Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
A, intentou acção sumária contra a B, o C e D, pedindo a condenação dos Réus a pagar-lhe solidariamente, a quantia de 2995030 escudos, salvo o FGA quanto ao montante de 45000 escudos respeitantes aos danos materiais, quantia essa acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a citação.
Alegou que em 30.3.86, na EN nº 207, em Antime, Fafe, ocorreu um acidente de viação envolvendo os velocípedes com motor de matricula 1-FLG e 1-FLG conduzidos pelos respectivos donos, E e D, sem que qualquer deles estivesse igualmente habilitado para o efeito, e que em consequência do embate dos veículos, por culpa dos seus condutores, o Autor que seguia como passageiro do 1-FLG, foi projectado ao solo, sofrendo danos no montante do capital peticionado, sendo responsáveis pelo pagamento a 1ª ré que segurava o velocípede do E e os demais Réus por falta de seguro relativamente ao 1-FLG.
Nas contestações, articularam os réus:
- A B, que nenhuma culpa pode ser imputada ao seu segurado, visto a culpa ter pertencido em exclusivo ao 3º Réu D, e que ignora a factualidade da p.i. concernente aos danos;
- O FGA que desconhece toda a matéria articulada pelo autor.
No regular processamento dos autos, foi a final proferida sentença, onde se decidiu:
A) Condenar a Ré B, S.A. a pagar ao Autor a quantia de 1276641 escudos, acrescida dos juros legais de mora desde a citação;
B) Absolver esta Ré do restante pedido;
C) Absolver os Réus C e D dos pedidos contra eles formulados.
Inconformadas, apelaram a Ré B e o Autor, tendo a Relação do Porto, por acórdão de 19.11.01, julgado improcedentes ambas as apelações, confirmando inteiramente a sentença recorrida.
Novamente irresignada, recorreu a B, S.A., de revista, tendo o Autor recorrido também, mas subordinadamente.
Minutando o recurso, tirou a recorrente B as seguintes
Conclusões:
1- A regra da prioridade à direita deve ceder nos casos em que, atenta a iminência da aproximação e/ou do cruzamento de veículos em determinado entroncamento, este é caracterizado pelo desembocamento de via secundária em via principal;
2- Assim, o disposto no artº 8º, nº 2, a) do Código da Estrada, em 1986, tem de ser conjugado com o disposto no seu nº 1, por forma a interpretar- se tal preceito ou regra da estrada de modo a não causar embaraço ao normal movimento e fluxo contínuo de tráfego nas antigas EN´s, em relação às vias secundárias que nelas entroncam e dão acesso às freguesias rurais;
3- Vista a factualidade fixada nos autos, e uma vez devidamente interpretado o dispositivo legal em causa - tal como a abundante jurisprudência do Supremo o tem feito, aliás - não deve fazer-se estrita aplicação ao segurado na recorrente da regra da "prioridade à direita" sem mais, como se fez no tribunal a quo;
4- Tal factualidade implica antes que se faça um juízo de censura ao condutor e co-réu D, ao pretender forçar o uso dessa dita prioridade, e entrar nesse entroncamento, ignorando a iminência da aproximação do outro ciclomotor provindo da esquerda e sem ter tomado as indispensáveis precauções ao entrar na via principal;
5- O aresto proferido no tribunal a quo não fez boa aplicação e/ou interpretação do disposto no referido artº 8º, nºs 1 e 2, al. a), do Cód. Estrada coevo ao sinistro.
Devendo absolver-se a recorrente do pedido, por não ser possível efectuar o juízo de culpa emergente do citado artº 8º.
Quanto ao recurso subordinado, extraiu o Autor as seguintes
Conclusões:
1- Os factos provados na acção respeitantes aos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor mostram que tais danos são múltiplos, profundos e de consequências excepcionalmente gravosas que se projectam na felicidade do Autor durante toda a sua vida;
2- Neste aspecto têm especial relevância as sequelas na coxa direita, cicatriz extensa viciosa, bem como deficiências na articulação do joelho direito que determinam o coxear em andamento;
3- O Autor era um jovem de 19 anos à data do acidente, forte, saudável e trabalhador, o qual suportou dores intensas e prolongadas com as lesões sofridas no acidente, com as intervenções cirúrgicas e, especialmente, com os tratamentos de recuperação funcional;
4- Ficou abalado psicologicamente com as sequelas que exibe derivadas do acidente;
5- O pedido indemnizatório de 2500000 escudos formulado no articulado inicial, como compensação dos danos não patrimoniais, mostra-se moderado em face dos princípios gerais e dos critérios legais emergentes das normas dos artigos 483º e 562º até 566º do Código Civil, com referência ao artigo 496º do mesmo código;
6- O Acórdão recorrido, ao baixar aquele pedido indemnizatório para o montante de 500000 escudos, em confirmação da sentença, fez incorrecta interpretação e deficiente aplicação daqueles princípios e daqueles critérios,
Devendo a Ré B, S.A. ser condenada a pagar ao A. a indemnização global de 2948950 escudos - sendo 448950 escudos respeitantes a danos patrimoniais e 2500000 escudos respeitantes a danos não patrimoniais - actualizada em face da depreciação monetária segundo os critérios exarados na sentença e no acórdão recorrido, e com os juros legais a partir da citação e até efectivo pagamento, consoante também a sentença e o acórdão recorrido.
Contra-alegaram a B, pedindo a improcedência do recurso subordinado, e o C, pugnando pela improcedência do recurso principal.
Após os vistos legais, vejamos.
Estão provados pelas instâncias os seguintes factos:
No dia 30 de Março de 1986, cerca das 22 horas transitava pela EN 207, ao KM 49, na Freguesia de Antime, do Concelho de Fafe, o veículo da espécie velocípede com motor, de matrícula 1-FLG de serviço particular, conduzido pelo seu proprietário, E;
No sentido Felgueiras - Fafe, levando como passageiro no lugar detrás do veículo, o Autor;
Na EN 207, ao KM 49, entronca do lado direito, atento o sentido de marcha do veículo conduzido pelo E uma estrada municipal que dá acesso à Igreja de Antime;
Nessa estrada municipal em direcção ao especificado entroncamento, transitava à mesma hora, o velocípede com motor de matrícula 1-FLG, de serviço particular, conduzido pelo Réu D;
O condutor E não conseguiu travar e imobilizar o seu veículo para evitar o embate;
Ambos os veículos embateram um no outro;
A Ré celebrou com o E um contrato de seguro titulado pela apólice nº 126028 até ao montante de 5000000 escudos, com o máximo de 3000000 escudos por lesado;
O Réu D não tinha, ao tempo do acidente, transferido a sua responsabilidade civil automóvel para qualquer companhia de seguros;
O Autor trabalhou os meses de Março, Abril e metade de Maio de 1987;
O E não era titular de licença de condução de velocípedes com motor;
Nem titular de carta de condução de ciclomotores ou motociclos;
O veículo em que seguiam o Autor e o E não levava luz;
O motor a trabalhar faz barulho;
O Réu D era proprietário de veículo que conduzia;
E não era titular de licença ou carta de condução;
No local do entroncamento referido está construída uma placa oval de separação de trânsito;
A estrada municipal que dá acesso à Igreja de Antime tem, no lugar do entroncamento com a EN 207, a largura de 7 metros;
O Réu D, conduzindo pela dita estrada municipal, pretendia entrar na EN 207;
E virar para o seu lado esquerdo, seguindo nessa estrada nacional em direcção a Felgueiras;
No momento em que o Réu D fazia a manobra de entrada na EN 207 aproximava-se do entroncamento o E;
O E avistou o veículo do Réu;
A EN 207 no local do entroncamento especificado e atento o sentido de marcha do E, é a descer;
O E viu a sua faixa de rodagem ocupada;
E tentou "fugir" para a esquerda no sentido de evitar a colisão com o 3º Réu;
Com o embate dos veículos, o Autor foi projectado ao solo com violência;
E na queda sofreu as seguintes lesões:
a) Fractura exposta do fémur direito;
b) Fracturas de duas costelas do lado esquerdo;
c) Diversos traumatismos por outras regiões do corpo;
Foi de imediato internado no Hospital de Guimarães, onde permaneceu até 28.6.86;
Durante esse internamento foi submetido a duas intervenções cirúrgicas, a primeira para sutura de tecidos esfacelados e a segunda para introduzir placas metálicas destinadas a corrigir e solidificar a fractura do fémur por métodos de osteosíntese;
Voltou a ser internado no mesmo Hospital desde 11.5.87 até 1.6.87;
Onde, de novo, foi submetido a uma terceira intervenção cirúrgica para extracção do material de osteosíntese;
O Autor deslocou-se diariamente à clínica de reabilitação D. Afonso Henriques, em Guimarães, desde 10.9.86 até 19.3.87;
A fim de se sujeitar a tratamentos de recuperação funcional, relativos a sequelas deixadas pela fractura do fémur;
Depois da terceira intervenção cirúrgica voltou a receber tratamentos de recuperação na mesma clínica de reabilitação, para o fim acima assinalado, desde 2.7.87 até 14.8.87;
Em 8.9.87 foi incorporado no serviço militar onde esteve em estudos clínicos até 9.10.87;
Data em que foi dado como incapaz para o serviço militar;
Por causa das lesões sofridas no acidente;
Só recomeçou o trabalho definitivamente em 14.10.87;
Em consequência do acidente o Autor ficou a coxear em andamento e com uma cicatriz com cerca de 20 cms de cumprimento na face exterior da coxa direita;
O Autor auferia ao tempo o ordenado mensal de 26000 escudos;
Aumentado para 27000 escudos em início de Janeiro de 1987 e para 36850 escudos em início de Julho de 1987;
O Autor tinha ao tempo do acidente profissão de empregado de armazém na indústria do calçado;
Trabalhando na Fábrica ......, com sede em Torrados, Felgueiras;
O Autor esteve absolutamente incapacitado para o trabalho desde a data do acidente até ao fim de Agosto de 1987;
Salvo nos dois meses e meio acima referidos;
Em consequência do acidente o Autor danificou irremediavelmente os seguintes bens:
a) Um relógio de pulso de marca Omega Constelation - no valor de 26000 escudos; b) Um fio de prata, grosso e torcido, no valor de 8000 escudos;
c) Um par de sapatos pretos, no valor de 2000 escudos;
d) Umas calças, uma camisa e uma camisola exterior, no valor de 9000 escudos;
O Autor efectuou 96 tratamentos na clínica de reabilitação D. Afonso Henriques;
O Autor era, ao tempo do acidente, forte e saudável;
E trabalhador;
Suportou dores intensas e prolongadas;
Com as lesões sofridas no acidente, com as intervenções cirúrgicas e, especialmente com os tratamentos de recuperação funcional;
O Autor ficou abalado psicologicamente com as sequelas que exibe derivadas do acidente;
O Autor, à data do acidente, tinha 19 anos (nasceu em 26.9.66);
Postos os factos, vejamos.
Quanto ao recurso principal, não têm as conclusões recursórias merecimento.
A decisão e fundamentação constantes do acórdão da Relação são inteiramente de sufragar, para elas se remetendo.
A circunstância de o Réu D provir de uma Estrada Municipal que entronca com uma Estrada Nacional, dado que não existia qualquer sinalização não alterava a regra de prioridade constante do artº 8º, nº 2, a) do Código da Estrada de 1954, aqui aplicável por o acidente ter ocorrido no já longínquo ano de 1986 (tendo a acção sido proposta em 10.3.89... assim vai a "Justiça de Fafe"!).
Só não teria prioridade de passagem se o co-réu E circulasse numa auto-estrada, ou se o Réu D saísse de um caminho particular, prédio ou parque de estacionamento, ou se o co-réu E conduzisse uma ambulância, um veículo de bombeiros, da Polícia, transportasse feridos ou doentes, ou fizesse parte de uma coluna militar ou militarizada.
Como nenhuma dessas situações sucedeu, a regra da prioridade de passagem do condutor que se apresenta pela direita nos entroncamentos tinha de ser observada pelo condutor segurado, e não foi.
Nem se diga que o D não tomou as precauções apropriadas antes de entrar no entroncamento.
Quando penetrou na Estrada Nacional, o E apenas se aproximava pela esquerda.
E o embate deu-se já quando o D, completada a manobra de mudança de direcção, havia ultrapassado o eixo da via da Estrada Nacional, e se encontrava na hemi-faixa esquerda de rodagem, atento o sentido de marcha do E, que podia e devia ter abrandado a marcha, prosseguindo na meia faixa direita de rodagem, com o que seguramente tinha evitado o acidente.
Com estas ligeiras notas, e remetendo-se para a fundamentação do acórdão recorrido, nos termos do artº 713º nº 5, ex vi artº 726º do CPC deverá pois, ser negada a revista.
Agora quanto ao recurso subordinado.
Está apenas colocada neste recurso a questão do montante indemnizatório dos danos não patrimoniais, reportado à data do acidente.
Na 1ª instância arbitrou-se como compensação de tais danos a quantia de 500000 escudos, reportada à data do sinistro (30.3.86), e sobre esse montante (bem como sobre o de 448950 escudos, relativo à indemnização pelos danos patrimoniais), fizeram-se incidir as taxas de inflacção até à data da citação e as taxa de juros moratórios a partir daí e até efectivo pagamento.
Tendo a Relação concordado com aquele montante e com tal critério, expendeu que: «... fez-se incidir a taxa de inflacção até à data da citação e a taxa de juros moratórios a partir daí e até ao efectivo pagamento, o que significa que a indemnização atribuída na sentença ao autor, mercê da actualização monetária (com índices do INE de 11,7% em 1986; de 9,4% em 1987; de 9,6% em 1988 e de 12,6% em 1989) e da imposição de juros (desde Março/89 - de 15% até Set/95 - de 10% até Abr/99 e - de 7% desde então) representará um valor presente (v. art. 566º CC).
Como o ressarcimento do dano moral, se agora houvesse de ser feito, rondaria os 1000000 escudos, porque não seria esta verba passível de actualização monetária e de juros, sob pena de enriquecimento do autor à custa da Ré SPS, temos não haver fundamento para fixar a quantia simples de 1000000 escudos, em vez da arbitrada - 500000 escudos - a qual, mercê dos acréscimos a que ficou sujeita, já ultrapassará aquele valor, seguramente...».
Pretende o Autor que se fixe a verba de 2500000 escudos como compensação dos danos não patrimoniais que lhe advieram do ajuizado acidente, quantia essa reportada à data em que aquele ocorreu, e actualizada em função da depreciação monetária segundo os critérios exarados na sentença e confirmados no acórdão recorrido, com os juros legais a partir da citação até efectivo pagamento, consoante o decidido também pelas instâncias.
Por conseguinte, o único ponto concreto que o Autor discute é o quantum indemnizatur dos danos não patrimoniais, calculado segundo a equidade com referência à data em que eclodiu o articulado acidente.
Diz o Autor que só com o valor que contrapõe «... se vivificará, passados 16 anos, a moral, o direito e a JUSTIÇA!!!».
Todavia, tendo embora o Autor razões de sobra para se insurgir contra a enorme demora na resolução deste litígio, não poderá a Ré Seguradora ser passível de uma espécie de sanção pecuniária por aquela demora.
Atenta a extensão e gravidade dos danos não patrimoniais espelhados no probatório - que aqui damos por reproduzidos, por já transcritos - e que, sem dúvida, consubstanciam sofrimentos inexigíveis em termos de resignação, computá-los na quantia de 2500000 escudos à data do acidente revela-se, face ao comando do artº 496º, nº 3 do Código Civil, perfeitamente desenquadrado de iure constituto, e dos valores que, para casos semelhantes a jurisprudência da época arbitrava.
A verba de 500000 escudos referida ao dia 30.3.86 é a equitativamente correcta, e tanto assim é que, aplicadas as taxas da inflacção até à data da citação, e a partir desta as taxas legais dos juros moratórios, alcança-se uma quantia que se aproxima dos 200000000, escudos como se demonstra nas contra-alegações da Ré Seguradora, sendo este valor perfeitamente adequado à realidade actual.
Termos em que acordam em negar ambas as revistas, com custas, no Supremo, pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário em devido tempo concedido ao Autor.
Lisboa, 4 de Junho de 2002
Faria Antunes,
Lopes Pinto,
Ribeiro Coelho. |