Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02A3518
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO MONTEIRO
Nº do Documento: SJ200301280035181
Data do Acordão: 01/28/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 787/02
Data: 05/23/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal e Justiça:

I - "A", por apenso aos autos de execução instaurada contra si por B, veio deduzir embargos de executado.

Alega que a sentença dada à execução não condenou na importância pretendida pelo exequente, não sendo também devidos os juros de mora pedidos.

Contestando, o embargado sustentou que a existir eventual vício de sentença, o mesmo estaria sanado, pelo que é devida a quantia pedida.

Em saneador-sentença os embargos foram julgados procedentes.

Apelou o embargado.

O Tribunal da Relação confirmou o decidido.

Inconformado, recorre o embargado para este Tribunal.

Formula as seguintes conclusões:
- O Tribunal ora recorrido considerou existir um erro de cálculo aquando da soma dos valores relativos à indemnização a título de danos patrimoniais e, decidiu em favor da ora recorrida confirmando a decisão de primeira instância proferida em sede de embargos de executada, considerando que o erro pode ser rectificado a todo o tempo e, como tal o ora recorrente não dispunha de título executivo que lhe permitisse instaurar a referida execução;
- Não assiste razão ao Tribunal "a quo", desde logo porque, se houve um qualquer erro de cálculo por parte do Tribunal de 1ª instância em sede de acção declarativa, a sua rectificação envolve uma decisão de mérito que neste momento não pode ter lugar em virtude do princípio de caso julgado tanto mais que se é defensável considerar que houve lapso na soma das parcelas, também é legítimo considerar que o total está correcto subsistindo lapso de escrita na transposição para o papel de uma das verbas indemnizatórias;
- A decisão na acção declarativa é clara ao condenar a ora recorrida no montante total de 13.404.808$00 sendo que, tal decisão não foi alterada pelo Tribunal da Relação do Porto transitando em julgado, sem que a ora recorrida tivesse pedido qualquer esclarecimento, acabando por, adquirir força de título executivo nos precisos termos em que condenou a ora recorrida;
- Nem sequer o âmbito dos presentes autos permite a decisão recorrida. Não pode o Juiz em sede de embargos de executado (acção executiva), alterar a decisão proferida em sede de acção declarativa, decisão essa confirmada pelo Tribunal da Relação, num processo em que apesar de interposto recurso para o STJ, foi o mesmo julgado deserto por inércia da própria recorrente, ora recorrida;
- Nos termos do disposto no artigo 667º do CPC, considera-se que os erros de cálculo podem ser rectificados por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou, por iniciativa do Juiz sendo que, a rectificação só pode ter lugar antes do recurso interposto subir, podendo as partes alegar perante o Tribunal superior o que entendam de seu direito quanto à rectificação. Pretendeu o legislador com este normativo estabelecer a regra de que os erros materiais só podem ser corrigidos pelo Tribunal que os cometeu e, não por um outro;
- Tal como muito bem referiu Dr. Abílio Neto em nota ao artigo 666º do CPC "constitui jurisprudência corrente que o erro de escrita cometido em peças processuais é rectificável nos termos do artigo 249º do CC, enquanto a questão não estiver definitivamente resolvida";
- Neste mesmo sentido, o Ac. da Relação de Lisboa de 15.12.1994, CJ 1994, 5º, 127; o Ac. da Relação do Porto de 01.01.1973, BMJ nº 223, 285;
- Nestes termos, deverá a decisão proferida pelo Tribunal "a quo" e, ora recorrida ser revogada considerando-se os embargos totalmente improcedentes;
- Sem conceder, quem entrou em mora foi a ora recorrida pelo que, sem prejuízo do alegado supra, deverá a sentença ser revogada, ficando, por via disso, a recorrida constituída na obrigação de pagar juros de mora ao recorrente;
- Na sequência de tudo o alegado, deverá a recorrida ser condenada no pagamento de custas porquanto foi ela quem deu causa ao presente pleito, limitando-se o ora recorrente a ter interposto uma execução de uma sentença que, por si, constitui título executivo;
- A decisão recorrida viola o disposto no artigo 667º do CPC, entre outros;

Contra-alegando a recorrida defende a manutenção do decidido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - Vem dado como provado:

Por sentença de 20.08.1999 a ré foi condenada a pagar ao autor/exequente a quantia de 11.704.808$00, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a partir da citação até integral pagamento; e a quantia de 1.700.000$00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a decisão, à taxa legal;

A título de danos emergentes, a ré foi condenada a pagar a quantia de 1.387.800$00;

A título de lucros cessantes, foi a ré condenada a pagar a quantia de 279.105$00;

Para compensar a perda de ganho do autor, foi a ré condenada a pagar ao autor a quantia de 8.337.903$00;

A título de danos não patrimoniais, foi a ré condenada a pagar a quantia de 1.700.000$00;

Foi a ré condenada a pagar a quantia de mais 3.395.865$50, a acrescer ao montante dos danos patrimoniais, a título de actualização desse montante, tendo em conta o tempo entretanto decorrido;

No acórdão do Tribunal da Relação do Porto, consta o seguinte:

Nesta conformidade, acorda-se em julgar parcialmente procedente a presente apelação e, assim, alterar a sentença recorrida, no sentido de que os montantes indemnizatórios aí referidos não devem ser sujeitos a qualquer actualização, confirmando-se a mesma sentença no restante decidido;

Em 18.09.2000, foi instaurada execução em que foi liquidada a quantia de 18.061.288$00, assim discriminada:
- 11.704.808$00, a título de danos patrimoniais;
- 1.700.000$00, a título de danos não patrimoniais;
- 4.656.480$00, juros;

Foi emitido pela executada um recibo indemnizatório, no montante de 15.597.489$00, que foi devolvido pelo exequente.




III - Em acção declarativa que correu termos, a ré, ora embargante, foi condenada a pagar a título de danos patrimoniais (além do mais que aqui não interessa), as seguintes parcelas: 8.337.903$00; 1. 387.800$00; 279.105$00.

Na sentença em vez de se escrever 10.004.808$00, que corresponde à soma das referidas parcelas, escreveu-se que era devido a título de danos patrimoniais o montante de 11.704.808$00.

O Tribunal da Relação confirmou nessa parte o decidido, sem porém se referir à divergência.

O autor, com base na sentença, instaurou execução indicando a título de danos patrimoniais a quantia de 11.704.808$00.

A executada embargou defendendo que não era esse o montante que resultava da soma das parcelas. As instâncias julgaram os embargos procedentes.

Daí o recurso do exequente-embargado.

Sustenta que a ter existido um erro, o mesmo está sanado, uma vez que a decisão transitou em julgado.

É esta a questão a decidir.

Diga-se antes de mais que a existência de um erro na soma das parcelas é óbvia e o recorrente não pode ignorá-lo. Bastaria que na execução tivesse discriminado as parcelas, o que não fez, para necessariamente ver que existiu um erro.

Trata-se de um erro material, sob a forma de erro de cálculo, existindo erro na simples soma das parcelas, chegando o Juiz a um resultado diferente do que chegaria se tivesse efectuado correctamente a operação. O teor da decisão, a discriminação das parcelas e a justificação do quantitativo de cada uma delas não deixa qualquer dúvida.

Não se trata aqui claramente, de erro de julgamento em que o Juiz disse o que queria mas decidiu mal.

Nesse caso não pode voltar atrás e emendar o que escreveu.

O princípio da intangibilidade da decisão judicial pressupõe que a sentença ou despacho reproduz fielmente a vontade do Juiz, se houve erro material na expressão dessa vontade, a regra da intangibilidade não funciona - Prof. Alberto Reis - "Código de Processo Civil Anotado", V, pág. 130.

Em conformidade é lícito ao Juiz rectificar erros materiais (artigo 666º nº 2 do C. Processo Civil).

O simples erro de cálculo, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, dá direito à rectificação desta, nos termos do artigo 249º do C. Civil.

Esta norma de direito substantivo é aplicável não só às declarações no âmbito dos negócios jurídicos, mas ainda sempre que se verifique a sua razão de ser, designadamente aos actos judiciais, como é o caso de uma sentença em que ocorre erro num cálculo matemático.

Tratando-se de um erro material e não tendo qualquer das partes requerido oportunamente a sua rectificação, pode o mesmo ser corrigido por iniciativa do Juiz a todo o tempo (artigo 667º nº 1 e 2 do C. Processo Civil).

Como correctamente se decidiu, não tem o autor direito aos juros pedidos, uma vez que sendo ele que não aceitou a prestação, foi ele que incorreu em mora (artigo 813º do CC).

Acrescenta-se uma nota.

Nas variadas reformas que têm existido no nosso ordenamento processual civil, desde o Decreto nº 12 353, de 22.09.1926 até ao Dec.-Lei nº 329-A/95, de 15 de Dezembro, sempre se tem procurado obter uma decisão de mérito, que opere a justa e definitiva composição do litígio, privilegiando claramente a decisão de fundo sobre a mera decisão de forma.

Procura-se o triunfo da justiça material assente na correcta interpretação e aplicação do direito substantivo, sobre a pura justiça formal - Prof. Antunes Varela - "Manual de Processo Civil", 2ª ed., pág. 13.

A verdade porém é que, muitas vezes, as partes procuram aproveitar-se de qualquer deslize processual, de qualquer lapso material para procurar que a questão formal favoreça as suas teses, em prejuízo da verdade material.

O acórdão recorrido não merece pois qualquer censura.

Pelo exposto, nega-se a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 28 de Janeiro de 2003.

Pinto Monteiro

Lemos Triunfante

Reis Figueira