Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05S259
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ERRO DE JULGAMENTO
CONTRATO COLECTIVO DE TRABALHO
ÂMBITO
PORTARIA DE EXTENSÃO
CONTRATO DE TRABALHO
ENSINO
PROFESSOR
Nº do Documento: SJ200505250002594
Data do Acordão: 05/25/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 2464/04
Data: 11/08/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : 1. Não enferma de nulidade por omissão de pronúncia o acórdão da Relação que deixou de apreciar a suscitada questão de abuso do direito com o fundamento de que o conhecimento dessa questão tinha ficado prejudicado pela solução dada a outra, quando tal não era verdade.
2. A situação referida configura um caso de erro de julgamento que contende com o mérito da decisão e não com a estrutura formal da decisão.
3. Não havendo portaria de extensão, os CCT’s só são aplicáveis às entidades subscritoras e aos seus representados, salvo se a sua aplicação a determinada relação laboral tiver sido expressamente acordada inter partes.
4. Para que se conclua nesse sentido, não basta que, nos articulados, as partes digam aceitar tal aplicação, sendo necessário ainda que aleguem e provem que assim foi convencionado em sede do contrato individual de trabalho, entre si celebrado.
5. Doutro modo, a aplicação das regras de direito ficaria dependente da vontade das partes.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça:


1. Na presente acção emergente de contrato individual de trabalho proposta por A contra o B, a autora pediu que o réu fosse condenado a reclassificá-la no nível D3, com efeitos a partir de 1.8.2002 e a pagar-lhe a correspondente retribuição, alegando ter direito a essa reclassificação ao abrigo do disposto no art. 56.º do Estatuto da Carreira Docente aprovado pelo DL. n.º 139-A/90, de 28/4, com a redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 1/98, de 2/1 e ao abrigo do art.º 53.º do Contrato Colectivo de Trabalho do Ensino Particular e Cooperativo, por ter concluído a Licenciatura em Orientação Educativa, na Universidade Católica.

O réu contestou, alegando que a licenciatura obtida pela autora não lhe dá direito à reclassificação pretendida, por se tratar de uma licenciatura que não está directamente relacionada com a docência. (art. 55.º do Estatuto da Carreira Docente) e que, se o direito existisse, estaria a ser ilegitimamente exercido, pelo facto de autora estar a exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim económico e social desse direito (art. 334.º do CC).

A acção foi julgada procedente e o Tribunal da Relação do Porto confirmou a decisão da proferida na 1.ª instância, o que motivou o presente recurso de revista interposto pelo réu que concluiu as suas alegações da seguinte forma:
«1.ª - A disciplina do ensino particular e cooperativo encontra-se regulada no Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo consignado no Dec-Lei n° 553/80, de 21 de Novembro e também no respectivo Contrato Colectivo de Trabalho aplicável.
2.ª - O Estatuto da Carreira Docente do Ensino Público, aplicável aos docentes do sector público de ensino integra um conjunto de normas excepcionais as quais não comportam aplicação analógica, nos termos do disposto no artigo 11.º do Código Civil.
3.ª - Tal Estatuto só poderá ser aplicável aos professores do sector particular e cooperativo quando ocorresse uma lacuna e procedessem - e não procedem - as razões justificativas de regulamentação do caso previsto na lei, tal como o exige o disposto no n.º 2 do art. 10.º do Código Civil.
4.ª - Os sectores do ensino público e do ensino particular e cooperativo, nos termos do preceituado nos artigos 43.º e 75.º da Constituição da República Portuguesa, constituem sectores de ensino independentes e autónomos, com diferentes regimes nas carreiras.
5.ª - No âmbito da profissão de professor prevista no Anexo I do C.C. T. aplicável não cabem, nem se integram, para além das funções lectivas e pedagógicas, as funções ou actividades de "Orientação Educativa".
6.ª - As qualificações adquiridas pelos Cursos referidos nas alíneas a) a j) do n° 1 do artigo 56.º do Estatuto da Carreira Docente para o Ensino Público só se compreendem e se destinam ao sector do Ensino Público onde existe um regime diferente, relativamente ao sector de Ensino Privado, no plano da autonomia, administração e gestão dos respectivos estabelecimentos de ensino, os quais integram ainda serviços especializados de apoio educativo, como os previstos no artigo 38.º do Dec-Lei n° 115-A/98, de 4 de Maio, alterado pela Lei n° 24/99, de 22 de Abril, os quais compreendem serviços de Psicologia e Orientação, Núcleo de Apoio Educativo e o exercício de outras actividade de complemento curricular.
7.ª - As circunstâncias do tempo em que a lei foi elaborada, exclusivamente para o sector público de ensino, e as condições concretas da realidade a que se destinam e do tempo em que é aplicada, não podem permitir que seja aplicado à relação sub judice, no caso em apreço, o disposto no artigo 56.º do Estatuto da Carreira Docente para o Ensino Público.
8.ª - A aplicação de tal Estatuto, nas concretas circunstâncias existentes e nas que resultam da matéria apurada na audiência de julgamento, conduziria a um acréscimo retributivo sem que, por parte da recorrida, existisse a correspondente prestação do trabalho, o que viola, por forma grave, o princípio da proporcionalidade e da Justiça que têm acolhimento nos artigos 1.º, 59.º, n.° 1 e 266.º, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa.
9.ª - À situação sub judice seria aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 55.º do referido Estatuto da Carreira Docente para o Sector Público se a situação de aquisição de licenciatura, por parte da recorrida, se verificasse - o que não sucede - em domínio directamente relacionado com a docência.
10.ª - A aproximação progressiva e a correspondência de carreiras profissionais entre professores do Ensino Público e Privado, para que o Estatuto do Ensino Particular aponta, não pode conduzir, sem mais, de forma automática e cega, a que aos professores do sector de ensino particular seja aplicado o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário para o sector do ensino público.
11.ª - A aquisição da licenciatura em "Orientação Educativa", no caso sub judice, não determina sem quaisquer outras considerações ou formalidades, a reclassificação na carreira da ora recorrida.
12.ª - Releva para a reclassificação na carreira nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 55.º do Estatuto da Carreira Docente aprovado pelo Dec-Lei n° 139-A/90, de 28 de Abril, com a redacção que lhe foi dada pelo Dec-Lei n° 1/98, de 2 de Janeiro, que a licenciatura ou equivalente o seja em domínio directamente relacionado com a docência dos ciclos de ensino ou áreas disciplinares efectivamente existentes no estabelecimento de ensino do recorrente e em área leccionada pela recorrida, o que não sucede.
13.ª - Como resulta da matéria provada de facto (pontos 13.º e 14.º da matéria de facto), no exercício das funções em que se encontra investida, não constitui tarefa ou actividade d a recorrida exercer actividades de "orientação educativa", que não, nem nunca exerceu.
14.ª - Que tais actividades de "orientação educativa" não se integram no complexo de funções próprias da categoria profissional da recorrida, não conferindo qualificação profissional para a docência do 1.º Ciclo do Ensino Básico.
15.ª - A recorrida ao ter requerido a sua reclassificação, nas concretas circunstâncias de ensino existentes no estabelecimento de ensino do recorrente e ao não exercer, nem nunca ter exercido, no recorrente, funções de "orientação educativa", nem tendo possibilidades de as exercer, excedeu manifestamente os limites impostos pela boa-fé e pelos fins económicos e sociais do direito, dele tendo abusado, nos termos do disposto no artigo 334.º do Código Civil.
16.ª - O douto acórdão ao confirmar inteiramente o julgado em 1.ª instância, quer quanto à decisão, quer quanto aos respectivos fundamentos, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada, e limitando-se a negar provimento ao recurso, violou o disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 9.º, o disposto no artigo 10.°, n.° 2 e 11.°, do Código Civil; o n.° 1 da cl.ª 17.ª, o Anexo I e os nos 1 e 2 da cl.ª 53.ª do Contrato Colectivo de Trabalho para o Ensino Particular e Cooperativo; o disposto no artigo 56.° do Estatuto da Carreira Docente dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário aplicável aos docentes do Ensino Público aprovado pelo Dec-Lei n.° 139-A/90, de 28 de Abril, com a redacção que lhe foi dada pelo Dec-Lei n.° 1/98, de 2 de Janeiro, e ainda as normas e princípios fundamentais contidos nos artigos 1.°, 43.°, n.° 4, 59.º, n.º 1, 75.° e 266.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa.
17.ª - Ao ter considerado "obviamente prejudicada" a decisão da questão relativa ao abuso do direito, o douto acórdão violou o disposto no artigo 334.º do Código Civil; o disposto no n.° 5 do artigo 713.º do C.P.C., tendo deixado de pronunciar-se sobre uma questão que deveria ter apreciado, o que determina, nessa parte, a nulidade do douto acórdão, em conformidade com o disposto na alínea d), n.° 1 do artigo 668.º do C.P.C.»

A autora contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado e a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no mesmo sentido.

As partes foram convidadas pelo relator a indicarem qual era o CCT que consideravam aplicável à relação laboral em causa e se o mesmo tinha, ou não, Portaria de Extensão, uma vez que no decurso do processo aquele CCT nunca chega a ser devidamente identificado (1).

Respondendo àquela notificação, o réu veio informar que se lhe afigura aplicável o CCT celebrado entre a C (Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo) e a D (Federação Nacional dos Professores) e outros, celebrado para o ano lectivo 2001/2002, ainda não publicado, podendo ainda ser considerados aplicáveis os CCT publicados no BTE n.º 9, de 8/3/2000, pag. 524, n.º 38 de 15/10/99, pag. 3000 e n.º 43 de 22/11/99, pag. 3269, podendo informação mais detalhada ser solicitada à Associação do Ensino Particular e Cooperativo de que é associado, com sede na Av.ª Defensores de Chaves, n.º 32, 1.º esquerdo, 1000-119 Lisboa.

Por sua vez, a autora veio informar que o CCT aplicável é o que foi celebrado entre a C e a D, publicado no BTE n.º 45, 1.ª Série, de 8 de Dezembro de 2001 e que a sua aplicação não carece de Portaria de Extensão, uma vez que o réu também reconhece que esse é o CCT aplicável.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Nas instâncias foram dados como provados seguintes factos que este tribunal tem de acatar, por não ocorrer nenhuma das situações previstas no n.º 2 do art. 722.º e no n.º 3 do art.º 729.º, ambos do CPC:
a) A autora, em Junho de 1992, de forma verbal, celebrou com a ré um contrato de trabalho, com início em 4.9.1992, para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização exercer as funções de professora do 1.º ciclo do ensino básico.
b) Por força do aludido contrato, a autora iniciou funções docentes no dia 4 de Setembro de 1992, no Colégio Dom Diogo de Sousa.
c) Desde a data da sua admissão, a autora sempre desempenhou todas as suas funções de professora do 1.º ciclo do ensino básico com exemplar zelo, dedicação, correcção, assiduidade e competência.
d) A autora trabalhou com o horário de vinte e oito horas semanais e tem sido remunerada, ao longo dos anos e até ao dia 1.8.2002, de acordo com as tabelas fixadas em Contrato Colectivo de Trabalho do Ensino Particular e Cooperativo (CCTEPP).
e) Quando a autora foi contratada pela ré, em Junho de 1992, encontrava-se habilitada com o curso do Magistério Primário de Braga, concluido em 4 de Julho de 1979, com onze valores.
f) A autora, em 8 de Julho de 2002, concluiu, com aproveitamento, na Universidade Católica Portuguesa, a licenciatura em Orientação Educativa.
g) Após ter concluído a referida licenciatura, a autora, em 23 de Outubro de 2002, entregou na secretaria do Colégio Dom Diogo de Sousa os certificados da sua licenciatura e requereu a sua reclassificação na carreira docente ao abrigo do art. 56.º do Estatuto da Carreira Docente, aprovado pelo Dec. Lei n° 139-A/90, de 28 de Abril, com a redacção que lhe foi dada pelo Dec. Lei n° 1/98, de 2 de Janeiro e, ainda, ao abrigo do art. 53.º do Contrato Colectivo de Trabalho do Ensino Particular e Cooperativo.
h) O curso frequentado pela autora na Universidade Católica Portuguesa é um curso de formação complementar organizado nos termos do Dec. Lei n° 255/98, de 11 de Novembro e encontra-se contemplado no Dec. Lei n° 105/97, de 29 de Abril.
i) Em resposta ao pedido da autora, reposicionamento na carreira, em 24.10.2002 a ré comunica-lhe que "a aquisição de qualificação para o exercício de outras formas educativas, nos termos do art. 56.º do ECDEP, não confere ao docente o direito à reclassificação no ensino particular e cooperativo."
j) A autora não se mostrou de acordo com a posição assumida pela ré.
l) Em Julho de 2002, a autora tinha 22 anos de serviço e, nessa altura, concluiu a licenciatura em Orientação Educativa, com aproveitamento, licenciatura esta ministrada pela Universidade Católica Portuguesa.
m) As educadoras de infância ao serviço da ré concluíram as suas licenciaturas em "educação de infância" e viram logo feita a sua reclassificação com o consequente reposicionamento no nível respectivo e a actualização dos seus vencimentos.
n) No exercício das funções em que se encontra investida, não constitui tarefa ou actividade da autora exercer actividades de orientação educativa que não exerce nem nunca exerceu.
o) Tais actividades de orientação educativa não se integram no complexo de funções próprias da sua categoria profissional, não conferindo qualificação profissional para a docência do 1.º ciclo do ensino básico.

3. O direito
São três as questões suscitadas pelo recorrente:
- saber se a autora tem direito a ser reclassificada na carreira profissional, por ter concluído com aproveitamento, na Universidade Católica, a "Licenciatura em Orientação Educativa";
- saber se o acórdão recorrido nulo;
- saber se há abuso do direito por parte da autora.

3.1 Da nulidade do acórdão
Por razões de precedência lógica, começaremos por conhecer da segunda questão. Segundo o recorrente, a decisão recorrida é nula, por omissão de pronúncia (art. 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC), resultando tal omissão do facto de a Relação não ter apreciado a questão do abuso do direito, com o fundamento de que a sua apreciação tinha ficado prejudicada pela solução dada à questão do direito à reclassificação.

Para que se compreenda melhor a posição do réu/recorrente, importa dizer que, na contestação, ele impugnou o direito à reclassificação pretendida pela autora, mas alegou que o exercício desse direito, a existir, era ilegítimo, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim económico e social do mesmo, uma vez que a autora não exerce nem nunca exerceu actividades de orientação educativa, nem tais actividades integram o complexo das funções que são próprias da sua categoria profissional.

Na sentença decidiu-se que a autora tinha direito à reclassificação e que o exercício daquele direito nada tinha de ilegítimo. No recurso de apelação, o réu requereu a reapreciação daquelas questões (direito à reclassificação e abuso do direito) e a Relação, no que toca à primeira daquelas questões, limitou-se a confirmar, por adesão, a decisão da 1.ª instância e, no que toca ao abuso do direito, limitou-se a dizer, invocando o disposto no n.º 2 do art. 660 do CPC, que a apreciação dessa questão estava prejudicada pela solução dada à questão antecedente (2).

Salvo o devido respeito, a decisão da Relação não está correcta, uma vez que a apreciação de determinada questão só fica prejudicada quando, face à solução dada a outras questões, se tenha tornado absolutamente irrelevante para a decisão de mérito. No caso em apreço, tal só teria acontecido se o direito à reclassificação profissional não tivesse sido reconhecido à autora. Tendo-lhe sido reconhecido esse direito, o Tribunal da Relação do Porto devia ter conhecido do alegado abuso de direito.

A Relação não entendeu assim, mas daí não resulta que tenha incorrido em omissão de pronúncia. Esta só ocorreria se a decisão da Relação fosse absolutamente omissa acerca da referida questão, isto é, se não tivesse emitido nenhuma pronúncia sobre ela. Na verdade, como diz A. Reis (3), "uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção." No caso em apreço, a Relação absteve-se de conhecer do abuso do direito, mas fê-lo com determinado fundamento, o que significa que emitiu uma decisão sobre a questão. Tal decisão, embora incorrecta, não deixa de ser uma pronúncia. A Relação decidiu mal, mas decidiu e o desacerto da decisão não acarreta a sua nulidade. Configura apenas um erro de julgamento que releva na apreciação do mérito da decisão, mas que é irrelevante no que toca à estrutura formal da mesma.

De qualquer modo, se nulidade houvesse, sempre se dirá que este tribunal não podia tomar conhecimento dela, por não ter sido arguida no requerimento de interposição do recurso, conforme impõe o disposto no n.º 1 do art. 77 do CPT, o qual também é aplicável às decisões da Relação, como reiteradamente tem vindo a ser decidido por este Supremo Tribunal. Apenas foi arguida nas alegações de recurso, o que torna a arguição extemporânea, facto que, só por si, obstaria a que dela se conhecesse (4).

3.2 Do direito à reclassificação
Como já foi referido, a autora arroga-se o direito de ser reclassificada profissionalmente, com o fundamento de que concluiu com aproveitamento na Universidade Católica a Licenciatura em Orientação Educativa. Tal direito resultaria, segundo ela, do disposto no art. 53.º do CCT do Ensino Particular e Cooperativo (que, segundo os esclarecimentos prestados pela autora, já referidos em 1., seria o CCT celebrado entre a C - Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a D - Federação Nacional dos Professores e outros, publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 45, de 8/12/2001) em conjugação com o disposto no art. 56.º do Estatuto da Carreira Docente aprovado pelo DL n.º 139-A/90, de 28/4, com a redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 1/98, de 2/1.

Acontece, porém que aquele CCT não foi objecto de Portaria de Extensão, o que significa que apenas obriga as entidades patronais inscritas na associação patronal que o subscreveu (a C) e os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros das associações sindicais que directa ou indirectamente também o subscreveram (art. 7.º, n.º 1, do DL n.º 519-C1/79, de 29/12).

A autora nada alegou acerca da sua filiação sindical e também não alegou que o réu fosse membro da C, sendo certo que nada foi dado como provado a tal respeito. Viemos agora a saber pelo próprio réu, na resposta dada ao convite que lhe foi feito pelo relator para indicar qual era o CCT aplicável, que ele é associado da C, mas isso não basta para concluir que a relação laboral em apreço é efectivamente regulada pelo CCT atrás referido. Para que pudessemos chegar a essa conclusão, face à inexistência de Portaria de Extensão do âmbito daquele CCT aos trabalhadores não filiados nas associações sindicais outorgantes do CCT (art. 27.º e 29.º do DL n.º 519-C1/79), era necessário que estivesse provado que a autora estava filiada em algum dos sindicatos que directamente subscreveram aquele CCT ou em algum dos sindicatos representados pelas diversas Federações que também o subscreveram (a D foi uma delas) ou, então, era necessário que a autora tivesse alegado e provado que tinha acordado individualmente com a ré no sentido de que a relação laboral com ela estabelecida passaria a regular-se pelas disposições do CCT celebrado entre a C e a D e outros, em vigor à data em que começou a trabalhar para o réu e pelas disposições que futuramente nele viessem a ser introduzidas.

Ora, como já foi dito, a autora nada alegou relativamente à sua filiação sindical e a verdade é que também nada alegou relativamente ao acordo individual de aplicação do mencionado CCT.

Poderia entender-se (5) que as partes estão de acordo quanto à aplicação daquele instrumento de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho à relação laboral em causa, uma vez que na contestação o réu não teria posto em causa essa aplicação, deduzindo-se até que concordaria com tal aplicação, pelas referências que naquele articulado faz àquele CCT (6). Na verdade, apesar de o CCT nunca ter sido devidamente identificado pelas partes nos articulados, tudo indica, face aos esclarecimentos por elas prestados a convite do relator, que tinham em mente o CCT celebrado entre a C e a D e outros, publicado no BTE n.º 45, 1.ª Série, de 8/12/2001.

Todavia, ainda que assim se entendesse (e não é seguro que assim seja, uma vez que no seu requerimento de fls. 312 o réu limita-se a dizer que se lhe afigura aplicável o contrato colectivo celebrado entre a C e a D e outros para o não lectivo de 2001/2002, ainda não publicado (diz o réu), mas admitindo que possam ser aplicados outros CCT’s que cita), esse acordo não seria relevante, dado que o juiz não está sujeito às alegações das partes no que toca à indagação, interpretação e aplicação das regaras de direito (art. 664.º do CPC). Para que tal acordo fosse relevante, era necessário que tivessem sido alegados e provados factos que, nos termos atrás referidos, permitissem concluir com segurança pela existência desse acordo inter partes. Dito por outras palavras: não basta (não bastaria) que, nos articulados, as partes digam que estão de acordo em que se aplique este ou aquele CCT à relação laboral entre elas estabelecida. É preciso que aleguem e provam os factos que conduzam à aplicação efectiva do instrumento de regulamentação colectiva que indicam. É preciso que aleguem e provem que assim foi convencionado em sede do contrato individual de trabalho entre elas celebrado. Doutro modo, a aplicação das regras de direito ficaria dependente da vontade das partes e elas estariam a impor ao juiz a aplicação de determina lei, em clara violação do disposto no já citado art. 664.º.

Porque a alegação e prova dos factos que permitiram concluir pela aplicação do CCT em causa e porque o mesmo não foi objecto de Portaria de Extensão, temos de concluir que a autora não tem direito ao que se arroga, não obstando a tal conclusão o facto de a questão de aplicação do CCT não ter sido suscitada no recurso, uma vez que a indagação, interpretação e aplicação das regras de direito constitui uma questão de conhecimento oficioso (art. 660.º, n.º 2, do CPC).

4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se conceder a revista e absolver o réu do pedido.
Custas pela autora.

Lisboa, 25 de Maio de 2005
Sousa Peixoto,
Vítor Mesquita,
Fernandes Cadilha.
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(1) - Na petição inicial, a autora limita-se a fazer referência ao Contrato Colectivo do Ensino Particular e Cooperativo, sem especificar qual é esse Contrato, o que devia ter feito, uma vez que no âmbito do ensino particular e cooperativo há vários contratos colectivos, nomeadamente, os celebrados entre a AEEP (Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo), a FENPROF (Federação Nacional dos Professores), a FNE (Federação nacional de Educação) e o SINAPE (Sindicatos Nacional dos Professores de Educação).
Na contestação, o réu limita-se a fazer referência a cláusulas do "CCT aplicável à relação contratual".
Na sentença O CCT também não chega a ser identificado. O Mmo Juiz limitou-se a aplicar o Contrato Colectivo do Ensino Particular e Cooperativo (C.C.T.E.P.C.), sem especificar qual deles era e, no acórdão da Relação, o CCT não chega sequer a ser referido, dado ter sido feito por adesão.
(2) - A tal respeito, a Relação limitou-se a dizer o seguinte: "A apreciação desta questão está obviamente prejudicada pela solução dada à antecedente - art. 660, n.º 2 do CPC."
(3) - CPC anotado, V, pag. 143.
(4) - Vide, entre outros, o acórdão de 3.12.2003, proferido no processo n.º 2555/03, in www.dgsi.pt - doc. n.º SJ200312030025554; o acórdão de 14.12.2004, proferido no processo n.º 2169/04, e o recente acórdão de 7.4.2005, proferido no proc. n.º 4759/04, todos da 4.ª Secção).
(5) - E a autora entende que assim é, como se pode ver da resposta dada ao pedido de esclarecimento formulado pelo relator (vide fls. 317).
(6) - No art. 11.º da contestação, o réu refere-se ao "Contrato Colectivo de Trabalho do ensino particular", no art. 14.º diz que "nos termos do art.º 17, n.º 1 do CCT, aplicável à relação contratual sub judice os trabalhadores (docentes) (...)" e no art. 17.º alega que "não cabendo no âmbito do CCT (Anexo I - definição de funções), outras funções educativas (...)".