Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05P1272
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMAS SANTOS
Descritores: TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
MEDIDA DA PENA
PENA DE EXPULSÃO
Nº do Documento: SJ20505120012725
Data do Acordão: 05/12/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIAL.
Sumário : 1 - O privilegiamento do crime de tráfico de estupefacientes dá-se, não em função da considerável diminuição da culpa, mas em homenagem à considerável diminuição da ilicitude da conduta, que se pode espelhar, designadamente:
- Nos meios utilizados;
- Na modalidade ou nas circunstâncias da acção;
- Na qualidade ou na quantidade das plantas, substâncias ou preparações.
2 - Se se trata de um «correio» de droga, por via aérea no interior do intestino, que introduziu no país 634,122 gramas de cocaína, nem a quantidade, nem a qualidade da substância, nem os meios utilizados e da modalidade ou das circunstâncias da acção permitem afirmar uma ilicitude consideravelmente diminuída.
3 - O mesmo se diga da circunstância de se tratar de um «correio», pois, diferentemente do que sucede com a culpa, o co-autor comparticipa na ilicitude da actividade de importação de droga a que aderiu.
4 - No caso, tendo o arguido agido com dolo eventual, estando arrependido e não tendo antecedentes criminais, aceita-se que a pena se situe em 4 anos e 6 meses de prisão.
5 - Tratando-se de um cidadão búlgaro, que já procurou emprego em Portugal e cujo país acabou de iniciar o processo de adesão à União Europeia, é mais adequado o período de 5 anos da pena acessória de expulsão.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1.1.
O Tribunal Colectivo da 8ª Vara Criminal de Lisboa (proc. n.º 53/04, NUIPC 6829/04.3TDLSB da 3ª Secção), por acórdão de 9.2.2005, condenou IEN, com os sinais dos autos, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes do art. 21º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 anos de prisão e na pena acessória de expulsão de Portugal pelo período de 10 anos, nos termos do disposto nos arts. 34º, n.º 1, do DL n.º 15/93, 101º, n.º 1, e 106º, ambos do DL n.º 244/98, de 8 de Agosto, o primeiro na redacção introduzida pelo DL n.º 4/2001, de 10 de Janeiro.
1.2.
Recorreu o arguido a este Tribunal, requerendo a produção de alegações escritas, e concluindo na sua motivação:

1) Decidiu o douto acórdão recorrido na ponderação dos factos, com único se não, por violação do artigo 32 e 13 da CRP ao condenar o recorrente não pelo art.° 25 do Dec. Lei 15/93 de 22.1 mas sim pelo art.° 21 do mesmo diploma legal esquecendo o tribunal que dos factos provados resulta que o recorrente procedeu ao transporte e que dos factos não provados resulta que não se deu como provado, que o recorrente sabia que o que transportava era estupefacientes e ainda o produto estupefaciente transportado pelo arguido destinava-se a ser por este transaccionado.

2) Do que resulta inelutavelmente, e que o recorrente contesta, única e exclusivamente a medida da pena aplicada de 5 anos de prisão, face à factualidade apurada não permitir a aplicação do art.° 21 do Dec. Lei 15/93 de 22.1 que funciona como o crime de tráfico na sua forma simples quando o dispositivo legal em que o cometimento do recorrente como "correio" "transporte humano" que é se deveria integrar na sua forma privilegiada do art.° 25 da mesma lei uma vez que o próprio acórdão dá como não provado que o arguido conhecesse que se tratava de produto estupefaciente que transportava dentro do seu corpo em embalagens seladas para o efeito, nessa parte assiste razão ao recorrente. Logo nos factos apurados não podem subsumir-se ao art.° 21 do DL, pelo que violou-se artigo 21 do DL 15/93 de 22.1 por força do preceituado no artigo 355° do C.P.P. (proibição de valoração da prova)

3) As penas de prisão, mesmo elevadas tem de conter em si um elemento ressocializador e não violação de princípios constitucionais de adequação de necessidade e da circunstância de acção e nunca a do efeito estigmatizante.

4) A decisão recorrida violou nesta parte, os artigos 32 e 13 da CRP, 70°, 71° e 73 todos do C.P

5) Assim deve ser fixado ao recorrente a pena de três anos de prisão suspensa por cinco revogando nesta parte o douto acórdão recorrido. Deve ainda quanto à pena de expulsão ser a mesma reduzida por ser um exagero os 10 anos atribuídos face a casos similares julgados em Portugal com estrangeiros, para cinco anos de expulsão.

1.3.

Respondeu o Ministério Público que concluiu:

- O douto acórdão recorrido não merece censura, pois fixou correctamente a matéria fáctica pertinente, que qualificou e sancionou de forma adequada e criteriosa;

- pelo que deverá ser mantido.

2.

Neste Supremo Tribunal de Justiça teve vista o Ministério Público.

Assinalado o respectivo prazo, foram produzidas alegações orais pelo Ministério Público que admitiu uma diminuição da pena, atendendo ao tipo de dolo e à quantidade transportada.

Colhidos os vistos legais, teve lugar a conferência, pelo que cumpre conhecer e decidir.
E conhecendo.
3.
Suscita o arguido, no seu recurso, as seguintes questões:
- Qualificação jurídica da sua conduta;
- Medida da pena;
- Duração da pena de expulsão.
4.1.
Antes, porém, de entrar na apreciação destas questões, vejamos a factualidade apurada:
Factos provados:
1. No dia 14-06-2004, pelas 14h00, o arguido IEN desembarcou no aeroporto da Portela, em Lisboa, proveniente de S. Paulo, Brasil, no voo TP 190;
2. Nessa ocasião, o arguido transportava no interior do seu organismo 59 (cinquenta e nove) embalagens contendo cocaína, com o peso líquido de 634,122 gramas;
3. O arguido concedeu aos elementos da Polícia Judiciária que o abordaram autorização para a realização de exames médicos;
4. O arguido deu entrada nos serviços de urgência do Hospital S. José, sendo que os exames radiológicos a que foi sujeito revelaram a presença de diversos corpos estranhos no seu organismo;
5. O arguido esteve internado naquele hospital entre as 14h00 do dia 14 e as 07h00 do dia 6-06-2004, período durante o qual expeliu as mencionadas 59 embalagens contendo cocaína;
6. Na posse do arguido foram ainda apreendidos: um telemóvel da marca Siemens, modelo A60, avaliado em €10; um bilhete de avião, em nome de NIE, para o voo FB473, do dia 15 de Junho, às 15h10, com destino a Sófia; um canhão de embarque referente ao voo TP 190; e um papel manuscrito;
7. O arguido pretendia obter como contrapartida do transporte das mencionadas embalagens o montante de € 2.150,00;
8. A droga transportada pelo arguido destinava-se a ser por este entregue a indivíduo cuja identidade não se logrou apurar;
9. O arguido representou como possível que no interior das mencionadas 59 embalagens estivesse acondicionada droga, nomeadamente cocaína, e, ainda assim, decidiu transportá-las do Brasil para Portugal, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;
10. O arguido tem nacionalidade búlgara, não tendo quaisquer laços familiares ou profissionais em Portugal;
11. O arguido está preso preventivamente à ordem destes autos desde 16-06-2004 e anteriormente estava desempregado, o que sucedia desde Novembro de 2003;
12. Na Bulgária o arguido vivia com a companheira, que é professora, mas está desempregada, e com dois filhos, com nove e três anos de idade;
13. Após ter perdido o emprego como engenheiro electrotécnico em Novembro de 2003, o arguido procurou obter trabalho na Áustria, em Espanha e em Portugal, o que nunca conseguiu;
14. A companheira do arguido e os filhos deste vivem actualmente com os seus pais na Bulgária;
15. O arguido não tem antecedentes criminais; e
16. Mostrou arrependimento.

Factos não provados:
a) O arguido sabia que no interior das referidas 59 embalagens estava uma substância estupefaciente;
b) O produto estupefaciente transportado pelo arguido destinava-se a ser por este transaccionado.
4.2.
Qualificação jurídica da sua conduta.
Sustenta o recorrente que se verificou um crime de tráfico de menor gravidade do art. 25.º, al. a) do DL n.º 15/93 e não o crime de tráfico simples de estupefacientes pelo qual foi condenado, esquecendo-se o tribunal que está provado que procedeu ao transporte e que não está provado que sabia que o que transportava era estupefacientes e ainda o produto estupefaciente transportado se destinasse a ser por si transaccionado (conclusão 1.ª) e que funcionou como "correio" "transporte humano" (conclusão 2.ª)

Diz ainda que, «não estando provado que conhecia que se tratava de produto estupefaciente que transportava dentro do seu corpo em embalagens seladas para o efeito, nessa parte assiste razão ao recorrente. Logo nos factos apurados não podem subsumir-se ao art. 21.º, pelo que violou-se o art. 21.º do DL n.º 15/93 por força do preceituado no art. 355.° do C.P.P. (proibição de valoração da prova)» (conclusão 2.ª).

Dispõe-se no art. 355 do CPP que não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência (n.º 1), ressalvando-se as provas contidas em actos processuais cuja leitura em audiência seja permitida (n.º 2). Não faz sentido a invocação, num recurso que visa exclusivamente a matéria de direito, do preceituado naquele artigo para concluir que determinados factos dados como provados não podem fundar uma determinada qualificação jurídica. A invocação de tal normativo poderia, quando muito, operar em recurso da matéria de facto para produzir alteração da matéria de facto, que não vem sequer impugnada neste recurso.

Escreve-se na decisão recorrida a propósito da qualificação jurídica da conduta do arguido:
«3. De harmonia com o que dispõe o n.º 1 do referido art. 21, comete o crime de tráfico quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III.
O bem jurídico tutelado com a incriminação do tráfico de estupefacientes é a incolumidade pública, considerada no aspecto particular da saúde pública, a qual deve ser garantida contra o perigo comum (A este propósito, cfr. o Ac. STJ, de 28-05-1985, in BMJ n.º 347, pág. 220).
Acrescenta Lourenço Martins que, "em segundo lugar, estará em causa a protecção da economia do Estado, que pode ser completamente desvirtuada nas suas regras - como tem sucedido em alguns países da América Latina - com a existência desta economia paralela ou subterrânea erigida pelos traficantes" (in Droga e Direito, 1994, Editorial Notícias, pág. 122).
Os crimes de tráfico constituem ilícitos criminais comuns, formais, (cfr. Ac. do STJ, de 18-02-1986, in BMJ n.º 354, pág. 331.) praticáveis por acção ou por omissão, de perigo abstracto, (cfr. Ac. do Trib. Const. n.º 426/91, de 06-11-1991, publicado no DR, II Série, de 02-04-1992; e o Ac. do STJ, de 27-06-1991, in BMJ n.º 408, pág. 281.) dolosos e congruentes.
A propósito dos crimes de perigo, refere Faria Costa que " (...) os crimes de perigo concreto representam a figura de um ilícito-típico em que o perigo é, justamente, elemento desse mesmo ilícito-típico, enquanto nos crimes de perigo abstracto o perigo não é elemento do tipo, mas tão-só motivação do legislador" (in O Perigo em Direito Penal, 1992, Coimbra, págs. 620 e ss).
"A lei penal, relativamente a certas condutas que envolvem grandes riscos basta-se com a produção do perigo (concreto ou abstracto) para que dessa forma o tipo legal esteja preenchido. O dano que se possa vir a desencadear não tem interesse dogmático imediato. Pune-se logo o perigo, porque tais condutas são de tal modo reprováveis que merecem imediatamente censura ético-social" (cfr. o art. 31º do preâmbulo do Código Penal, constante do Dec.-Lei n.º 400/82, de 23-09.)
Para a prática do crime de tráfico não se torna necessário que o agente tenha intenção lucrativa, bastando-se a lei com um comportamento tipificado no mencionado art. 21º. Como acima se referiu, o crime de tráfico é de congruência total.
Mas para que o agente pratique tal crime, a detenção pelo mesmo do produto estupefaciente também não pode ser exclusivamente destinada ao seu uso pessoal.

In casu, provou-se que o arguido transportou do Brasil para Lisboa 634,122 gramas de cocaína, substância esta incluída na Tabela I-B anexa ao Dec.-Lei n.º 15/93, de 22-01. Mais se provou que a aludida cocaína deveria ser entregue pelo arguido a pessoa cuja identidade desconhece.
Como acima se mencionou, o crime de tráfico de estupefacientes é um crime doloso, bastando a verificação deste em qualquer das suas formas. Na situação em apreço, o arguido representou como possível que no interior das 59 embalagens que transportou no interior do seu organismo estivesse acondicionada droga, nomeadamente cocaína, e, ainda assim, decidiu transportá-las do Brasil para Portugal, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, tendo assim actuado com dolo eventual.
Resulta assim do exposto que o arguido praticou, em autoria material e na forma consumada, um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22-01, com referência à Tabela I-B ao mesmo anexa.».

Estas considerações merecem a nossa concordância e, em boa verdade, nem o recorrente verdadeiramente impugna aquele entendimento, no seu cerne. Antes sustenta que a sua conduta deverá ser integrada na previsão do art. 25.º do mesmo DL n.º 15/93, o que pressupõe exactamente que se verificam os elementos do tipo previsto naquele art. 21.
Na verdade dispõe o art. 25:
«Se, nos casos dos artigos 21 e 22, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:"».
O privilegiamento do crime dá-se, assim, não em função da considerável diminuição da culpa, mas em homenagem à considerável diminuição da ilicitude da conduta, que se pode espelhar, designadamente:
- Nos meios utilizados;
- Na modalidade ou nas circunstâncias da acção;
- Na qualidade ou na quantidade das plantas, substâncias ou preparações.
Vejamos, então, se como pretende o recorrente se prefigura no caso sujeito uma destas ou outra circunstância que traduza uma considerável diminuição da ilicitude da conduta em apreciação que justifique a desgraduação da qualificação jurídica.
Em primeiro lugar, importa assinalar que a qualidade e a quantidade da substância em causa não constituem seguramente o índice de diminuição de ilicitude a que se reporta o falado art. 25. Com efeito, 634,122 gramas não é uma quantidade diminuta, atentas as doses individuais que permite elaborar, e trata-se de uma droga dura e gulosa: a cocaína.
O mesmo se diga dos meios utilizados e da modalidade ou das circunstâncias da acção. Com efeito, trata-se de uma operação de importação de cocaína a partir do Brasil, em que o arguido, para obter como contrapartida o montante de € 2.150,00, transportou para Lisboa, no interior do seu organismo 59 embalagens contendo cocaína, com o peso líquido de 634,122 grs, para entregar a indivíduo não identificado, representando o arguido como possível que essas embalagens contivessem droga, nomeadamente cocaína, e sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Ou seja, trata-se de uma operação complexa: encontrar um búlgaro disposto a ter esta conduta, colocá-lo no Brasil a caminho de Lisboa, a bordo de um avião, com 59 embalagens de cocaína nas suas entranhas, de forma a preservar, no caso de falhanço, a identidade dos donos do negócio. O mesmo é dizer que não se trata de um esquema simples e primitivo, mas sim dum modelo de actuação sofisticado, com recurso a um correio de droga.
Mas, diversamente do que parece pensar o recorrente, a circunstância de se tratar de mero correio não diminui em nada a ilicitude da sua conduta. Na verdade, como resulta do disposto no art. 28, n.º 1 do C. Penal e diferentemente do que sucede com a culpa, o recorrente comparticipa na ilicitude da actividade de importação de droga a que aderiu, com dolo eventual.
Este tem sido, desde sempre o entendimento deste Supremo Tribunal de Justiça que já em 10/1/90 (AJ n.º 5, proc. nº 40309) escrevia que «os correios são indispensáveis à proliferação do tráfico da droga e sem eles o crime já há muito estaria erradicado, pois é evidente que os grandes traficantes não iriam, nem vão, sujeitar-se a ser apanhados com a droga na mão (com o mesmo teor os Acs. de 4/7/90, AJ n.º 10/11 e BMJ 399-215 e de Ac. de 19/6/91, BMJ 408-227); que «a actuação do arguido como "correio" é tão grave como a do traficante, pois limita-se a ir buscar a droga a um lado, para a entregar noutro, a fim de aqui se proceder à venda» (Ac. de 19/2/97, proc. nº 1049/96) e que «dada a indiscutível e perniciosa importância do papel que os chamados "correios de droga" desempenham nos circuitos de tráfico, facilitando a circulação e a disseminação de estupefacientes, não deve usar-se para com eles de demasiada benevolência» (Ac. de 18/2/99, proc. nº 1390/98).

Nesta linha, em que nega a menor ilicitude da conduta dos correios de droga, se situam, entre outros os acórdãos de 16/1/90, BMJ 393-250, de 20/6/90, AJ n.º 10/11, BMJ 398-298, de 26/6/91, proc. nº 41729, de 9/12/92, proc. nº 43308, 7/7/94, proc.nº 46762, de 21/2/02, proc. nº 227/02-5, de 12/12/01,proc. nº 3344/01-3, de 2/10/03, proc. nº 2401/03-5, de 16/10/03, proc. nº 3224/03-5, de 5/11/03, proc. nº 3215/03-3, de 5/11/03, proc. nº 2638/03-3, de 14/1/04, proc. nº 4037/03-3, de 15/1/04, proc. nº 4222/03-5, de 18/2/04, proc. nº 4014/03-3, de 4/2/04, proc. nº 4251/03-3, de 3/3/04, proc. nº 4409/03-3, de 14/10/04, proc. nº 2811/04-5, de 7/10/04, proc. nº 2834/04-5, de 21/10/04, proc. nº 3273/04-5, de 21/10/04, proc. nº 2940/04-5, de 25/11/04, proc. nº 3779/04-5 e de 7/4/05, proc. nº 133/05.
Improcede, assim, a primeira pretensão do recorrente.
4.3.
Medida da pena.
Depois de lembrar os fins das penas (conclusão 3.ª), sustenta o recorrente que a decisão recorrida violou quanto à medida da pena, os art.ºs 32.º e 13.º da CRP, 70°, 71° e 73.º todos do C.P (conclusão 4.ª), devendo ser fixada a pena de 3 anos de prisão suspensa por 5 (conclusão 5.ª)

A improcedência da pretensão do recorrente quanto à qualificação jurídica da sua conduta, inviabiliza, por si, a pretensão quantificada quanto à medida concreta da pena, toda a vez que é inferior ao limite mínimo da moldura penal abstracta aplicável, a do art. 21, n. 1 do DL n.º 15/93.
Mas vejamos que a pena, determinada nesse quadro, pode ser diminuída.
Escreve-se, a tal propósito, na decisão recorrida:
«1. Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa agora determinar a medida da sanção a aplicar.

2. De acordo com o supra mencionado art. 21º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22-01, a prática do crime tráfico é punível, em abstracto, com pena de prisão de quatro a doze anos, visto que a cocaína é uma substância compreendida na Tabela I-B anexa àquele diploma legal.

3. Fixada que está, ope legis, a espécie da pena aplicável ao arguido, há que fixar a respectiva medida concreta.
Temos, assim, uma moldura penal abstracta fixada entre quatro e doze anos de prisão.
Como se estabelece no art. 71, n. 1, do Código Penal, a pena concreta deve ser fixada em função da culpa do agente revelada no facto e das exigências de prevenção. Em caso algum a pena pode exceder a medida da culpa do agente, sob pena de se postergar o fundamento último de toda e qualquer punição criminal, que é a dignidade da pessoa humana, tal como resulta do art. 40, n.º 2, do Código Penal. Nas exigências de prevenção, incluem-se tanto as vertentes da prevenção especial como as da prevenção geral, entendida aquela com o sentido de tentar que o agente não volte a cometer novos ilícitos criminais e esta com o sentido da denominada prevenção geral positiva ou de integração, ou seja, de garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada.

Na determinação da medida concreta da pena deve o Tribunal, de acordo com o disposto no art. 71, n.º 2, do Código Penal, atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se no entanto de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido, excepto nos casos em que a sua intensidade concreta supere aquela que foi considerada pelo legislador para efeitos da determinação da moldura penal aplicável.

O limite mínimo da pena a aplicar é assim determinado pelas razões de prevenção geral que no caso se façam sentir; o limite máximo pela culpa do agente revelada no facto; e servindo as razões de prevenção especial para encontrar, dentro daqueles limites, o quantum de pena a aplicar (cfr. DIAS, Jorge de Figueiredo, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, págs. 227 e ss).
Há assim que considerar os seguintes factores (sem esquecer a ambivalência de que podem gozar para efeitos de apreciação em sede de culpa e de prevenção):

- O grau de ilicitude do facto, que se apresenta mediano para uma conduta que integre os elementos típicos do crime de tráfico;
- O dolo do arguido, que reveste a forma de dolo eventual;
- As condições pessoais e a situação económica do arguido;
- O arrependimento mostrado pelo arguido; e
- A ausência de antecedentes criminais do arguido.

No que concerne às exigências de prevenção, as de prevenção geral fazem-se sentir de forma elevadíssima, sentindo a comunidade de forma acentuada a prática do crime de tráfico de droga. Face ao aumento vertiginoso da criminalidade relacionada com o tráfico de estupefacientes, nomeadamente dos crimes contra as pessoas e contra o património, bem como, do próprio crime de tráfico, são particularmente intensas as exigências de prevenção geral positiva.
A culpa do arguido reflecte o grau de ilicitude do facto e, atendendo também aos factores mencionados, situa-se ao nível das necessidades de prevenção geral.
Pelo que, e ponderando as necessidades de prevenção especial ajustadas ao caso vertente (o arguido não tem antecedentes criminais, está familiarmente inserido e mostrou arrependimento), entende o Tribunal dever graduar em 5 (cinco) anos de prisão a pena concreta a aplicar ao arguido.»

De acordo com o disposto nos art.ºs 70.º a 82.º do Código Penal a escolha e a medida da pena, ou seja a determinação das consequências do facto punível, é levada a cabo pelo juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, traduzindo-se numa autêntica aplicação do direito. Não só o Código de Processo Penal regulou aquele procedimento, de algum modo autonomizando-o da determinação da culpabilidade (cfr. art.ºs 369 a 371), como o n.º 3 do art. 71 do Código Penal (e antes dele o n.º 3 do art. 72 na versão originária) dispõe que «na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos da medida da pena», alargando a sindicabilidade, tornando possível o controlo dos tribunais superiores sobre a decisão de determinação da medida da pena.
Determinada a moldura abstracta, numa segunda operação, é dentro dessa moldura penal, que funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente:

- O grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente);
- A intensidade do dolo ou negligência;
- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
- A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

O dolo, diversamente do que sucede neste tipo de crimes, é eventual. O arguido agiu face ao desemprego em que se encontrava. Colaborou com as autoridades depois de detectado, mostra-se inserido social e familiarmente.
Não tem antecedentes criminais e está arrependido.

A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (Ac. do STJ de 17-09-1997, proc. n.º 624/97).
A medida das penas determina-se, já o dissemos, em função da culpa do arguido e das exigências da prevenção, no caso concreto, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra ele.
A esta luz, e atendendo aos poderes de cognição que a este Supremo Tribunal assistem, impõe-se concluir que a pena concreta fixada e que o recorrente contesta, se situa claramente dentro da sub-moldura a que se fez referência e que dentro dela foram sopesados os elementos de facto que se salientaram. No entanto, as circunstâncias de ter agido com dolo eventual e da quantidade de droga transportada se situar nos limites do que usualmente é importado por esta via, admitem que pena se deva antes situar mais perto do limite mínimo, ou seja em 4 anos e 6 meses de prisão (cfr. dentro deste critério, o Ac. 21/10/2004, Processo nº 2940/04-5).
4.4.
Duração da pena de expulsão.
Pretende o recorrente que a pena de expulsão se deva situar no limite mínimo: 5 anos.
Escreve-se na decisão recorrida:
«De harmonia com o disposto no art. 34º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22-01, (...) se o arguido for estrangeiro, o Tribunal pode ordenar a sua expulsão do país, por período não superior a 10 anos (...).
Por fim, de acordo com o que dispõe o art. 101º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 244/98, de 08-08, na redacção introduzida pelo Dec.-lei n.º 4/2001, de 10-01, a pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no País condenado por crime doloso em pena superior a 6 meses de prisão efectiva (...). Acrescenta o art. 106º do Dec.-Lei n.º 244/98, de 08-08, que ao estrangeiro expulso é vedada a entrada em território nacional por período não inferior a cinco anos.
Em conformidade com o disposto nos preceitos legais citados e atentos todos os factores acima expostos, nomeadamente as exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir, o Tribunal entende ainda adequado condenar o arguido na pena acessória de expulsão de Portugal pelo período de 10 (dez) anos.»

As circunstâncias acima evidenciadas a propósito da medida concreta da pena, bem como a próxima entrada do país natal do recorrente na União Europeia, cujo processo já foi desencadeado permitem uma diminuição do prazo fixado para 6 anos, tanto mais que, se o arguido não tem ligações a Portugal, já por cá andou em busca de trabalho, sem êxito, após ter perdido o emprego como engenheiro electrotécnico em Novembro de 2003 (n.º 13 da matéria de facto).
5.
Pelo exposto, acordam os Juízes da (5.ª) Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder parcial provimento ao recurso do arguido, diminuindo a pena e a duração da pena de expulsão, no mais confirmando o acórdão recorrido.
Custas, no decaimento, pelo arguido, com a taxa de Justiça de 3 UCs.

Lisboa, 12 de Maio de 2005
Simas Santos,
Santos Carvalho,
Costa Mortágua.