Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | VASQUES DINIS | ||
| Descritores: | CTT RETRIBUIÇÃO SUBSÍDIO DE FÉRIAS SUBSÍDIO DE NATAL TRABALHO NOCTURNO TRABALHO SUPLEMENTAR | ||
| Nº do Documento: | SJ200705090032114 | ||
| Data do Acordão: | 05/09/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
| Sumário : | I – Integram o conceito de retribuição as prestações, regular e periodicamente pagas, ainda que de montantes variáveis, correspondentes a trabalho suplementar, a trabalho nocturno, a subsídio de compensação por redução do horário de trabalho, a subsídio de divisão de correio, e a subsídio especial de compensação (telefone de residência), quando pela sua regularidade e periodicidade, justificam a legítima expectativa do trabalhador na continuação da sua percepção, ressalvada a eventualidade da superveniência de alteração das circunstâncias. II – Como tal, devem os respectivos valores ser levados em conta no cômputo das remunerações de férias, dos respectivos subsídios e dos subsídios de Natal, atendendo-se, para o efeito, caso sejam variáveis, à média das importâncias auferidas, calculada pelos doze meses de trabalho anteriores aos meses em que são gozadas as férias e processado o subsídio de Natal. III – Não tendo o empregador cumprido a obrigação de incluir a referida média de valores, no cômputo das remunerações de férias, respectivos subsídios e subsídios de Natal, aquando dos correspondentes pagamentos, sobre as diferenças em falta vencem-se juros de mora, desde as datas em que tais remunerações e subsídios deviam ter sido, na sua plenitude, pagos, em face do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 805.º do Código Civil. * * Sumário elaborado pelo Relator. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I 1. "AA" intentou, em 27 de Maio de 2005, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente acção emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra “Empresa-A.”, pedindo a condenação desta no pagamento de diferenças remuneratórias, correspondentes a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, calculadas em função dos valores das retribuições regularmente auferidas, a título de trabalho suplementar, trabalho nocturno, subsídio de refeição, subsídio de pequeno-almoço, subsídio de refeição de trabalho suplementar, subsídio de divisão de correio, subsídio de compensação especial (telefone de residência), subsídio especial de redução do horário de trabalho, vencidas e vincendas, sendo aquelas, até à data da propositura da acção, no valor de € 18.333,21, tudo acrescido de juros, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde as datas dos respectivos vencimentos. Alegou, em síntese, que, sendo trabalhador da Ré, desde 1 de Outubro de 1982, e tendo auferido, regular e anualmente, prestações remuneratórias variáveis, a título de trabalho suplementar e dos referidos subsídios, tais prestações nunca foram levadas em conta no cálculo e pagamento da retribuição de férias, de subsídios de férias e de Natal, quando tal lhe era devido, por força das normas legais e de contratação colectiva aplicáveis. 2. Na contestação, a Ré, a pugnar pela improcedência da acção, disse, no essencial, que as prestações em causa não integram o conceito de retribuição, uma vez que não são contrapartidas do trabalho prestado, impugnou os valores indicados na petição, e, quanto aos juros, defendeu que só serão devidos a partir da decisão, transitada em julgado, que a condene no pedido, além de que, na pior das hipóteses, o Autor só poderia exigir juros relativos aos últimos 5 anos, atendendo ao prazo de prescrição estabelecido no artigo 310.º, alínea d), do Código Civil. Apelou a Ré, sem sucesso, pois o Tribunal da Relação negou provimento ao recurso. 5. Do acórdão da Relação vem interposto, pela Ré, o presente recurso de revista, cuja alegação termina com as conclusões assim redigidas: A) - Vem o presente recurso interposto da Douta Decisão proferida nos presentes autos que condenou a R., ora Recorrente, a pagar ao A., ora Recorrido, nos anos referidos nos processos para cada um dos subsídios, as diferenças na retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, resultantes do recebimento trabalho nocturno, trabalho suplementar, divisão do correio, de compensação especial (telefone) e de redução de horário de trabalho. B) - Tais diferenças respeitam às médias auferidas pelo A. a título de trabalho nocturno, trabalho suplementar, divisão do correio, de compensação especial (telefone) e de redução de horário de trabalho. C) - O Recorrido vem peticionar que tal média lhe seja incluída na retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, sem contudo discriminar os montantes referentes a cada uma das prestações peticionadas que integra aquela média. D) - Porém, nem na petição inicial nem na matéria de facto assente foram concretamente discriminadas as verbas que permitissem concluir, como concluiu o Mmo. Juiz a quo, pela periodicidade e pela regularidade do pagamento dos subsídios peticionados, dado não possuir elementos que lhe permitissem calcular os seus valores e porque sempre se teria que considerar não estarem assentes factos que permitam concluir pela regularidade do pagamento de tais prestações. E) - Além disso, estão incluídos na referida "média mensal" montantes referentes a subsídios que, pela sua natureza, estão definitivamente afastados do pagamento na retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, tais como o subsídio de refeição, subsídio especial de refeição e subsídio de pequeno--almoço, os quais visam a alimentação do trabalhador e só são pagos 11 meses por ano. F) - Devendo assim o presente recurso ser considerado inteiramente procedente, a, aliás, Douta Decisão proferida revogada e em consequência a Recorrente absolvida do pedido na sua totalidade, com foi decidido pelo Douto Acórdão proferido neste Venerando Tribunal, no Recurso n.º 12.881/04-4ª Secção (Social), em 18.04.2002. Por outro lado, G) - Está na livre disponibilidade da Recorrente escalar os seus trabalhadores para trabalho nocturno. E o pagamento dos subsídios inerentes à prestação de tal trabalho é feito sempre que, casuisticamente, se verifiquem os requisitos para a sua atribuição. H) - Assim, o pagamento dos subsídios por trabalho nocturno só são devidos na exacta medida da sua prestação e apenas enquanto persistir a situação que lhe serve de fundamento, sendo que nos documentos de folhas (...) juntos aos presentes autos constam verbas referentes a tais prestações pecuniárias sempre de montante diferente de mês para mês, não sendo regulares. I) - O Recorrido sabe que as funções inerentes ao seu grupo profissional não lhe exigem a prestação de tal trabalho, salvo quando escalado para efectuar tarefas de divisão de correio, para prestar trabalho nocturno e trabalho suplementar, nunca tendo sido incluídas na sua retribuição ou na de quaisquer outros trabalhadores da Recorrente. J) - O pagamento da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal não pode ser configurado como a contrapartida do trabalho prestado pelos trabalhadores, pelo que não podem os subsídios peticionados ser integrados nessas prestações. L) - Conjugando o disposto nas Cláusulas 142.ª, n.º 1 e 162.ª, relativas ao subsídio de férias e à retribuição de férias, respectivamente, e muito embora a Cl.ª 162.ª do AE/CTT, se refira a "retribuição de férias", diferentemente do que acontece com as cláusulas 142.ª e 143.ª do AE/CTT, esta relativa ao subsídio de Natal, refere-se, também, a "serviço normal", afastando assim uma possível intenção de aí se incluírem todas as prestações peticionadas pelo Recorrido. M) - E, “serviço normal" não é "serviço habitual ", estabelecendo-se assim a distinção entre o que é devido aos trabalhadores da Recorrente como contrapartida da prestação de trabalho, durante o seu período normal de trabalho, e o que lhes é devido a título de retribuição por prestação de trabalho em condições especiais. N) - Além disso, as cláusulas 142.ª e 143.ª, do AE/CTT referem-se a remuneração e não a retribuição, sendo que as prestações complementares reclamadas pelo Recorrido se incorporam no conceito de retribuição, que nos é dado pela Cl.ª 133.ª, n.os 1 e 2 do AE/CTT, e não no de remuneração. O) - E, nos termos do AE/CTT, a retribuição dos trabalhadores da Recorrente é constituída pelo salário base acrescido das diuturnidades – Cl.ª 133.ª, sendo que as remunerações base são as fixadas nas tabelas salariais constantes de Anexo ao AE/CTT. P) - Por sua vez, no AE/CTT, a remuneração por trabalho nocturno é designada por "retribuição especial" nos termos da sua cláusula 138.ª. Q) - Nos termos do AE/CTT a aplicável ao Recorrido excluem-se da remuneração de férias, do subsídio de férias e do subsídio de Natal todas as prestações especiais. R) - O mesmo se diga quanto às demais prestações, nomeadamente, divisão do correio, compensação por redução de horário e de compensação especial (telefone), o qual tinha apenas a ver com a assiduidade do trabalhador, e de redução do horário de trabalho, as quais só são e devem ser pagas, por aplicação do AE/CTT na exacta medida da prestação em que este é prestado. S) - Além disso, a remuneração para correspondente pagamento a nível das férias, subsídio de férias e subsídio de natal, apenas é integrado, de acordo com o AE/CTT, artigo 135.º, n.º 4, pelas diuturnidades e vencimento base e nunca por qualquer outra prestação, as quais só são pagas na exacta medida da prestação do trabalho e quando este efectivamente é prestado. T) - Veja-se a título de exemplo, o disposto no artigo 122.º, n.º 7 do AE/CTT, que dispõe quanto a trabalho suplementar: "Todos os trabalhadores, independentemente do seu vencimento, têm direito à remuneração do trabalho suplementar efectivamente prestado". U) - Pelo que, ao decidir como decidiu violou a douta Sentença recorrida a Lei e, em especial, o disposto nas Cláusulas 133.ª e seguintes, 142.ª, 143.ª e 162.ª do AE/CTT, bem como o disposto nos artigos 82.° e 86.° da LCT. V) - Também não há lugar ao pagamento dos juros anteriores à citação, uma vez que até essa data não existe qualquer pedido de determinados montantes. O Autor não contra-alegou. Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em douto parecer que, notificado às partes, não mereceu qualquer resposta. Corridos os vistos, cumpre decidir. II 1. Face ao teor das supra transcritas conclusões do recurso, as questões que importa apreciar são as de saber se: A) O autor foi admitido, para prestar serviço por conta e sob a autoridade e direcção da ré, em 1 de Outubro de 1982. B) Ao serviço da ré se mantém ininterruptamente até à presente data. C) O autor pertence ao grupo profissional CRT (carteiro). D) O autor está filiado no SNTCT. E) O autor, desde sempre, e até à presente data exerce as suas funções na Central de Correios de Lisboa, onde tem o seguinte horário de trabalho: – às segundas das 00h00 às 06h48; F) A ré organizou sempre, e ainda organiza, o trabalho, na Central de Correios de Lisboa, por turnos e com o sistemático recurso ao trabalho suplementar e nocturno. G) A generalidade dos trabalhadores a prestar serviço nestas áreas da empresa efectuam por escala trabalho suplementar e nocturno, regular, periódica e constantemente. H) Entre 1983 e 2004, inclusive, o autor auferiu além do vencimento base, diuturnidades, subsídio de refeição (11 x ano), subsídio de refeição de trabalho suplementar (11 x ano) e subsídio de pequeno-almoço (11 x ano), as seguintes quantias: – a título de trabalho suplementar: em 1983: € 150,46; em 1984: € 85,77; em 1985: € 91,00; em 1986: € 133,93; em 1987: € 197,25; em 1988: € 322,27; em 1989: € 292,12; em 1990: € 342,25; em 1991: € 1.366,47; em 1992: € 773,39; em 1993: € 866,80; em 1994: € 684,23; em 1995: € 1.697,55; em 1996: € 1.753,19; em 1997: € 1.287,79; em 1998: € 1.810,32; em 1999: € 2.097,73; em 2000: € 2.189,18; em 2001: € 2.119,98; em 2002: € 2.159,48; em 2003: € 2.381,30; e em 2004: € 2.651,36; I) No mês de férias, no subsídio de férias e no subsídio de Natal, a ré apenas paga ao autor o vencimento base e as diuturnidades. A decisão sobre a matéria de facto não vem impugnada e não se verifica qualquer das situações que autorizam o Supremo a alterá-la ou a determinar a sua ampliação 2), pelo que é com base na factualidade descrita que hão-de ser resolvidas as questões enunciadas. 3. Da relevância, para efeito de cômputo da retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal, da remuneração de trabalho suplementar, remuneração de trabalho nocturno, subsídios de divisão de correio, de compensação especial (telefone) e de compensação por redução do horário de trabalho: Sobre esta questão, a sentença da 1.ª instância discorreu assim: [...] A retribuição de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efectivo e além desta retribuição os trabalhadores têm direito a um subsídio de férias de montante igual ao da retribuição – arts. 6.º, n.º 1 e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro e 255.º do Cód. Trab.. E têm também direito a um subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição que será pago até 15 de Dezembro de cada ano – arts. 2., nº 1 do Decreto-Lei n.º 88/96, de 3 de Julho e 254.º do Cód. Trab.. Quer o Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro quer o Decreto-Lei n.º 88/96, de 3 de Julho quer ainda os arts. 255.º e 254.º do Cód. Trab. têm carácter imperativo e prevalecem sobre as cláusulas 162.ª e 143.ª do AE/CTT, ao caso aplicável, quando interpretadas no sentido [de] que das remunerações de férias, do subsídio de férias e do de Natal serem excluídas todas as prestações especiais ou complementares com excepção das diuturnidades, visto que assim sendo essas cláusulas são nulas e totalmente ineficazes nos termos do art.º 6.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 9 de Dezembro e 533.º, n.º 1, alínea a) do Cód. Trab., por estabelecerem um regime menos favorável ao trabalhador. Neste sentido pronunciaram-se os Acs. do STJ de 04.12.02 (Revista nº 3606/02 - 4.ª Secção, disponível em texto integral, na Internet), de 19.02.03 (Revista nº 3740/02 - 4.ª Secção, disponível em sumário, na Internet) e de 19.03.03 (CJ/STJ Ano XXVIII, T. 1, pág. 271). E sendo assim, como é, há que averiguar, previamente, se as quantias que o autor recebeu da ré – para além do vencimento base e das diuturnidades que não estão aqui em causa – integram o conceito de retribuição, pois só na afirmativa elas serão devidas na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal Segundo o art. 82.º do RJCIT, que consagra os princípios gerais sobre a retribuição, esta abrange o conjunto de valores pecuniários ou não que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o empregador está obrigado a pagar, regular e periodicamente ao trabalhador como contrapartida do seu trabalho (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida) – n.os 1 e 2 – presumindo-se, até prova em contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador – n.º 3. Ao referido art. 82.º corresponde o actual art. 249.º, n.os 1 a 3 do Cód. Trab.. A retribuição é, pois, um conjunto de valores expressos ou não em moeda a que o trabalhador tem direito, por título contratual ou normativo, correspondente a um dever da entidade patronal. A primeira característica da retribuição é a de que ela representa, em princípio, a contrapartida da prestação de trabalho, como tal fixada pela vontade das partes, pelas normas que regem o contrato de trabalho ou os seus usos. Mas a atribuição de carácter retributivo a uma certa prestação do empregador exige também uma certa periodicidade ou regularidade no seu pagamento embora possa ser diversa de umas prestações para outras. Nesta característica apoia a presunção da existência de uma vinculação prévia, quando não se encontre expressamente consignada e assinalada a medida das expectativas de ganho do trabalhador, conferindo relevância ao nexo existente entre a retribuição e as necessidades pessoais e familiares daquele. Com a expressão “regular”, a lei refere-se a uma prestação não arbitrária, que segue uma regra permanente, sendo, pois, constante. E exigindo carácter “periódico” para a integração da prestação do empregador no âmbito da retribuição, a lei considera que ela deve ser paga em períodos certos no tempo ou aproximadamente certos, de forma a inserir-se na própria ideia de periodicidade típica do contrato de trabalho e das necessidades recíprocas dos dois contraentes (Ac. do STJ de 13.01.93 CJ/STJ, Ano I, T. 1, pág. 226). No que respeita ao ónus da prova da verificação daqueles pressupostos condicionantes da atribuição de natureza retributiva a qualquer prestação pecuniária paga pelo empregador ao trabalhador, a lei consagrou um regime favorável dos trabalhadores, ao preceituar, no n.º 3, do referido art. 82.º, que, até “prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador”. Estabeleceu-se, pois, neste normativo uma presunção “juris tantum” no sentido de que qualquer atribuição patrimonial efectuada pelo empregador em benefício do trabalhador, salvo prova em contrário, constitui parcela da retribuição. Conforme estatui o n.º 1 do art. 350.º do Cód. Civil “quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz”. A existência de presunção legal importa, assim, a inversão do ónus da prova – art. 344.º do Cód. Civil. Deste modo, não obstante os aludidos pressupostos constituírem factos constitutivos do direito invocado pelo autor e de, em princípio, lhe caber a prova desses factos, face ao disposto no n.º 1, do artigo 342.º, do Cód. Civil – onde se estabelecem os princípios gerais sobre a repartição do ónus da prova –, a existência da citada presunção legal inverte o ónus da prova incumbindo ao réu a demonstração da inexistência de tais pressupostos factuais. Ao autor cabe, pois, somente provar a percepção das invocadas prestações pecuniárias, competindo ao réu provar a não verificação dos elementos integrantes do conceito legal de retribuição, maxime o carácter regular e periódico, antes referido, a fim de obstar a que lhes seja conferida natureza retributiva. Isto dito, vejamos o que se passa relativamente a cada uma das quantias aqui em causa. [...] Relativamente à remuneração por trabalho suplementar e por trabalho nocturno temos que ter presente o disposto no art. 86.º do RJCIT que, directamente, exclui, em princípio, essa atribuição do conceito de retribuição, dispondo que não se considera retribuição a remuneração por trabalho extraordinário, ou seja, o trabalho suplementar e o trabalho nocturno “salvo quando deva entender-se que integra a retribuição”. Com esta fórmula pretende-se dar cobertura a situações em que a habitualidade na prática de horas extraordinárias e a percepção das respectivas remunerações levam o trabalhador a contar com os respectivos quantitativos como complemento salarial. Por isso, tem-se defendido que tal remuneração se integra na retribuição do trabalhador, quando pela permanência e regularidade com que é prestada e ainda pelo seu volume, pesa sensivelmente no “quantum” recebido pelo trabalhador em termos de ele contar com tal remuneração (Lobo Xavier “Regime Jurídico do Contrato de Trabalho”, Coimbra, 1972, pág. 170). No mesmo sentido se pronuncia Menezes Cordeiro no seu “Manual do Direito de Trabalho”, Coimbra, 1997 escrevendo a págs. 727: “A retribuição por maior trabalho equivale a parcelas remuneratórias devidas ao trabalhador por via dos esforços suplementares que lhe são exigidos e que não estejam cobertos pela remuneração-base. Assim sucede (...) com o trabalho suplementar, pago de acordo com acréscimos mínimos fixados na lei (...) e o trabalho nocturno (...). Assim sucede ainda com subsídios (...) de turno. Também aqui deve ser feita a distinção entre o maior trabalho efectivo, isto é aquele que surge de modo inabitual ou não foi procurado pelas partes quando celebraram o contrato ou que não é permanente e que obriga de facto a entidade empregadora a um pagamento também suplementar e o trabalho regular. Neste último caso a retribuição surge como um complemento à retribuição-base e não como verdadeira retribuição por maior trabalho”. Sobre esta questão pronunciaram-se também, entre outros os Acs. da RL de 09.10.85 (BTE, 2.ª série nº 5-6/88, pág. 884), do STJ de 24.01.90 (AJ, 5.º/90, pág. 19) e os Ac. do STJ de 11.04.00 (AD, 471, pág. 478) de 19.03.03 (CJ/STJ Ano XXVIII, T. 1, pág. 271) e de 05.05.04 (Revista n.º 3878/03 - 4.ª Secção, disponível em sumário, na Internet). No caso em apreço, a matéria de facto assente reflecte, sem margem de dúvidas, que o trabalho suplementar e o trabalho nocturno e o trabalho por turnos estão devidamente implantados, assumindo, por isso, as características básicas da previsibilidade, estabilidade e segurança que enformam a prestação normal de trabalho. Em suma: as quantias pagas a título de remuneração pelo o trabalho suplementar e pelo trabalho nocturno e o subsídio de turno integram o conceito de retribuição definido no art. 82.º do RJCIT e 249.º do Cód. Trab.. E integram também o conceito de retribuição o subsídio de divisão de correio, a compensação especial (telefone de residência) e a compensação por redução de horário. De facto, relativamente a estas prestações, também nada é alegado pela ré que permita afastar a já referida presunção contida no n.º 3 do art. 82.º do RJCIT e [no n.º] 3 do art. 249.º do Cód. Trab. e pôr em crise o respectivo [carácter] retributivo. Reconhecendo a ré, como reconhece, que o autor recebe as referidas quantias, quantias essas que, por presunção “juris tantum” – arts. 82.º, n.º 3 do RJCIT e 249.º, n.º 3 do Cód. Trab. –, integram o conceito de retribuição, competia à ré, como já antes se disse, afastar essa presunção alegando que essas prestações não revestiam carácter regular e periódico, a fim de obstar a que lhes fosse conferida natureza retributiva. E não foi isso que a ré fez. Conclui-se, portanto, que as quantias pagas ao autor a título de remuneração por trabalho suplementar, remuneração por trabalho nocturno, subsídio de divisão de correio, compensação especial (telefone de residência) e compensação por redução de horário fazem parte integrante da retribuição do autor, devendo, por isso, a média dos valores das mesmas, calculada pelos doze meses de trabalho anteriores, ser paga, aquando das férias com a remuneração destas e integrada nos subsídios de férias e de Natal (veja-se a propósito de caso semelhante o Ac. do STJ de 19.03.03, CJ/STJ, Ano XXVIII, T. 1, pág. 271). [...] O acórdão recorrido corroborou estas considerações, acrescentando-lhe pertinentes referências doutrinais e jurisprudenciais. No Acórdão de 4 de Dezembro de 2002 deste Supremo Tribunal (3), citado pelas instâncias, tratando de caso idêntico ao que nos ocupa, pode ler-se: [...] Está sobejamente demonstrado o carácter regular e periódico desses abonos, que lhe conferem natureza retributiva e cariz de obrigatoriedade, justificando a legítima expectativa do trabalhador na continuação da sua percepção, ressalvada a eventualidade da superveniência de alteração das circunstâncias. Nos termos da lei (artigo 6.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro), a retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efectivo e o subsídio de férias deve ser de montante igual ao daquela retribuição; por outro lado, o subsídio de Natal deve ser de valor igual a um mês de retribuição (artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 88/96, de 3 de Julho), não podendo estas determinações ser afastadas por cláusulas de contratação colectiva mais desfavoráveis, designadamente as invocadas pela recorrente. Se é certo que, a menos que o contrário resulte do contrato celebrado, a entidade patronal pode fazer cessar para o futuro determinados modos de prestação do trabalho que, pela sua penosidade, justificavam a atribuição de prestações retributivas especiais, daí não resulta – contra o que parece sustentar a recorrente – que, enquanto essas especiais condições de prestação de trabalho se mantiverem e enquanto, consequentemente, sejam devidos os complementos retributivos correspondentes, os mesmos não devam ser considerados como integrando a retribuição, com relevância na determinação da remuneração de férias e dos subsídios de férias e de Natal. É essa a situação dos autos, em que o autor, desde Janeiro de 1980 e, pelo menos, até à data da proposição da acção, exerceu a sua actividade nos "modos especiais" que justificaram o abono dos aludidos subsídio de divisão de correio, remuneração por trabalho nocturno, remuneração por trabalho suplementar em dias de descanso semanal e subsídio de compensação por redução de horário de trabalho. [...] Subscreve-se esta linha de orientação – também observada, em casos semelhantes, nos Acórdãos deste Supremo de 19 de Fevereiro de 2003 (4) e de 19 de Março de 2003 (5) –, que se ajusta, inteiramente, ao caso dos autos. Com efeito, também no presente caso, não há dúvidas sobre a regularidade e periodicidade das prestações auferidas pelo Autor, a título de trabalho suplementar, trabalho nocturno, subsídios de divisão de correio, de compensação especial (telefone) e de compensação por redução do horário de trabalho, face ao teor das alíneas E) a H) dos factos provados, na parte atinente, em que se mostram individualizados, por anos, os respectivos valores. Improcedem, pois, no que concerne, as conclusões do recurso. 4. A segunda questão posta no recurso refere-se ao momento a partir do qual são devidos juros de mora. A sentença da 1.ª instância, constatando que, relativamente ao período em causa, “se desconhece em que mês [de cada ano] o autor gozou férias e recebeu o respectivo subsídio para determinar quais os «últimos doze meses» hão-de relevar [...], para o cálculo de médias”, assim como se desconhece “em que mês [de cada ano] a ré pagou o subsídio de Natal”, relegou para execução de sentença o apuramento das quantias em dívida. Considerou, outrossim, serem devidos juros de mora sobre tais quantias, calculados “desde o vencimento de cada uma das prestações, visto que a falta de liquidez resulta de culpa exclusiva da ré que sabia e não podia deixar de saber qual o montante exacto pelo qual cada uma dessas prestações deveria ter sido paga já que eram do seu inteiro conhecimento dos valores da retribuição variável que mensalmente era auferida pelo autor”. No mesmo sentido concluiu o acórdão recorrido, dizendo, a propósito, que a regra do n.º 1 do artigo 805.º do Código Civil, segundo a qual “o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir”, não tem, por força do disposto na alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo, aplicação aos casos como o dos autos, em que a obrigação tem prazo certo, sublinhando que “estão em causa prestações que deviam ter sido pagas [...] nas datas previstas para os vencimentos das ditas remunerações e subsídios, pelo que a Ré, como devedora dessas prestações, constituiu-se em mora com o simples facto de não ter pago essas prestações ora reclamadas na altura em que [o] devia fazer, não necessitando para isso que para tanto fosse interpelada pelo Autor”. A recorrente volta a defender, como já havia feito perante a Relação, que só são devidos juros a partir da citação, “uma vez que até essa data, não existe qualquer pedido de determinados montantes”. Vejamos: Segundo o n.º 2 do artigo 804.º do Código Civil, o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação não foi efectuada no tempo devido. A Ré violou deveres contratuais ao não proceder ao pagamento de parcelas da contrapartida devida pela prestação do trabalho, sendo de presumir a sua culpa – artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil. O pagamento das retribuições (lato sensu) devidas ao trabalhador constitui uma obrigação pecuniária adstrita à entidade empregadora, por força do contrato de trabalho, encontrando-se na disponibilidade da mesma o conhecimento do montante exacto devido em caso de incumprimento; isto é, a Ré tinha obrigação de saber, face ao regime jurídico aplicável (6), quais os montantes exactos, referentes a remuneração de férias, e subsídios de férias e de Natal, que seriam devidos ao Autor, sabendo, também, quais as quantias efectivamente auferidas por ele, como retribuição, em cada ano do período em causa, bem como, em que momento deviam ser e foram pagas a remuneração de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, prestações que, como, bem, se refere no acórdão, traduzem obrigações de prazo certo – asserção que a recorrente não contraria. Recorde-se que a condenação em quantia ilíquida se ficou a dever, apenas, ao desconhecimento de elementos necessários ao apuramento das “médias do últimos doze meses” de retribuições variáveis, quais sejam os meses em que o Autor, em cada ano, gozou férias, e em que lhe foi processado o subsídio de Natal. A iliquidez é, assim, aparente, e não real, pelo que, como se concluiu no Acórdão deste Supremo de 23 de Novembro de 2005 (7), citado no parecer do Ministério Público, não tem aplicação o n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil, sendo, portanto, devidos juros de mora, relativamente às diferenças em falta, desde as datas em que tais remunerações e subsídios deviam ter sido pagos, em face do disposto na alínea a) do n.º 2 do referido artigo 805.º. Improcede, por conseguinte, também nesta parte, a pretensão da recorrente. III Em face do exposto, decide-se negar a revista. Custas a cargo da Ré. Lisboa, 9 de Maio de 2007 Vasques Dinis (Relator) |