Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | FARIA ANTUNES | ||
Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO TRESPASSE JUROS DE MORA PEDIDO IMPLÍCITO RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL RESPONSABILIDADE CIVIL | ||
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Nº do Documento: | SJ200611290022101 | ||
Data do Acordão: | 11/29/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
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Sumário : | 1- Não obsta à condenação da ré no pagamento de juros de mora sobre o capital em dívida, a circunstância de o autor não ter formalizado tal pedido no final da petição inicial, se a ré se apercebeu perfeitamente da pretensão de juros moratórios insistentemente formulada pelos autores ao longo da petição inicial, tanto que se preocupou em impugnar na contestação a obrigação legal de pagar tais juros. 2- Não constitui efeito directo e necessário do trespasse a transmissão das obrigações decorrentes de responsabilidade civil extracontratual da trespassante. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça "AA" e marido BB instauraram acção ordinária contra Empresa-A, pedindo a condenação da ré na reconstituição "in natura" da sua casa de morada de família afectada pelas obras no estabelecimento propriedade da ré, a pagar as despesas efectuadas pelos autores em consequência das obras, a proceder ao isolamento térmico e acústico do estabelecimento para a sua habitação, a retirar a palete publicitária e colunas de som colocadas por baixo das suas janelas viradas para a rua e a pagar-lhes 1.550.000$00 por diversos danos morais sofridos em consequência directa dos actos da ré. A acção foi julgada parcialmente procedente na 1ª instância, com a condenação da ré a proceder ao isolamento térmico e acústico do estabelecimento relativamente à habitação dos autores e a pagar-lhes a quantia de € 4.987,98 por danos não patrimoniais, com juros desde a citação. As partes recorreram para a Relação de Lisboa, que confirmou o decidido, recorrendo agora novamente ambas, de revista. Conclusões da ré: 1ª- A colisão dos direitos de personalidade, como é o sossego e o descanso com o direito ao exercício de uma actividade comercial, muito embora prevaleçam aqueles, não obriga sempre o agente do direito ao exercício do comércio a indemnizar os lesados no direito ao repouso e ao descanso; 2ª- O dano não patrimonial só justifica a fixação de uma compensação monetária quando seja grave; 3ª- A dificuldade de descansar e dormir durante o dia, invocada pelos AA que residem no primeiro andar de um prédio da Rua ..., em Lisboa, uma das mais ruidosas da capital, não pode ser justificativa da condenação da ré, que exerce o comércio diurno no rés-do-chão, no pagamento de uma indemnização aos AA por danos não patrimoniais, pois atendendo à evolução da vida nas sociedades, não deixa de poder ser considerada de incomodidade; 4ª- É relevante para aferir a responsabilidade da ré o facto de ter retirado as bocas de som, ter feito obras de insonorização e redução de calor; 5ª- Ao não considerar o circunstancialismo das conclusões anteriores, o acórdão recorrido violou os artºs 659º, nº 3 do CPC e 496º, nº 1 do CC; 6ª- A fixação da indemnização por danos não patrimoniais deve ser calculada segundo critérios de equidade, atendendo à culpabilidade do agente, à sua situação económica e à do lesado, às circunstâncias do caso e aos padrões da jurisprudência, não tendo o acórdão recorrido equacionado na fixação da indemnização nenhum desses elementos, violando assim os artºs 494º e 496º, nº 3 do CC; 7ª- Ponderados aqueles critérios, mesmo a admitir-se a possibilidade de indemnização pela incomodidade de não poder descansar e repousar durante o dia, a compensação pecuniária, tendo em conta o circunstancialismo da ocorrência e os critérios seguidos pela jurisprudência, não deveria ser superior a 500,00 euros; 8ª- A recorrente foi condenada a pagar juros a contar da citação, que não haviam sido pedidos pelos AA e não são devidos, a não ser a partir da prolação da sentença, atendendo ao disposto no artº 663º, nº 1 do CPC que consagra o princípio da actualização da decisão, tendo por essa razão o acórdão recorrido violado os artºs 661º, nº 1, 663º, nº 1 e 668º do CPC, Devendo ser revogado e a ré ser absolvida da condenação por danos não patrimoniais, ou, a manter-se essa condenação, ser reduzido o valor indemnizatório fixado para montante condizente com os critérios jurisprudenciais. Conclusões dos autores: 1ª- O acórdão recorrido não foi sensível às conclusões F), G) e H) da apelação dos recorrentes, mantendo o quantum fixado pela 1ª instância, não fazendo uma correcta interpretação dos nºs 1 e 3 do artº 496º do CC; 2ª- E não se pronunciou, como devia, quanto às obras de reparação na casa dos recorrentes nem quanto às despesas que os mesmos fizeram nela, sendo nessa parte nulo, por força do disposto no artº 668º, nº 1, al. d) do CPC. Não foram apresentadas contra-alegações. Tendo os autos sido remetidos ao STJ sem que a Relação se tivesse pronunciado sobre as nulidades arguidas por ambas as partes, foram os autos devolvidos à 2ª instância (nos termos doa artºs 668º, nº 4, 716º, nº 1, 726º e 744º, nº 5 do CPC), para pronúncia quanto às invocadas nulidades, tendo a Relação mantido em novo aresto a condenação da ré no pagamento dos juros moratórios e considerado improcedente a apelação dos AA relativamente aos pedidos de reconstituição in natura da sua casa de habitação e de pagamento das despesas que realizaram em consequência das obras no estabelecimento ora pertença da ré. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. É a seguinte a matéria de facto dada por provada, que o STJ tem de acatar. Os AA moram no nº ... da R. ...., em Lisboa, tendo a R. um estabelecimento comercial sob a casa onde moram (A)); O edifício onde está a casa dos AA, tem na sua construção madeiras de tabique (C)); A R. colocou projectores e holofotes de halogéneo no estabelecimento (B)); E instalou aparelhagem de som no seu estabelecimento e colunas de som debaixo das janelas da casa dos AA (D)); Os AA são "agredidos" com o funcionamento permanente da aparelhagem de som instalada pela R., e esta provoca trepidação constante dentro da casa dos AA, durante seis dias por semana (5º, 6º e 7º); O som emitido pela aparelhagem da R. impede a A. de preparar em casa as aulas que ministra (impedimento que actualmente se não verifica por a A. se encontrar reformada) e impede os AA de descansarem (12º e 13º); Os projectores e holofotes de halogéneo colocados no estabelecimento aumentam a temperatura da casa dos AA, provocam o sobreaquecimento do soalho e, quando são desligados, a contracção do soalho, levando, dessa forma, à deformação do pavimento da casa dos AA (1º, 2º, 3º e 4º); O sobreaquecimento causa desconforto aos AA durante o verão (14º); Os AA pediram à R. que isolasse a nível térmico e acústico o estabelecimento (8º); (E pediram que) retirasse as colunas de som viradas para o exterior debaixo das suas janelas e a palete publicitária (o que a R. fez já no decurso desta acção) (9º e 10º); Frequentemente o alarme do estabelecimento dispara, por vezes após as 22h e 30m (E)); O funcionamento do alarme perturba o sossego e o descanso dos AA (17º); Os AA temem a ocorrência de incêndio na sua casa em atenção ao sobreaquecimento (15º); Os AA temiam a ocorrência de assaltos a sua casa enquanto a palete se manteve debaixo das suas janelas (16º); O anterior dono do estabelecimento colocou vigas no mesmo, criando maiores vãos na loja, o que provocou deformação no soalho da casa dos AA, e levou a que as portas da casa e bem assim as janelas deixassem de fechar (18º, 19º, 20º e 21º); Em consequência da colocação das vigas, surgiram deformações nas paredes, registando-se uma fissura muito acentuada numa das divisões e várias fendilhações menores no estuque das paredes e nos tectos (22º e 23º); Os AA gastaram com o marceneiro que aplainou as portas e as janelas a quantia de PTE 25.000$00 (24º); A R. em Novembro de 1996 procedeu à reparação do soalho e de uma marquise da casa dos AA (25º e 26º); O A. é reformado e a A. é professora (agora também reformada) (F) e G)). A ré foi condenada a pagar aos autores a quantia de 4.987,98 euros (1.000.000$00) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por estes sofridos. Sustentam os autores que essa compensação deve ser aumentada para os 7.731,37 euros (1.550.000$00) impetrados na petição inicial. Defende a ré, por seu turno, que deve ser absolvida da condenação por danos não patrimoniais, e que, a manter-se tal condenação, deve o seu montante ser reduzido para 500,00 euros. Perante os factos provados, deve todavia concluir-se não só que os danos de natureza não patrimonial sofridos pelos autores merecem a tutela do direito (dada a intensidade e duração da violação dos seus direitos de personalidade, que devem prevalecer, nos termos do artº 335º da lei substantiva, atentos os factos provado) mas também que o montante compensatório atribuído pelas instâncias se acha equitativamente determinado, apenas se não devendo inflacionar o quantum indemnizatur por a ré no decurso da acção ter retirado as colunas de som que provocavam trepidação e ruído durante seis dias por semana, no período de funcionamento do estabelecimento, bem como a palete publicitária causadora do receio de assaltos, melhorando por essa forma a deteriorada qualidade de vida dos demandantes. Foi portanto observado o comando dos artºs 496º, nºs 1 e 3 e 494º do Código Civil. No que tange à condenação da ré a pagar juros de mora sobre a referida quantia de € 4.987,98, desde a citação, conclui ela que não foram pedidos juros moratórios, não sendo devidos a não ser a partir da prolação da sentença, atendendo ao disposto no artº 663º, nº 1 do CPC que consagra o princípio da actualização da decisão, tendo por essa razão o acórdão recorrido violado os artºs 661º, nº 1, 663º, nº 1 e 668º, ibidem. Falece-lhe igualmente razão neste particular. É certo que os autores omitiram formalmente no pedido a pretensão da condenação da ré em juros moratórios. É todavia claríssima, ao longo do articulado inicial, a manifestação da vontade de receberem tais juros. Haja em vista o que foi articulado nos itens 19º, 30º, 31º, 32º, 34º 38º e 42º da petição inicial, onde os autores reclamaram juros de mora desde a entrada da acção em juízo. Pode assim com segurança dizer-se que, não obstante não ter sido formalizada a pretensão de cobrança de juros de mora no pedido formulado no final da petição inicial, tal pedido se encontra manifestamente implícito. E a ré apercebeu-se perfeitamente da pretensão de juros moratórios insistentemente formulada pelos autores ao longo da peça inicial, tanto que se preocupou em impugnar a obrigação de pagar tais juros, escudando-se no disposto no artº 805º, nº 3 do Código Civil, como se vê do item 9º da contestação. Quanto ao termo a quo da contagem dos juros de mora, os autores apontaram a data da propositura da acção, tendo as instâncias decidido que é a data da citação. Não resultando da sentença que o valor da indemnização tenha sido actualizado à data da sua prolação, nada há a objectar ao decidido uma vez que inexiste motivo para se aplicar a doutrina do acórdão uniformizador de jurisprudência nº 4/2002. Não foram destarte infringidas as normas jurídicas afloradas na 8ª conclusão recursória da ré. Finalmente, não podem deixar de fracassar os pedidos de condenação da ré à reconstituição in natura da casa dos autores, e a pagar-lhes as despesas que efectuaram (Esc. 25.000$00 - resposta ao quesito 24º). É que as obras, como se vê das respostas aos quesitos 19º a 23º, não foram efectuadas pela ré, mas por Empresa-B, anterior proprietária do estabelecimento comercial, pelo que se não vislumbra fundamento legal (nem convencional) para imputar à ré a responsabilidade pela reparação decorrente de tais obras. Ainda que a ré tenha obtido o estabelecimento comercial por trespasse (o que não está demonstrado), não resultaria daí sem mais a transmissão das obrigações decorrentes de responsabilidade civil extracontratual da trespassante Empresa-B. A transferência de tais obrigações não constitui efeito directo e necessário do trespasse, o qual pode implicar a transferência das instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos integrantes do estabelecimento, sem que se alargue a transferência, para o trespassário, do conjunto de obrigações do trespassante, resultantes de responsabilidade aquiliana (cfr. artº 115º do RAU). Ora, não se mostra provado qualquer acordo que faculte aos demandantes responsabilizar a demandada pelos danos causados pelas obras levadas a cabo pela anterior titular do estabelecimento. Não se provando a assunção de obrigações pela ré, não fazem os autores jus à reconstituição in natura da sua casa de morada de família, por ela, bem como ao reembolso das despesas a que se reporta a resposta ao quesito 24º. Nada havendo a alterar, acordam em negar ambas as revistas, condenando os recorrentes nas respectivas custas. Lisboa, 29 de Novembro de 2006 Faria Antunes Sebastião Póvoas Moreira Alves |