiológica e teleológica nos domínios deste ramo assume a consideração das finalidades do processo; é o segundo o da necessidade de, por ser o direito processual penal verdadeiro "direito constitucional aplicado", se tomar na devida conta o princípio da interpretação conforme a Constituição. Sendo assim estamos em crer que é incontornável o apelo aos os quatro métodos clássicos propostos pela doutrina em sede de interpretação sendo certo que o elemento base da mesma e, simultaneamente ponto de partida e limite da interpretação, é a letra, o texto da norma. Na verdade, a apreensão literal do texto é já interpretação, mas a interpretação não fica ainda completa; será sempre necessária uma tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal. Na tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos numa vertente racional em que se procura detectar-se ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica. O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma a interpretar, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o ‘lugar sistemático’ que compete à norma interpretada no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico O elemento histórico compreende todas as matérias relacionadas com a história do preceito, a evolução do instituto e do tratamento normativo-material da mesma ou de idêntica questão, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios. O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que teve em vista e que pretende realizar Estes princípios são válidos também para a interpretação do direito penal. O marco fundamental deve ser delimitado pelo sentido literal possível na linguagem corrente do texto da lei, mas o juiz, dentro deste limite, deve interpretar a norma considerando o significado literal mais próximo, a concepção histórica do legislador, o contexto normativo-sistemático e o fim da lei * Em sede da operação interpretativa e do questionar da própria letra da lei não retiramos qualquer elemento que nos determine no sentido de sufragar a opinião daqueles que apontam a emergência de um direito de opção do recorrente em face da Reforma de 1998. Mas se tal neutralidade resulta da letra da lei já o mesmo não se poderá afirmar na ponderação dos elementos histórico, racional e teleológico. Para um enquadramento da mente do legislador e das finalidades daquele momento legislativo permitimo-nos repescar parte de escrito que elaboramos a propósito Colectânea de jurisprudência Ano “ A análise do tema encontra-se directamente relacionada com a natureza dos recursos em processo penal e a evolução que a sistematização de tal matéria tem merecido por parte do legislador. Conforme sustenta a maioria da doutrina os recursos são um remédio jurídico, ou seja, uma forma de o tribunal superior sindicar a forma como o tribunal recorrido elaborou o respectivo silogismo jurídico, e nunca uma forma de um sucessivo refinamento jurisprudencial, ou de duplicação de julgamentos. Perfilha-se, assim, o entendimento formulado a propósito da redacção inicial do C.P.P. (conf. Novo Código de Processo Penal pag 386 e seg) no sentido de que o julgamento em que é preferível apostar como instrumento preferencial de uma correcta administração da justiça é o da primeira instância. Por tal motivo se enfatiza a importância de o tribunal colectivo ser constituído por juízes privativos e se constroem segundo novos modelos e perspectivas questões como as da documentação e do modelo de audiência. Assegurada a efectiva colegialidade; garantido o contraditório e obtida tanto quanto possível a imediação, o recurso do tribunal colectivo terá sempre a característica de um remédio jurídico. Compreende-se, pois, que a maior novidade introduzida pela redacção inicial do Código de Processo Penal em sede de recursos tivesse consistido no facto de se ter erigido em elemento determinante da competência do tribunal de recurso o da natureza do tribunal recorrido:- salvo os casos de decisões proferidas em primeira instância por tribunais superiores os recursos ordinários eram interpostos do tribunal singular para o Tribunal da Relação e do tribunal colectivo para o Supremo Tribunal de Justiça. A regra seria a de um único grau de jurisdição cuja tramitação teria correspondência com os próprios poderes de cognição do tribunal superior. * Sobre tal articulação do sistema de recursos começou a gerar-se uma suspeição de ineficiência, patente na motivação apresentada pelo Secretário de Estado da Justiça em relação á alteração introduzida pela Lei 59/98 ( confrontar Revista Portuguesa de Direito Criminal Ano VIII pag 63). Explicitando as razões pelas quais se alterava o regime de recursos do Código de Processo Penal afirmava-se que as soluções iniciais do respectivo Código privilegiavam os objectivos de celeridade e efectividade do duplo grau de jurisdição e se caracterizavam pela linearidade quase esquemática dos princípios e, ainda, por uma forte sensibilidade às conexões entre o processo e a organização judiciária. Neste contexto, as ideias de tramitação unitária, de competência baseada na natureza do tribunal a quo, ou de revista alargada exprimiam um singular compromisso entre a teoria e as exigências práticas. Lapidarmente, afirmava o mesmo responsável legislativo que, não obstante os seus aspectos positivos, a experiência postulada pela redacção inicial do mesmo Código tinha ficado aquém das expectativas. A explicação apresentada pelos críticos situar-se-ia na circunstância de, por dificuldades de aplicação, se ter tornado manifesta a erosão de alguns princípios, de que eram exemplo, nomeadamente: “a precarização dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça que, pelo seu estatuto, tenderia a alhear-se da matéria de facto, ainda que na fórmula mitigada que o Código perfilha; a incomunicabilidade entre instâncias de recurso resultante de os poderes das relações e do Supremo Tribunal de Justiça incidirem, por regra, sobre objecto diferente (os primeiros, sobre recursos interpostos do tribunal singular e os segundos sobre recursos interpostos do tribunal colectivo ou de júri); a indesejável duplicação de tribunais de recurso que julgam, por regra, em ultima instância; a debilitação de garantias, com a reduzida aplicação de institutos instrumentais, como são os relativos à renovação da prova, à , oralidade e à presença efectiva dos intervenientes processuais; o enfraquecimento da função real e simbólica do Supremo Tribunal de Justiça como tribunal a quem compete decidir, em ultima instância, sobre a " lei e o direito". Se o esquema inicial dos recursos enfermava de tais patologias a alteração legislativa introduzida era apregoada como portadora de um alto grau de aperfeiçoamento em que se congregava uma boa amálgama dos melhores princípios. É, assim, que se referia que,” com as mesmas alterações, se restitui ao Supremo Tribunal de Justiça a sua função de tribunal que conhece apenas de direito, com excepções em que se inclui a do recurso interposto do tribunal de júri; ressalva-se a ideia da tramitação unitária que deixa, no entanto, de corresponder à configuração de um único modelo de recurso; faz-se um uso discreto do princípio da dupla conforme, harmonizando objectivos de economia processual com a necessidade de limitar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça a casos de maior gravidade; admite-se o recurso per saltum, justificado pela medida da pena e pela limitação do recurso a matéria de direito; retoma-se a ideia de diferenciação orgânica, mas apenas fundada no princípio de que os casos de pequena ou média gravidade não devem, por norma, chegar ao Supremo Tribunal de Justiça; ampliam-se os poderes de cognição das relações, evitando-se que decidam, por sistema, em última instância; assegura-se um recurso efectivo em matéria de facto; estabelece-se a possibilidade de o recurso ser julgado em conferência quando, não houver lugar a alegações orais e não for necessário renovar a prova; altera-se o regime do recurso para uniformização da jurisprudência, valorizando as ideias de independência dos tribunais e de igualdade dos cidadãos perante a lei e evitando os riscos de rigidez jurisprudencial.” * Mais claro nas razões da alteração regime de recursos foi o Presidente da Comissão Professor Germano Marques da Silva que, ao justificar a bondade das reformas, e perante a Assembleia da República adiantou, como principais justificações, que: a)-No projecto apresentado na Comissão para discussão partiu-se do princípio de que não é aceitável que o regime dos recursos em processo penal possa ser mais restrito do que os recursos em processo cível. b)-O sistema vigente em sede de recursos podia e devia ser aperfeiçoado porque “não satisfaz ninguém”.A razão de tal não satisfação é de que a actual organização judiciária não permitia ainda que os tribunais colectivos adquirissem o prestígio que é pressuposto do regime de recursos vigentes e não é previsível que o adquira a médio prazo. c)-A confiança na qualidade da justiça realizada em primeira instância é sempre relativa. d)-Igualmente era convicção do mesmo Professor de que a aspiração generalizada dos meios jurídicos era a possibilidade do registo e prova produzida na audiência de julgamento e que esse desejo está intimamente relacionado com a quebra da confiança na qualidade da Justiça administrada em primeira instância. Acrescia, ainda, na sua perspectiva, o facto de a conflitualidade entre os diversos sujeitos processuais, entre magistrados e advogados, ser muito aguda. Argumentação intensa a mesma tinha sobre si o ónus de, também, arrancar de juízos de valor subjectivos e das impressões pessoais dos membros da comissão. Em relação ao argumento mais bem elaborado e fundamentado da equiparação do sistema de recursos estamos inteiramente em sintonia com a pronuncia também José Damião da Cunha (A Estrutura dos Recursos na Proposta de Revisão do CPP, publicado na Revista de Ciência Criminal, Ano 8, fasc. 2ª, p.p. 251 ) referindo que a interposição de um novo grau de recurso em matéria de facto não pode deixar de constituir um gravame nos propósitos de celeridade e economia processual. Solução tanto mais discutível, quanto ao acto formal de constituição como arguido, na fase de inquérito, está associado uma exigência de cumprimento de prazos na definição do estatuto processual do arguido - exigência essa que parece ter sido integralmente para as fases posteriores. É certo que parecerá pouco compreensível que num mesmo ordenamento jurídico o processo civil ponha à disposição das partes um duplo grau de jurisdição de recurso e o processo penal - sobretudo analisado numa perspectiva garantística - se baste com um só grau de recurso. Porém, pondo de lado o facto de mesmo no próprio processo civil a matéria dos recursos - e, em especial, o chamado princípio do duplo grau de jurisdição de mérito - estar hoje sujeito também a revisão e não reiterando na demonstração da diferenciação da lógica interna dos recursos (no processo civil vigora ainda o princípio do pedido e a total disponibilidade do processo pelas partes), a verdade é que, no processo civil, vigoram regras que permitem atenuar as consequências nefastas de uma longa duração do processo: assim, desde logo, na determinação das consequências (os juros de mora, etc) mas, mais ainda, tal como sucede no vigente CPC nacional, a tramitação dos recursos é também diferenciada, sendo admissível que, em certos casos, os recursos apenas tenham efeito meramente devolutivo (e, portanto, não produzam o efeito suspensivo, sendo, assim, a sentença provisoriamente executiva). Ora, tal não poderá obviamente suceder no processo penal: nem o arguido inocente é devidamente salvaguardado de um repetir de juízos desnecessários, nem a condenação e os efeitos preventivos que se querem actuados pela aplicação da pena são compensados. Em síntese pode-se afirmar que, não obstante os grandes propósitos, e na prática, o grande objectivo das alterações introduzidas em sede de recurso referiu-se aos recursos interpostos de decisões do tribunal colectivo pretendendo criar condições para o controle da matéria de facto das decisões de tal tribunal”. II Se é certo que dos elementos teleológico e histórico nenhuma argumento é susceptível de persuadir sobre a emergência de um denominado direito de opção pelo Tribunal de Recurso em consequência da Reforma de 1998 igualmente é certo que o apelo a princípios de processo civil se mostra totalmente desadequado pois que, ainda na esteira do Professor Figueiredo Dias, os dois ramos de direito processual têm de comum entre eles a circunstância de serem processos inteiramente jurisdicionalizados, em que se trata da comprovação de certos factos e da declaração das consequências jurídicas correspondentes. Assim se compreende que, sendo o direito processual civil aquele que se encontra regulado de forma mais minuciosa, ele possa ser posto como uma espécie de lei subsidiária relativamente ao direito processual penal (artigo 4º). Mas a coincidência termina praticamente aqui. Assim, enquanto o processo civil tem como causa uma relação de direito privado e pertence aos sujeitos desta, quer no seu se quer no seu como, o processo penal deriva juridicamente de um crime, tende à aplicação de uma pena e pertence à sociedade - que a exerce ela própria (acção popular) ou delega o seu exercício em magistrados especializados. Por outro lado, enquanto a relação de direito privado não postula necessariamente uma decisão judiciária para a sua realização concreta (antes esta tem lugar, na generalidade dos casos, independentemente do recurso ao processo), a submissão de um criminoso a reacções criminais só pode dar-se, dentro do Estado, pela via de um processo e da consequente decisão judiciária. Nulla poena sine processu: o processo penal é o necessário pressuposto de realização e complemento do direito penal. Acresce que o direito civil confere aos particulares interessados a faculdade de fazerem valer no processo as suas pretensões ou de, pelo contrário, renunciarem a elas - na medida, pelo menos, em que tal faculdade não lese um interesse público preponderante -, daqui derivando uma quase total disponibilidade do objecto do processo fortemente limitadora dos poderes do tribunal. Uma tal disponibilidade contraria decisivamente a função do processo penal de esclarecer os crimes e punir os criminosos; por isso neste processo o objecto é praticamente indisponível pelos sujeitos processuais, pois que se trata de dar realização a um interesse da comunidade e do próprio Estado. Assim se afirma correctamente, e no essencial com boa razão, que ao processo civil cabe uma natureza privatística, e ao processo penal, pelo contrário, uma natureza e uma estrutura publicísticas. Correspondendo à diferenciação referida dos objectos processuais erguem-se, entre o processo civil e o penal, diferenças marcadas na estrutura e nos princípios fundamentais. Em nosso entender a interpretação dos normativos sistémicos relativos á matéria de recurso, chamando á colação princípios de processo civil, por forma a colocar na disponibilidade do recorrente a definição do Tribunal de Recurso, fazendo depender de um acto de vontade do recorrente a intervenção de um Tribunal Superior, ou deste Supremo Tribunal, em matérias envolventes da própria afirmação do Estado não é compaginável com os princípios de processo penal * O entendimento expresso em termos de recurso aos elemento de interpretação mobilizados tem igualmente o apoio do único texto doutrinal em que tal que esta questão é especificamente analisada. Na verdade, de acordo com José Manuel Vilalonga (1) duplo grau de jurisdição reporta-se necessariamente, no actual quadro constitucional, à matéria de direito e à matéria de facto. Quanto à matéria de direito, o duplo grau de jurisdição encontrava-se assegurado na versão originária do Código de Processo Penal, Já o duplo grau de jurisdição em matéria de facto das decisões do tribunal colectivo e do tribunal de júri não tinha consagração legal uma vez que de tais decisões era interposto recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça que só conhecia de direito, bem como dos vícios que resultassem do texto da própria decisão e de determinadas nulidades. Tal circunstância consubstanciava uma drástica restrição do direito e, por essa via, das garantias de defesa. Actualmente, com a consagração do recurso das decisões do tribunal para o tribunal da relação, quando se vise a reapreciação da matéria de facto (artigo 432. °, alínea d), do Código de Processo Penal), tal questão encontra-se, quanto a estas decisões, ultrapassada. Coloca-se, porém, a questão de saber se o recurso deve ser interposto obrigatoriamente perante o Supremo Tribunal de Justiça quando apenas se vise a reapreciação da matéria de direito. Admite-se a obrigatoriedade do recurso per saltum nesta categoria de casos, uma vez que será o Supremo Tribunal de Justiça a última instância a decidir. Existindo a possibilidade de intervenção do tribunal que ocupa o topo da hierarquia dos tribunais judiciais, através da interposição de um outro recurso, ainda que pela acusação, não tem fundamento a multiplicação da possibilidade de prolação, por via da apreciação pela instância intermédia, de uma decisão favorável (que, como se referiu, sempre seria impugnável pela acusação perante o Supremo Tribunal de Justiça). Considera-se, por outro lado, que o disposto no artigo 434.° do Código de Processo Penal, isto é a possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça conhecer dos vícios a que se refere o artigo 410.°, nº 2 e 3, do Código de Processo Penal, tem também aplicação nos recursos previstos na alínea d) do artigo 432.° do Código de Processo Penal, ou seja nos recursos interpostos dos acórdãos do tribunal colectivo para conhecimento exclusivo da matéria de direito. O Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da vigência da redacção originária da alínea d) do artigo 432.° do Código de Processo Penal, detinha já, naturalmente, poderes para conhecer dos vícios referidos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.° do Código de Processo Penal, de acordo com disposto no artigo 434.° do mesmo Código. A alteração da referida alínea d) do artigo 432.°, operada pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, teve fundamentalmente por finalidade permitir o recurso em matéria de facto para o tribunal da relação dos acórdãos proferidos pelo tribunal colectivo, permitindo então uma apreciação da questão de facto mais ampla do que a prevista no artigo 410.°, n.os 2 e 3, do Código de Processo Penal. Tal alteração legislativa não visou (nada indicia que tenha visado) excluir a possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça apreciar os vícios a que se referem os n.s 2 e 3 do artigo 410.° de Código de Processo Penal nos recursos dos acórdãos do tribunal colectivo relativos, em exclusivo, à matéria de direito. A nova redacção da alínea d) do artigo 432.° do Código de Processo Penal não implica, portanto, qualquer redefinição do âmbito de aplicação do disposto no artigo 434.° do mesmo Código, pelo que o Supremo Tribunal de Justiça, nos recursos a que se refere aquela alínea, dispõe (continua a dispor) dos poderes previstos no artigo 434.° do Código de Penal”. Em conclusão estamos em crer, na sequência de argumentação constante de várias decisões deste Supremo Tribunal (Conf. Acórdãos de 14 e 21 de Janeiro de 2004 C.J.Ano XII Tomo I pag. 165 e 178), que dos acórdãos finais do tribunal colectivo é interposto recurso directo para o Supremo Tribunal quando o objecto seja restrito ao reexame da matéria de direito). B Relativamente á questão substancial suscitada pelo recorrente reconduz-se a mesma á interpretação do artigo 78 do Código Penal e, nomeadamente, á afirmação dos pressupostos de formação da pena de concurso de infracções quando este só venha a ser conhecido de forma superveniente. Repescando, novamente, o ensinamento do Professor Figueiredo Dias(3) dir-se-á que: Pressuposto da formação da pena do concurso é que os crimes tenham sido praticados antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles. Nos termos do art. 78.°-1, porém, o regime da pena do concurso será ainda aplicável aos casos em que o concurso só venha a ser conhecido superveniente mente. São dois os pressupostos de que depende esta extensão do regime: a) Pressuposto temporal É necessário, por um lado, que o crime de que haja só agora conhecimento tenha sido praticado antes da condenação anteriormente proferida, de tal forma que esta deveria tê-lo tomado em conta, para efeito da pena conjunta, se dele tivesse tido conhecimento. Momento temporal decisivo para a questão de saber se o crime agora conhecido foi ou não anterior à condenação é o momento em que esta foi proferida - e em que o tribunal teria ainda podido condenar numa pena conjunta -, não o do seu trânsito em julgado. b) Pena anterior ainda não extinta É necessário, em segundo lugar, que a pena proferida na condenação anterior se não encontre ainda cumprida, prescrita ou extinta: só uma pena que ainda se não encontre, por qualquer forma, extinta pode ser integrada no objecto do processo posterior e servir para a formação da pena conjunta. Momento temporal decisivo para saber se a pena anterior já está ou não extinta é, também aqui, aquele em que a nova condenação é proferida e até ao qual ainda se tornaria possível condenar numa pena conjunta. No mesmo sentido aponta Jeschek(4)uando refere que a pena global pode formar-se, também, posteriormente. No seu entendimento constitui requisito para que tal suceda que o facto em juízo posteriormente tenha sido cometido previamente á sentença anterior e que, em consequência, se conclua que deveria ter sido incluído no primeiro processo para a formação da pena global caso o tribunal tivesse conhecimento do mesmo. O momento decisivo para se definir se o facto em juízo ocorreu antes da condenação precedente é a publicação da última sentença em que se resolveu sobre as questões da culpa e da pena e em que o tribunal se deveria ter pronunciado sobre uma pena global. Precisa, ainda, o mesmo Autor que é requisito fundamental a circunstância de a pena anterior não se encontrar já executada ou prescrita, porquanto só uma pena não extinta se presta á inclusão no novo processo e a ser utilizada na formação da pena global. Estamos em crer que a letra da lei e a análise dos respectivos trabalhos preparatórios inculcam a ideia expressa no campo doutrinal. Aceitando que assim é Paulo Dá Mesquita(5) recoloca a questão numa perspectiva infra constitucional argumentando em dois segmentos. Por um lado, defende a ideia de que a letra do artigo 78 do código Penal comporta a interpretação de que para o conhecimento superveniente do concurso de penas e o sequente cúmulo jurídico é a exigência de que, pelo menos uma dessas penas, transitada em julgado, não esteja cumprida, prescrita ou extinta. e, por outro, que só com tal acepção tem acolhimento o principio da igualdade consagrado constitucionalmente. Importa uma breve análise sobre tal elaboração que, conforme se referiu não se partilha:-O Tribunal Constitucional(6). , em diversas ocasiões, teve oportunidade de esclarecer que o princípio da igualdade, para além das especificações ou concretizações que recebe no nº 2 do art. l3." da Constituição, reconduz-se à ideia geral da proibição de distinções arbitrárias, isto é, desprovidas de justificação racional (ou fundamento material bastante), atenta a especificidade da situação ou dos efeitos da causa. Esse princípio, na verdade, não tem um conteúdo puramente formal (traduzido simplesmente no dever de igual aplicação da lei), mas obriga (materialmente) a lei segundo a consabida fórmula «dar tratamento igual ao que é igual e tratamento desigual ao que é desigual. Averiguar, porém, da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir das circunstâncias e factores a ter como relevantes nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação. Por isso o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente aos operadores jurídicos, em sede de controlo de constitucionalidade, como um princípio negativo, nos termos indicados - como proibição do arbítrio. Por outro lado, se é verdade que igualdade não corresponde a uniformidade, também não se pode postergar que este princípio constitui um limite da discriminação permitida, pois a Constituição exige que haja uma razoável relação de adequação e proporcionalidade entre os fins prosseguidos pela norma e a concreta discriminação por ela introduzida. Arrancando de tal principio e extrapolando para o problema em análise, o mesmo Autor coloca a interrogação: -caso o art. 79.°, do CP 82 (art. 78.°, da Red. 95) impusesse como requisito para o cúmulo jurídico de penas, que estas não estivessem cumpridas, prescritas ou extintas dava origem a uma discriminação violadora do art. 13.° da Constituição, e, em consequência, geradora da sua inconstitucionalidade. Na sua perspectiva, o que tem de se saber é se existe uma relação de razoável adequação e proporcionalidade entre o fim prosseguido pela norma, caso proibisse o cúmulo jurídico de penas cumpridas, prescritas ou extintas - a salvaguarda do valor do caso julgado (?) - e a discriminação provocada - nos casos de concurso de penas conhecido supervenientemente, entre o indivíduo cujas penas estão todas por cumprir e aquele outro que já cumpriu algumas das penas. Este é, verdadeiramente, o núcleo essencial da questão colocada, ou seja, a diversidade de tratamento de que são alvo distintos arguidos consoante as respectivas penas relativa a concurso relevante, nos termos do artigo 79 do Código Penal se encontrem, ou não, cumpridas, extintas ou prescritas.Porém, importa precisar que, em nosso entender, o que está em causa não é umas distinção arbitrária desprovida de justificação racional pois que, numa perspectiva sistémica e coerente é lógico que, em relação a penas relativamente ás quais se cumpriram, em toda a sua virtualidade, as finalidades de protecção de bens jurídicos e reintegração do agente, e como tal se extinguiram, se esteja a formular uma repristinação sem coerência com os princípios legais. Aliás, lateralmente, seja permitido referir que das críticas formuladas pelo mesmo autor irradia um outro segmento de exigência nomeadamente no que compete á flexibilidade de funcionamento do sistema penal e nomeadamente á necessidade de um espaço comunicacional célere criando condições para que o conhecimento superveniente seja cada vez mais uma realidade residual substituída pela punição do concurso nos termos gerais estatuídos pelo artigo 77 do Código Penal * Nestes termos entende-se que a decisão recorrida, na efectivação do respectivo cúmulo jurídico, agiu de acordo com a melhor interpretação do normativo citado. Termos em que se julga improcedente o presente recurso confirmando-se a mesma decisão. Custas pelo recorrente. Taxa de Justiça 6 UC Lisboa, 20-09-2006 Santos Cabral (relator) Pires Salpico Henriques Gaspar ______________________________ (1)Colectânea de jurisprudência Ano (2) Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais-(Direito de Recurso em Processo Penal pag 376 e seg) (3)As Consequências Jurídicas do Crime pagina 293 e seg (4)Tratado de Derecho Penal pag 668 e seguintes (5)O Concurso de Penas pag 77 e seg (6)Acórdão nº 142/85 também citado pelo referido Autor. |