Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
I
1. No processo de contra-ordenação n.º 31/AL-2001/PUB, da Comissão Nacional de Eleições, por deliberação desta, proferida sobre um projecto de decisão apresentado, e tomada em sessão de 16 de Julho do corrente ano, foi a
"A - Imprensa e Audiovisuais, Lda.", firma proprietária do Jornal de Coimbra,
condenada, por violação do artigo 46º da LEOAl, numa coima no valor de € 2.496,71, e custas devidas.
Não se tendo conformado com tal decisão recorre a arguida para este STJ, concluindo a motivação pela forma seguinte:
1- "A recorrente não agiu com dolo nem com negligência, pois não chegou nunca sequer a representar a possibilidade de a sua conduta ser ilícita.
2- A recorrente agiu de boa fé, na convicção de que a publicação de anúncio em causa não era ilícita, atenta a circunstância de em 1997, o MP ter arquivado um procedimento criminal por iguais motivos.
3- Mesmo que a pretensa infracção lhe viesse a ser imputada a título de negligência, a sua punição não seria admissível pois a LEOAL não prevê a sua punição a título de negligência.
4- Aliás, se a recorrente agisse de má fé poderia dar ao anúncio em causa uma configuração de notícia inserindo nela todos os elementos dele constantes, sem que tal pudesse ser objecto de qualquer restrição ou limitação.
5- A decisão recorrida não define o que é um slogan para efeitos de fundamentar a condenação da recorrente, sendo certo que a frase "Viva Coimbra Sempre em Festa" não tem finalidades ideológicas, pode ser subscrita por qualquer partido ou formação política, está isolada e visa apenas suscitar a adesão a um almoço de apoio a um candidato.
6- A inserção da fotografia de um candidato à presidência de uma Câmara Municipal é um elemento de identificação desse mesmo candidato, tal como o seu nome, tanto mais necessário quanto é certo que as candidaturas à presidência das Câmaras Municipais, tais como as candidaturas à Presidência da República, são muito personalizadas em torno do respectivo candidato, ao contrário das candidaturas a órgãos colegiais como as assembleias municipais ou a Assembleia da República.
7- O artº 46º da LEOAL ofende o direito de informar e a liberdade de imprensa porque interfere de forma abusiva na determinação do conteúdo das publicações periódicas, ou seja, nos conteúdo da publicidade comercial, tarefa que compete unicamente ao director da publicação, depois, de, em certos casos ouvir o respectivo conselho de redacção.
8- A lei de Imprensa isenta de responsabilidade criminal os jornalistas e os directores de publicações periódicas nos casos de abusos de liberdade de imprensa e responsabiliza unicamente os autores dos textos ou declarações ofensivas, pelo que, por maioria de razão se justifica a desresponsabilização contra-ordenacional das publicações periódicas por inserções de anúncios como o dos autos.
9- A responsabilização contra-ordenacional deveria incidir unicamente sobre os candidatos e/ou formações políticas responsáveis pelo conteúdo dos anúncios e não sobre quem os publique, já que assim se protegem e igualmente se prosseguem os valores e finalidades que se pretende proteger e alcançar com as restrições impostas pelo art.46° da LEOAL.
10- O artº 46º da LEOAL é assim desconforme com a Constituição da Republica Portuguesa, mormente com as regras e princípios estatuídos nos artºs 37º e 38º da nossa Lei Fundamental, já que estabelece limites e restrições ao conteúdo das publicações periódicas, permitindo uma intromissão abusiva nos órgãos de informação e uma limitação injustificada à liberdade de imprensa.
11- Mesmo que assim se não entenda, à recorrente deverá ser apenas aplicada a sanção de admoestação, atenta a pequena gravidade da suposta infracção e o diminuto benefício económico obtido e ainda ao facto de se tratar de um pequeno jornal regional, com publicação semanal regular, há mais de 15 anos, cujo director exerce a profissão de jornalista há mais de 33 (trinta e três) anos, pautando sempre a sua conduta por escrupulosos critérios de rigor, isenção, independência e recta consciência ético-jurídica, nunca tendo sido alvo de qualquer sanção no exercício da sua profissão.
12- Além disso, na actual conjuntura sócio-económica, a recorrente atravessa a pior fase da sua existência, mantendo a muito custo o posto laboral de alguns dos seus trabalhadores. Com efeito, a recorrente tem os piores resultados económicos de sempre e reduziu até ao limite do sustentável o seu quadro de trabalhadores, situação que será substancialmente agravada se a recorrente tiver de pagar a coima que lhe foi aplicada.
13- Termos em que deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que absolve a arguida ou então, e sem rescindir, a condene apenas na sanção da admoestação".
Pretendia a recorrente, em primeira linha, que fosse reapreciada a decisão em face dos novos elementos trazidos ao processo, ao abrigo do disposto no artigo 62°, n° 2, do Decreto-Lei n° 433/82, de 27/10, o que mereceu a seguinte resposta (1) :
"Relativamente ao pedido de reapreciação do processo, entende-se que os "novos elementos" deveriam ter sido remetidos antes da decisão da entidade administrativa, eventualmente aquando da defesa escrita do Arguido, por serem anteriores a essa decisão. De todo o modo, julga-se que esses elementos agora remetidos em nada alteram os fundamentos da deliberação ora recorrida, reiterando-se a mesma".
2. Já neste Supremo Tribunal de Justiça, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, afigurando-se-lhe a desnecessidade de qualquer outra diligência de prova, promoveu a remessa a Juízo, o que equivale a acusação.
Recolhida a certidão da deliberação que aplicou a coima, ordenou-se a notificação dos intervenientes, nos termos do n.º 2 do artigo 64º do Decreto-Lei n.º 432/82, de 27 de Outubro, com as alterações subsequentes, para efeito de se pronunciarem sobre a apreciação sem sujeição a audiência de julgamento, ao que não se opuseram.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre ponderar e decidir.
II
1. De acordo com o "projecto de decisão/nota informativa", que a CNE integra na sua deliberação, constante da Acta n.º 65/IX, referente à sessão de 16.07.02, deram-se como provados os seguintes factos (transcrição):
"A Comissão Nacional de Eleições, oficiosamente, tomou conhecimento da publicação de um anúncio do Partido Socialista na edição de 28.Nov.2001 do Jornal de Coimbra, propriedade da "A-Imprensa e Audiovisuais, Lda.".
O anúncio em causa plublicita uma actividade campanha (sic) e contém a denominação e símbolo do Partido, as informações referentes ao evento, um slogan -"Viva Coimbra sempre em festa" e a fotografia do candidato.
Posteriormente, veio a CNE a instaurar procedimento contra-ordenacional no âmbito do qual o Jornal-Arguido se pronunciou nos seguintes termos:
- os funcionários do jornal não têm formação jurídica e não conheciam bem a LEOAL, recentemente publicada;
- a funcionária que recebeu e encaminhou o anúncio entendeu que a expressão "Viva Coimbra sempre em festa" não seria um slogan mas um estímulo à participação na iniciativa que se anunciava;
- a mesma funcionária estava convencida que, pelo facto de ainda não se ter entrado em período de campanha eleitoral, não haveria condicionalismos legais à divulgação deste tipo de iniciativas;
- o jornal duvida que a inserção da fotografia seja proibida, uma vez que o nome e a fotografia do candidato são elementos integrantes da personalidade humana absolutamente imprescindíveis para identificar correctamente uma pessoa; e não faria sentido que uma força política tivesse de omitir a identificação do seu candidato: nome e fotografia;
- não houve dolo na publicação do anúncio em causa;
- o Jornal atravessa graves dificuldades financeiras".
2. Analisando juridicamente a situação, no aludido projecto de decisão que a CNE subscreve, diz-se:
"O anúncio sub judice publicita uma actividade de campanha do Partido Socialista e foi publicado na edição de 28.Nov.2001 do Jornal de Coimbra.
Para além da denominação e símbolo do PS e das informações referentes ao evento, como a LEOAL permite, o anúncio inclui, ainda, o slogan "Viva Coimbra sempre em festa" e a fotografia do candidato, violando o disposto no artigo 46º da mesma Lei.
Alega o Jornal-Arguido que os seus funcionários não têm formação jurídica e que não tinham um conhecimento cabal das implicações legais do início do processo eleitoral.
Ora, a Lei não se aplica somente a quem tem formação juridica. O Jornal-Arguido deve procurar conhecer todas as normas que regulam a forma de reger e transmitir esse conhecimento aos seus funcionários de modo a que a sua actuação possa ser vista como cumpridora da Lei.
Porque uma empresa actua através dos seus agentes e funcionários, estes devem estar imbuídos da isenção e cumprimento que a entidade pretende transparecer .
E a Comissão tem conhecimento que a análise da regularidade dos anúncios pode fazer-se em poucos segundos desde que quem tenha essa competência esteja devidamente instruído das exigências da Lei.
E é certo que a Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto, é recente, mas também é certo que esta proibição existe desde 1975.
E - veja-se a anterior Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, a Lei Eleitoral da Assembleia da República, a Lei do Referendo, etc. - a proibição de utilização de meios de "publicidade comercial" não se inicia somente no momento da campanha eleitoral, mas aquando da publicação do decreto que marque as eleições ou convoque o referendo.
Assim, a proibição e o período da proibição não são recentes nem inovadas através da LEOAL de 2001.
Relativamente à possibilidade que o Jornal-Arguido propõe de a fotografia do candidato ser permitida pela Lei, cumpre esclarecer que o artigo 46º deve ser lido desta forma :
- regra - não podem ser utilizados meios de publicidade comercial para fins de propaganda política;
- excepção - podem ser publicados anúncios com as características descritas no nº2;
- tudo o que não estiver especialmente previsto nesta excepção, recai de novo na regra da proibição, ficando sujeito à aplicação de coima de E 2.493.99 a € 14.963.94.
-E tendo em conta que:
- por propaganda política deve entender-se toda a divulgação de natureza ideológica, designadamente a referente a entidades e organizações políticas;
- por propaganda eleitoral deve entender-se toda a actividade que vise promover as candidaturas;
- propaganda política inclui propaganda eleitoral,
é forçoso concluir que a fotografia de um candidato, que serve de reconhecimento e de promoção da sua candidatura, constitui propaganda política e, não sendo permitido pela excepção enunciada no nº 2, subsume-se, de novo, à regra prevista no n° 1 do artigo 46º , e, então, é proibida.
Julga-se não ser atendível a alegação de inexistência de dolo na publicação do anúncio em causa.
Dolo é a representação e vontade de um facto. Assim, julga-se que o Jornal-Arguido representou e quis a publicação do anúncio tal como lhe foi apresentado, não tendo ocorrido lapso. O facto/publicação foi intencional.
Se o Jornal-Arguido, através da sua funcionária, não teve consciência das repercussões jurídicas e contra-ordenacionais do seu comportamento, é matéria a analisar mais adiante.
O Jornal de Coimbra, propriedade de Jorge Castilho, é um meio de publicidade comercial, como supra exposto....e, para todos os efeitos, sujeito à proibição prevista no artigo 46º da LEOAl. (...)
-Assim, julga-se que o anúncio está ferido de ilegalidade, sob a forma de ilícito contra-ordenacionat ..."
"... a coima a aplicar situar-se-ia entre os E 4.987,98 (1.000.000$00) e os € 14.963,94 (3.000.000$00).
"No entanto, tendo em atenção o artigo 9º, nº 2 do Regime Geral das contra-ordenações (RGCO -DL433/82, de 27.0ut.), pode a entidade administrativa atenuar especialmente a coima numa situação em que a infracção tenha sido cometida sem consciência da ilicitude mas o erro lhe seja censurável.
O que se julga ser o caso.
Tendo em conta o alegado pelo Jornal-Arguido de que a sua funcionária considerou o slogan "Viva Coimbra sempre em festa", como um estímulo à participação no evento e não de propaganda à força política anunciante, o desconhecimento de que o início do processo eleitoral fazia vigorar a proibição de meios de publicidade comercial e a confusão demonstrada ainda na defesa quanto à inclusão da fotografia do candidato no anúncio, julga-se que o Jornal-Arguido, através da sua funcionária, desconhecia que o anúncio era irregular e que a sua publicação acarretava responsabilidade contra-ordenacional.
No entanto, este erro é censurável na medida em que desde 1975 é proibida a utilização de meios de publicidade comercial para fins propagandísticos e, existindo o Jornal-Arguido há 15 anos, muitos processos eleitorais decorreram sem que se esclarecesse, devendo fazê-lo, de modo a poder pautar-se pela lei".
E vem a punição, fixada entre a coima de € 4.987,98 (1.000.000$00) e € 14.963,94 (3.000.000$00), usando da atenuação especial, em virtude de a infracção ter sido cometida sem consciência da ilicitude mas sendo o erro censurável.
"Tendo em conta o alegado pelo Jornal-Arguido de que a sua funcionária considerou o slogan "Viva Coimbra sempre em festa" como um estímulo à participação no evento e não de propaganda à força política anunciante, o desconhecimento de que o inicio do processo eleitoral fazia vigorar a proibição de meios de publicidade comercial e a confusão demonstrada ainda na defesa quanto à inclusão da fotografia do candidato no anúncio, julga-se que o Jornal-Arguido, através da sua funcionária, desconhecia que o anúncio era irregular e que a sua publicação acarretava responsabilidade contra-ordenacional.
No entanto, este erro é censurável na medida em que desde 1975 é proibida a utilização de meios de publicidade comercial para fins propagandísticos e, existindo o Jornal-Arguido há 15 anos, muitos processos eleitorais decorreram sem que se esclarecesse, devendo faze-lo, de modo a poder pautar-se pela lei".
E fixou a coima em € 2. 494,99, nos termos dos artigos 209º da LEOAL e 18º, n.º 3, do RGCO.
III
Decidindo.
1. Dispõe o artigo 46.º ("Publicidade comercial"), da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais:
"1 - A partir da publicação do decreto que marque a data da eleição é proibida a propaganda política feita directa ou indirectamente através dos meios de publicidade comercial.
2 - São permitidos os anúncios publicitários, como tal identificados, em publicações periódicas, desde que não ultrapassem um quarto de página e se limitem a utilizar a denominação, símbolo e sigla do partido, coligação ou grupo de cidadãos e as informações referentes à realização anunciada".
Por seu turno, estabelece-se no artigo 203.º do mesmo diploma:
"1 - Compete à Comissão Nacional de Eleições, com recurso para a secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, aplicar as coimas correspondentes a contra-ordenações praticadas por partidos políticos, coligações ou grupos de cidadãos, por empresas de comunicação social, de publicidade, de sondagens ou proprietárias de salas de espectáculos.
2 - ....
3 -......"
E o artigo 209º ("Publicidade comercial ilícita")
"Quem promover ou encomendar bem como a empresa que fizer propaganda comercial com violação do disposto na presente lei é punido com coima de 1000000$00 a 3000000$00".
2. Como resulta dos textos acabados de transcrever, as entidades arguidas na situação a que os autos de contra-ordenação se referem são as empresas de comunicação social.
Na verdade, na própria Lei de Imprensa, aprovada pela Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro, esclarece-se com clareza a distinção entre as publicações e a propriedade das mesmas.
É livre a constituição de empresas jornalísticas, editoriais ou noticiosas, observados os requisitos legais, e a propriedade das publicações sujeitas ao disposto na Lei de Imprensa pode pertencer a qualquer pessoa singular ou colectiva (artigos 5º a 7º do mesmo diploma).
Mas a publicação, independentemente da natureza que revista, não se confunde com o proprietário.
O que decorre da própria Constituição da República quando impõe a divulgação da titularidade e dos meios de financiamento dos órgãos de comunicação social e procura impedir a quebra da liberdade e da independência dos órgãos de comunicação social perante o poder político e o poder económico, impondo o princípio da especialidade das empresas titulares de órgãos de informação geral, tratando-as e apoiando-as de forma não discriminatória e obstando à sua concentração, designadamente através de participações múltiplas ou cruzadas, conforme se alcança dos n.ºs 3 e 4 do artigo 38º.
Tudo para dizer que a empresa proprietária do Jornal de Coimbra, tratado pela deliberação como "Jornal-Arguido", que se apresenta na veste de uma sociedade por quotas, não se confunde com o Jornal-Arguido, pois se trata de uma pessoa colectiva independente e ela, sim, é a arguida.
Essa posição acaba por ser a que vem a ser assumida na deliberação, sendo por isso incorrecta e factor de confusão aquela designação de Jornal-Arguido.
Aliás, em conformidade com o desenho jurídico acabado de referir, de acordo com o n.º 4 do artigo 38º da Lei de Imprensa, pelas contra-ordenações aí previstas, "respondem as entidades proprietárias das publicações que deram causa à infracção".
3. Como se viu, são igualmente as empresas de comunicação social as responsáveis pelas contra-ordenações a que os autos se referem. São elas que, ademais, recolhem o benefício da publicidade (indevida).
Nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, alterado (com republicação global) pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, as coimas podem ser aplicadas tanto às pessoas singulares como às pessoas colectivas, bem como às associações sem personalidade jurídica, sendo as pessoas colectivas ou equiparadas responsáveis pelas contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções.
IV
Mas sendo assim, como é, o que se constata do exame dos autos é que a "A - Imprensa e Audiovisuais, Lda.", firma proprietária do Jornal de Coimbra, não foi oportunamente ouvida a fim de se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe era imputada e a sanção em que incorria, nos termos do artigo 50.º do mencionado Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, onde se diz:
"Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre".
Foram ouvidos o Partido Socialista, entidade que promoveu a publicação e o Jornal de Coimbra, mas não a empresa arguida da prática da contra-ordenação.
Certo ser ela quem interpõe recurso, mas não é menos verdade que, por não ter sido ouvida, veio solicitar que fosse reapreciada a decisão em face dos novos elementos trazidos ao processo, o que mereceu a resposta da CNE de "que os "novos elementos" deveriam ter sido remetidos antes da decisão da entidade administrativa, eventualmente aquando da defesa escrita do Arguido, por serem anteriores a essa decisão".
Ora à empresa arguida (e não ao Jornal arguido) não foi dada a oportunidade de exercer o seu direito de audição e defesa.
Esta omissão constitui nulidade insanável, sendo que tal direito tem sede constitucional (redacção de 1977 do n.º 10 do artigo 32º) -"Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processo sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa".
Vem a jurisprudência (2) entendendo que o artigo 119.º, alínea c) (3) do CPPenal, relativo a nulidades insanáveis, deve ser interpretado de modo a abranger não apenas a presença física como também o exercício do direito de defesa proporcionado pelo conhecimento do processo contra si dirigido, por forma a que o arguido possa apresentar provas que contrariem os factos que lhe são imputados.
Esta é uma situação muito mais grave do que a encarada no AFJ n.º 467/02, de 16.10.02 (em vias de publicação, ao que se crê), em que existe uma notificação para audiência escrita do arguido, mas que sofre de incompletude e determina uma nulidade, dependente de arguição.
Sendo no caso sub judice insanável a nulidade cometida, porque deve ser conhecida oficiosamente, nos termos do artigo 122º do CPPenal, aplicável subsidiariamente por força do artigo 41º, n.º 1, da LGCO, anulam-se os actos processuais realizados a partir do momento em que devia ter sido determinada a audição da empresa arguida.
V
Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal em não conhecer do recurso interposto pela empresa arguida "A - Imprensa e Audiovisuais, Lda.", anulando-se os actos processuais realizados a partir do momento em que devia ter sido determinada a sua audição, baixando os autos à Comissão Nacional de Eleições.
Sem custas.
Processado em computador pelo relator, que rubrica as restantes folhas.
Lisboa, 4 de Dezembro de 2002
Lourenço Martins
Pires Salpico
Leal Henriques.
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(1) Do Senhor Presidente da Comissão Nacional de Eleições, ou da entidade que assinou por si, e remeteu os autos ao "Procurador Adjunto" da Secção Criminal do STJ.
(2) Cfr. a que vem citada em Simas Santos/Lopes de Sousa, "Contra-Ordenações -Anotações ao Regime Geral", Vislis, 2001, p. 295.
(3) Que diz: "Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais:... c) A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência". |