Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00022052 | ||
Relator: | FARIA DE SOUSA | ||
Descritores: | ACÇÃO DE DESPEJO FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA CASO JULGADO IDENTIDADE DE ACÇÃO | ||
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Nº do Documento: | SJ199402170842052 | ||
Data do Acordão: | 02/17/1994 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | BMJ N434 ANO1994 PAG580 | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 4863 | ||
Data: | 01/14/1993 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Área Temática: | DIR PROC CIV. | ||
Legislação Nacional: | |||
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Sumário : | I - É a resposta dada na sentença à pretensão do autor, delimitada em função da causa de pedir, que a lei pretende seja requisitada através da força e autoridade do caso julgado. II - Há identidade da causa de pedir quando numa acção de despejo a pretensão do autor se fundou na falta de pagamento de rendas desde finais de 1983 até Fevereiro de 1990, com a actualização de 17%, e numa acção posterior se baseia na mesma falta de pagamento, mas sem a referida actualização, pois a simples alteração do ponto de vista jurídico não implica alteração da causa de pedir. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Com fundamento na falta de pagamento de rendas de 1983 a Fevereiro de 1990 (artigo 1093, n. 1, alínea a) do Código Civil), "Edifícios Atlântico, S.A." intentou na comarca de Sintra, a cujo juízo foi distribuída contra "DMG - Projectistas e Construtores de Máquinas, Lda" esta acção declarativa com processo especial de despejo, pedindo que seja decretada a resolução dos contratos de arrendamento, para comércio, celebrados em 17 de Janeiro de 1972, 14 de Novembro de 1972, respectivamente da fracção autónoma designada pela letra "A", correspondente a uma loja na cave do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Praceta Major Aviador Humberto da Cruz, n. 5 e 7 e Rua Francisco Franco, n. 32 e 33 A, fracção autónoma designada pela letra "A", correspondente a um armazém na cave do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, também situado na Praceta Major Aviador Humberto da Cruz, n. 8, 9 e 9 A e Rua Francisco Franco, n. 34 e 34 A, e fracção autónoma designada pela letra"A", correspondente a um armazém na cave do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito ma mesma Praceta Major Aviador Humberto da Cruz, n. 3 e 4 e Rua Francisco Franco, n. 30, em Queluz, e que a demandada seja condenada no pagamento das rendas já vencidas e não pagas, bem como nas que se vencerem até entrega do prédio. Gorada a tentativa de conciliação, a ré contestou. Invocou caso julgado decorrente do facto de a demandante intentada outra acção de despejo contra a contestante, já transitada em julgado, com identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir. Impugnando, contrariou os factos articulados pela autora na petição inicial. Reconvindo pediu a condenação da autora no pagamento da quantia não inferior a 4000000 escudos, alegado montante de pretensas obras urgentes de conservação do arrendado, por ela executadas. No despacho saneador, que apreciou os pressupostos processuais, foi julgada improcedente a arguida excepção peremptória, e, conhecendo do mérito, foi a acção julgada procedente e improcedente a reconvenção. X O Tribunal da Relação de Lisboa, para o qual a ré apelou, concedeu provimento ao recurso e julgou procedente a deduzida excepção de caso julgado. X Inconformada, a autora pede revista. Conclui nas suas alegações: 1 - Ao interpelar a arrendatária para pagar as rendas devidas, não pagas, a proprietária fez cessar a mora em que se constituíra a partir do momento em que se recusou receber a renda global que a arrendatária lhe oferecia sem o acréscimo pretendido de 17 por cento; 2 - Não tendo pago as rendas à proprietária, após a referida interpelação, a arrendatária constituiu-se em mora, e essa mora, porque se pode subsumir à previsão legal do artigo 64, n. 1, alínea a) do Decreto-Lei n. 321-B/90, de 15 de Outubro, é fundamento para a resolução do contrato de arrendamento; 3 - As causas de pedir nas duas acções de despejo intentadas pela recorrente contra a recorrida são diversas, não se verificando, por essa razão, a excepção do caso julgado; 4 - O meio processual idóneo para a proprietária obter da arrendatária o pagamento das rendas não pagas por esta, e que o deviam ter sido, após a interpelação feita, é a acção de despejo. 5 - O acórdão recorrido violou as normas dos artigos 497, n. 1 e 498 do Código de Processo Civil, dos artigos 804, n. 2 e 805 do Código Civil e ainda do artigo 64 n. 1 , alínea a) do Decreto-Lei 521-B/90, de 15 de Outubro, pelo que deve ser revogado, julgando-se a acção intentada procedente e provada. X "Ex adverso" e em contra alegações, sustenta-se, em súmula, que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão que absolveu a ré. X Corridos os vistos legais cumpre apreciar. Já o Digesto defendia o caso julgado: "res indicata decitur quae finemm controversiarnm pronunciatione indicis accipiti, quod vaf condemnatione vel absolutione constingit" (1, de rei ind, 42,1). Transitada em julgado a sentença era inalterável - fine controversiarnm accipti"; a parte a quem determinado bem fora negado não podia mais reclamá-lo; a parte a quem esse bem fora reconhecido não só tinha o direito de gozá-lo com exclusão de outrém, como a sua titularidade excluia a possibilidade de ulteriores impugnações a esse direito e ao exercício do seu gozo - "ne alitermodus litium multiplicatius summam atique inexplicabilem faciat defficultatem, maxime si diversa pronnuntiarentur (G. Dig. "de exceptio rei ind, 44,2). Entendido o processo como uma instituição pública destinada à actuação dos ritos e da liturgia judicial e à obtenção da tutela da lei para as relações jurídicas controvertidas e que culmina com uma declaração de vontade do Estado - a "pronnuntiatio indicius" que condena ou absolve, que reconhece ou derroga a titularidade de determinado bem a uma das partes, o fundamento do caso julgado terá de buscar-se nas necessidades sociais da segurança e da certeza jurídicas - "Sententa deffinitiva et quad principalum deffinit quastionem". Teoria que ao longo dos séculos nem sempre foi pacífica, pois se procurou a explicação da eficácia do caso julgado configurando-se como ficção, um contrato entre os litigantes mediante o qual estas aceitavam preventivamente a sentença, ainda que injusta, atribuindo à decisão do Juiz o carácter de uma verdade presumida. V. G., Almendingen, na sua "metafisica", publicada em 1808, sustentava que o fundamento do caso julgado se não radicava em qualquer necessidade de certeza e segurança, antes na Sacralidade do Estado, na sabedoria das suas decisões, na necessidade de venerar a própria Justiça personificada nos órgãos judiciais, aliás na mesma "ratio loquens" pela qual o cidadão deve reconhecer o Estado como órgão da vida jurídica. Tese que mereceu o veemente repudio da Escola Histórica, designadamente de Savigny (in "sistema", VI, página 284, tradução italiana de Sociologia), que enquadrou a justificação do caso julgado nas razões pragmáticas aduzidas pelo direito romano. Com Chiovenda (in "instituciones de Derecho Procesal Ciivil" - Editorial Revista del Derecho Privado, tradução de Gomes Orbaneja, volume I, página 434 e seguintes) considera-se que, quando se configura o caso julgado como uma ficção da verdade, como uma verdade formal ou como uma presunção da verdade, se exprime algo de exacto, mas unicamente na óptica de terceiros totalmente indiferentes ao litigio, para quem a sentença se apresenta como a expressão da verdade. Só que se trata de uma justificação política e não jurídica. Juridicamente o caso julgado não se reconduz como a definição da verdade, mas como a afirmação da vontade da lei relativamente ao caso concreto controvertido: o ordenamento jurídico não pretende que se considerem como verdadeiros os factos que serviram de fundamento à decisão: não se preocupa, em absoluto, em averiguar como aconteceram na realidade as coisas; não lhe interessa os possíveis erros cometidos na apreciação da causa e na motivação da decisão. A sentença é a afirmação da vontade, a que a lei atribui força vinculativa infringível, que se estende a autoridade de caso julgado. Melhor dizendo, e em síntese, com o acto de vontade do Juiz, que é a sentença, alcança-se a certeza da existência da vontade do Estado e, em consequência, a incontestabilidade e inatacabilidade do bem material ou moral, reconhecido ou negado. Uma vez definida, a relação controvertida impõe-se a todos os tribunais e a quaisquer outras autoridades, quando lhes seja submetida, quer a titulo principal, quer a titulo prejudicial. Todos têm de acata-la, julgando em conformidade, sem nova discussão. Mas se assim é, também é verdade que os limites dentro dos quais opera a força do caso julgado material são traçados pelos elementos identificativos da acção em que foi proferida a sentença. Isto é, para se usar da literalidade normativa "repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos o pedido e a causa de pedir (artigo 498, n. 1, do Código de Processo Civil). O caso julgado pretende evitar, não uma colisão teórica de decisões, mas a contradição dos julgados, isto é, a existência de decisões concretamente incompatíveis. Por isso a lei exige que se verifique a identidade dos pedidos, a similitude de pretensões do autor, de efeitos jurídicos por ele pretendidos. A lei adjectiva (artigos 193, n. 2, alínea c) e 498, n. 4, do Código de Processo Civil) consagra a teoria da substanciação, segundo a qual se tem de declarar o titulo donde provenha o direito deduzido em juízo, isto é, a causa de pedir, que o mesmo é dizer, o acto ou facto jurídico donde emerge a pretensão. Em suma: além do direito cujo reconhecimento se pretende e do efeito que se quer obter, exige-se a menção do facto concreto que serve de base ao pedido (vide, por todos, Manuel Andrade, in "noções Fundamentais de Processo Civil", 1963, página 297 e seguintes e Antunes Varela, in "Manual de Processo Civil", 2 edição, página 710 e seguintes). E a resposta dada na sentença à pretensão do autor - reitera-se - delimitada em função da causa de pedir, que a lei pretende seja respeitada através da força e autoridade do caso julgado. E, como nota Manuel Andrade ( ob. cit. página 304) a sentença há-de valer como caso julgado, pelo menos até onde contenha a resposta do tribunal ao pedido: o caso julgado destina-se a tornar certa e inatacável a posição das partes quanto aos bens litigados, tal como na sentença foi reconhecida e declarada; neste aspecto cobre tanto o deduzido como o dedutível. X Enunciado o direito resta subsumi-lo aos factos. X Desde logo há que reconhecer que existe identidade subjectiva nesta acção e na acção de despejo que, com o n. 2283/84, correu termos na 2 secção do 2 juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Sintra. Como é idêntico o efeito jurídico pretendido pela autora em ambos os pleitos: a resolução dos contratos de arrendamento ajuizados. Nem isso é posto em crise pela recorrente. Mas é também idêntica a causa de pedir numa e noutra acção. Em ambas a demandante funda a sua pretensão na falta de pagamento das rendas desde fins de 1983 até Fevereiro de 1990, com a única nuance da renda global de 70000 escudos ser reclamada na primeira acção com a actualização de 17 por cento. Na primeira acção julgou-se que a demandada não incorrera em mora, e, consequentemente, foi absolvida do pedido. A sentença transitou em julgado, e, por isso tem força obrigatória dentro do processo e fora dele, o que significa, como bem se diz no acórdão em apreço, que o mesmo ou outro Tribunal não pode ser colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir tal decisão. Enquanto tal sentença subsistir é de todo em todo inadmissível, por subversivo da ordem jurídica, que uma nova sentença estabeleça exactamente o contrário. É certo que, posteriormente, a ré interpelada pela demandante para pagar as rendas sem o pretendido acréscimo de 17 por cento não o fez, constituindo-se em mora. Mas tal circunstância é totalmente irrelevante. É que, como demonstrou Chiovenda (ob. cit. página 370 a 371), identificando-se e individualizando-se a acção pelos elementos de facto que converteram em concreto a vontade legal não implica alteração da causa de pedir. Aliás, como ensina Bandry (citado por Alberto dos Reis, in "Código de Processo Civil Anotado", volume III, página 107), o que importa para a existência da identidade objectiva é que a segunda acção seja proposta para se exercer o mesmo direito que se exerceu mediante a primeira. Nem a recorrente pode, nesta acção de despejo, reclamar as rendas em dívida que lhe foram, em tempo oportuno, oferecidas pela ré, por a isso se opor o caso julgado da acção n. 2283/84, na qual a demandada foi absolvida. X Improcedem, deste modo, as conclusões da bem elaborada alegação da recorrente, não se mostrando violada qualquer norma jurídica. X Termos em que deliberam negar a revista, confirmando a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Lisboa, 17 de Fevereiro de 1994. Faria de Sousa. Ferreira da Silva. Sousa Macedo. Decisões impugnadas: Sentença de 91.10.14 do 1 Juízo Cível, 2 Secção do Tribunal de Sintra; Acórdão de 93.01.14 da Relação de Lisboa. |