Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | GIL ROQUE | ||
Descritores: | APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO INTERPRETAÇÃO DA LEI | ||
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Nº do Documento: | SJ200701250043077 | ||
Data do Acordão: | 01/25/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
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Sumário : | 1. A construção á beira duma Estrada Nacional a 23,40 metros da plataforma da estrada quando a lei fixava a zona “non aedificandi” a uma distância não inferior a 50 metros da plataforma da estrada, essa construção é proibida desde que a menos de 50 metros, sendo por isso ilegal, à data da construção. Tendo entretanto sido alterada a lei, que permite a construção a uma distância mínima de 35 metros, já não da plataforma, mas do eixo da estrada, estando agora a construção em conformidade com a lei actual, deve aplicar-se a lei actual, nos termos da art.º 12º n.2 do CC. 2. O art.º 12.º, n.º 2 do CC, prevê a possibilidade da aplicação da lei nova, por enquadrar duas situações distintas: a que regula a validade substancial ou forma de quaisquer factos e a que abrange situações já existentes, podendo modificar-lhe o conteúdo ou mesmo suprimi-lo. 3. A lei nova aplica-se ás relações jurídicas constituídas e subsistentes à data da sua entrada em vigor, mas se lei definir o conteúdo dos efeitos de certa relação jurídica independentemente dos factos que lhe deram origem, a lei nova é de aplicação imediata. * * Sumário elaborado pelo Relator. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 - A Junta Autónoma de Estradas, hoje E.P. Estradas de Portugal, E.P.E. representada pelo Ministério Público, intentou em 18.01.2000, acção declarativa ordinária contra AA e mulher, BB, pedindo que estes sejam condenados a demolir a obra em questão, por eles realizada no lado esquerdo de determinada estrada nacional dentro do limite da servidão “non aedificandi”, construção essa que, apesar de licenciada pela respectiva Câmara Municipal, não foi autorizada pela Junta Autónoma de Estradas, a qual procedeu ao embargo administrativo judicialmente confirmado. Citados, contestaram os réus, invocando a existência de caso julgado em relação ao réu AA, em resultado de decisão proferida, há mais de 14 anos em outra acção, na qual este réu foi condenado a demolir a obra em questão. Mais invocaram ainda o abuso de direito, alegando que a manutenção da casa não importa qualquer prejuízo para a autora que apenas devia ter pedido a cessação da actividade comercial exercida no edifício, e a inconstitucionalidade do DL n.º 13/71 de 23 de Janeiro, e do art.º 8°, n.º l, al. e) do mesmo diploma – ao limitar sem indemnização o direito dos réus de erguerem no seu prédio uma construção e por serem organicamente inconstitucionais, por se tratar de legislação do Governo sobre área reservada à Assembleia da República. Respondeu o autor, tomando posição no sentido da inexistência da invocada excepção de caso julgado, excepção esta que foi julgada improcedente no despacho saneador, com o fundamento de as partes e os factos em discussão não serem os mesmos, como foi reconhecido em acção de embargos de terceiro julgados procedentes e confirmados pelo Acórdão do STJ que reapreciou no processo n.º 169/83, onde foi discutida essa questão, que aqui, não cabe apreciar. Instruído o processo e realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença, na qual a acção foi julgada procedente, condenando-se os réus a demolir a obra em causa, a que alude a al. A) dos factos assentes, incluindo as construções precárias situadas a poente dele (grelhador coberto e alpendre), na medida em que estejam a menos de 50m da plataforma da E.N. ... (IC1). Inconformados com a decisão, dela apelaram os Réus e na sequência deste recurso, foi proferido acórdão, no qual se decidiu revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a acção, absolvendo os Réus do pedido, por ter sido aplicada lei já revogada. 2 – O Ministério Público, discordando da decisão da Relação recorreu de revista, que foi admitida e oportunamente apresentou as alegações concluindo nelas pela forma seguinte: 1.º - Resulta da matéria dada como provada que os RR construíram no lugar de ..., da freguesia de Santiago, concelho de Alcácer do Sal, no lado esquerdo da Estrada Nacional n.º.. ao quilómetro 8,640 uma casa com as alvenarias em tijolo e composta por um átrio para o restaurante, um bar, a cozinha e armazém e dois compartimentos pequenos que se destinam a servir de casas de banho. 2.º A Junta Autónoma das Estradas procedeu ao embargo administrativo da obra em 09.06.1983, judicialmente confirmado por sentença de 26.07.1983, transitada em julgado, tendo o embargo judicial tido lugar em 30.09.1983. 3.º A distância entre a construção principal e a plataforma da Estrada Nacional n° 1 é de 23,40 metros, sendo que as construções precárias situadas a poente daquele (grelhador coberto e alpendre) distam 18,40 metros da já referida plataforma da Estrada Nacional n.º... 4.º A casa descrita destina-se a servir de restaurante e de habitação aos Réus. 5.º Acertadamente, foi proferida sentença a determinar a sua demolição, na medida em que a mesma não respeita os limites aplicáveis ao caso estabelecidos no D.L. n.º 13/71, de 23/1, por ser o que estava em vigor à data em que a construção foi levada a efeito. 6.° - No entanto, considera o acórdão recorrido que os limites a atender por aplicação do Dec.Lei n.º 13/94, de 15/1 são os referentes aos IC (35 metros para cada lado desde o eixo da via e nunca menos de 15 metros da zona da estrada (faixas de rodagem e bermas). 7.º - Por isso, considera o acórdão censurado que os limites a atender, por aplicação do DL n.º 13/94, de 15/1, são os referentes aos IC (35 metros para cada lado desde o eixo da via e nunca menos de 15 metros da zona da estrada. 8.º - E acrescenta que “ não se verificando (mesmo em relação às construções secundárias - a 18,40 metros da plataforma da estrada) violação do segundo critério (relativo aos IC-15 metros da zona da estrada), o certo é que não sabemos se o primeiro critério (35 metros para cada lado desde o eixo da via) se mostra violado, porque não sabemos qual a distância entre as construções (principal e secundárias) em relação ao eixo da via” . 9.º – Ora, o acórdão impugnado ao aquilatar de que não resulta da matéria de facto dada como provada qual a actual classificação da Estrada Nacional n.º ..., ou seja, se se trata de um IC ou de uma OE, o certo é que defendendo que os limites a atender, por aplicação do DL13/94, de 15/1, são os referentes aos IC (35 metros para cada lado desde o eixo da via e nunca menos de 15 metros da zona da estrada, conclui no sentido de que, da factualidade dada como provada (com base no que foi alegado na petição inicial), não resulta ter havido violação dos mesmos critérios, isto é, violação do DL 13/94, de 15/1. 10.º - Todavia, constata-se que do aresto recorrido, não resulta nenhum dado factual que permita dar como demonstrado aquilo que na realidade era necessário demonstrar, ou seja, saber, em primeiro lugar, se se trata de uma IC ou de uma OE e tal não sucedeu. 11.º - Por outro lado, o acórdão também não podia aplicar o DL n.º 13/94 de 15/1, por não estarem alegados factos relativos aos pressupostos da sua aplicação, visto não existir matéria de facto bastante, atinente às características da via, sua dimensão e restantes medidas necessárias à verificação ou não dos limites fixados no supra mencionado DL 13/94, de 15/1. 12.º - Só depois de resolvida tal questão fáctica é que seria de considerar qual dos regimes legais se aplicava, se o Decreto-Lei n.º13/71, de 23/1 ou o Decreto-Lei 13/94, de 15/1, e assim, se poder concluir ou não pela manutenção das construções em causa. 13.º- Partindo do pressuposto de que se trata de uma IC, as construções em causa deveriam nos termos do art. 5.º, al. b), do DL13/94, de 15/1, respeitar 35 metros para cada lado do eixo da estrada e 15 metros da zona da estrada. E como se diz no acórdão recorrido “o certo é que não sabemos se o primeiro critério (35 metros para cada lado desde o eixo da via) se mostra violado, porque não sabemos qual a distância entre as construções (principal e secundárias) em relação ao eixo da via. “ 14.º - E acrescente-se que era aos Réus que competia alegar e provar factos concretos tendentes a comprovar que as construções levadas a efeito respeitam agora os limites do D.L. 13/94, de 15/1, isto por força do n.º2 do art.º 342.° do Código Civil, o que não aconteceu. 15.º- Desconhecendo-se se se mostra ou não violado o critério dos 35 metros, não podia o acórdão da Relação aplicar o DL n.º 13/94, de 15/1. 16.º - Pelo que, em nosso entender, o aresto impugnado fez uma errónea interpretação e aplicação da lei. 17.º - Violou, assim, o acórdão recorrido a alínea e) do art.º 8.º do DL n.º 13/71, de 23/1 e o disposto no art.º 342.º, n.º 2, do Código Civil. 18.º - Ao conhecer de matéria não articulada pelas partes e não constitutiva de facto notório nem facto de que o tribunal tenha conhecimento, em virtude das suas funções, violou, ainda, o aresto recorrido os art.ºs 264.°, n.º 2 e 514.°, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil. 19.º - Estamos, pois, perante uma violação de lei pelo Tribunal da Relação, logo cognoscível pelo Supremo Tribunal de Justiça (artº 721º, n.º 2 do Código de Processo Civil). 20.º - Deve, portanto ser julgada a revista procedente e, em consequência, revogar-se o Acórdão recorrido, considerando-se que se aplica o DL n.º 13/71 de 23/1, com os inerentes efeitos. - Não houve contra alegações - Corridos os vistos e tudo ponderado cabe apreciar e decidir. II- FUNDAMENTAÇÃO: A) Factos: A matéria de facto que serviu de base ao acórdão recorrido, foi a que ficou assente no julgamento da 1.ª instância, é a seguinte: 1) Os réus construíram, há mais de 14 anos, no lugar de ..., da freguesia de Santiago, concelho de Alcácer do Sal, no lado esquerdo da Estrada Nacional n° ... ao quilómetro 8,640, uma casa com as alvenarias em tijolo e composta por um átrio para restaurante, um bar, a cozinha e armazém e dois compartimentos pequenos que se destinam a servir de casas de banho; 2) A construção referida no número anterior apresenta 20 metros de comprimento e 10 metros de largura; 3) E foi licenciada pela Câmara Municipal de Alcácer do Sal, não o tendo sido pela Junta Autónoma das Estradas - Direcção de Estradas do Distrito de Setúbal, nem por qualquer outra entidade com competência para tal;. 4) A Junta Autónoma de Estradas procedeu ao embargo administrativo da obra em 09.06.1983, que teve lugar em 26.07.1983, judicialmente confirmado por sentença de 30.09.1983, transitada em Julgado; 5) Os réus construíram a casa descrita em terreno que adquiriram e que lhes pertencia; 6) A distância entre a construção principal e a plataforma da Estrada Nacional nº ... é de 23,40 metros, e as construções precárias situadas a poente daquela (grelhador coberto e alpendre) distam 18,40 metros da referida plataforma; 7) A casa descrita em 1º) destina-se a servir de restaurante e de habitação dos réus; B) Direito: O recorrente manifesta a sua discordância do acórdão recorrido através de 20 conclusões que tira das alegações que, todas elas se sintetizam em duas questões essenciais: - qual a lei aplicável à demolição duma obra construída há mais de 14 anos, à beira duma estrada nacional (EN n.º...); - qual a distância entre as edificações e a zona da estrada ou o eixo da via (EN n.º...). 1 – Resulta da matéria assente que os Réus construíram, há mais de 14 anos, no lugar de ..., da freguesia de Santiago, concelho de Alcácer do Sal no lado esquerdo da Estrada Nacional n° ..., ao quilómetro 8,640, uma casa com as alvenarias em tijolo e composta por um átrio para restaurante, bar, cozinha, armazém e dois compartimentos pequenos que se destinam a servir de casas de banho. A presente acção foi intentada em 2000/01/18, como se vê do carimbo aposto pela secretaria do tribunal de Alcácer do Sal. Na data das edificações, a lei que determinava as áreas em que não eram permitidas construções nas proximidades das estradas, zonas “non aedificandi”, era o Decreto-Lei n.º 13/71 de 23 de Janeiro, que veio depois a ser substituído e revogado como resulta do art.º 15º do Decreto-Lei n.º13/94 de 15 Janeiro. Sucede que enquanto o primeiro destes diplomas proibia a construção de instalações de carácter industrial, nomeadamente, restaurantes, hotéis e congéneres, a menos de 70 metros ou de 50 do limite da plataforma da estrada, o conjunto constituído pela faixa de rodagem e pelas bermas (art.º 2.º n.º2 do Dec.Lei n.º 13/71 de 23 de Janeiro e art.º 2.º al.b) do Dec.-Lei n.º13/94), consoante a estrada seja ou não estrada internacional, ou dentro das zonas de visibilidade (art.º 8.º, n.º1 al. e) do Dec.-Lei n.º 13/71 de 23/01). Acontece que o segundo diploma legal referido veio estabelecer, para as edificações à beira das IC (itinerários complementares): 35 metros para cada lado do eixo da estrada e nunca menos de 15 metros da zona da estrada, constituída pelo terreno por ela ocupado, abrangendo a faixa de rodagem, as bermas quando existam, as valetas, passeios banquetes ou taludes, art.º 2.º al.c) do Dec-Lei n.º 13/94 de 15 de Janeiro, e para as OE (outras estradas da rede complementar): 20 metros para cada lado do eixo da estrada e nunca a menos de 5 metros da zona da estrada (art.º 5.º, als. b) e c) do Dec-Lei n.º14/94 de 15 de Janeiro. Não se provou a que tipo de estrada nacional pertence a n.º..., mas não sendo IP (itinerário principal- estas são as vulgarmente designadas por auto-estradas), só pode ser uma das duas restantes ou IC ou OE. Exigindo a IC uma maior distância para as construções, mesmo que a estrada nacional em causa esteja qualificada como IC, a distância máxima que não permite construção, zona “non eadificandi” é de 35m para cada lado do eixo da estrada e nunca a menos de 15m da zona da estrada (bermas, ou quando existam, valetas, passeios, banquetes e taludes), medida inferior à da lei anterior. Da matéria assente resulta que, “A distância entre a construção principal e a plataforma da Estrada Nacional nº ... é de 23,40 metros, e as construções precárias situadas a poente daquela (grelhador coberto e alpendre) distam 18,40 metros da referida plataforma”. A aplicar-se a lei anterior as construções seriam ilegais, por terem sido construídas dentro da zona “non eadificandi” que fixa em 50 metros a distância entre a construção e a plataforma da estrada, mas já assim não sucederá se for aplicável a lei actualmente em vigor. Resulta da matéria assente que as construções, quer a principal, quer as precárias, estão ambas situadas a mais de 15 metros de distância da zona da estrada, não se sabendo se estarão a mais de 35 metros do eixo da via porque não se provou a largura da estrada, nem se pode mandar ampliar a matéria de facto, por essa questão não ter sido alegada. Assim, na apreciação da situação descrita nos autos, não se pode deixar de ter em conta que a presente acção foi intentada já na vigência do Dec-Lei n.º13/94, de 15 de Janeiro, e se as construções em causa tivessem sido agora edificadas estando licenciadas, como estão, pela Câmara Municipal de Alcácer do Sal, eram legais. Põe-se assim, a questão de saber qual das leis se deve aplicar ao caso em apreciação ? Estamos perante uma situação de sucessão de leis no tempo que regulam a mesma matéria. Há por isso que determinar qual delas deve ser aplicada à situação em apreciação, uma vez que as edificações foram construídas na vigência da lei antiga, enquanto a presente acção, cujo pedido é a demolição dessas construções, foi intentada no início do ano 2000, cerca de seis anos após a entrada em vigor da nova lei (Dec.-Lei n.º 13/94, de 15/01). O princípio geral da aplicação das leis no tempo é o de que a lei só dispõe para o futuro e mesmo que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular (art.º12.º, n.º1 do Código Civil). Esta questão é por vezes definida por normas de direito transitório, mas da análise dos diplomas em confronto verifica-se que o legislador, no art.º 15.º do Dec- Lei n.º 13/94, não regulou esse aspecto. De qualquer modo, a nova lei alterou situações que até então a lei anterior impunha, nomeadamente a medida de distanciamento das edificações junto às estradas nacionais, pois a lei posterior veio estabelecer distâncias menores do que as anteriormente impostas, pela lei antiga. Verifica-se que a alteração da distância da zona “non aedificandi” altera a medida da servidão administrativa, ou seja, o conteúdo das exigências até então fixadas. Modifica-se a fundamentação que até então justificava uma maior distância da plataforma ou do eixo da estrada nacional para as edificações, passando a permitir as construções a menor distância das estradas. A questão embora tenha resultado duma relação jurídica de natureza administrativa, é da competência dos tribunais comuns, pelo que, não pode deixar de ser apreciada à luz do direito civil, uma vez que os efeitos da aplicação da lei ao caso concreto, entram na esfera jurídica dos direitos privados. Há assim que ter em conta que: “Quando a lei dispõe sobre condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se que em caso de dúvida, só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor” (art.º12.º, n.º2 do Código Civil). Da análise desta disposição resulta que o legislador desdobra este preceito em duas situações distintas: Na primeira, trata da validade substancial ou formal de quaisquer factos, contendo a “regulamentação de factos” e na segunda da, “regulamentação de direito”, sendo que quanto a estas últimas leis, elas abrangem também as próprias situações jurídicas já existentes, podendo modificar-lhes o conteúdo ou mesmo suprimir-lho. Neste caso, a lei nova ou regula a validade de certos factos ou os efeitos de certa relação jurídica, continuando a aplicar-se apenas aos factos novos. Na segunda situação prevista no mesmo preceito legal, o caminho será outro, se a lei definir o conteúdo, dos efeitos de certa relação jurídica independentemente dos factos que lhe deram origem. Nesta hipótese, a lei é de aplicação imediata. A lei nova aplica-se às relações jurídicas constituídas e subsistentes à data da sua entrada em vigor. Este efeito imediato da aplicação da lei nova resulta claramente da segunda parte do n.º 2 do art.12.º do CC., que define as situações em que a lei nova se aplica com efeito retroactivo. A razão essencial que está na base desta regra de aplicação imediata assenta por um lado no interesse da adaptação à alteração das condições sociais, tomadas evidentemente em conta pela lei nova, o interesse no ajustamento às novas concepções e valorações da comunidade queridas pelo legislador e ainda a existência de unidade do ordenamento jurídico, que seria posto em causa e com ele a segurança e certeza no direito, pela subsistência de situações jurídicas duradouras, ou até de carácter perpétuo, reguladas por uma lei há muito obsoleta, e como tal, revogada. Tenha-se em conta que a lei que o recorrente pretende que seja aplicada para que se efectue a requerida demolição é anterior à actual Constituição da República Portuguesa e os valores que então regiam a sociedade em matéria de construção civil eram bem diferentes dos actuais. No direito transitório, são tidos normalmente em conta dois tipos de interesses: - O interesse dos indivíduos, na estabilidade da ordem jurídica, que lhes consentirá a organização dos seus planos de vida e lhes evitará o mais possível a frustração das suas expectativas eventualmente merecedoras de tutela, como as que se designam por “direitos adquiridos”, que não são mais do que uma confiança na certeza e segurança jurídica. - O interesse público na transformação da antiga ordem jurídica e da sua adaptação às novas necessidades e concepções sociais, mesmo à custa de expectativas jurídicas, fundadas no antigo Estado de direito. Este interesse pode ser mais ou menos justificado e tanto pode abranger o interesse de terceiros, o interesse da segurança, como “um interesse público geral da comunidade jurídica válido (interesse na adaptação às novas realidades sociais) ou um interesse de política legislativa (interesse na unidade e homogeneidade do ordenamento, factores de segurança e pressupostos de igualdade jurídica)” (1). 3 - Tendo-se provado que a distância entre a construção principal e a plataforma da Estrada Nacional nº ... é de 23,40 metros, e sabendo-se que as construções precárias situadas a poente daquela (grelhador coberto e alpendre) distam 18,40 metros da referida plataforma da Estrada Nacional nº..., e que a distância mínima, medida da zona da estrada é de 15 metros e ao invés, a distância exigida pela lei de 1971 é medida da plataforma (beira da estrada a partir da valeta), as construções que se pretendem demolir, podem estar em conformidade com os requisitos impostos pela lei actual. No confronto das disposições eventualmente aplicáveis, de cada um dos diplomas em análise, mostra-se que a lei de 1994 é bem mais permissiva e em consequência mais favorável aos réus, uma vez que a distância imposta pela lei de 1971, sendo de 50 metros a partir da plataforma é bem maior do que a da lei de 1994, que estabelece 35 metros, da plataforma, mas do eixo da estrada. 4 – Sustenta ainda a recorrente que, não tendo sido alegados factos relativos à qualificação da Estrada Nacional n.º..., à beira da qual foram edificadas as construções que pretende sejam demolidas, nem os relativos às dimensões entre o eixo da referida estrada e as construções, para se poder verificar se elas estão ou não dentro das medidas definidas pelo Dec.-Lei n.º 13/94, o tribunal não pode aplicar ao caso as disposições deste diploma. Defende depois que “era aos Réus que competia alegar e provar factos concretos tendentes a comprovar que as construções levadas a efeito respeitam agora os limites do Dec.Lei n.º 13/94 de 15/01”. Não assiste qualquer razão ao recorrente. A recorrente é a Autora na acção que pede a condenação dos Réus na demolição das construções por eles efectuadas ilegalmente à beira duma estrada nacional. É o recorrente que invoca o direito à demolição dos imóveis construídos à beira da estrada e que em seu entender estão ali ilegalmente implantados. Para que o seu pedido seja viável, tem de o fundar num facto jurídico (simples ou complexo)- causa de pedir, donde emerge o direito que invoca e pretende fazer valer. Estes fundamentos são pontos de facto com função instrumental (factos instrumentais) relativamente ao facto principal e decisivo que é a causa de pedir (facto jurídico). Tendem a mostrar a realidade da causa petendi (2) . Esse facto que é a construção ilegal da casa de habitação, restaurante e cervejaria dos Réus à beira da estrada, teria de ser alegado e provado pela Autora e não pelos RR., ao invés do que defende a recorrente. A ilegalidade não pode ser entendida, como pretende a recorrente, apenas em relação a um dos diplomas que regula a matéria em apreciação. A construção edificada à beira da Estrada Nacional ou é legal e, por isso não deve ser demolida, ou é ilegal e, nesse caso, deve ser demolida, procedendo o pedido da Autora. Cabia ao recorrente alegar e provar factos que definissem o tipo de estrada à beira da qual se fizeram as construções, as distâncias não apenas entre a plataforma, mas também entre a zona e entre o eixo da estrada e as construções, para que o tribunal pudesse concluir se as construções foram ou não levantadas para além da distância em que a lei fixa a zona “non eadificandi” . O ónus da prova está conexionado com o princípio do dispositivo ou da iniciativa das partes, contraposto ao princípio do inquisitório. Cabia ao recorrente alegar os factos necessários e suficientes para demonstrar a ilegalidade das construções dos Réus e não era a estes que cabia o ónus da prova de que as construções se mostram construídas em conformidade com a lei em vigor. Se a lei a aplicar ao caso em apreciação é a de 1971 ou a de 1994, é uma decisão que cabe ao Tribunal, não estando este vinculado à opinião das partes (art.º 664.º do CPC). De qualquer modo, o juiz só pode decidir - secundum allegata et probata partium – segundo os factos alegados e provados pelas partes. Não pode indagar por si os factos que interessam à causa, suprindo a deficiência das partes e das suas afirmações ou das suas provas (3). É àquele que invocar um direito, que cabe fazer prova dos factos constitutivos desse direito, pelo que cabia ao autor fazer prova de que as construções estão ilegais (art.º 342.º n.º1 do CC). Não tendo a recorrente sequer alegado os factos necessários à prova da distância em que as construções estão erigidas em relação à zona nem ao eixo da estrada, para se determinar a invocada irregularidade, não cabia ao tribunal substituir-se-lhe na indagação desses factos. Não era como defende o recorrente , aos recorridos que cabia fazer prova de que as construções que edificou estão fora da zona em que não é permitido construir. A ilegalidade da construção teria de ser alegada e provada pela recorrente, independentemente da lei aplicável ao caso. Entende também a recorrente que “o tribunal não podia aplicar o Dec.Lei n.º13/94 de 15/1, por não estarem alegados factos relativos aos pressupostos da sua aplicação, visto não existir matéria de facto bastante, atinente às características da via, sua dimensão e restantes medidas necessárias à verificação ou não dos limites fixados no mencionado DL n.º 13/94, de 15/1”. É verdade que não foram alegados factos suficientes para a procedência da acção e por essa razão ela foi julgada improcedente por não provada. Não é no entanto a afirmação do recorrente de que o tribunal não podia apreciar o pedido, considerando o Decreto-Lei em vigor, à data em que a acção foi intentada. Entende o recorrente que o tribunal está impedido de apreciar os factos à face do referido diploma legal. Não é assim seja, porque o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 664.º do CPC). O Tribunal da Relação, com o acórdão recorrido não violou qualquer das disposições legais referidas pelo recorrente nas suas alegações, nem se vislumbra que tenha violado quaisquer outras. Tendo em conta as razões que se alinharam improcedem assim as 9.ª a 20ª conclusões. III – DECISÃO: Em face de todo o exposto, nega-se revista. Sem custas, por o recorrente estar delas isento (art.º 2.º n.º1 al. a) do C.C.J.). Lisboa, 25 de Janeiro de 2007 Gil Roque (Relator) Ferreira de Sousa Salvador da Costa – Com a declaração de que não utilizaria na motivação o normativo do artigo 12.º, n.º2 do Código Civil, por o considerar incompatível com a estrutura da relação jurídica administrativa em causa. A motivação com que sustentaria o segmento decisório seria o de que a lei actual, de harmonia com a nova definição do interesse público, reduziu o nível da afectação dos direitos subjectivos em causa. ---------------------------------------------------------------------- (1) - Parecer da PGR, 21-12-1978: DR II Série pgs.1804. (2) - Prof. Manuel Andrade – Noções Elementares de Processo Civil, pag. 111- Coimbra Editora- 1976. (3) - Prof. Manuel Andrade – Noções de Processo Civil, pag. 196- Coimbra Editora- 1976. |