Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | CUSTÓDIO MONTES | ||
Descritores: | MANDATO JUDICIAL ÓNUS DO MANDANTE PAGAMENTO DE TAXAS | ||
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Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 12/03/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | 1. No mandato judicial, compete ao mandante fornecer ao mandatário os meios necessários à execução do mandato e fazer-lhe provisão por conta da retribuição, de acordo com os usos. 2. Cabe ao mandante e não ao mandatário pagar a taxa de justiça subsequente e multa aquando da apresentação das alegações. 3. O desentranhamento destas e a consequente deserção do recurso por falta daquele pagamento não constitui acto ilícito imputável ao advogado, a menos que as respectivas quantias lhe tivessem sido entregues ou que fora acordado que o advogado as pagaria mesmo sem as receber adiantadas. | ||
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Decisão Texto Integral: | Relatório AA- Reciclagem de Aparas de Madeira e Derivados Lda Intentou contra BB Acção declarativa de condenação sob a forma ordinária Pedindo A sua condenação a pagar-lhe a quantia a liquidar ulteriormente, a título de indemnização pelos danos causados pelo incumprimento defeituoso do contrato de mandato que lhe conferiu como advogado. Alega a violação de vários deveres no exercício desse mandato, o que lhe causou prejuízos, a saber, - o R. aconselhou a A. a não cumprir a transacção que efectuou com “Leão Moreira António Leão, Lda”, e que lhe proporia acção a pedir-lhe prejuízos pelo incumprimento contratual da venda das máquinas que esta lhe vendeu; e que não propôs tal acção; - não contestou, com culpa, a acção que aquela firma lhe propôs a pedir a resolução do contrato de venda das máquinas, na sequência de não ter cumprido a transacção e que o recurso que interpôs foi julgado deserto por falta de pagamento da taxa de justiça; - em consequência da apreensão de várias máquinas da A. na sequência da providência cautelar mencionada nos autos, a A. viu-se impossibilidade de satisfazer várias encomendas, o que a forçou a cessar a actividade, tendo sido intentadas contra si várias acções executivas, em consequência da sua paralisação; - embora ainda não vendido o seu património, não sabe qual a sua depreciação por causa dessa venda. O R. contestou por impugnação. A A. respondeu. Efectuado o julgamento, foi a acção julgada improcedente. Inconformada, a A. apelou, sem sucesso, pedindo agora revista que termina com as seguintes Conclusões 1. Recorrente e Recorrido celebraram um contrato de mandato, com vista à representação judicial. 2. O contrato de mandato conferido a Advogado, e face aos especiais contornos que assume essa relação contratual, decorrente da função social deste e plasmados no Estatuto da Ordem dos Advogados, impõe-lhe especiais deveres, vertidos em Lei, designadamente: "o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas"; o dever de "estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade"; o dever de "cessar, sem motivo justificado, o patrocínio das questões que lhe estão cometidas" e o dever de, "ainda que exista motivo justificado para a cessação do patrocínio, [ ... ] não fazê-lo por forma a impossibilitar o cliente de obter, em tempo útil, a assistência de outro advogado" 3. Considerando os factos dados por assentes e provados pela MM. Juíz do Tribunal Judicial de Paredes, concluísse que o recurso somente soçobrou porque não terá sido liquidada a taxa de justiça que o Recorrido declara, nas alegações que apresentou, ter junto, sem que este, em face de tal decisão tenha esboçado qualquer reacção, que lhe era exigível, permitindo o desentranhamento das mesmas alegações e a consequente deserção do recurso. 4. A improcedência do recurso inviabilizou, de forma definitiva, a possibilidade da Recorrente retroverter a decisão proferida na acção definitiva, intentada na sequencia do arresto decretado, existindo, em face dos argumentos vertidos nas alegações apresentadas, uma probabilidade séria do recurso obter vencimento, evitando os prejuízos que decorreram do transito em julgado da decisão posta em crise. 5. Acresce que, a mera perda da oportunidade de litigar, encerra em si um dano moral, cuja indemnização deverá ser contabilizada por recurso à equidade 6. Encontram-se, assim, reunidos todos os pressupostos legais da responsabilização civil contratual, pelo que deverá ser revogada a decisão proferida pela 1,8 Instância e confirmada pela Relação do Porto, condenando-se o Recorrido a indemnizar a Recorrente dos danos sofridos e advenientes do cumprimento defeituoso do contrato de mandato celebrado, a liquidar em execução de sentença. Não foram oferecidas contra alegações. Corridos os vistos, cumpre decidir. Fundamentação Factos provados – os assim considerados pelas instâncias, nos termos do art. 713.º, 6 do CPC. O direito Muito embora a A. tenha formulado um pedido indemnizatório com mais abrangência, nas conclusões delimitou o objecto do recurso, como a lei (1). lho permitia, aos danos decorrentes do facto de ter soçobrado o recurso interposto por o R. não ter “esboçado qualquer reacção”, que lhe era exigível, permitindo o desentranhamento das alegações de recurso por falta de pagamento da taxa de justiça, que ele próprio diz ter liquidado, e que a improcedência do recurso inviabilizou a possibilidade de “retroverter a decisão proferida na acção definitiva, intentada na sequência do arresto decretado, quando havia uma probabilidade séria de obter vencimento do recurso, segundo os argumentos ali vertidos, evitando os prejuízos que decorreram do trânsito em julgado da decisão posta em crise”; além de que a mera oportunidade de litigar encerra em si um dano moral. Está assente, sem discussão, que entre a recorrente e o R. havia sido firmado um contrato de mandato judicial, por este ser advogado, mediante o qual o R. interveio, nessa qualidade, na providência cautelar referida no n.º 1 da matéria de facto e no recurso interposto na acção, também referida na matéria de facto (n.º8). O contrato de mandato, como é sabido, é um contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra(2)., incumbindo obrigações quer ao mandante quer ao mandatário(3). No mandato judicial compete ao advogado, para além das obrigações que impendem sobre um mandatário“(4)., as específicas da advocacia compreendidas no EOA (5) , designadamente as do art. 83.º, c), g) e j): “dar ao cliente a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que este invoca, assim como prestar sempre que lhe for pedido, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas, estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando, para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade, dar conta ao cliente de todos os dinheiros deste que tenha recebido, qualquer que seja a sua proveniência, e apresentar nota de honorários e despesas, quando solicitadas, a não abandonar o patrocínio do constituinte ou o acompanhamento das questões que lhe estão cometidas sem motivo justificado”. Deve, no fundo, exercer o mandato com a diligência de um bom pai de família(6) , ou seja, dum homem médio, embora considerando as especificidades do mandato(7). que, no caso, é um mandato judicial, exercido, pois, por um advogado. São pressupostos da obrigação de indemnizar(8) um facto voluntário do agente, que esse facto seja ilícito, o nexo de imputação do facto ao lesante, o dano e nexo entre o facto ilícito e o dano(9). O facto ilícito que a recorrente imputa ao R. deriva de ele não ter esboçado qualquer reacção ao desentranhamento das alegações de recurso, o que motivou ter sido julgado deserto, por falta de alegações, mandadas desentranhar, por falta de pagamento da taxa de justiça e da multa subsequente ao não pagamento daquela, que o R. diz ter pago. Foi, de facto, essa a causa que determinou o desentranhamento das alegações. Mas o pagamento dessa taxa e multa subsequente é da responsabilidade do mandante e não do R., a menos que as respectivas quantias lhe tivessem sido adiantadas ou se tivesse alegado e demonstrado que o R. se comprometera a pagar essas importâncias mesmo que a A. lhas não adiantasse. E, apesar de ter sido alegado que a A. havia entregue 500€ ao R. para despesas e honorários, tal facto não se provou(10). Ora, é obrigação do mandante fornecer ao mandatário os meios necessários à execução do mandato e fazer-lhe provisão por conta da retribuição, de acordo com os usos. Na verdade, como ensina Januário Gomes(11), “não seria razoável que fosse exigido ao mandatário o adiantamento de meios próprios para a execução ou continuação de execução do mandato, quando é o mandante, como verdadeiro interessado, que os deve fornecer. O mandatário tem o direito de abster-se da execução e normalmente terá também toda a vantagem em fazê-lo: o mandante que não fornece os meios não está, em princípio, em condições de, uma vez executado o mandato, cumprir as obrigações referidas nas als. b), c) e d) do art. 1167.º”. Embora um mandatário judicial deva providenciar para que um recurso não fique deserto pelo desentranhamento das alegações por falta de pagamento de taxas e multa, a lei não impõe ao advogado o adiantamento de tais importâncias. As alegações foram oferecidas, sendo essa a principal tarefa do advogado. O seu desentranhamento por falta de pagamento pode resultar de muitos factores, designadamente, da circunstância de se ter concluído que não valeria a pena o pagamento da taxa e da multa em face da pequena probabilidade do êxito do recurso, tanto mais que, no caso, a acção não fora contestada e os factos alegados pela A. haviam sido dados como provados. Mas, abstraindo dessa circunstância, é à parte que cabe pagar tais taxa e multa ou dar provisão ao advogado para ele próprio o mandar fazer(12). Por isso, o desentranhamento das alegações oferecidas por falta de pagamento da taxa de justiça e da multa não pode ser imputado ao R. porque tal tarefa compete ao mandante que não ao mandatário. Falta, pois, desde logo, o facto ilícito, pressuposto da obrigação de indemnizar. Quanto ao dano, diz a recorrente que o facto de o recurso ter sido julgado deserto inviabilizou a recorrente de fazer retroverter a decisão proferida na acção definitiva, evitando-se assim os prejuízos que daí advieram. Ora, o único dano alegadamente sofrido pela recorrente que resulta como provado – resposta ao n.º 14 da BI - é o de que a recorrente, em consequência da apreensão das máquinas, “se viu impossibilitada de satisfazer as encomendas que tinha em carteira e de cumprir as obrigações que tinha contraído para com os seus fornecedores”. Mas as máquinas foram apreendidas na providência cautelar referida nos autos e essa apreensão só não ficou sem efeito porque a recorrente não cumpriu o acordado na transacção que aí foi firmada entre si a “Leão Moreira António Leão, Lda”, com o patrocínio do R. Tal dano não deriva, pois, daquele facto – desentranhamento das alegações que, aliás, nem sequer é imputável ao R., como se disse, - nem, por outro lado, existe entre o facto imputado ao R. e o dano qualquer nexo causal, tal como muito bem se fundamenta na decisão recorrida. Finalmente, diga-se que, quanto ao dano moral pela perda da oportunidade de litigar, tal facto não integra a causa de pedir nesta acção nem os recursos servem para decidir questões novas nunca colocadas nas instâncias. Não tendo provado os pressupostos de que depende a condenação do R. em indemnizar a recorrente, ónus que a si lhe competia, nos termos do art. 342,º, 1 do CC, evidente se torna que o recurso não merece provimento. Decisão Pelo exposto, nega-se a revista, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Lisboa, 03 de Dezembro de 2009 Custódio Montes (Relator) Alberto Sobrinho Maria dos Prazeres Pizarro Beleza _______________________ |