Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B2771
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: MARCAS
FIRMA
Nº do Documento: SJ200310160027717
Data do Acordão: 10/16/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 9425/02
Data: 02/11/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário : 1. As marcas são sinais distintivos do comércio, que integram os títulos de propriedade industrial, individualizando os produtos ou serviços objecto da actividade dos empresários.
2. A confundibilidade e a diluição das marcas reportam-se, respectivamente, à susceptibilidade de erro ou julgamento sobre a origem ou natureza dos produtos no público consumidor, e à perda da sua eficácia distintiva.
3. A firma é o nome sob o qual os empresários exercem a sua actividade e que os individualizam e designam nas suas relações comerciais, constituindo o género do qual uma das suas espécies é a chamada denominação particular, cujo regime é envolvido pelos princípios da verdade e do exclusivismo.
4. A lei não proíbe que uma denominação social ou marca insira algum elemento já constante de outro sinal distintivo, desde que pela sua natureza, estrutura ou composição seja insusceptível de gerar o erro ou a confusão no comércio, tendo em conta o consumidor médio ou padrão
5. A admissão no registo nacional das pessoas colectivas da denominação particular BRASP-Distribuição de Livros Produtos Multimédia Lda., com o objecto social de distribuição e comércio a retalho de livros CD’s e produtos multimédia, não é legalmente incompatível com anterior registo da denominação das sociedades VASP-Sociedade de Transportes e Distribuição Lda., titular das marcas "VASP", com o objecto social do comércio de transportes de publicações e sua distribuição ou outra actividade que resolva explorar e para a qual não seja necessária licença especial, e da VASP-Porta a Porta, Comércio de Publicações Lda., com o objecto social de transporte e comercialização de publicações pelo sistema de porta a porta.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I
"Vasp-Sociedade Transportes e Distribuições, Lda." e "Vasp-Porta a Porta, Comércio de Publicações, Lda." recorreram, no dia 31 de Maio de 2001, do Despacho do Director-Geral dos Registos e do Notariado, que lhes indeferiu o recurso herárquico interposto do despacho que admitiu a denominação social "BRASP-Distribuição de Livros e Produtos Multimédia, Lda.", com fundamento na sua ilegalidade decorrente da semelhança das marcas "Vasp" da primeira e da denominação da segunda, pedindo a anulação do despacho recorrido e, consequentemente, do direito à exclusividade da denominação social -Distribuição de Livros e Produtos Multimédia Lda.
O Director-Geral dos Registos e do Notariado respondeu no sentido da existência de suficientes dissemelhanças ao nível gráfico e fonético que permitiam a distinção das denominações em causa.
A recorrida afirmou, por seu turno, ser o seu comércio mais restrito do que o da recorrente, ter a sua denominação social derivado de parte do nome da localidade onde nasceu o seu sócio gerente e da primeira letra do nome dele, ser insusceptível de gerar confusão com as denominações sociais e marcas "VASP", situação essa corroborada pelo facto de aquela marca ser notoriamente conhecida por todos quantos estão em contacto com os produtos e serviços em causa.
Na fase do despacho saneador, foi o recurso julgado improcedente, com fundamento em as expressões "VASP" e "BRASP" apresentarem dissemelhanças ao nível gráfico e fonético, implicantes da sua não confusão e da não indução em erro do observador médio quanto à identificação dos respectivos titulares.
Apelaram as recorrentes e a Relação julgou o recurso improcedente, remetendo para a decisão e fundamentos da sentença proferida na 1ª instância.

Interpuseram as recorrentes recurso de revista, no qual, em síntese útil, formularam as seguintes conclusões de alegação:
- a denominação social da recorrida é caracterizada pela expressão inicial BRASP;
- as expressões "BRASP" e "VASP" são muito semelhantes gráfica e foneticamente, sendo muito difícil ao homem médio diferenciá-las quando pronunciadas de forma rápida, como geralmente acontece no comércio, quando por via de regra o destinatário não terá os dois sinais em presença simultaneamente para os poder comparar directamente e em pormenor;
- deve ser acautelada a impressão que o homem médio guarda para si de um sinal distintivo e o eventual efeito de confusão ou erro que nele se produzirá quando mais tarde estiver na presença de outro sinal;
- o homem médio de referência é a pessoa normalmente distraída e não o especialista ou pessoa particularmente atenta;
- se dúvidas se colocassem sobre o erro ou confusão do sinal distintivo "BRASP" com os sinais distintivos "VASP" das recorrentes, a Relação deveria ter ajuizado com base nos critérios acessórios do nº. 2 do artigo 33º do Regime Jurídico do Registo Nacional das Pessoas Colectivas;
- o caso preenche todos esses critérios, o que confirma e reforça a possibilidade de confusão;
- ambas as sociedades são por quotas, as denominações são de sociedades cujo âmbito geográfico é o território nacional, em razão da sua actividade de distribuição e comercialização de publicações, e a actividade das recorrentes abrange a zona da sede da recorrida;
- os direitos conferidos pelos registos das marcas VASP abrangem todo o território nacional, nos termos do artigo 5º, nº. 5, do Código da Propriedade Industrial, incluindo o local da sede da BRASP e a área geográfica onde ela exerce a sua actividade;
- está preenchido o critério da afinidade ou proximidade das actividades por o objecto social da "BRASP" consistir nas mesmas actividades que os objectos sociais das "VASP" e compreende os mesmos serviços que as marcas "VASP" assinalam;
- a denominação social caracterizada pela expressão "BRASP" é utilizada no mesmo âmbito de exclusividade das denominações sociais das recorrentes e no mesmo âmbito de especialidade das marcas "VASP", ou seja a distribuição e comercialização de publicações;
- a Relação não verificou que a possibilidade de confusão do sinal distintivo "BRASP" com as denominações sociais e marcas "VASP" é confirmada pelo recurso aos referidos critérios acessórios ou secundários do juízo de confusão;
- a Relação não se apercebeu que o sinal distintivo "BRASP" pode induzir o homem médio a estabelecer confusão errada entre os serviços de cada uma das recorrentes ou mesmo a crer erradamente que a sociedade "BRASP" pertence ao grupo empresarial "VASP" das recorrentes;
- a Relação deveria ter reconhecido que o uso da denominação social "BRASP" causa diluição da eficácia distintiva das marcas "VASP" das recorrentes;
- o uso da denominação social "BRASP" no mesmo âmbito de actividade e no mesmo âmbito geográfico em que são usadas as marcas VASP causa inevitável enfraquecimento da eficácia distintiva ou poder impressivo dessas marcas, por existir uma denominação social da empresa "BRASP" que, em razão das semelhanças lhes retira o poder de afirmação junto do público consumidor;
- ao limitar-se a confirmar a sentença da 1ª instância, a Relação violou, por inaplicação, os artigos 33º, nºs. 1, 2 e 5, do Regime Jurídico do Registo Nacional das Pessoas Colectivas, aprovado pelo Decreto-Lei nº. 129/98, de 13 de Maio, e 5º, nº. 3 e 207º do Código da Propriedade Industrial;
- deve revogar-se o acórdão recorrido e anular-se o direito à denominação "BRASP-Distribuição de Livros e Produtos Multimédia, Lda." e cancelar-se os respectivos registos no Ficheiro Central do Registo Nacional de Pessoas Colectivas e no Registo Comercial de Viseu.

Respondeu a recorrida, em síntese útil de conclusão:
- o despacho administrativo recorrido foi proferido de harmonia com a lei e o direito à denominação social "BRASP-Distribuição de Livros e Produtos Multimédia, Lda." adquirido de harmonia com ela;
- a denominação social da recorrida é insusceptível de induzir em erro ou confusão com as denominações sociais e marca das recorrentes;
- a expressão BRASP é suficientemente dissemelhante ao nível gráfico e fonético para facilmente permitir ao consumidor em geral, medianamente esclarecido, afastar qualquer erro ou confusão face à expressão VASP dos sinais distintivos das recorrentes, mesmo sem necessidade de um exame atento ou de confronto;
- o critério de avaliação da confundibilidade das expressões em causa não pode ser o de um especialista nem o do consumidor distraído ou descuidado quando as expressões são pronunciadas de forma rápida, mas o do consumidor de atenção média;
- na definição do referido homem médio devem ter-se em conta os produtos ou serviços em causa e a condição social e a cultura do público a que se destinam;
- trata-se de marca notoriamente conhecida por todos os produtores, comerciantes ou eventuais consumidores em contacto com os produtos ou serviços em causa, o que corrobora a facilidade com que o homem médio, utilizando a normal diligência, medianamente exigida em todos os seus actos, pode distinguir as denominações em apreço;
- a actividade da recorrente em todo o território nacional, que lhe permitiu atingir um conhecimento imediato certo e persistente no espírito do público como marca especialmente afamada e objecto de particular divulgação afasta a possibilidade de confusão com a denominação, titularidade ou contornos da recorrida ou de estes últimos provocarem a diluição da eficácia distintiva da marca das recorrentes;
- o âmbito de actividade da recorrida é mais restrito do que o das recorrentes, sendo praticamente impossível que o objecto social da primeira não abrangesse os serviços assinalados pelas segundas, dada a amplitude do objecto social destas empresas e uma vez que para além do comércio de transportes de publicações e sua distribuição, a sociedade poderá exercer qualquer outra actividade que resolva explorar e para a qual não seja necessária autorização especial;
- o acórdão recorrido cumpriu o disposto nos artigos 33º do Regime Jurídico do Registo Nacional das Pessoas Colectivas e 5º, nº. 3, e 207º do Código da Propriedade Industrial.
II
É a seguinte a factualidade declarada provada na Relação:
1. "Vasp-Sociedade Transportes e Distribuições, Lda." está inscrita no registo comercial como tendo por objecto social "a distribuição e comercialização de publicações jornalísticas e editoriais de qualquer natureza", e consta da publicação oficial ser o seu objecto social o comércio de transportes de publicações e sua distribuição, podendo exercer qualquer outra actividade que a sociedade resolva explorar e para a qual não seja necessária autorização especial.
2. "Vasp-Sociedade Transportes e Distribuições, Lda." é titular das marcas "VASP", registadas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial, a nº. 295231 em 15 de Dezembro de 1994, e a nº. 324592 no dia 13 de Julho de 2000, sendo que quanto à última o registo foi requerido no dia 24 de Junho de 1997.
3. "Vasp-Porta a Porta, Comércio de Publicações, Lda." está inscrita no registo comercial desde 26 de Abril de 1994 com a referida denominação, e tem por objecto social "o transporte e comercialização de publicações pelo sistema de entregas directas porta a porta.
4. No dia 22 de Setembro de 2000 foi deferido o pedido de certificado de admissibilidade da denominação "BRASP-Distribuição de Livros e Produtos Multimédia, Lda.", para efeito de constituição de uma sociedade por quotas, com sede em Viseu, com o objecto social de "distribuição e comércio a retalho de livros, CD’s e produtos multimédia".
5. As recorrentes tiveram conhecimento, através da publicação do contrato de sociedade no Diário da República", III Série, nº. 40, de 16 de Fevereiro de 2001, da constituição, no dia 15 de Janeiro de 2001, da sociedade com a denominação "BRASP-Distribuição de Livros e Produtos Multimédia, Lda.", tendo por objecto a distribuição e comércio a retalho de livros, CD’s e produtos multimédia.
6. No dia 29 de Março de 2001, "Vasp-Sociedade Transportes e Distribuições, Lda." efectuou a comunicação das marcas "VASP", de que é titular, ao Registo Nacional das Pessoas Colectivas.
7. "Vasp-Sociedade Transportes e Distribuições, Lda." e "Vasp-Porta a Porta, Comércio de Publicações, Lda." recorreram hierarquicamente para o Director-Geral dos Registos e Notariado do despacho mencionado sob 4, proferido pelo Conservador Auxiliar do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, que admitiu aquela denominação social, invocando expressamente a titularidade dos registos da marca "VASP".
8. No dia 27 de Março de 2001, o Conservador Auxiliar do Registo Nacional de Pessoas Colectivas sustentou o despacho mencionado sob 4, sobre o qual incidiu, no dia 2 de Maio de 2001, o despacho "Concordo", proferido pelo Director-Geral dos Registos e Notariado.
III
A questão essencial decidenda é a de saber se a lei permite ou não a coexistência das denominações sociais "Vasp-Sociedade Transportes e Distribuições, Lda." e "Vasp-Porta a Porta, Comércio de Publicações, Lda.", por um lado, e "BRASP-Distribuição de Livros e Produtos Multimédia, Lda.", por outro.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e as conclusões de alegação das recorrentes e da recorrida, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- âmbito do recurso;
- síntese do núcleo fáctico relevante;
- interpretação do quadro legal envolvente;
- solução para o caso decorrente dos factos e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.
1. Não está em causa no recurso, dado o conteúdo das conclusões de alegação das recorrentes e o facto de a recorrida não haver requerido a ampliação, a questão relativa à intempestividade da comunicação da recorrente "Vasp-Sociedade Transportes e Distribuições, Lda." da existência das marcas "VASP" em causa, da sua titularidade, ao Registo Nacional das Pessoas Colectivas, que admitiu a denominação social da recorrida (artigos 684º-A, nº. 1 e 690º, nº. 1, do Código de Processo Civil).
2. As recorrentes "Vasp-Sociedade Transportes e Distribuições, Lda." e "Vasp-Porta a Porta, Comércio de Publicações, Lda.", com a sede em ..., Bela Vista, Rua ..., Massamá, Queluz, têm por objecto social, respectivamente, o comércio de transportes de publicações e sua distribuição, podendo exercer qualquer outra actividade que a sociedade resolva explorar e para a qual não seja necessária autorização especial, e o da segunda no transporte e comercialização de publicações pelo sistema de porta a porta.
A recorrente "Vasp-Sociedade Transportes e Distribuições, Lda." é titular das marcas "VASP", registadas sob os nºs. 295231 e 324592, destinadas a assinalar, respectivamente, serviços de distribuição de publicações e Serviços de transportes e distribuição de publicações, a primeira sobre um triângulo com o lado esquerdo limitado por duas linhas curvas, e a segunda com o mesmo grafismo, à esquerda, a preto.
A recorrida "BRASP-Distribuição de Livros e Produtos Multimédia, Lda.", com sede em Viseu, tem por objecto social a "distribuição e comércio a retalho de livros, CD’s e produtos multimédia".
3. Vejamos agora o regime jurídico à luz do qual devem ser confrontados os factos mencionados sob 2.
A marca é um sinal distintivo do comércio e integra os títulos de propriedade industrial, individualizando os produtos ou serviços objecto da actividade do empresário.
Tem vindo a distinguir-se, no que concerne às marcas, entre confundibilidade e a mera diluição, no primeiro caso susceptibilidade de erro ou julgamento sobre a origem ou natureza dos produtos no público consumidor e, no segundo, susceptibilidade de ocorrer a perda da sua eficácia distintiva.
A firma é o nome sob o qual o empresário exerce a sua actividade e que o individualiza e designa nas suas relações comerciais, constituindo o género do qual uma das suas espécies é a chamada denominação particular.
O acto de registo de uma denominação lato sensu ou de uma marca, além de conferir uma situação de vantagem ao respectivo requerente, persegue fins de utilidade pública, no sentido da regulação das relações entre operadores económicos e institucionais e da defesa dos interesses dos consumidores, certo que a reprodução ostensiva, ou mesmo disfarçada, de sinais de comércio, pode originar relevantes prejuízos aos operadores económicos lesados.
O regime da denominação particular é essencialmente envolvido pelos princípios da verdade e do exclusivismo, ou seja, ela deve, por um lado, dar a conhecer a espécie de empresário ou o tipo de sociedade a que respeita e, por outro, que cada uma se distinga da de outrem, sob o desiderato de individualizar o empresário no exercício da sua actividade.
A lei das sociedades comerciais, expressa, por um lado, que do contrato de qualquer tipo de sociedade deve constar, além do mais, a respectiva firma (artigo 9º, nº. 1, alínea c), do Código das Sociedades Comerciais).
E, por outro, que a denominação particular não pode ser idêntica à registada de outra sociedade, ou por tal forma semelhante que possa induzir em erro e deve dar a conhecer, tanto quanto possível, o objecto da sociedade (artigo 10º, nº. 5, do Código das Sociedades Comerciais).
Finalmente, no que concerne à firma das sociedades por quotas, estabelece dever ser formada, com ou sem sigla, pelo nome ou firma de todos ou de alguns dos sócios ou por uma denominação particular, ou pela reunião de ambos esses elementos, em qualquer caso concluindo pela palavra "Limitada" ou pela abreviatura "Lda.", sem inclusão ou manutenção de expressões indicativas de um objecto social que não esteja previsto na respectiva cláusula do contrato de sociedade (artigo 200º, nºs. 1 e 2, do Código das Sociedades Comerciais).
Por seu turno, a lei relativa ao regime jurídico do registo nacional das pessoas colectivas estabelece, por um lado, que as firmas e denominações devem ser distintas e não susceptíveis de confusão ou erro com as registadas ou licenciadas no mesmo âmbito de exclusividade, mesmo quando a lei permita a inclusão de elementos utilizados por outras já registadas, ou com designações de instituições notoriamente conhecidas (artigo 33º, nº. 1, do Regime Jurídico do Registo Nacional das Pessoas Colectivas, aprovado pelo Decreto-Lei nº. 128/98, de 13 de Maio - RJRNPC).
E, por outro, que os juízos sobre a distinção e a não susceptibilidade de confusão ou erro devem ter em conta o tipo de pessoa, o seu domicílio ou sede, a afinidade ou proximidade das suas actividades e o âmbito territorial destas, a existência de nomes de estabelecimentos, insígnias ou marcas de tal forma semelhantes que possam induzir em erro a titularidade desses sinais distintivos (artigo 33º, nºs. 2 e 5, do RJRNPC).
A denominação social e a marca, como realidades distintivas na área empresarial, quando não sejam da titularidade da mesma entidade interessada, são susceptíveis de gerar confusão no mercado, verificados que sejam certos pressupostos.
Daí que se imponha que entre as denominações sociais e as marcas não haja semelhanças que possam induzir em erro o público sobre a sua titularidade, ou seja, os elementos caracterizadores das primeiras não devem ser semelhantes às segundas da titularidade de outrem quando a actividade a que aquelas se reportam tenha alguma afinidade com os produtos os produtos ou serviços assinalados por estas.
A proibição da inserção nas denominações sociais de expressões correspondentes a marcas da titularidade de outrem visa essencialmente evitar a confusão de produtos de empresários diversos, designadamente que uns possam sugerir que os produtos ou serviços objecto do sinal são provenientes de outros.
Mas a lei não proíbe que determinada denominação social ou marca insira algum elemento já constante outro sinal distintivo, desde que, pela sua natureza, estrutura ou composição, seja insusceptível de gerar o erro ou a confusão no comércio, tendo em conta o consumidor médio ou padrão.
O que ela proíbe é que se adopte na sua actividade empresarial uma denominação social característica, tendente à respectiva individualização idêntica ou semelhante a outra de outrem pessoa, susceptível de induzir em erro ou confusão o público em geral e os operadores económicos em particular.
Embora nesta matéria releve essencialmente o conjunto expressivo dos sinais em confronto, não pode deixar de também assumir relevo a existência em sinais distintivos diversos de elementos idênticos ou próximos que, pela sua estrutura, impressionabilidade e possibilitação de erro das pessoas, devam ser sobrevalorizados em relação ao conjunto em causa.
Com efeito, no conjunto expressivo dos sinais do comércio, inserem-se, por vezes, elementos que, pela sua estrutura e autonomia em relação ao conjunto, o público guarda na sua memória.
Mas o público a que a lei se refere, não é o perito nem o ignaro na matéria, mas o chamado médio ou padrão, ou seja, o que consegue captar a proveniência dos produtos por via de sinais distintivos.
Não é, porém, de considerar como homem médio referencial, ao invés do que as recorrentes entendem, a pessoa normalmente desatenta, porque não corresponde à normalidade da vivência em sociedade e, particularmente, na sua vertente da actividade económica.
Dir-se-á, em síntese, sendo que nesta matéria releva mais a eventual semelhança do que a mera dissemelhança dos pormenores envolventes e que para haver violação do direito de exclusividade do uso de denominações sociais e de marcas tem de ocorrer uma situação tal que seja susceptível de induzir em erro o público em geral e os operadores económicos em particular.
4. Vejamos, por fim, seguindo o método comparativo no confronto com a lei, se ocorre ou não na espécie a violação do direito de exclusividade de denominação social das recorrentes e da marca de uma delas por via da aceitação no registo nacional das pessoas colectivas da denominação social da recorrida.
As recorrentes e a recorrida integram-se na mesma espécie de sociedades, ou seja, no grupo das sociedades por quotas, cuja actividade se enquadra no âmbito dos serviços, e o âmbito territorial dessa actividade é, naturalmente, susceptível de coincidência.
As sedes das recorrentes e da recorrida situam-se em distritos diferentes, a das primeiras no de Lisboa e a da última no de Viseu.
No que concerne às denominações no plano do conjunto do respectivo elemento literal, as das recorrentes - "Vasp-Sociedade Transportes e Distribuições, Lda." e "Vasp-Porta a Porta, Comércio de Publicações, Lda." - por um lado, e a da recorrida - "BRASP-Distribuição de Livros e Produtos Multimédia, Lda.", a conclusão não pode deixar de ser no sentido da sua não confundibilidade.
Com efeito, a parte da denominação social das recorrentes e da recorrida relativa ao objecto social, ou seja as expressões Sociedade Transportes e Distribuições Lda.,Porta a Porta, Comércio de Publicações Lda. distinguem-se claramente da expressão Distribuição de Livros e Produtos Multimédia, Lda..
A diferença que resulta das aludidas denominações sociais das recorrentes e da recorrida reflecte-se, por seu turno, de algum modo, como é natural, no respectivo objecto social.
Em primeiro lugar o objecto social da recorrente "Vasp-Sociedade Transportes e Distribuições, Lda." tem uma amplitude virtual mais ampla do que o da recorrida.
Em segundo lugar o objecto actual da recorrente "Vasp-Sociedade Transportes e Distribuições, Lda." - comércio de transportes de publicações e sua distribuição - não é exactamente o mesmo da recorrida - distribuição e comércio a retalho de livros, CD’s e produtos multimédia.
Em terceiro lugar, o objecto social da recorrente "Vasp-Porta a Porta, Comércio de Publicações, Lda." - transporte e comercialização de publicações pelo sistema de porta a porta - não é exactamente o mesmo da recorrida - distribuição e comércio a retalho de livros, CD’s e produtos multimédia.
Assim, importa concluir que estamos perante objectos sociais de núcleo comum no quadro de uma situação de afinidade.
Trata-se, por outro lado, de denominações e de marcas relativas a serviços específicos, cujo círculo de pessoas directamente envolvidas, na maioria e normalmente os intermediários em relação ao público consumidor em geral, têm possibilidades de facilmente identificarem a respectiva origem.
Vejamos agora, mais em pormenor, a identidade entre as marcas e o elemento inicial das denominações das recorrentes e da recorrida, certo que a relevância da informação sobre a existência das primeiras implica a sua ponderação sobre a susceptibilidade de confundibilidade ou não entre aquelas denominações.
Embora as duas expressões contenham de comum as três letras ASP, ordenadas na mesma sequência, ocorre considerável diferença gráfica no início de cada uma, no caso da recorrida BR, e, no caso das recorrentes V .
Ademais, entre a expressão Brasp, que integra a denominação social da recorrida, e a expressão Vasp, embora ambas tenham o acento tónico na mesma e única vogal A, ocorre também significativa diferença fonética, ainda emitidas verbalmente com rapidez anormal.
Inexiste, por isso, ao invés do que afirmam as recorrentes, fundamento legal para concluir que, gráfica e foneticamente muito semelhantes, será difícil ao homem médio diferenciá-las, mesmo quando pronunciadas de forma rápida.
Assim, a expressão Brasp, só por si, não pode considerar-se susceptível de confusão ou erro com os sinais distintivos Vasp que integra as denominações sociais das recorrentes e das marcas de uma delas.
Por outro lado, vendo as referidas expressões de fantasia no conjunto litero-estrutural próprio de cada uma das denominações sociais em confronto, resulta que a sua distinção não depende de exame atento ou de confronto.
Nesta perspectiva, tendo em conta o que acima se expressou no quadro do pertinente juízo comparativo, a conclusão é a de que a admissão no registo nacional das pessoas colectivas da denominação da recorrida é insusceptível de infringir o princípio do exclusivismo relativo às denominações sociais das recorrentes e das marcas da primeira destas.
Não se vislumbra, por um lado, que a pessoa média com as características a que acima se fez referência, atentas as denominações em confronto, as marcas em causa e o objecto social das recorrentes e da recorrida possa estabelecer associação errada entre os serviços de cada uma daquelas ou induzi-la em erro no sentido da última se integrar no grupo empresarial das primeiras.
E, por outro, que hajam semelhanças gráficas ou fonéticas entre as referidas expressões que impliquem um juízo de eventualidade de erro ou de confusão por parte dos consumidores no quadro do específico mercado em causa.
Dir-se-á, finalmente, por um lado, que o uso pela recorrida da expressão Brasp na sua denominação social, tendo em conta os restantes elementos do conjunto, não afecta a capacidade impressiva das marcas VASP da titularidade da primeira recorrente nem implica a confusão de uma sociedade com a outra ou a convicção da existência de uma relação de grupo.
E, por outro que, na espécie, o juízo de inconfundibilidade das denominações sociais em confronto, feito na perspectiva do homem comum, face à respectiva globalidade e ao mencionado elemento fundamental, não põe em causa os princípios da novidade ou da exclusividade das firmas nem o a boa ordem material dos mercados envolventes.

Improcede, por isso, o recurso, com a consequência da manutenção do acórdão recorrido.
Vencidas no recurso, são as recorrentes responsáveis pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil).
IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, mantém-se o acórdão recorrido e condenam-se as recorrentes no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 16 de Outubro de 2003
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Armindo Luís