Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª. SECÇÃO | ||
Relator: | GONÇALVES ROCHA | ||
Descritores: | PRESCRIÇÃO ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA MOTIVO PROCESSUALMENTE IMPUTÁVEL AO TITULAR DO DIREITO | ||
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Data do Acordão: | 10/27/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
Área Temática: | DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / PRESCRIÇÃO DE CRÉDITO DO EMPREGADOR DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / PRESCRIÇÃO. | ||
Doutrina: | - Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, 2.ª edição, Coimbra Editora, 288, 347. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 323.º, N.º1, 327.º, N.º1. CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 337.º, N.º 1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 13/10/2010, PROCESSO N.º 76/10.2YFLSB, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT. -DE 15/11/2006, PROCESSO Nº 1732/06, CONSULTÁVEL EM WWW.DGSI.PT . -DE 14/01/2016, PROCESSO Nº 359/14.2TTLSB.L1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT . | ||
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Sumário : | I-Prescrevem no prazo de um ano, contado a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, os créditos que a empresa detenha contra o trabalhador, conforme resulta do artigo 337º, nº1, do Cód. Trabalho em vigor. II-Tendo a empresa intentado uma acção cível contra o trabalhador a reclamar a compensação devida por alegada violação dum pacto de não concorrência que fora acordado, e que terminou com a absolvição do Réu da instância, é de se lhe aplicar o regime disposto no artigo 327º, nº 3 do CC, pelo que os efeitos decorrentes da interrupção da prescrição resultante da citação do Réu para essa acção se mantêm nos dois meses seguintes ao trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância desde que esta não resulte de motivo processual imputável ao titular do direito. III- A definição conceitual de “motivo processual não imputável ao titular do direito” deve alicerçar-se essencialmente na ideia de culpa, que, na falta de outro critério legal, deve ser apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso, sendo relevante um juízo sobre a imputabilidade da decisão de absolvição da instância, que deve assentar, de modo exclusivo, numa conduta errónea do titular do direito. IV- Beneficia deste regime a empresa que intentou essa acção cível no pressuposto do contrato que vigorou ser de prestação de serviços, e em que o Réu foi absolvido da instância por incompetência material do tribunal cível para a causa devido ao contrato ser qualificado como contrato de trabalho numa acção laboral adrede intentada pelo trabalhador, pois tendo as partes denominado tal contrato como contrato de prestação de serviço não lhe era exigível que intentasse uma acção laboral para o efeito. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
1----
AA, LIMITADA, intentou uma acção com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra
BB, pedindo que se declare que o R violou de forma grave, reiterada e ilícita, o pacto de não concorrência inserto no contrato de trabalho celebrado com a A em 1 de Junho de 2006 e, em consequência, que se condene o mesmo a:
a) Reconhecer que o referido incumprimento se deu por causa unicamente a si imputável; b) Pagar à A. a quantia de € 50.000.00 (cinquenta mil euros), a título de indemnização por violação dolosa do pacto de não concorrência inserto no contrato objecto dos presentes autos com aquela celebrado, quantia que deverá ser actualizada anualmente, e até efectivo pagamento, pelo índice de inflação fixado para cada ano pelo INE e acrescida dos respectivos juros de mora, vencidos e vincendos, até efectivo e integral reembolso, tal como previsto na cláusula 12ª do contrato; c) Pagar à A. quantia não inferior a € 20.000,00 por danos patrimoniais decorrentes dos lucros cessantes da mesma que decorrem quer da actividade concorrencial do R. nas clínicas identificadas na P.I, onde trabalhava e trabalhou, durante e após a cessação do contrato de trabalho entre ambos celebrado, quer pelo desvio de clientela da A. que efectuou ilegítima e ilicitamente. d) Caso assim se não entenda, subsidiariamente, condenar-se o R. na devolução à A. da quantia de € 31.570,00, a título de compensações pagas pela A. àquele, durante a vigência do contrato entre ambos celebrado e objecto da presente acção, à razão de € 451,00/mês e a título de compensação pela cláusula de não concorrência que o R. não respeitou, tendo presente o valor médio mensal de rendimento do mesmo auferido ao serviço da A, como decidiu o Tribunal da Relação do … no Acórdão cuja decisão final se junta como documento n.º 5 com a presente P.I. e que se debruçou sobre o contrato também aqui objecto. e) E em qualquer dos casos, condenar-se o R. no pagamento das indemnizações peticionadas supra, acrescidas dos respectivos juros de mora, vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento; f) Tudo com custas e demais procuradoria a cargo do R.
Procedeu-se à realização de audiência de partes, que não tendo derivado na sua conciliação, originou contestação, arguindo o R a incompetência territorial do Tribunal e, ainda, a prescrição dos créditos reclamados pela Autora.
Para sustentar esta última, alegou, no essencial, que o contrato de trabalho cessou no dia 30.6.2011, por despedimento perpetrado pela A, pelo que todos os créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua cessação ou violação, prescreveram no prazo de 1 ano após a cessação do contrato, nos termos do artigo 337º, nº 1, do CT. Por outro lado, os efeitos civis derivados da propositura duma acção que correu termos com o nº 1069/12.0TBOAZ - Instância Local de …, Secção Cível, Jl, na qual a A demandou o R com os mesmos fundamentos, não se mantêm nesta causa, porquanto não foi citado para esta acção nos 30 dias seguintes ao trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância ali proferida (artigo 279º, nº 2, do CPC).
A Autora apresentou resposta, requerendo que no caso de procedência da excepção de incompetência territorial, se proceda à remessa do processo ao Tribunal competente para a apreciação da acção. E quanto à prescrição dos créditos que reclama, contrapõe que a mesma não se verifica, uma vez que se interrompeu nos termos do disposto no artigo 323º do Código Civil. Além disso, retira-se do artigo 279º/2 do CPC o efeito contrário ao que o R pretende, pois a presente acção deu entrada ainda antes da decisão proferida na acção nº 1069/12.0TBOAZ ter transitado em julgado, pois isso ocorreu em Setembro de 2015 e esta acção deu entrada neste tribunal a 20 de Julho de 2015. Conclui assim que aproveitam os efeitos civis decorrentes da citação do R na primeira acção, tanto mais que, nos termos do artigo 323º/2 do Código Civil, a A requereu a citação urgente do R.
Subsequentemente o tribunal da Comarca de Aveiro, Oliveira de Azeméis - Inst. Central – 3,. Secção Trabalho, Jl, proferiu decisão, declarando-se incompetente em razão do território para a apreciação da causa e, determinando a remessa dos autos para a 5ª Secção da Instância Central de Trabalho da Comarca do Porto.
Recebido o processo neste tribunal, o Senhor Juiz determinou a notificação da A. para juntar certidão judicial do referido processo nº 1069/12.0TBOAZ da qual constasse: i) a petição aí apresentada; ii) a data de citação do Réu; iii) a decisão de absolvição da instância; iv) a data do trânsito em julgado desta decisão titular da causa.
E junta a certidão, o Senhor Juiz conheceu da excepção de prescrição, decidindo que:
“Pelo exposto e julgando prejudicadas as demais questões suscitadas na acção, desde já se julga procedente a excepção de prescrição suscitada peio Réu BB, absolvendo-se o mesmo do pedido formulado pela Autora AA, Lda.
Fixo à causa o valor de 70 000 euros”.
Inconformada apelou a autora AA, LIMITADA, tendo a Relação do …, por maioria, acordado em julgar o recurso procedente, pelo que, e revogando a decisão recorrida, considerou improcedente a excepção de prescrição arguida pelo Réu e, consequentemente, determinou que a instância prossiga os normais termos subsequentes da acção, com custas do recurso a cargo do recorrido.
É agora o R, que irresignado nos traz revista, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões:
1)Todos os créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua cessação ou violação, prescreveram no prazo de 1 ano após a cessação do contrato, nos termos do artigo 337°, n° 1, do CT.
2) A absolvição da instância na acção cível anterior é imputável à A/recorrida, o que motiva a procedência da excepção da prescrição, como excepção peremptória (art° 576°, n° 3, do CPC), tendo a posição que fez maioria, no acórdão recorrido, violado o disposto nos n° s 2 e 3 do art° 327° do CC.
Pede assim que se julgue o recurso procedente e, repristinando-se a sentença da 1ª instância, se absolva o R do pedido.
Na sua alegação, a recorrida pugna pela manutenção do decidido.
A Ex.ma Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da negação da revista, louvando-se para tanto na jurisprudência deste Supremo Tribunal advinda do recente acórdão de 14/1/2016, proferido no processo nº 359/14.2TTLSB.L1.S1, posição a que nenhuma das partes respondeu.
Cumpre pois decidir.
2----
Para tanto, as instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:
1- A Autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à prestação de serviços de clínica em ambulatório, com particular incidência na prestação de serviços de medicina dentária; 2- No âmbito da sua actividade explora várias clínicas médicas, com a referida especialidade, nos concelhos de …, … e …. 3- O Réu, por sua vez, é médico dentista tendo prestado serviços da referida especialidade nas clínicas da A. 4- Por contrato denominado de "Contrato de Trabalho e de Prestação de Serviços", celebrado a 1 de Junho de 2006, o R. passou a colaborar com a A enquanto médico dentista. 5- Apesar da denominação contratual em causa e apesar de a A sempre ter considerado o R. como seu prestador de serviços, em acção interposta pelo aqui R, na qualidade de A. no Tribunal do Trabalho de …, que correu termos sob o número 437/11.OTTOAZ, por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 4 de Fevereiro de 2015, foi confirmada a sentença de 1ª instância, considerando-se o contrato celebrado entre a aqui A. e o R. como de trabalho, tendo, por tal, o R. sido considerado, então, trabalhador da A e como tal vinculado ao poder, ordens, direcção e fiscalização da A. 6- Tal Acórdão transitou em julgado mostrando-se, desde então, assente que o vínculo contratual existente entre as partes configura um contrato de trabalho. 7- Nos termos do contrato celebrado e junto como documento n.º 2 com a petição, declarou o R. (cfr. cláusula 3ª do contrato) que "aquando da assinatura do presente contrato, não tem qualquer clientela sua, nem consultório nos concelhos onde o primeiro outorgante (...) - aqui A.- (...) exerce, nem nos concelhos limítrofes". 8- O R. é venezuelano e, embora licenciado em medicina dentária na Venezuela, nunca exerceu a clínica antes da sua admissão pela A. 9- Por acordo de A. e R., estando este devidamente esclarecido, mais ficou estipulado, na cláusula 6ª do contrato celebrado entre ambos e junto como doc. 2, que o R. estava obrigado a não desenvolver actividades concorrentes com a actividade da A, nomeadamente de medicina dentária em concorrência com a actividade daquela, por conta própria ou de outrem, nos concelhos de …, … e …, e ainda, nos concelhos geograficamente circundantes de …, …, …, … e …. 10- Tal obrigação de não concorrência assumida pelo R. aplicava-se, quer durante a vigência do contrato, quer no prazo de trinta meses após a respectiva cessação, e da mesma resultaria para o R., segundo o que estava convencionado e como compensação, o acréscimo mensal no valor de 10% dos honorários a pagar pela A. (cfr. cl.ª 7-, in fine).
11- Em concreto e da sobredita cláusula 6ª do mesmo contrato consta que "(...) Por seu lado, o segundo outorgante obriga-se a não abrir consultório seu, nem trabalhar em consultório de outrem nos concelhos de …, … e … e concelhos geograficamente limítrofes, enquanto vigorar o presente contrato, nem nos trinta meses seguintes à sua cessação (...)" . 12- Por seu turno e da cláusula doze do mesmo contrato consta que "(...) Ambos os outorgantes reconhecem que se estabelecerá por força do clausulado do presente, uma especial relação entre o segundo outorgante e a clientela do primeiro. Desta relação, poderiam resultar prejuízos elevados para o primeiro outorgante quer durante a vigência do presente contrato, quer posteriormente, se o segundo outorgante por algum motivo não vier o respeitar o previsto nas cláusulas anteriores, em particular no previsto no artigo número seis. Assim, no caso de incumprimento do segundo outorgante, este obríga-se a pagar ao primeiro a quantia de 50.000 euros (cinquenta mil euros), quantia esta actualizada anualmente, de acordo com a taxa de inflação publicada pelo Instituto Nacional de Estatística
13- No supra referido contrato tomaram, a A a posição de primeira outorgante e o R a posição de segundo outorgante.
14- A A, em 15 de Junho de 2011, comunicou ao R. que pretendia rescindir o contrato de prestação de serviços que mantinha com aquele com efeitos a partir de 1 de Julho do mesmo ano, altura desde a qual o R. nunca mais compareceu nas clínicas da A. 15- Na sequência de tal rescisão o R. interpôs no Tribunal de Trabalho de …, como supra se referiu, acção de processo comum onde peticionava a final, a condenação da R. (aqui A.), a:
"(...) a) Reconhecer o A. como "trabalhador dependente (subordinado)" e que o despediu ilicitamente; b) a pagar-lhe as remunerações devidas desde o data do despedimento e a indemnização da antiguidade pelo valor máximo, até à data do trânsito em julgado da decisão; c) a pagar-lhe 88.089,58 euros, relativos a férias e subsídio de férias e de Natal, desde 2006; d) a pagar-lhe 51.200,87 euros, respeitantes a 35 horas de formação vencidas em 1.1.07; 1.1.08; 1.1.09; 1.1.10 e 1.1.11; e) a pagar-lhe juros de mora, desde a data dos respectivos vencimentos; f) a pagar-lhe 10.000 euros a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos de juros desde a citação(...)".
16- Tal acção correu termos sob o nº 437/11.0TTOAZ no Tribunal do Trabalho de …, que se pronunciou sobre a natureza jurídica do contrato objecto dos presentes autos proferindo sentença na qual foi decidido que vigorou um contrato de trabalho entre as partes, sentença que foi impugnada por ambas as partes para o Tribunal da Relação do …; confirmada pelo mesmo; e, posteriormente, pelo Supremo Tribunal de Justiça no já mencionado Acórdão de 4.02.2015, transitado em julgado.
17- Alegando que, após a cessação do contrato em Julho de 2011, a A tomara conhecimento de que o R. começou de imediato e ainda se encontra a trabalhar em vários consultórios médicos sitos nos concelhos de …, …, … e …, tendo também por objecto social a prática clínica médica e dentária e sendo por isso concorrentes directos da A, esta intentou contra o ora R, junto da Secção Cível de …, a acção com o nº 1069/12.0TBOAZ, peticionando a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 50 000 euros prevista na citada cl. 12ª do contrato para a violação das obrigações contratuais, designadamente a de não concorrência, conforme se infere da petição certificada a fls. 167 a 170 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
18- Nessa acção, o R. foi citado em 14/05/2012. 19- Vindo a mesma a terminar por decisão de absolvição do R. da instância, em virtude da incompetência material do Tribunal, conforme consta de fls. 176 a 178, decisão transitada em 11/09/2015.
2.1---
Por constar dos autos, temos de atender ainda ao seguinte circunstancialismo:
20- A petição inicial referente à presente acção foi apresentada em 20/07/2015, vindo o R a ser citado para ela em 4/09/2015, conforme se resulta do aviso de recepção de fls. 141.
3---
O que está em causa na revista prende-se com a invocada prescrição pelo R dos créditos reclamados pela A, AA, onde aquele havia prestado serviços da especialidade de médico dentista entre a 1 de Junho de 2006 e 30 de Junho de 2011.
E apesar das partes terem denominado o contrato como “contrato de prestação de serviço”, o ora R, em acção adrede intentada no Tribunal do Trabalho de …, que ali correu termos sob o número 437/11.OTTOAZ, viu satisfeito o seu pedido de ser considerado trabalhador subordinado da ora A, conforme acórdão deste Supremo Tribunal datado de 4 de Fevereiro de 2015 e que transitou em julgado.
Por alegado incumprimento das obrigações decorrentes da cláusula 6ª do contrato que vigorou entre as partes, e onde o R se obrigara a não desenvolver actividades concorrentes com a actividade da A, quer por conta própria, quer por conta doutrem, nos concelhos de …, … e …, e ainda, nos concelhos geograficamente circundantes de …, …, …, … e …, obrigação assumida para vigorar durante a vigência do contrato e no prazo de trinta meses após a respectiva cessação, a ora A, AA instaurou uma acção cível contra o aqui R.
Esta acção correu seus termos com o nº 1069/12.0TBOAZ da Secção Cível de …, tendo o R. sido citado em 14/05/2012, e nela reclamava a A o pagamento de diversos valores a título de indemnização pelos prejuízos alegadamente decorrentes de tal incumprimento.
E face ao acórdão deste Supremo Tribunal que qualificou o contrato vigente entre as partes como contrato de trabalho, a supracitada acção cível veio a terminar com a absolvição do R da instância, por incompetência material do tribunal para dela conhecer, decisão que transitou em 11/09/2015.
Assim, tendo a A proposto nova acção contra o R, agora no Tribunal do Trabalho, e tendo a petição inicial referente à mesma sido apresentada em 20/07/2015, para a qual o R veio a ser citado em 4/09/2015, o que se discute neste recurso é saber se aproveitam à presente acção os efeitos derivados interrupção da prescrição dos créditos da A decorrentes da citação do R na acção cível.
Sendo esta a questão que se discute na revista, vejamos então como resolvê-la. 3.1---
A prescrição tem por fonte o decurso do tempo, e verifica-se quando no período temporal definido pela lei o titular do direito não o exerce, deixando por isso de poder ser exercido. . É determinada no interesse do devedor ou sujeito passivo da relação jurídica, e pressupõe a negligência ou inércia do titular do direito, o que inculca a ideia da sua renúncia e o torna por isso, indigno de protecção jurídica, conforme doutrina do acórdão deste Supremo Tribunal de 13/10/2010, processo nº 76/10.2YFLSB, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
Para evitar esse efeito, exige-se que o titular do direito realize determinados actos, tipificados na lei, entendendo-se que estes manifestam o propósito daquele em exercer o direito.
E quando o titular do direito executa esses actos, diligenciando por garantir o exercício do direito em termos que a lei considera idóneos, ocorre a verificação de uma causa de interrupção da prescrição, o que faz recomeçar um novo prazo, e tudo se passando como se o prazo interrompido não tivesse existido, conforme resulta do artigo 326º, nº 1 do CC.
Estando em causa um crédito do empregador (A.) sobre o trabalhador (R.), o mesmo prescreve decorrido um ano contado a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, conforme resulta do artigo 337º, nº1, do Cód. Trabalho em vigor.
Por isso, tendo o contrato cessado em 1/07/2011, a A tinha que exigir judicialmente do R, até às 24 horas do dia 1/07/2012, o crédito indemnizatório que dele reclamava.
Por outro lado, e conforme prescreve o nº 1 do artigo 323º do Código Civil, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o Tribunal seja incompetente.
Assim sendo, e posto que o R foi citado para a acção cível nº 1069/12.0TBOAZ em 14/05/2012, temos de considerar interrompida a prescrição nesta data, ainda que ocorrida num processo cível em que o tribunal se veio a declarar incompetente.
Conclui-se assim que a A, intentando a supracitada acção cível respeitou o prazo de prescrição de um ano previsto no artigo 337º, nº 1 do CT.
No entanto, com a citação começou a correr novo prazo de um ano, conforme decorre do artigo 326º, nº 1 do CC, preceito que ressalva contudo a aplicação do regime resultante do artigo 327º do mesmo compêndio legal, o qual reza o seguinte: 1.Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
2.Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo.
3.Se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses.
Donde resulta que, tendo ocorrido uma absolvição do R da instância, o novo prazo prescricional começou a correr logo após o acto interruptivo, conforme flui do nº 2 acima mencionado.
E assim sendo, tendo a petição inicial referente à presente acção sido apresentada em 20/07/2015, e tendo o R sido citado em 4/09/2015, não pode deixar de se considerar esgotado o prazo de um ano do nº 1 do artigo 337º do CT.
Temos no entanto, de chamar à colação o nº 3 do supracitado artigo, donde resulta que, se a absolvição do réu da instância ocorrer por motivo processual não imputável ao titular do direito, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses.
Por isso, tendo o trânsito em julgado da decisão do processo 1069/12.0TBOAZ ocorrido em 11/09/2015, e tendo o R sido citado para a nova acção em 4/9/2015, temos de apreciar se absolvição do réu da instância ocorreu por motivo processual imputável à ora A, para definirmos se beneficia do acréscimo de dois meses após o trânsito da decisão para o prazo de prescrição se completar.
Ora, seguindo a doutrina do acórdão deste Supremo Tribunal de 14/1/2016, Processo nº 359/14.2TTLSB.L1.S1, consultável em www.stj.pt, também citado pela Senhora Procuradora Geral Adjunta no seu parecer, a definição conceitual de “motivo processual não imputável ao titular do direito” deve alicerçar-se essencialmente na ideia de culpa, que, na falta de outro critério legal, deve ser apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso[1].
Também Ana Filipa Morais Antunes[2] advoga que releva no caso um juízo sobre imputabilidade da decisão de absolvição da instância, por assentar, de modo exclusivo, numa conduta errónea do titular do direito, seguindo neste ponto a doutrina do acórdão da RL de 6/10/2009, proferido no processo nº 224-L/2000.L1-7.
E continuando a seguir a mesma autora[3], o propósito legislativo terá sido proteger as condutas processuais do titular do direito que não sejam acompanhadas de um erro grosseiro ou pelo menos censurável.
E nesta medida, não estaremos perante uma situação caracterizada por um motivo processual imputável ao titular do direito na hipótese, por exemplo de o litígio se caracterizar por questões jurídicas não isentas de dúvidas, que legitimem a existência de divergências hermenêuticas, nomeadamente quanto à delimitação do diploma ou dos regimes concretamente relevantes[4].
E assim, a sobrevivência dos efeitos civis decorrentes da propositura atempada da primeira acção será justificada quando, tendo o autor agido com a diligência devida, a prolação de mera decisão de forma lhe não possa ser imputável, não resulte de culpa sua – sendo antes de atribuir às contingências de funcionamento do sistema judiciário, nomeadamente a dúvida razoável e fundada sobre determinado pressuposto processual.
Pelo que, só não se manterão esses efeitos se houver fundamento bastante para sancionar o titular do direito.
Atentos estes pressupostos, temos de analisar agora se a absolvição da instância da 1ª acção, por a A ter accionado o R no tribunal cível, resultou de motivo processual que lhe é imputável, conforme pretende o recorrente.
3.2---
Concluiu o acórdão impugnado que a decisão de forma proferida na 1ª acção intentada pela A não lhe pode ser imputável em termos de culpa, juízo a que também aderimos.
Efectivamente é inegável que as partes denominaram o contrato que vigorou entre ambas como “contrato prestação de serviço”.
Assim sendo, tendo a empresa ora autora que accionado o R pelo alegado incumprimento do pacto de não concorrência que foi clausulado, é razoável que instaurasse uma acção cível a reclamar o pagamento da compensação dos prejuízos resultantes da sua violação, face à denominação que as partes deram ao contrato.
É certo que o trabalhador também accionou a empresa peticionando que tal contrato fosse qualificado como contrato de trabalho, posição que a empresa contestou.
Mas estando em confronto duas posições opostas sobre a qualificação da relação contratual vigente - contrato de prestação de serviço para a empresa, contrato de trabalho para o trabalhador, aquela só podia intentar a acção cível, tal como fez, sob pena de grave incoerência.
Por outro lado, a circunstância do trabalhador ter accionado a empresa no tribunal do trabalho a reclamar o reconhecimento do contrato como uma relação de contrato subordinado, não obrigava a empresa a ter de intentar uma acção laboral contra o trabalhador, pois na sua perspectiva (ainda que não se tivesse vindo a confirmar), o contrato denominado como prestação de serviços estava correcta.
Além disso, se a empresa viesse intentar uma acção laboral contra o trabalhador depois de ter sido citada para a acção por este intentada, isso constituiria desde logo um forte sinal da fragilidade da posição que assumira nesta acção e onde sustentava que o contrato era de qualificar como prestação de serviço.
Por conseguinte, temos de considerar que a absolvição da instância do R na acção cível decorre de motivo não imputável ao titular do direito, pois face aos elementos dos autos, não podemos considerar que a propositura daquela acção resulte de erro grosseiro e censurável da empresa e pelo qual deva ser sancionada.
E assim, a sobrevivência dos efeitos civis decorrentes da propositura atempada da primeira acção justifica-se, pois a empresa agiu com a diligência que assumiria uma pessoa normal colocada na sua posição.
Pelo exposto, temos de manter o acórdão impugnado.
4---
Termos em que se acorda nesta Secção Social em negar a revista, mantendo-se integralmente o acórdão recorrido.
Custas a cargo do recorrente.
Anexa-se sumário do acórdão.
Lisboa, 27 de Outubro de 2016
Gonçalves Rocha - Relator
António Leones Dantas
Ana Luísa Geraldes
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