Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
574/15.1PEVFX.L1.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: ARMÉNIO SOTTOMAYOR
Descritores: VIOLAÇÃO
ROUBO
COACÇÃO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONCURSO DE INFRAÇÕES
PENA ÚNICA
PLURIOCASIONALIDADE
Data do Acordão: 04/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Área Temática:
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA.
DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO.
Doutrina:
-Carmona da Mota, na intervenção no colóquio Direito Penal e Processo Penal, realizado no Supremo Tribunal de Justiça em 3 de Junho de 2009 (www.stj.pt/index.php/coloquios);
-Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Consequências Jurídicas do Crime, II, p. 197 e 229 ; Comentário Conimbricense do Direito Penal, I, 2.ª Edição, p. 710;
-Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa,Anotada, I, 4.ª Edição, p. 502;
-Lourenço Martins, Medida da Pena, Finalidades; Escolha, p. 468.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, N.º 1 E 2 E 71.º.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 412.º, N.º 2, ALÍNEA B).
Sumário :
I - Desde 2006 a 2009, A., aproveitando-se da escuridão e de o parque de estacionamento da estação do caminho de ferro ser um sítio ermo, aproximou-se de diversas mulheres que se dirigiam aos seus automóveis e, exibindo uma faca, obrigou-as a entrar nos seus veículos e a praticar consigo actos de cariz sexual, desapossando-as ainda de bens que lhes pertenciam e procurando, nalguns casos, coagi-las a não apresentarem queixa. II - Tais factos, considerados como integradores de crimes consumados de violação e de roubo, foram punidos com penas de 6 anos de 6 meses de prisão nos casos de violação, de 2 a 4 anos de prisão no roubo e de 9 meses de prisão nas tentativas de coacção. III - Ficou provado que o arguido tem “uma estrutura de personalidade instável e de tipo borderline (estado limite) e que para os factos actuou de forma consciente e no sentido da satisfação das suas necessidades, não havendo indícios de estar a sofrer na altura de qualquer descompensação ou doença psiquiátrica, sendo capaz de avaliar a ilicitude da sua conduta e de se determinar por essa avaliação, mas não se provou e não se tendo provado a sua toxicodependência. IV - As penas parcelares aplicadas não ultrapassaram o limite da culpa e justificam-se pelas elevadas as exigências de prevenção geral, por se tratar de criminalidade geradora de grande alarme e reprovação social e, bem assim, de prevenção especial, dado os riscos de violência da actuação do arguido serem de considerar altos.
- Na conduta criminosa global do arguido, os crimes de violação são aqueles que, dado o bem jurídico que atingem - a liberdade sexual - apresentam maior relevo, tendo sido os que foram objecto de punição individual mais severa. VI - Atendendo ao limite máximo da respectiva moldura penal (10 anos), o crime de violação não ocupa lugar cimeiro na escala de gravidade dos crimes previstos no Código Penal, o que tem reflexo na compressão a que as penas parcelares devem ser sujeitas nas operações de determinação da pena única, de modo a afastá-la do limite máximo absoluto, que a lei fixou em 25 anos. VII - Face ao princípio da proporcionalidade, uma pena única de 16 anos de prisão constitui justa medida, por garantir que serão alcançados os fins das penas por ter efeito dissuasor bastante, em resultado da sua elevada duração, ao mesmo tempo que tem capacidade ressocializadora para melhor à reintegração do agente na sociedade, alterando-se, assim, para aquela duração, a pena de 22 anos de prisão fixada pelo tribunal colectivo.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de coacção sexual, na forma consumada, previsto e punido pelo art. 163º, n.º 1 do Código Penal, de três crimes de violação, na forma consumada, previstos e punidos pelo art. 164º, n.º 1, al. a), de um crime de violação, na forma consumada, previsto e punido pelo art. 164º, n.º 1, als. a) e b) e de três crimes de roubo, na forma consumada (desagravados em razão do valor diminuto), previstos e punidos pelos arts. 210º, nºs. 1 e 2, al. b) e 204º, nºs. 2, al. f) e 4, sendo todos do Código Penal, AA, identificado nos autos, foi julgado pela Secção Criminal –... da Instância Central de Loures da Comarca de Lisboa Norte, no âmbito do processo nº 574/15.1PEVFX.
Nesses autos constituíram-se assistentes BB e CC, tendo estas e ainda DD deduzido pedido de indemnização civil. 
Por acórdão de 12-07-2016, o arguido foi absolvido da prática de dois crimes de roubo simples (desagravados em razão do valor diminuto), previstos e puníveis pelo art. 210º, n.º 1 do Código Penal e condenado, pela prática, em autoria material, e em concurso real, de um crime de coacção sexual, na forma consumada, cometido em 21-06-2009, previsto e punido pelo art. 163º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão; de um crime de violação, na forma consumada, cometido em 20-12-2006, previsto e punido pelo art. 164º, n.º 1 do Código Penal, na redacção da Lei n.º 65/98, de 02-09, vigente à data dos factos, a que corresponde actualmente o art. 164º, n.º 1, als. a) e b) do Código Penal, na redacção da Lei n.º 59/2007, de 04-09, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão; de um crime de violação, na forma consumada, cometido em 29-06-2009, previsto e punido pelo art. 164º, n.º 1, al. a) do Código Penal, na redacção da Lei n.º 59/2007, de 04-09, na pena de 6  anos e 6 meses de prisão; de um crime de violação, na forma consumada, cometido em 16-09-2009, previsto e punido pelo art. 164º, n.º 1, al. a) do Código Penal, na redacção da Lei n.º 59/2007, de 04-09, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão; de um crime de violação, na forma consumada, cometido em 20-06-2015, previsto e punido pelo art. 164º, n.º 1, al. a) do Código Penal, na redacção da Lei n.º 59/2007, de 04-09, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão; de, operada a convolação, um crime de roubo agravado, na forma consumada, cometido em 29-06-2009, previsto e punido pelo art. 210º, nºs. 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204º, n.º 2, al. f), ambos do Código Penal, e ao art. 4º do DL n.º 48/95, de 15-03, na pena de 4 anos de prisão; de, operada a convolação, um crime de roubo agravado, na forma consumada, cometido em 16-09-2009, previsto e punido pelo art. 210º, nºs. 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204º, n.º 2, al. f), ambos do Código Penal, e ao art. 4º do DL n.º 48/95, de 15-03, na pena de 4 anos de prisão; de um crime de roubo simples, na forma consumada (desagravado em razão do valor diminuto), cometido em 20-06-2015, previsto e punido pelo art. 210º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão; de um crime de coação agravada, na forma tentada, cometido em 20-12-2006, previsto e punido pelos arts. 154º, nºs. 1 e 2, 155º, n.º 1, al. a) e 22º, todos do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão; e de um crime de coação agravada, na forma tentada, cometido em 16-09-2009, previsto e punido pelos arts. 154º, nºs. 1 e 2, 155º, n.º 1, al. a) e 22º, todos do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão. Operado o cúmulo jurídico destas penas parcelares, foi o arguido AA condenado na pena única de 22 anos de prisão.
O arguido foi ainda condenado a pagar, à assistente/demandante BB, a quantia de € 30.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros desde a data da decisão; à assistente/demandante CC, a quantia de € 15.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros desde a data da decisão; e à demandante DD a quantia de € 15.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros desde a data da decisão e a quantia de € 11.372,18 para ressarcimento dos danos patrimoniais, acrescida de juros a contar da data da notificação ao arguido/demandado para contestar o pedido de indemnização civil.
Não se conformando com as penas que lhe foram aplicadas, o arguido interpôs recurso, que dirigiu ao Tribunal da Relação de Lisboa, o qual concluiu do seguinte modo:

A) O presente recurso visa questionar a douta decisão recorrida, nos seguintes aspectos:

Impugnação da matéria de direito relativamente a:

I) Da medida da pena aplicável - Pena excessiva

B) Impugnação da matéria de direito

Em suma o Tribunal, operando o cúmulo jurídico, condenou o arguido na pena única de 22 (vinte e dois) anos de prisão.

Pelo exposto e salvo o devido respeito considera-se as penas aplicadas excessivas

Podemos concluir que é uma pena justa aquela que responda, adequadamente, às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa.

Ora, no caso em apreço e atenta a posição assumida pelo arguido no presente recurso é peremptório que o mesmo pugna pela condenação pelo limite mínimo previsto.

Contudo e ainda que assim não se entenda, no todo ou em parte, é liquido afirmar que as penas são aplicadas com a finalidade primeira de restabelecer a confiança colectiva na validade de uma norma violada e, em segundo lugar, na análise da eficácia do próprio sistema jurídico-penal. Por sua vez, a função da culpa é designadamente, a de estabelecer o máximo de pena concretamente aplicável - toda a pena tem um suporte axiológico - normativo a culpa concreta.

Parece-nos que no presente caso estão satisfeitas as exigências estatuídas, razão pela qual as penas fixadas apresentam-se, salvo o devido respeito, altamente exageradas face ao grau de culpa imputável ao recorrente e, bem assim, o perfil psicológico avaliado próximo do estado limite o qual, com o consumo de drogas, tendia a retirar o auto-controlo o que permite afastar, senão em todo, pelo menos em parte, o elemento subjectivo do tipo de crimes pelos quais o arguido foi condenado.

D) Norma jurídicas violadas:

1) O douto acórdão violou o disposto nos artigos 40º, n.º 1 e 2 e 71º do CP. dado que impunha-se a condenação de uma pena de prisão mais baixa daquela que foi aplicada,
pelo limite mínimo da previsão legal.

E) Cumprimento do disposto no art. 412º, n.º 3 e 4 do C.P.P. - artigo 40º do Código Penal.

Requer-se:

1) Que seja alterada a decisão da matéria de direito e, por conseguinte, ser o arguido condenado a uma pena de prisão próxima do limite mínimo legal previsto.

2)     Ser decretada a violação dos artigos 18º e 34º da CRP; do artigos 40º, n.º 1 e 2 e 71º do CP.

Requer a realização de audiência.

    Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público, que suscitou, como questão prévia, a incompetência do tribunal da relação em virtude de o arguido circunscrever o seu recurso à matéria de direito, e que, quanto ao fundo, se pronunciou no sentido de que o acórdão recorrido não merece censura, na medida em que “não se vislumbra a existência de qualquer vício ou nulidade, nem a violação das normas que regem a determinação da medida concreta da pena, nomeadamente os artigos 40°, 70º. 71°, 72° e 77°, todos do Código Penal, os quais foram devida e criteriosamente aplicados”.

     Também as assistentes BB e CC defenderam a manutenção da decisão recorrida, chamando a segunda à colação o relatório pericial de Psiquiatria, nos termos do qual “para os factos descritos nos autos o examinado actuou de forma consciente e no sentido da satisfação das suas necessidades não havendo indícios de estar a sofrer na altura de qualquer descompensação ou doença psiquiátrica, o que permitiu concluir que “estava capaz de avaliar a ilicitude da sua conduta e de se determinar por essa avaliação preenchendo assim os critérios médico-legais de imputabilidade.”      

           

Por decisão do relator no Tribunal da Relação de Lisboa, para onde os autos foram enviados, foi declarada a incompetência daquele tribunal, com fundamento no disposto no art. 432º nº 1 al. c) do Código de Processo Penal, em virtude de o recurso se circunscrever a matéria de direito relacionada com a medida da pena.

           Remetidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, foi oportunamente realizada a audiência requerida pelo recorrente.

            Cumpre decidir.

            2. Os factos que o tribunal colectivo deu como provados e que o recorrente não impugna são os seguintes:

Da acusação:

NUIPC nº 717/06.6 GHVFX

1 - No dia 20 de Dezembro de 2006, pelas 20 horas e 28 minutos, na Estação de Entrecampos, em Lisboa, a ofendida BB, nascida em ...1983, apanhou um comboio da CP para se deslocar para Póvoa de Santa Iria.

2 - Cerca das 20 horas e 55 minutos, a ofendida saiu do comboio na Estação da Póvoa de Santa Iria e após dirigiu-se apeada para o seu veículo automóvel de marca Fiat, modelo Punto, de cor branca, com a matrícula ...-JN, que tinha deixado estacionado num terreno descampado que se situa junto da referida estação da CP.

3 - Nesse local encontrava-se igualmente o arguido AA que, ao avistá-la sozinha, de imediato, formulou o propósito de se lhe dirigir, de a atemorizar através da amostragem de uma navalha que trazia consigo e de a obrigar, mediante tais meios, a praticar consigo actos sexuais.

4 - Em execução de tal desígnio, o arguido abeirou-se do veículo da ofendida.

5 - A ofendida, sem que se tivesse apercebido da presença do arguido no descampado, dirigiu-se para o seu veículo automóvel, abriu a porta do lado do condutor, entrou e sentou-se e, quando se encontrava a colocar o cinto de segurança, avistou o arguido através do espelho e, atenta a hora e local onde se encontrava, ficou com receio e tentou fechar as portas do veículo.

                6 - Contudo, não o logrou conseguir, porque, entretanto, o arguido abriu a porta do lado do pendura, entrou no veículo, sentou-se e puxou pela mala da ofendida, mas esta resistiu e o arguido largou a mala.

                7 - A ofendida, assustada pela presença do arguido no interior do seu veículo automóvel, começou a chorar e o arguido muniu-se de uma navalha que trazia consigo, de comprimento de lâmina não concretamente apurado, e apontou-a ao pulso direito daquela, dizendo-lhe que só queria que o levasse a um sítio.

8 - A ofendida ainda implorou ao arguido para que saísse do veículo e a deixasse ir para casa, mas este insistiu para que o levasse a um sítio, mantendo a navalha apontada para ofendida e esta, com receio de o arguido pudesse atentar contra a sua integridade física ou contra a sua vida, acedeu, colocou o veículo em funcionamento e seguiu as indicações que aquele lhe transmitiu.

                9 - Quando chegaram a um terreno de terra batida situado junto da fábrica “Logic”, local sem iluminação e sem a presença de pessoas, o arguido ordenou-lhe que parasse o veículo e, quando esta lhe solicitou que saísse do veículo, respondeu-lhe que: «Eu só quero uma coisa, depois deixo-te ir… Eu só quero que me faças vir!».

                10 - A ofendida, ao aperceber-se das intenções do arguido, chorou, implorou-lhe que a deixasse ir embora e confessou-lhe que ainda era virgem.

                11 - Ainda assim o arguido não desistiu dos seus propósitos e disse para a ofendida «não acredito que ainda ninguém te desflorou», «olha, eu vou-te respeitar e não te vou enfiar» e «quero ver as tuas mamas».

                12 - Em acto contínuo, o arguido passou a navalha para a mão esquerda e introduziu a mão direita por dentro da camisola e do soutien que a ofendida usava e apalpou-lhe os seios.

                13 - A ofendida, apesar do receio, afastou a mão do arguido e este, descontente, disse-lhe «porra, também não tás a colaborar! Só saímos daqui quando me fizeres vir, é o combinado».

                14 - Entretanto, o arguido despiu as calças que vestia até aos joelhos e ordenou à ofendida que o masturbasse, dizendo-lhe «quero que ponhas a tua mão no meu pénis e que faças movimentos».

                15 - A ofendida, sabendo que se encontrava num local isolado onde ninguém a podia auxiliar e bem assim que o arguido tinha a navalha na sua posse, ficou receosa e acabou por aceder, embora contra a sua vontade.

                16 - Nessa sequência, a ofendida colocou a sua mão sobre a zona genital do arguido, por cima dos boxers e manipulou-lhe o pénis.

                17 - Entretanto, o arguido ordenou à ofendida que colocasse a mão por debaixo dos boxers e que lhe tocasse no órgão genital e esta, por receio, obedeceu.

                18 - Em seguida, o arguido ordenou à ofendida que passasse para o banco traseiro pela parte interior do veículo, e embora ainda tenha protestado, a ofendida, por receio, acabou por aceder, tendo o arguido passado igualmente para o banco traseiro, ordenando à ofendida que desapertasse as calças porque queria pôr a mão nas suas cuecas, e a ofendida, igualmente por receio, despiu as calças até aos joelhos, tendo o arguido colocado a sua mão sobre a zona genital da ofendida, por cima das cuecas e acariciou-a nessa zona do seu corpo.

                19 - Em acto contínuo, o arguido colocou a mão por dentro das cuecas da ofendida, e introduziu um dos seus dedos na vagina da ofendida, que ao sentir o que ele lhe estava a fazer, afastou-lhe a mão e começou a chorar.

20 - O arguido ordenou, então, à ofendida que o voltasse a masturbar e esta acedeu, mas, logo após, o arguido ordenou-lhe que lhe fizesse sexo oral e, embora a ofendida tenha implorado que não a obrigasse e que nunca tinha efectuado tal prática, o arguido ordenou-lhe que introduzisse o pénis na boca, dizendo-lhe «que se não o fizesse, nunca mais se iam embora daquele local».

21 - Contudo, a ofendida sentiu repulsa e vómitos e retirou o pénis da sua boca.

               22 - Ainda assim, o arguido voltou a ordenar-lhe que colocasse o pénis na boca, dizendo-lhe para «pôr a boca até ao fundo, o máximo que conseguisse» e a ofendida, por receio, obedeceu-lhe, mas voltou a interromper o acto.

                23 - O arguido enfureceu-se e voltou a colocar o dedo junto da vagina da ofendida, mas esta, novamente, afastou-lhe a mão.

                24 - O arguido agarrou, então, a ofendida, beijou-a na boca e tentou colocar-lhe a língua na boca, embora a ofendida tenha mantido a boca fechada para evitar que aquele o conseguisse.

                25 - No banco traseiro, o arguido, sempre munido da navalha, ordenou à ofendida «baixa mais as tuas calças que é para eu passar com o meu caralho nas tuas cuecas».

                26 - Devido ao receio que sentia, a ofendida cumpriu a ordem que o arguido lhe deu.

                27 - Por sua vez, o arguido baixou as calças e os boxers que vestia até aos tornozelos, colocou o seu corpo sobre o corpo da ofendida e, durante cerca de 2 minutos, esfregou o seu pénis na zona genital da ofendida, por cima das cuecas que esta vestia.

28 - Entretanto, o arguido ordenou novamente à ofendida que lhe fizesse sexo oral, agarrou a cabeça da ofendida, empurrou-a e forçou-a a introduzir o pénis na boca e, durante cerca de 5 minutos, sempre com a mão na cabeça daquela, obrigou-a a efectuar movimentos para cima e para baixo, até que ejaculou na boca da mesma.

29 – Após o arguido ordenou à ofendida que passasse para o banco do condutor, tendo o mesmo ocupado o lugar ao lado.

30 – De seguida, o arguido ordenou à ofendida que o transportasse novamente para as imediações da Estação da CP da Póvoa de Santa Iria e aí chegados, quando a ofendida o questionou acerca dos motivos que o tinham levado a forçá-la a tais actos, respondeu-lhe «queres mesmo saber? É mesmo pancada!».

                31 – Antes de abandonar o local, o arguido disse à ofendida BB, em tom agressivo, «não tentes fazer queixa de mim, eu tenho a matrícula do teu carro, e dou cabo de ti».

32 - O arguido AA agiu de forma deliberada, livre e conscientemente, com o propósito concretizado de levar a ofendida para um local isolado e de, nesse local, beijá-la na boca, apalpar-lhe os seios e a zona vaginal, introduzir-lhe um dedo na vagina, esfregar o seu pénis na zona genital da mesma e bem assim para a forçar a manipular-lhe o pénis e a praticar-lhe sexo oral, tendo-a obrigado a introduzir o seu pénis na boca até à ejaculação, valendo-se do temor que lhe causou através do uso da navalha e de a ter levado para um local isolado, o que a impediu de esboçar qualquer oposição relativamente aos seus desígnios, para assim satisfazer a sua lascívia, bem sabendo que, ao actuar da forma descrita, agia contra a vontade e sem o consentimento da ofendida e que atentava contra a sua autonomia sexual.

33 - Ao dirigir à ofendida BB em tom agressivo, a expressão mencionada em 31, o arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, sabendo que tal expressão, pelo seu conteúdo e circunstâncias em que era proferida, era idónea a provocar na ofendida receio pela sua vida e integridade física, agindo com intenção de desse modo constranger a ofendida, e impedir que a mesma denunciasse o sucedido à autoridade policial, o que não logrou conseguir por razões alheias à sua vontade, ciente da proibição e punição da sua conduta.


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NUIPC nº 844/09.8 PBVFX

34 - No dia 21 de Junho de 2009, pela 1 hora e 10 minutos, a ofendida CC, nascida em ...-1987, estacionou o veículo automóvel que conduzia e dirigiu-se para o prédio onde residia com os pais, sito na Rua ....

35 - Sucede que o arguido AA encontrava-se a fumar um cigarro junto da porta do referido prédio e, ao avistar a ofendida sozinha, de imediato, formulou o propósito de se lhe dirigir, de a atemorizar através da amostragem de uma navalha que trazia consigo e de a forçar a praticar consigo actos sexuais.

36 - A ofendida avistou o arguido junto da porta do prédio, mas como este se encontrava a fumar, não estranhou a sua presença no local, abriu a porta e entrou no prédio, sentindo nessa altura como se o arguido tropeçasse em si, entrando o mesmo também no prédio, fechando-se a porta de entrada.

37 - No momento em que se apercebeu da presença do arguido no interior do prédio, este dirigiu-se à ofendida, empurrou-a contra a parede, encostou-lhe uma navalha de características não apuradas, à sua zona abdominal, e ordenou-lhe que não gritasse, dizendo-lhe «Por favor não grites eu tenho aqui uma faca», ordenando-lhe que entrasse no elevador, ao que a mesma obedeceu.

38 - O arguido entrou igualmente no elevador, carregou no botão correspondente ao 9º andar e aí chegados, ordenou à ofendida que saísse e se dirigisse à zona das escadas, ao que a mesma também obedeceu.

39 - Entretanto a ofendida, pensando que o arguido pretendia que lhe entregasse dinheiro ou objectos de valor, com medo, ofereceu-lhe a quantia monetária de € 5,00 (cinco euros) e dois telemóveis, mas aquele recusou e ordenou-lhe que não tocasse nos telemóveis.

40 - Nesse local, isolado relativamente às habitações que ficam no andar, o arguido solicitou à ofendida que o deixasse tocar-lhe e, embora a mesma tenha recusado, o arguido, contra a vontade desta, colocou a mão direita sobre um dos seios da ofendida e apalpou-a.

41 - A ofendida, contudo, reagiu e afastou-lhe a mão.

42 - Em acto contínuo, o arguido ordenou à ofendida «então toca-me só nas calças», mas esta recusou.

43 - Face a essa recusa, o arguido voltou a empunhar a navalha na direcção da ofendida, ordenou-lhe novamente que o masturbasse, dizendo-lhe «tens que me bater uma», e colocou o seu pénis desnudado para fora das calças que vestia, já em posição de erecto.

44 - A ofendida, encontrando-se sozinha com o arguido no aludido local e receosa de que o mesmo utilizasse a navalha que detinha para atentar contra a sua integridade física ou contra a sua vida, não conseguiu esboçar qualquer resistência, agarrou no pénis do arguido com a sua mão e manipulou-o durante alguns momentos.

  45 - Entretanto a ofendida parou de manipular o pénis do arguido e disse-lhe «pronto, já está».

  46 - Contudo, o arguido ordenou-lhe que continuasse tal prática até à ejaculação, dizendo-lhe «não, até eu me vir», o que veio a suceder cerca de segundos depois, tendo o esperma do arguido caído sobre as escadas do prédio.

47 - Após, o arguido ordenou à ofendida que não ligasse a ninguém nem dali saísse durante cinco minutos e ausentou-se do local em direcção ao acesso ao elevador.

48 – O arguido AA agiu de forma deliberada, livre e conscientemente, com o propósito de levar a ofendida para um local isolado e de, nesse local, apalpar-lhe os seios e de a forçar a manipular-lhe o pénis, o que logrou conseguir, intimidando-a com o uso de uma navalha e impedindo-a, desse modo, de esboçar qualquer oposição aos seus desígnios, para assim satisfazer a sua lascívia, bem sabendo que tais actos tinham uma forte relevância sexual e que, ao actuar da forma descrita, agia contra a vontade e sem o consentimento da ofendida e que atentava contra a sua autonomia sexual.


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NUIPC nº 893/09.6 PBVFX

49 - No dia 29 de Junho de 2009, pelas 21 horas e 36 minutos, na Estação de Santa Apolónia, em Lisboa, a ofendida EE, nascida em ...-1983, apanhou um comboio da CP para se deslocar para a Póvoa de Santa Iria.

50 - Cerca das 21 horas e 55 minutos, a ofendida saiu do comboio na Estação da Póvoa de Santa Iria e após dirigiu-se apeada para o seu veículo automóvel de marca Mercedes, modelo 190, de cor bege, com a matrícula ...-OI, que tinha deixado estacionado num terreno descampado que se situa junto da referida estação da CP.

51 - Nesse local encontrava-se igualmente o arguido AA que, ao avistá-la sozinha, de imediato, formulou o propósito de se lhe dirigir, de a atemorizar através da amostragem de uma faca de cozinha que trazia consigo, obrigá-la a entregar-lhe os objectos de valor que tivesse na sua posse e ainda forçá-la, mediante tais meios, a praticar consigo actos sexuais.

52 - Em execução de tal desígnio, o arguido abeirou-se do veículo da ofendida.

53 - A ofendida, sem que se tivesse apercebido da presença do arguido no descampado, dirigiu-se para o seu veículo automóvel e, quando se preparava para o destrancar, o arguido abordou-a, exibiu-lhe uma faca com comprimento de lâmina não concretamente apurado, que apontou em direcção ao peito da ofendida, e ordenou-lhe em tom agressivo que não olhasse para si e que entrasse para o interior do veículo automóvel.

54 - A ofendida, por receio, obedeceu-lhe, entrou para o veículo e sentou-se no lugar do condutor.

55 - Em acto contínuo, o arguido abriu a porta do lugar do pendura, entrou no veículo, sentou-se e ordenou à ofendida que lhe entregasse dinheiro, mas como a mesma apenas possuía algumas moedas, ordenou-lhe também que lhe entregasse o cartão multibanco e que o informasse do saldo da conta bancária e do código PIN utilizado no referido cartão.

56 - A ofendida, receosa, informou o arguido de que a sua conta bancária tinha o saldo de € 374,00 e informou-o igualmente acerca do código PIN do seu cartão multibanco.

57 - No entanto, o arguido, como pretendia igualmente forçar a ofendida a manter consigo actos de natureza sexual, ordenou-lhe que colocasse o veículo automóvel em funcionamento, o que a mesma obedeceu e deu-lhe indicações para se deslocar para as traseiras de uma fábrica abandonada que existia nas proximidades, o que a mesma obedeceu, igualmente por receio.

58 - Aí chegados, ordenou à ofendida que fosse para o banco traseiro do veículo automóvel e bem assim que se deitasse de costas.

59 - A ofendida, sabendo que se encontrava num local isolado onde ninguém a podia auxiliar e bem assim que o arguido tinha a faca na sua posse, ficou receosa de que este pudesse atentar contra a sua integridade física ou contra a sua vida e acabou por aceder, embora contra a sua vontade.

60 - Em acto contínuo, o arguido colocou o seu corpo em cima do corpo da ofendida, beijou-a na boca, colocou as mãos nos seios da mesma e apalpou-a nessa zona do seu corpo.

61 - Em seguida, o arguido ordenou ainda à ofendida que baixasse as calças e as cuecas, o que esta fez, a chorar, com medo que o arguido utilizasse a faca para a esfaquear.

62 - O arguido, indiferente ao pânico da ofendida, despiu, então, as calças e cuecas que ele próprio vestia até aos joelhos, e, contra a vontade daquela, colocou o seu corpo sobre o corpo da ofendida, introduziu o seu pénis desnudado e erecto, sem preservativo, no interior da vagina da ofendida e aí o friccionou, durante cerca de 5 minutos, até ejacular.

63 - Após, o arguido ordenou à ofendida que lhe entregasse o cartão multibanco e que o informasse novamente do saldo da sua conta bancária e do código PIN do referido cartão e a ofendida, por receio, entregou-lhe o cartão multibanco referente à sua conta bancária e prestou-lhe, outra vez, as mencionadas informações.

64 - Entretanto, o arguido saiu do veículo, na posse do referido cartão de multibanco, que fez coisa sua, e, antes de sair, ordenou à ofendida que aí aguardasse por 10 minutos para se ausentar do local, advertindo-a que sabia a matrícula do veículo.

65 - O arguido dirigiu-se de seguida a um multibanco, tendo efectuado com o sobredito cartão, dois levantamentos nos montantes respectivamente de € 150,00 (cento e cinquenta euros) e € 60,00 (sessenta euros), apropriando-se dessa forma do dinheiro pertencente à ofendida EE, sem o consentimento e contra a vontade da mesma.

66 - A ofendida, em estado de pânico, aguardou que decorressem os minutos que o arguido lhe ordenou para, então, se ausentar do local.

67 - Em consequência directa e necessária da actuação do arguido, a ofendida sofreu pequena zona de erosão na mucosa da metade direita do hímen, conforme decorre do relatório pericial de natureza sexual em direito penal de fls. 754 a 758, que se dá por integralmente reproduzido.

68 - Tal lesão demandou um dia para se curar.

69 - O arguido AA agiu de forma deliberada, livre e conscientemente, com o intuito concretizado de se apoderar do cartão multibanco da ofendida, o que logrou conseguir, amedrontando-a com a faca e levando-a para um local isolado, o que a impediu de esboçar qualquer oposição relativamente ao seu desígnio, apesar se saber que o referido cartão multibanco não lhe pertencia e que agia contra a vontade e sem a autorização da ofendida, sua proprietária.

70 - O arguido agiu igualmente de forma deliberada, livre e conscientemente, com o intuito concretizado de se apoderar da quantia monetária de € 210,00 (duzentos e dez euros) pertencente à ofendida, o que logrou conseguir, porquanto se havia apropriado do cartão multibanco da forma supra descrita, ou seja, amedrontando a ofendida com a faca e levando-a para um local isolado, o que a impediu de esboçar qualquer oposição relativamente ao seu desígnio, apesar de saber que a referida quantia monetária não lhe pertencia, e que agia contra a vontade e sem a autorização da ofendida, sua proprietária, ciente da proibição e punição da sua conduta.

71 - O arguido AA agiu também de forma deliberada, livre e conscientemente, com o propósito concretizado de levar a ofendida para um local isolado e de, nesse local, beijá-la na boca, apalpar-lhe os seios e de a forçar a manter consigo relação sexual de cópula completa, tendo introduzido o seu pénis na vagina daquela e aí o friccionado até à ejaculação, valendo-se do temor que lhe causou através do uso da faca e de a ter levado para um local isolado, o que a impediu de esboçar qualquer oposição relativamente aos seus desígnios, para assim satisfazer a sua lascívia, bem sabendo que, ao actuar da forma descrita, agia contra a vontade e sem o consentimento da ofendida e que atentava contra a sua autonomia sexual.


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NUIPC nº 1247/09.0 PBVFX

72 - No dia 16 de Setembro de 2009, pelas 21 horas e 31 minutos, na Estação do Oriente, em Lisboa, a ofendida FF, nascida em ...-1982, apanhou um comboio da CP para se deslocar para a Póvoa de Santa Iria.

73 - Cerca das 21 horas e 45 minutos, a ofendida saiu do comboio na Estação da Póvoa de Santa Iria e após dirigiu-se apeada para o seu veículo automóvel de marca Opel, modelo Corsa, de cor branca, com a matrícula ..., que tinha deixado estacionado num terreno descampado que se situa junto da referida estação da CP.

74 - Nesse local encontrava-se igualmente o arguido AA que, ao avistá-la sozinha, de imediato, formulou o propósito de se lhe dirigir, de a atemorizar através da amostragem de uma faca que trazia consigo, de a obrigar a entregar-lhe os objectos de valor que tivesse na sua posse e ainda forçá-la, mediante tais meios, a praticar consigo actos sexuais.

75 - Em execução de tal desígnio, o arguido abeirou-se do veículo da ofendida.

76 - A ofendida, sem que se tivesse apercebido da presença do arguido no descampado, dirigiu-se ao seu veículo automóvel, destrancou as portas, entrou e, no momento em que se sentou no banco do condutor e se preparava para fechar a porta desse lado, o arguido abriu a porta do lado pendura, entrou no veículo e sentou-se.

77 - Em acto contínuo, o arguido empunhou uma faca de características não apuradas, e ordenou à ofendida que colocasse o veículo em funcionamento, mas a ofendida, devido ao susto, deixou cair as chaves e, para as encontrar, acendeu a luz interior do veículo, o que fez com o arguido se tenha exaltado, dizendo-lhe: «não olhes para mim, não olhes para mim».

78 - Entretanto, a ofendida logrou encontrar as chaves, colocou o veículo em funcionamento e o arguido ordenou-lhe «arranca calmamente, não te armes em espertalhona senão dou-te uma facada e se vires a Polícia não pares», e deu-lhe indicações para se deslocar para as traseiras de uma fábrica abandonada que existe nas proximidades, o que a mesma obedeceu, por receio.

79 - Aí chegados, ordenou-lhe que lhe entregasse o cartão multibanco e que o informasse acerca do saldo da sua conta bancária e do código PIN do referido cartão e a ofendida, por receio, informou-o de que a sua conta bancária tinha cerca de € 200,00, entregou-lhe o cartão multibanco do Banco Millenium BCP e informou-o ainda do respectivo código PIN.

80 - No entanto, o arguido, como pretendia igualmente forçá-la a manter consigo actos de natureza sexual, despiu as calças e ordenou-lhe que o masturbasse, dizendo-lhe «agora para te ires embora tens de me bater uma», mas a ofendida recusou-se.

81 - Perante essa recusa, o arguido voltou a exibir a faca à ofendida e, apesar desta se encontrar a chorar, o arguido foi indiferente a esse choro e atemorizou-a dizendo-lhe que se não o masturbasse que a violava e que a esfaqueava.

82 - A ofendida sabendo que se encontrava num local isolado onde ninguém a podia auxiliar e bem assim que o mesmo tinha a faca na sua posse, ficou receosa de que o arguido pudesse atentar contra a sua integridade física ou contra a sua vida, acabou por aceder e, embora contra a sua vontade, agarrou no pénis do arguido com a sua mão direita e manipulou-o.

83 - Enquanto isso, o arguido, também sem o consentimento da ofendida, colocou as suas mãos por dentro da camisola que esta vestia e apalpou-lhe os seios.

84 - Após, o arguido ordenou à ofendida que lhe fizesse sexo oral e, embora esta, a chorar, lhe tivesse implorado que não a obrigasse a tal prática, o arguido foi indiferente às suas súplicas, muniu-se uma vez mais da faca e intimidou-a, afirmando que a matava se não fizesse o que lhe ordenava e que assim que ejaculasse a deixava ir embora.

85 - A ofendida, devido ao receio de que aquele atentasse contra a sua integridade física ou contra a sua vida, embora contra a sua vontade, acabou por introduzir o pénis do arguido na boca até o mesmo ejacular.

86 - Após vestir as calças, o arguido saiu do veículo, na posse do referido cartão multibanco, que fez coisa sua, e, antes de sair, ordenou à ofendida que aí aguardasse por 5 minutos para se ausentar do local.

87 - O arguido antes de abandonar o local, disse ainda à ofendida FF, em tom agressivo, «para não ir à polícia porque senão fazia-lhe a folha».

88 - A ofendida assim que o arguido saiu trancou as portas do veículo automóvel, aguardou durante alguns minutos que aquele saísse do local, colocou o veículo a funcionar e ausentou-se.

89 - Após abandonar o local, o arguido dirigiu-se de seguida a um multibanco, tendo efectuado com o sobredito cartão, dois levantamentos nos montantes respectivamente de € 200,00 (duzentos euros) e € 60,00 (sessenta euros), apropriando-se dessa forma do dinheiro pertencente à ofendida FF, sem o consentimento e contra a vontade da mesma.

90 - O arguido AA agiu de forma deliberada livre e conscientemente, com o intuito concretizado de se apoderar do cartão multibanco da ofendida, o que logrou conseguir, amedrontando-a com a aludida faca e levando-a para um local isolado, o que a impediu de esboçar qualquer oposição relativamente ao seu desígnio, apesar se saber que o referido cartão multibanco não lhe pertencia e que agia contra a vontade e sem a autorização da ofendida, sua proprietária.

91 - O arguido agiu igualmente de forma deliberada, livre e conscientemente, com o intuito concretizado de se apoderar da quantia monetária de € 260,00 (duzentos e sessenta euros) pertencente à ofendida FF, o que logrou conseguir, porquanto se havia apropriado do cartão multibanco da forma supra descrita, ou seja, amedrontando a ofendida com a faca e levando-a para um local isolado, o que a impediu de esboçar qualquer oposição relativamente ao seu desígnio, apesar de saber que a referida quantia monetária não lhe pertencia, e que agia contra a vontade e sem a autorização da ofendida, sua proprietária, ciente da proibição e punição da sua conduta.

92 - O arguido AA agiu também de forma deliberada, livre e conscientemente, com o propósito concretizado de levar a ofendida para um local isolado e de, nesse local, apalpar-lhe os seios e de a forçar a manipular-lhe o pénis e a praticar sexo oral, tendo-a obrigado a introduzir o seu pénis na boca até à ejaculação, valendo-se do temor que lhe causou através do uso da faca e de a ter levado para um local isolado, o que a impediu de esboçar qualquer oposição relativamente aos seus desígnios, para assim satisfazer a sua lascívia, bem sabendo que, ao actuar da forma descrita, agia contra a vontade e sem o consentimento da ofendida e que atentava contra a sua autonomia sexual.

93 - Ao dirigir à ofendida FF, em tom agressivo, a expressão mencionada em 87, o arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, sabendo que tal expressão, pelo seu conteúdo e circunstâncias em que era proferida, era idónea a provocar na ofendida receio pela sua vida e integridade física, agindo com intenção de desse modo constranger a ofendida e impedir que a mesma denunciasse o sucedido à autoridade policial, o que não logrou conseguir por razões alheias à sua vontade, ciente da proibição e punição da sua conduta.


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NUIPC nº 574/15.1 PEVFX

94 - No dia 20 de Junho de 2015, pelas 00 horas e 25 minutos, em Lisboa, a ofendida DD, nascida em ...-1991, apanhou um comboio da CP para se deslocar para a Póvoa de Santa Iria.

95 - Pelas 00 horas e 40 minutos, a ofendida saiu do comboio na Estação da Póvoa de Santa Iria e após dirigiu-se apeada para o seu veículo automóvel de marca Mitsubishi, modelo Colt Z30, de cor cinza, com a matrícula ..., que tinha deixado estacionado num terreno descampado que se situa junto da referida estação da CP.

96 - Nesse local encontrava-se igualmente o arguido AA que, ao avistá-la sozinha, de imediato, formulou o propósito de se lhe dirigir, de a atemorizar através da amostragem de um canivete que trazia consigo, de a obrigar a entregar-lhe os objectos de valor que tivesse na sua posse e ainda forçá-la, mediante tais meios, a praticar consigo actos sexuais.

97 - Em execução de tal desígnio, o arguido seguiu na direcção do veículo da ofendida.

98 - Esta, enquanto se encaminhava para o veículo, conseguiu avistar o arguido a dirigir-se para si e, embora desconhecesse as intenções daquele, de imediato sentiu receio e, para tentar evitar que a alcançasse, destrancou as portas do veículo através do comando à distância, com o objectivo de entrar no veículo e voltar a trancar as portas.

99 - Contudo, quando se abeirou do veículo, o arguido também já aí se encontrava, o que a impediu de entrar atempadamente no interior do veículo.

100 - Quando chegou junto da ofendida, o arguido questionou-a se tinha dinheiro e aquela respondeu-lhe afirmativamente e, devido ao medo que sentia, prontificou-se para lhe entregar a quantia monetária que trazia consigo.

101 - No entanto, o arguido, como pretendia igualmente forçá-la a manter consigo actos de natureza sexual, ordenou-lhe que entrasse para o interior do veículo automóvel e que lhe entregasse a quantia monetária no seu interior.

102 - A ofendida recusou-se a entrar para o interior do veículo e o arguido, para a assustar, disse-lhe que tinha um amigo a vigiar junto da entrada do parque e que para não se fazer valer desse amigo bastava-lhe que entrasse no veículo.

103 - Ainda assim, a ofendida resistiu a entrar no veículo.

104 - Contudo, o arguido retirou do bolso um canivete com o comprimento total de 14 cm, sendo 7,8 cm de cabo e 6,2 cm de lâmina, mostrou-o à ofendida, abriu a porta do lado do pendura e sentou-se no interior do veículo automóvel.

105 - Perante a presença do arguido no seu veículo automóvel, a ofendida abriu a porta do lado do condutor e, sem entrar no veículo, estendeu-lhe a carteira, mas o arguido não a aceitou e ordenou-lhe que entrasse para o interior do veículo, apesar de lhe ter dito que não lhe ia fazer mal.

106 - Embora com receio, a ofendida entrou no veículo e sentou-se no banco do condutor, mas deixou a porta aberta.

107 - No entanto, o arguido exaltou-se e ordenou-lhe que fechasse a porta, para que a luz interior do veículo se apagasse, o que a mesma obedeceu e, em seguida, ordenou-lhe que conduzisse o veículo para um recanto mais escuro do parque, mas a ofendida procurou demovê-lo.

108 - Contudo, o arguido, perante a atitude da ofendida, exaltou-se, aproximou o canivete do corpo da mesma e continuou a ordenar-lhe que conduzisse o veículo para um recanto mais escuro do parque, ao que aquela obedeceu, por receio.

109 - Aí chegados, o arguido ordenou à ofendida que lhe entregasse todo o dinheiro que possuía e esta, por temor, entregou-lhe uma nota de € 5,00 (cinco euros), duas moedas de € 1,00 (um euro), duas moedas de € 0,50 (cinquenta cêntimos), duas moedas de € 0,20 (vinte cêntimos), três moedas de € 0,10 (dez cêntimos), quatro moedas de € 0,05 (cinco cêntimos) e uma moeda de € 0,01 (um cêntimo), no montante global de € 8,91 (oito euros e noventa e um cêntimos).

110 - Entretanto, o arguido, com o intuito de forçar a ofendida a manter com ele actos sexuais, ordenou-lhe que, sem sair do veículo, se deslocasse para o banco traseiro e, embora a ofendida tenha recusado, aquele uma vez mais apontou-lhe o canivete e esta obedeceu-lhe, tendo o arguido se deslocado igualmente para aquele banco.

111 - Nesse local, o arguido ordenou à ofendida que o masturbasse e, embora esta ainda se tenha recusado a efectuar tal prática, o arguido exaltou-se e a ofendida, sabendo que se encontrava num local isolado onde ninguém a podia auxiliar e bem assim que o mesmo tinha o canivete na sua posse, ficou receosa de que o arguido pudesse atentar contra a sua integridade física ou contra a sua vida e acabou por aceder, não tendo resistido quando o mesmo lhe agarrou na mão e a colocou sobre o seu pénis, por cima das calças que vestia e manipulou o órgão sexual do arguido, apesar de o fazer contra a sua vontade.

112 - Ainda assim, o arguido, descontente com essa prática, agarrou na mão da ofendida e colocou-a, contra a vontade da mesma, num primeiro momento por dentro das calças e depois por dentro dos boxers, junto do seu pénis, para que aquela o continuasse a manipular.

113 - O arguido colocou ainda as suas mãos num dos seios da ofendida e nos glúteos e apalpou-a nessas zonas do seu corpo.

114 - Após, o arguido ordenou à ofendida que lhe fizesse sexo oral, dizendo-lhe «isto não está a resultar, vais ter que fazer o resto com a boca», mas como esta recusou, o arguido ordenou-lhe que lhe mostrasse as cuecas, tendo a ofendida, ainda assim, recusado igualmente.

115 - Perante tais recusas, o arguido, para manietar a ofendida, colocou o seu corpo por cima do corpo da mesma.

116 - Entretanto, o arguido despiu os corsários que vestia e os boxers, agarrou a ofendida pelo pescoço, deu-lhe um beijo na boca, ordenou-lhe que lhe fizesse sexo oral e com a mão direita agarrou a ofendida pelo ombro esquerdo e, através da força física, obrigou-a a baixar-se em direcção à sua zona genital e a colocar o seu pénis na boca durante alguns minutos, até que ejaculou na boca da mesma.

                117 - Em seguida, solicitou à ofendida que o limpasse e esta utilizou um lenço para o efeito.

118 - Após, o arguido passou para o banco da frente e ordenou à ofendida que também o fizesse e mandou-a entregar-lhe o seu cartão de débito ou de crédito e o respectivo código PIN e a ofendida, por receio, entregou-lhe o cartão multibanco Visa Electron da CGD com o nº ..., mas indicou-lhe um código errado.

119 - Em acto contínuo, o arguido ordenou à ofendida que conduzisse o veículo para o local onde anteriormente se encontrava e, já nesse local, saiu do veículo, na posse da referida quantia monetária e do cartão multibanco, os quais fez coisa sua, e ordenou à ofendida que aí aguardasse por 10 minutos, enquanto ia proceder ao levantamento de quantia monetária através do uso do cartão multibanco.

120 - A ofendida assim que o arguido saiu trancou as portas do veículo automóvel, aguardou que aquele saísse do local, colocou o veículo a funcionar e, ao invés de sair pelo local usualmente utilizado para aceder ao descampado, com receio de voltar a encontrar o arguido, decidiu sair por um outro acesso mais pequeno, mas, ao fazê-lo, devido ao estado de nervosismo em que se encontrava, bateu com a parte lateral direita do veículo automóvel na vedação, o que causou estragos na chapa e pintura do mesmo.

121 - O arguido, apesar de se encontrar na posse do cartão multibanco da ofendida, não logrou efectuar qualquer tentativa de levantamento de quantias monetárias, uma vez que, entretanto, pelas 7 horas desse dia, foi interceptado pela entidade policial e o cartão foi-lhe apreendido.

122 - O arguido AA agiu de forma deliberada livre e conscientemente, com o intuito concretizado de se apoderar do cartão multibanco da ofendida e da quantia monetária que a mesma detinha na sua posse, o que logrou conseguir, amedrontando-a com o aludido canivete e levando-a para um local isolado, o que a impediu de esboçar qualquer oposição relativamente ao seu desígnio, apesar se saber que o cartão multibanco e a quantia monetária não lhe pertenciam e que agia contra a vontade e sem a autorização da ofendida, sua proprietária.

123 - O arguido AA agiu também de forma deliberada, livre e conscientemente, com o propósito concretizado de levar a ofendida para um local isolado e de, nesse local, apalpar-lhe os seios e os glúteos e de a forçar a manipular-lhe o pénis e a praticar-lhe sexo oral, tendo-a obrigado a introduzir o seu pénis na boca até à ejaculação, valendo-se do temor que lhe causou através do uso do canivete e de a ter levado para um local isolado, o que a impediu de esboçar qualquer oposição relativamente aos seus desígnios, para assim satisfazer a sua lascívia, bem sabendo que, ao actuar da forma descrita, agia contra a vontade e sem o consentimento da ofendida e que atentava contra a sua autonomia sexual.

124 - Sabia o arguido que todas as suas supra descritas condutas eram proibidas e punidas por lei e, ainda assim, não se inibiu de as realizar.


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Do pedido de indemnização civil deduzido pela assistente/demandante BB:

125 – Logo após a prática dos factos de que foi vítima, a demandante BB dirigiu-se a casa, em choque, tendo contado o sucedido aos seus pais.

126 – De imediato apresentou queixa e dirigiu-se ao Hospital de ... para receber os primeiros socorros e fazer recolha de ADN.

127 – Nos dias seguintes a demandante teve de deslocar-se ao Hospital para realizar análises ao sangue e fazer despiste de várias doenças sexualmente transmissíveis, nomeadamente HIV.

128 – A conselho médico tomou durante cerca de um mês e meio dois comprimidos diários, medicação retroviral administrada nos doentes seropositivos.

129 – Durante cerca de três meses, período de incubação de algumas doenças sexualmente transmissíveis, nomeadamente HIV, a demandante viveu aterrorizada com a ideia de poder ter contraído alguma doença.

130 – Igualmente teve de suportar os efeitos secundários da medicação que lhe foi receitada e que lhe causavam fortes dores de cabeça e vómitos.

131 – Durante todas as vezes em que teve de deslocar-se às instalações da Polícia Judiciária, no âmbito das diligências efectuadas no inquérito, a demandante reviveu os momentos de terror que sentiu em consequência da actuação do arguido.

132 – A demandante sentiu vergonha de ter de relatar aos pais, aos médicos que a assistiram e aos inspectores da polícia judiciária os factos de que foi vítima, tanto mais que, à data dos factos era virgem e não mantinha qualquer relacionamento amoroso.

133 – O tratamento degradante e desumano de que foi vítima em consequência da actuação do arguido, causou na demandante sentimentos de repulsa, nojo e revolta.

134 – Durante vários meses a demandante não conseguia dormir de noite, tendo pesadelos com um indivíduo encapuzado, o que ainda sucede, vivendo atormentada pelos factos de que foi vítima.

135 – Durante pelo menos um ano a demandante não conseguia andar sozinha na rua, tendo deixado de andar de transportes públicos, com receio de voltar a ser abordada pelo mesmo indivíduo, o que implicou que o seu pai tivesse de ir levá-la e buscá-la ao trabalho todos os dias.

136 – A demandante isolou-se do grupo de amigos com quem costumava conviver frequentemente, pois tinha medo de andar sozinha na rua, deixando de sair à noite e de frequentar o café com os amigos.

137 – A demandante inicialmente furtava-se a todo o contacto físico com o sexo oposto, pois acorriam-lhe à memória imagens dos factos de que foi vítima, tendo apenas em meados de 2008 começado a namorar com aquele que veio a tornar-se seu marido em 2010, conseguindo iniciar a sua vida sexual com a ajuda e compreensão do seu ex-cônjuge, não tendo todavia conseguido ultrapassar completamente os receios e marcas deixadas pelos factos de que foi vítima, não conseguindo encarar com à vontade o acto sexual, sendo o seu primeiro impulso o de se afastar.

138 – No início de 2015 o casamento da demandante acabou por dissolver-se, tendo para o efeito contribuído os factos supra descritos, não tendo a demandante desde então estabelecido qualquer relacionamento amoroso, dado o facto de não conseguir assumir um comportamento normal numa relação amorosa.

139 – Desde a data dos factos de que foi vítima a demandante vive angustiada e triste  


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Do pedido de indemnização civil deduzido pela assistente/demandante CC:

140 – Em consequência dos factos de que foi vítima, a demandante durante pelo menos dois anos teve terrores nocturnos recordando/revivendo tais factos.

141 – Pelo menos durante cerca de um ano, o progenitor da demandante, sempre que a mesma chegava a casa mais tarde, já noite, ia buscá-la ao automóvel, uma vez que a mesma tinha pavor em percorrer sozinha o caminho até casa, devido aos factos que vivenciou; e, mesmo quando deixou de o fazer, após receber um telefonema da demandante a dizer que tinha chegado e estacionado o veículo, ia vê-la pela janela a sair do mesmo até entrar no prédio, por ser a única forma da demandante se sentir mais segura e conseguir fazer aquele trajecto.

142 – À data dos factos de que foi vítima a demandante encontrava-se a frequentar um curso de psicologia criminal, tendo no dia seguinte ao dos factos um exame na vertente de agressores sexuais, curso que concluiu mas que não consegue exercer, como consequência directa do terror que sofreu, em virtude do necessário contacto com agressores sexuais.

143 – Devido aos factos de que foi vítima, por não conseguir relacionar-se afectivamente com seu o namorado à data, viu terminada a relação que mantinha.

144 – Também como consequência directa do medo que sentiu, a demandante decidiu deixar de morar no mesmo local, residindo actualmente em Braga.

145 – Durante pelo menos dois anos, sempre que se cruzava com indivíduos que usavam o mesmo vestuário que o arguido tinha na data dos factos, nomeadamente ténis iguais, casaco com capuz ou o cheiro a tabaco, a demandante tinha ataques de pânico e de ansiedade.

146 – Até hoje, sempre que está sozinha em casa, a demandante não consegue dormir de luz apagada, e ainda telefona para alguém para ir falando ao telemóvel até chegar a casa.


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Do pedido de indemnização civil deduzido pela demandante DD:

147 – Após os factos de que foi vítima, a demandante, ainda em pânico, procurou afastar-se o mais possível do local e em sentido contrário ao do arguido, dirigindo-se a uma saída mais estreita do que a que normalmente usava e, devido ao pânico, embateu na parte lateral do portal de saída, ficando o seu veículo automóvel danificado em toda a parte lateral direita, sendo o custo da reparação dos danos na chapa e pintura da viatura, orçado em € 2.928,18 (dois mil novecentos e vinte e oito euros e dezoito cêntimos), acrescido de IVA.

148 – A demandante devido ao trauma passou a ter receio de usar os transportes públicos e, nos três meses seguintes aos factos de que foi vítima, passou a ir directamente de casa para o trabalho e do trabalho para casa, no seu veículo automóvel, percorrendo diariamente cerca de 34 quilómetros, no que despendeu pelo menos a quantia de € 256,00 (duzentos e cinquenta e seis euros), despendendo ainda no parque de estacionamento a tarifa diária de € 4,00 (quatro euros), no total de € 268,00 (duzentos e sessenta e oito euros).

149 – Em consequência das sequelas psicológicas devido aos factos de que foi vítima, a demandante tem necessidade de acompanhamento psicológico, no que despendeu até à data a quantia global de € 920,00 (novecentos e vinte euros), sendo o custo por sessão de € 70,00 (setenta euros), tendo necessidade de continuar tal acompanhamento psicológico, com uma frequência semanal, nos próximos dois anos, no que despenderá a quantia de pelo menos € 7.000,00 (sete mil euros).

150 – Em consequência dos factos de que foi vítima a demandante temeu pela sua vida e integridade física, passando a sentir vulnerabilidade e insegurança, sentindo um grande embaraço, vergonha e medo que se saiba do ocorrido e de ser estigmatizada.

151 – Devido ao facto de não ter experiência sexual, a demandante teme que os factos de que foi vítima condicionem negativamente os seus futuros relacionamentos.

152 – Em consequência do ocorrido a demandante passou a estar permanentemente hipervigilante, tendo impulsos de fuga ao andar na rua em sítios isolados ou à noite, sempre que houve passos ou ruídos, dirigindo-se sempre ao seu veículo automóvel em passo de corrida, trancando imediatamente as portas, passando a organizar a sua vida sempre em função de assegurar a sua segurança e defesa perante um possível ataque.

153 – Durante os primeiros meses após os factos de que foi vítima a demandante deixou de utilizar os transportes públicos, só os utilizando actualmente durante o dia, passando a depender de companhia para saídas à noite.

154 – Antes dos factos de que foi vítima a demandante era alegre e extrovertida, passando a estar deprimida, angustiada e com sentimentos de desamparo e insegurança, sentindo um grande cansaço físico e psíquico.


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Mais se provou:
155 - O arguido AA inviabilizou a elaboração do relatório social, recusando-se a prestar informações à Técnica da DGRSP.
156 - Do relatório pericial complementar do foro psicológico efectuado na pessoa do arguido, consta, no que releva:
No campo destinado à Avaliação Psicológica
Clínica, psicométrica e da dinâmica da personalidade.
«Do estudo biográfico, observação clínica e técnica de avaliação psicológica aplicadas, constatamos que o rendimento intelectual do examinado (Q.I. = 92), em avaliação de tipo global é presentemente equivalente à chamada “Inteligência Normal Corrente” … nas Matrizes Progressivas de Raven.
(…)
Conclusão: Não apresenta alterações significativas das suas capacidades de organização e estruturação visuo-perceptiva.
(…)
A análise dos resultados obtidos na execução das tarefas que foram propostas com a realização da prova Moca, verifica-se que não existem indicadores da presença de defeito cognitivo …, revelando capacidades mantidas nas diversas funções executivas, na nomeação, na memória, na atenção e na orientação, na capacidade de abstracção e na fluência verbal.
Na prova de personalidades Mini-Mult, as escalas de validade revelam um perfil válido, caracterizado pela presença de sentimentos negativistas em relação a si mesmo e pela presença de uma acentuada perturbação emocional.
O examinando sente-se á vontade para admitir os seus pontos fracos, demonstrando um mau contacto com a realidade com alta probabilidade de comportamentos destrutivos e com sistema de defesas precário, com pouco controlo sobre as suas emoções e comportamentos.
No perfil das escalas clínicas o examinando apresenta-se como imaturo, autocentrado, ressentido, tenso, pessimista, insatisfeito, inquieto, sendo emocionalmente instável e impulsivo.
O examinando revela um padrão relacional superficial e narcisista, procurando produzir efeitos emocionais e conseguir afecto e apoio, utilizando manobras manipulativas para tal. Denota também grande dificuldade em lidar com conflitos e com o stress, tendendo a demonstrar-se impulsivo em situações de maior dificuldade.
O examinando apresenta ainda uma certa falta de insight sobre o seu comportamento e sobre a natureza dos seus conflitos, que se centram na dimensão dependência – independência (…).
O examinando apresenta ainda uma acentuada ansiedade, tensão e preocupação, sendo que as defesas como a racionalização e intelectualização se tornam geralmente insuficientes no controlo da ansiedade.
Está presente o código 68/86 que nos indica a presença de um contacto algo perturbado com a realidade, com acentuadas dificuldades para estabelecer vínculos afectivos. Apresenta sentimentos de inferioridade, falta de auto-estima, num registo de personalidade borderline.
Do teste de Rorschach apuramos tratar-se de uma personalidade intratensiva quanto à sua ressonância íntima, comum em sujeitos mais reservados, que tendem a adaptar-se à realidade de uma forma retraída, mas que em momentos de maior tensão observa-se um aumento disruptivo da impulsividade.
Na análise do protocolo destaca-se um registo com características extremamente desajustadas ao nível da sua construção do espaço relacional e da sua adaptação a nível social. A este nível o relacional surge assente numa impulsividade primária e numa imensa instabilidade emocional na qual o afecto não se encontra integrado na sua dinâmica funcional devido à presença de importantes carências afectivas e insuficiências narcísicas.
Este protocolo revela-nos também que os seus mecanismos de defesas contra as angústias emergentes da sua estrutura de personalidade se revelam geralmente insuficientes e ineficazes, recorrendo a defesas rígidas, que procuram conter e transformar os impulsos agressivos, mas sem grande sucesso, originando uma baixa tolerância ao stress e à frustração e uma tendência recorrente à passagem ao acto.
A estrutura de personalidade evidenciada por este teste põe em relevo traços impulsivos e ansiogénicos no âmbito de uma estrutura de personalidade borderline (estado limite).
(…)
Na perícia psicológica foram ainda usados dois instrumentos que a literatura científica aponta como importantes para a avaliação do risco de violência, ou extrapolando para diferente linguagem, para a denominada prognose da perigosidade.
Os instrumentos em causa são a Escala de Avaliação de Psicopatia de Hare (PCL-R), a Escala do Risco de Violência (HCR-20).
(…)
A psicopatia surge aqui entendida como um constructo de ordem superior que combina aspectos relacionados com traços de personalidade que se identificam ao egoísmo, frieza afectiva e ausência de remorsos, com comportamentos que reflectem um estilo de vida anti-social. A cotação de cada item é feita com base no funcionamento típico do sujeito e não tanto do seu estado actual (avaliação de traços e não de estado). Segundo as indicações de Hare, um resultado igual ou superior a 30 pontos é indicador da existência de psicopatia, considerando-se ainda como não psicopatas todos os indivíduos que pontuam abaixo de 20 e moderadamente psicopatas os que se situam entre os 20 e os 29 pontos.
De acordo com a aplicação da PCL-R verifica-se uma pontuação total de 34, compatível com a presença de um grau elevado de psicopatia.
(…)
Utilizando o HCR-20, o examinando foi avaliado quer na situação de reclusão quer em eventual colocação na comunidade, para ambos os casos o risco de violência foi considerado alto e cotado em 32.».
No campo destinado à Discussão/Conclusões
«Ao nível cognitivo, o examinando apresenta uma inteligência global considerada normal quando comparado com outros sujeitos da sua idade, sem indicadores de deterioração mental nem mnésica, ainda que os dados da avaliação instrumental sejam contraditórios devido a uma atitude de resistência e de eventual simulação constante.
Da avaliação psicológica realizada sobressaem marcados traços ansiogénicos e impulsivos, no âmbito de uma estrutura de personalidade instável e de tipo borderline (estado limite).
Esta pode ser caracterizada por acentuadas dificuldades que surgem da integração da componente emocional e relacional da sua personalidade, que estão associadas a importantes carências afectivas e necessidades de suporte e apoio, que não sendo satisfeitas fazem emergir sentimentos mais disfóricos e que tendem a originar comportamentos impulsivos sem a devida capacidade de contenção.
O examinado procura colmatar estes sentimentos e necessidades através do recurso a mecanismos de defesa imaturos e rígidos, que, geralmente são insuficientes para que consiga conter e gerir adequadamente os conflitos intrapsíquicos que sobressaem na sua dinâmica de funcionamento, originando uma constante baixa tolerância ao stress e à frustração.
Em relação à perigosidade independente de quadro psicopatológico, não pode pois deixar de ser tido em conta que esta personalidade acima descrita se revela manipuladora, egocêntrica, impulsiva e emocionalmente instável, não apresentando factores de protecção claramente presentes que possam minimizar os riscos de violência demonstrados, podendo ser despoletados eventuais comportamentos potencialmente disruptivos e com pouca mediação cognitiva. Dessa forma, o parecer em relação aos riscos violência futura é considerado alto.».
157 - Do relatório pericial psiquiátrico efectuado na pessoa do arguido, consta, no que releva:
No campo destinado à Observação Psicopatológica Actual
«(…) idade aparente correspondente à real, …, juízo crítico mantido. (…) Sem estereotipias, ecpraxias, automatismos ou obstruções, que indiciem psicopatologia, com expressão facial concordante com discurso, alguma teatralidade e maneirismos que fazem lembrar jovens ou adolescentes. Linguagem sem disartria, sem verbigerações ou neologismos, mantendo a pragmática num discurso lógico e coerente. Conteúdo adequado, consciente, lúcido, orientado auto e alo-psiquicamente no espaço e no tempo. Atenção captável e fixável. Memória sem lacunas significativas em termos clínicos, mas a melhor quantificar por testes. Humor depressivo, afectos um pouco ansioso e reacções emocionais que se admite face aos relatos algo impulsivos. Pensamento com curso de ritmo adequado, sem alterações da contiguidade ou perturbações formais, ainda que pobre; no contexto não se apuram delírios. Senso-percepção conservada negando-se alucinações. (…)».
No campo destinado aos Antecedentes Pessoais e Personalidade
«(…) Não se apura atrasos do desenvolvimento psicomotor. Informa ter feito o percurso escolar até ao 6º ano de escolaridade com uma reprovação. Informa que deixou de estudar aos 12 anos de idade indo trabalhar em serralharia. Informa que trabalhou como vigilante, na construção civil, na pesca e na agricultura. Informa não ter uma actividade profissional regular há 10 anos, excepto alguns biscates. (…)».
No campo destinado aos Exames Complementares de Diagnóstico
a) Avaliação Psicológica e de Personalidade
«(…), ao nível cognitivo, o examinado apresenta uma inteligência global considerada normal quando comparado com outros sujeitos da sua idade, sem indicadores de deterioração mental nem mnésica, ainda que os dados da avaliação instrumental sejam contraditórios devido a uma atitude de resistência e de eventual simulação constante.
Verifica-se ainda a presença de marcados traços ansiogénicos e impulsivos, no âmbito de uma estrutura de personalidade instável e de tipo borderline (estado limite).
Esta pode ser caracterizada por acentuadas dificuldades que surgem da integração da componente emocional e relacional da sua personalidade, que estão associadas a importantes carências afectivas e necessidades de suporte e apoio, que não sendo satisfeitas fazem emergir sentimentos mais disfóricos e que tendem a originar comportamentos impulsivos sem a devida capacidade de contenção.
O examinado procura colmatar estes sentimentos e necessidades através do recurso a mecanismos de defesa imaturos e rígidos, que, geralmente são insuficientes para que consiga conter e gerir adequadamente os conflitos intrapsíquicos que sobressaem na sua dinâmica de funcionamento, originando uma constante baixa tolerância ao stress e à frustração.
Em relação à perigosidade independente de quadro psicopatológico, não pode pois deixar de ser tido em conta que esta personalidade acima descrita se revela manipuladora, egocêntrica, impulsiva e emocionalmente instável, não apresentando factores de protecção claramente presentes que possam minimizar os riscos de violência demonstrados, podendo ser despoletados eventuais comportamentos potencialmente disruptivos e com pouca mediação cognitiva. Dessa forma, o parecer em relação aos riscos violência futura é considerado alto.».
No campo destinado à Discussão e Conclusões
«O examinado tem actualmente 39 anos de idade e apresenta uma história de vida marcada pela instabilidade a nível pessoal e relacional. A nível da sua história psiquiátrica há a referir o consumo de diversas substâncias estupefacientes e o aparecimento de surtos psicóticos que parecem estar relacionados com os consumos de drogas. O examinado, segundo refere, reduziu o consumo de drogas e toma medicação psiquiátrica de forma ocasional mas que determinou internamento em 2001.
A avaliação psicológica revela que o examinado não apresenta alterações a nível cognitivo e o seu nível de inteligência é normal. No entanto apresenta uma estrutura de personalidade instável e de tipo borderline (estado limite).
É referida a presença de mecanismos de defesa imaturos e rígidos com baixa tolerância ao stress e à frustração. Devido às características da sua personalidade o risco de violência é considerado alto.
Para os factos descritos nos autos o examinado actuou de forma consciente e no sentido da satisfação das suas necessidades não havendo indícios de estar a sofrer na altura de qualquer descompensação ou doença psiquiátrica.
Podemos concluir que o examinado estava capaz de avaliar a ilicitude da sua conduta e de se determinar por essa avaliação preenchendo assim os critérios médico-legais de imputabilidade.». 
158 - O arguido AA averba no certificado de registo criminal as seguintes condenações transitadas em julgado:
a) – pela prática em 27-09-2002, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3º, nºs. 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 03-01, a pena de 50 dias de multa, à razão diária de € 3,00, declarada extinta pelo cumprimento. – (sentença proferida em 28-10-2004 nos autos de Processo Abreviado n.º 641/02.1GBVFX, do então ...º Juízo Criminal de ..., transitada em julgado em 16-11-2004).
b) – pela prática em 27-05-2010, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3º do DL n.º 2/98, de 03-01, a pena de 90 dias de multa, à razão diária de € 5,00, declarada extinta pela prescrição. – (sentença proferida em 09-06-2010, nos autos de Processo Sumário n.º 491/10.1PILRS, do então ...º Juízo de Pequena Instância Criminal de ..., transitada em julgado em 12-07-2010).
c) – pela prática em 14-05-2014 de um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo art. 191º do Código Penal, a pena de 30 dias de multa, à razão diária de € 5,00. – (sentença proferida em 22-02-2016, nos autos de Processo Sumaríssimo da Instância Local – Secção Criminal de ..., transitada em julgado em 24-02-2016).

   Não se detectando na matéria de facto vícios de que oficiosamente se deve conhecer, têm-se os factos por estabilizados.

            3.  Ao afirmar, na motivação, que “pugna pela condenação numa pena de prisão perto do limite mínimo dos 4 anos”, o recorrente remete para o que “dispõe o artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.”

            A este respeito, dir-se-á que, como bem nota a assistente BB, a remissão feita para aquela norma é claramente indevida, uma vez que é em tal disposição legal que se encontra plasmado o tipo legal de crime de tráfico de estupefacientes, o qual não está em causa nos presentes autos. Toma-se, assim, tal referência legal à conta de mero lapso, eventualmente resultante do aproveitamento de uma outra peça processual, onde estaria em causa a prática do referido crime.

   Ainda segundo esta mesma assistente, o recurso deverá ser rejeitado, se o recorrente, convidado a dar cumprimento ao disposto no art. 412º nº 2 al. b) do Código de Processo Penal, não vier a proceder aos devidos esclarecimentos.

            Segundo esta norma, versando o recurso matéria de direito, “as conclusões indicam o sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada”.

     A leitura da motivação revela que, na tese do recorrente, a violação do disposto nos arts. 40º e 71º do Código Penal resulta, não de uma interpretação desajustada daquelas disposições tidas por violadas, mas da aplicação de tais dispositivos decorrentes da interpretação da matéria de facto, especialmente no que respeita ao grau de culpa.

            Não estando, pois, em causa uma divergência entre o sentido em que o tribunal interpretou as referidas normas e aquele em que devia ser interpretado, não há que proceder a qualquer convite ao recorrente para que este esclareça o sentido da interpretação.

      Por outro lado, a motivação é medianamente clara no que respeita à aplicação das normas em causa. Para o recorrente a pena é injusta por ser excessiva, não respondendo adequadamente às exigências preventivas e por ir além da medida da culpa, limite inultrapassável da medida da pena conforme é entendido pela jurisprudência e pela doutrina.

     Com a afirmação da conclusão D) de que “O douto acórdão violou o disposto nos artigos 40º, n.º 1 e 2 e 71º do CP. dado que impunha-se a condenação de uma pena de prisão mais baixa daquela que foi aplicada,
pelo limite mínimo da previsão legal”, considera-se cumprida a exigência constante da al. b) do nº 2 do art. 412º do Código de Processo Penal, sendo improcedente o alerta da assistente.

            A mesma assistente põe também em evidência que, impugnando o recorrente apenas a matéria de direito, se torna imperceptível a referência na conclusão E ao “cumprimento do disposto no art. 412º, n.º 3 e 4 do C.P.P. - artigo 40º do Código Penal”.

Sendo o recurso limitado à matéria de direito, conforme o recorrente põe em relevo na conclusão A da sua motivação, não tem razão de ser invocar o disposto nos nºs 3 e 4 do referido art. 412º, onde a lei estabelece as formalidades que o recorrente deve observar sempre que impugne a decisão sobre matéria de facto.

A matéria da conclusão E constitui, pois, mera excrescência, fruto, certamente, de desatenção na elaboração da peça processual.

5.  Alegando, conforme claramente resulta das conclusões B (parte final) e D),  que “as penas fixadas apresentam-se … altamente exageradas”, impondo-se “a condenação de uma pena de prisão mais baixa daquela que foi aplicada”, o recorrente pretende impugnar a medida das penas, quer das parcelares, quer da única. 
Conforme o Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado na esteira do que defende o Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português – Consequências Jurídicas do Crime, pág. 197) no recurso de revista pode ser sindicada a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, quer quanto à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis ou à falta de indicação de factores relevantes, quer ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação da medida da pena, quer ainda quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como à forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas não quanto à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou face à desproporção da quantificação efectuada.

Em obediência ao disposto no art. 71º do Código Penal, o tribunal colectivo, para determinar a medida da pena, teve em consideração as seguintes circunstâncias:

“- as elevadas exigências de prevenção geral, sendo os crimes praticados pelo arguido geradores de grande instabilidade e alarme social, tendo em particular o crime de coacção sexual e os crimes de violação consequências extremas nas vítimas deste tipo de crimes, sendo objecto de elevada reprovação social.

- o grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido que se considera extremamente elevado quanto aos crimes de coacção sexual, de violação e de roubo, e elevado relativamente aos crimes de coacção agravada, na forma tentada, denotando o planeamento e modo de execução do crime de coacção sexual e dos crimes de violação, premeditação, frieza, perversidade e uma energia criminosa intensa, revelando o modo de actuação do arguido um total desprezo pela vida, integridade física e psíquica e dignidade humana alheias, infligindo uma violência física e em particular uma violência psicológica extrema nas ofendidas, perversidade que é igualmente manifesta no modo de cometimento dos actos de natureza sexual concretamente praticados e na verbalização expressa durante o cometimento do crime de coacção sexual e dos crimes de violação, sendo tal actuação reveladora de uma total insensibilidade pelos valores ético-jurídicos protegidos pela norma incriminadora, um total desrespeito pela liberdade sexual, integridade física e psicológica alheias, e indiferença pelas consequências físicas e psicológicas causadas nas ofendidas com a sua actuação, não obstante os reiterados pedidos das ofendidas para que o arguido parasse e não prosseguisse com a sua actuação, agravado pelo facto dos actos ilícitos praticados terem sido cometidos de noite, no interior do prédio onde residia a ofendida vítima do crime de coacção sexual, e no interior dos veículos das ofendidas vítimas dos crimes de violação, locais que constituem reduto de segurança das mesmas, mediante a utilização de uma faca, anulando o arguido com os actos de violência exercidos qualquer capacidade de resistência ou pedido de auxílio por parte das ofendidas, não tendo a actuação do arguido sofrido qualquer abrandamento, uma vez que não se tratou de um episódio isolado, tendo em conta o número de vítimas e o número de ocasiões em que o arguido reiterou a sua actuação, não tendo o mesmo imposto quaisquer limites à sua actuação, de modo a conter os seus impulsos; os actos de execução praticados no que respeita aos crimes de roubo, bem como as consequências patrimoniais resultantes para as ofendidas EE e FF, as quais não recuperaram as quantias monetárias de que o mesmo ilicitamente se apropriou; e, por último, a finalidade que esteve subjacente ao cometimento pelo arguido dos crimes de coacção agravada, na forma tentada, com o objectivo de não ser detectado pelas autoridades policiais.

- a intensidade dolosa, tendo todos os crimes sido cometidos pelo arguido na modalidade de dolo directo.

- as consequências que resultaram para as ofendidas em consequência da actuação do arguido, de que são reflexo as lesões sofridas pelas mesmas, em particular o intenso sofrimento físico, moral e psíquico a que estiveram sujeitas, temendo pela própria vida e integridade física, ofendidas na sua dignidade e liberdade e autodeterminação sexual, deixando-lhes profundas sequelas pós-traumáticas que ainda perduram.

- a ausência de demonstração de qualquer arrependimento e de interiorização do desvalor da respectiva conduta por parte do arguido, o que, acrescido às características de personalidade do mesmo, nos termos constantes dos relatórios periciais psiquiátrico e psicológico, de que se destacam traços de personalidade manipuladora, egocêntrica, impulsiva e emocionalmente instável, com grau elevado de psicopatia e risco de violência futura elevado, reclamando maiores exigências em termos de prevenção especial, denotando por parte do arguido uma total indiferença pelos bens jurídicos protegidos pelas normas incriminadoras.

- os antecedentes criminais registados, não obstante por crimes de diferente natureza, revelando todavia por parte do arguido uma dificuldade em conformar a sua actuação de acordo com os normativos vigentes, o que reforça as elevadas razões de prevenção especial de ressocialização, pelos motivos supra enunciados.”

O recorrente afirma, porém, que “a verdadeira intenção do arguido, do modo como foi assente a factualidade nos diversos dias, não seria a violação do direito à auto-determinação sexual das vítimas mas sim, eventualmente, a subtração do património e, no decurso da interação entre vítima e agressor tenha quebrado o estado limite e o auto-controlo muito provavelmente o consumo de produtos estupefacientes ou a necessidade premente de os ingerir em curto espaço de tempo, daí a necessidade de realizar dinheiro com a subtracção dos pertences das vítimas”.

E argumenta que as penas são “altamente exageradas face ao grau de culpa imputável ao recorrente e, bem assim, o perfil psicológico avaliado próximo do estado limite o qual, com o consumo de drogas, tendia a retirar o auto-controlo o que permite afastar, senão em todo, pelo menos em parte, o elemento subjectivo do tipo de crimes pelos quais o arguido foi condenado.”

            Vejamos.

O que designa como “verdadeira intenção do arguido” não é, de modo algum, sustentado pela matéria de facto provada.

            Assim, no que respeita à vítima BB, deu-se como provado, no facto nº 3, que “ao avistá-la sozinha, de imediato formulou o propósito … de a obrigar … a praticar consigo actos sexuais”, e tanto assim que esta ofendida não foi desapossada de quaisquer valores. O mesmo sucedeu com a ofendida CC, que, “pensando que o arguido pretendia que lhe entregasse dinheiro ou objectos de valor, com medo, ofereceu-lhe a quantia monetária de € 5,00 (cinco euros) e dois telemóveis, mas aquele recusou” (facto nº 30).

É certo que relativamente às vítimas EE, FF e DD se provou que, logo após terem sido abordadas pelo arguido, foram  desapossadas de bens. Contudo, nenhuma prova existe de que tenha sido, “no decurso da interação entre vítima e agressor [que] tenha quebrado o estado limite e o auto-controlo”; o que ficou provado quanto a estas vítimas é que ao avistar cada uma delas, sozinha, o arguido de imediato formulou o propósito de se lhe dirigir, atemorizando-a com a exibição de uma faca que trazia consigo, de modo a obriga-la a entregar-lhe os objectos de valor que tivesse na sua posse e ainda a forçá-la a praticar consigo actos sexuais (factos nº 51, 74 e 92).

Por outro lado, não ficou provada a influência da toxicodependência do arguido no cometimento dos crimes.

O que resulta do relatório pericial psiquiátrico na parte em que foi levado aos factos provados é que apresenta “uma estrutura de personalidade instável e de tipo borderline (estado limite). Para os factos descritos nos autos o examinado actuou de forma consciente e no sentido da satisfação das suas necessidades não havendo indícios de estar a sofrer na altura de qualquer descompensação ou doença psiquiátrica. Podemos concluir que o examinado estava capaz de avaliar a ilicitude da sua conduta e de se determinar por essa avaliação preenchendo assim os critérios médico-legais de imputabilidade.” (facto nº 157).

Contrariamente ao que o recorrente sustenta, há, pois, que reconhecer que a culpa com que actuou é elevada.  Relativamente a cada uma das vítimas, formulou a intenção, logo que as avistou, de com elas praticar actos de cariz sexual; por outro lado, no que aos crimes contra o património se refere, nada resultou provado no sentido de que o seu comportamento resultou da sua toxicodependência.

Não tendo correspondência na matéria de facto a argumentação apresentada pelo arguido referente à culpa com que agiu, nenhum reparo merece a questão do limite da moldura da culpa.

Relativamente aos fins das penas, a decisão recorrida no quadro da prevenção refere, com rigor que são elevadas as exigências de prevenção geral, por se tratar de criminalidade geradora de grande alarme e reprovação social. De igual modo sendo elevadas as exigências de prevenção especial, dado os riscos de violência da actuação do arguido serem de considerar altos, conforme se concluiu nos dois relatórios periciais e consta dos factos nº 156 e 157º.

Deve, contudo, o Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do presente recurso, ponderar acerca da existência de desproporção quanto à medida das penas aplicadas.

 Como se referiu, as exigências da prevenção geral são elevadas no presente caso. São tais exigências que servem para, dento da moldura abstracta, estabelecer “a medida óptima da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias … ponto abaixo do qual outros existem em que aquela tutela é ainda efectiva e consistente”, para usar as palavras do Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português – II Consequências Jurídicas do Crime, pág. 229), resultando a determinação concreta da medida da pena das exigências  de prevenção especial de socialização do arguido, que, como também se referiu, são elevadas.

No que se refere aos crimes singulares, na decisão recorrida foram as penas parcelares situadas dentro da metade da moldura abstracta, o que se nos afigura  correcto, não só por tais penas se situarem dentro do limite da culpa conforme se deixou demonstrado, mas também porque se tornava necessário responder às altas exigências de prevenção geral e especial que no caso concorrem.

Tal como sucedeu com os crimes de roubo qualificado, também quanto aos crimes de violação, o tribunal colectivo não fez distinção na medida da pena entre os vários crimes cometidos pelo arguido. O que se pode compreender, perante a circunstância de o modus operandi ser semelhante, sendo susceptível de poder ser vista como mera especiosidade qualquer distinção que fosse levada a efeito na quantificação das penas por esses crimes.

Relativamente ao crime de violação de que foi vítima a assistente BB, cometido em 20-12-2006, poder-se-ia, porém, entender que no cálculo da medida da pena deveria ser levado em consideração pelo tribunal o longo espaço de tempo passado desde a respectiva consumação, quase tendo ocorrido a prescrição do procedimento criminal por esse crime. Contudo, verifica-se que a panóplia de crimes cometidos pelo arguido, nomeadamente a prática de novos crimes de natureza sexual no período que decorreu desde a prática do sobredito crime até à sua detenção, afastam qualquer diminuição da culpa resultante do decurso do tempo. E, sendo assim, nenhuma reparo há a fazer quanto à medida da pena aplicada por este crime.

Pelas motivos expostos, as penas parcelares fixadas pela decisão recorrida devem ser confirmadas, improcedendo, nesta parte, o recurso.

6.  Também a pena única conjunta aplicada ao arguido – 22 anos de prisão – é objecto do inconformismo do arguido.

O art. 77º do Código Penal estabelece que, existindo um concurso de crimes, o mesmo é dizer, quando o arguido tenha praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, em cuja medida são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. A pena tem como limite máximo a soma de todas as penas parcelares aplicáveis ao agente, não podendo ultrapassar 25 anos e, como mínimo, a mais grave das penas parcelares aplicadas.

No caso presente, a moldura penal tem como limite mínimo 6 anos e 6 meses de prisão e como máximo 25 anos de prisão, uma vez que a soma de todas as penas é de 41 anos e 6 meses.

Para determinar a medida concreta da pena, o julgador deverá olhar à globalidade dos factos, fazendo incidir a sua averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como indagando da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, sendo tudo ponderado em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, vista na perspectiva do modo como a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, de forma a aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa da personalidade, ou antes se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente.

A análise dos factos mostra um modus operandi que se repete em relação às diversas vítimas, com aproveitamento da superioridade física e da detenção e exibição duma arma branca, assim logrando a prática dos crimes de natureza sexual e de roubo, seguido, nalguns casos, de tentativa de coacção como meio de evitar a apresentação de queixa-crime e  identificação do arguido. O complexo criminoso protagonizado pelo arguido que atingiu várias mulheres e o período de tempo ao longo do qual os crimes foram sendo perpetrados - cerca de 9 anos - revelam a existência de uma propensão criminosa, razão pela qual é de lhe atribuir efeito agravante, embora este seja mitigado pela circunstância de o arguido ter uma personalidade do tipo borderline. Contudo, tal como consta do relatório pericial de Psiquiatria, o arguido “estava capaz de avaliar a ilicitude da sua conduta e de se determinar por essa avaliação preenchendo assim os critérios médico-legais de imputabilidade” (facto nº 157).

O tribunal colectivo fixou a pena única em 22 anos de prisão.

Sem embargo de se reconhecer a gravidade do comportamento do arguido, agora visto na sua dimensão global, dada a circunstância de, além do mais, atentar contra um importante bem jurídico – a liberdade sexual –, a verdade é que a pena aplicada se revela desproporcionada.

Conforme a lição que se colhe dos constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital M oreira (Constituição da República Portuguesa – Anotada, I, 4ª edição, pág. 502) constitui “inquestionável princípio geral de limitação das penas e dos seus efeitos … o princípio constitucional da necessidade e da proporcionalidade, quer quanto ao tipo de sanção, quer quanto à sua duração e dimensão”. Princípio da proporcionalidade que, segundo os mesmos autores, “significa que os meios legais restritivos e dos fins obtidos devem situar-se numa justa medida, impedindo-se a adopção de medidas legais desproporcionadas, excessivas em relação aos fins obtidos.” (op.cit., pág. 392/3).

Constituindo a liberdade sexual, enquanto direito pessoal, um bem jurídico de elevado relevo, não pode deixar de se estar desperto, também na aplicação do direito, para as reflexões críticas que Figueiredo Dias (Comentário Conimbricense do Direito Penal, I, 2ª edição, pág. 710) tece acerca da evolução político-criminal e legislativa nesta matéria: “se de uma parte, se torna indispensável uma maior e mais vigilante precaução no sentido de uma consistente e efectiva protecção das vítimas individuais perante crimes sexuais, fica-se, de outra parte, a um pequeno passo de incorrer em exageros fundamentalistas, umas vezes a roçar a irracionalidade, outras a demagogia.”

Na quantificação da pena “o julgador tem de escolher a sanção e o quantum proporcionais a um determinado delito, dentro dos parâmetros fixados pelo legislador ao procurar a relação proporcional com o bem jurídico tutelado. Uma vez estabelecida a gradação pelo legislador, o juiz não pode chegar a um resultado que esteja manifestamente além da «justa medida»: as penas devem ser graduadas na severidade que reflicta a gravidade da ofensa” (Lourenço Martins, Medida da Pena – Finalidades; Escolha, pág. 468). O que se acaba de referir como sendo válido relativamente à pena a aplicar ao crime tem inteira aplicação, em caso de concurso de crimes, para determinação da pena única.

Embora a moldura penal do concurso de crimes cometidos pelo arguido tenha, como limite superior inultrapassável, 25 anos de prisão, em virtude de o somatório das penas que lhe foram aplicadas ultrapassar aquele limite, não pode deixar de ser tido em consideração que, na conduta criminosa global do arguido, são os crimes de violação aqueles que apresentam maior relevo dado o bem jurídico que atingem, tendo sido, por isso, os que foram objecto de punição individual mais severa. Contudo, deve ser ponderado que, atendendo ao limite máximo da respectiva moldura penal – 10 anos –, o crime de violação não ocupa lugar cimeiro na escala de gravidade dos crimes previstos no Código Penal, o que tem reflexo na compressão a que as penas parcelares devem ser sujeitas nas operações de determinação da pena única, de modo a afastá-la do limite máximo absoluto que a lei fixou em 25 anos.

Tal como defendeu o Conselheiro Carmona da Mota, na intervenção no colóquio Direito Penal e Processo Penal, realizado no Supremo Tribunal de Justiça em 3 de Junho de 2009 (www.stj.pt/index.php/coloquios), a pena conjunta deve ser graduada de forma a não se confundirem as situações de pequena, de média e de grande criminalidade, mesmo que seja numeroso o concurso de crimes de menor gravidade e pouco numeroso o de crimes mais graves. Concretizando o seu pensamento, aquele saudoso juiz apresentou então os seguintes exemplos: “um somatório de penas até 2 anos de prisão – ainda que materialmente o ultrapasse em muito - não deva exceder, juridicamente, 8 anos, por exemplo; que um somatório de penas até 4 anos de prisão não ultrapasse, por exemplo, 10 anos, que um somatório de penas até 6 anos de prisão não ultrapasse, por exemplo, 12 anos; que um somatório de penas até 10 anos de prisão não ultrapasse, por exemplo, 16 anos, etc.”

Para a determinação da medida da pena única haverá, pois, em obediência ao princípio da proporcionalidade, que procurar atingir a justa medida, determinando o mínimo de pena que seja capaz de garantir que serão alcançados os fins das penas, ou seja, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Dos bens jurídicos que o agente feriu com o seu comportamento, o da liberdade sexual é, sem dúvida, aquele que maior relevo assume, sem embargo de dever ser feita a ponderação de que cada uma das vítimas foi, em regra, sujeita a sofrer a prática de outras acções delituosas.

Não sendo a pena única conjunta obtida pela adição das diversas penas parcelares, mas através de uma compressão destas mesmas penas, fixá-la em 16 anos de prisão tem o efeito dissuasor resultante da sua elevada duração, ao mesmo tempo que tem capacidade ressocializadora bastante, permitindo melhor alcançar as finalidades da pena.

DECISÃO

Termos em que acordam no Supremo Tribunal de Justiça em dar parcial provimento ao recurso do arguido AA e, em consequência,  em alterar a duração da pena única, que fixam em 16 (dezasseis) anos de prisão, no mais mantendo a decisão.

Sem custas (art. 513 nº 1 CPP).

                                   Lisboa, 20 de Abril de 2017


                                  
(Arménio Sottomayor – Relator)

                                  

                                               (Souto de Moura – Adjunto)


                                  
(Santos Carvalho – Presidente da Secção)