Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00035756 | ||
Relator: | SOUSA DINIS | ||
Descritores: | ARRESTO DÍVIDA COMERCIAL ACTO COMERCIAL COMERCIANTE EMPREITADA | ||
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Nº do Documento: | SJ199901200010332 | ||
Data do Acordão: | 01/20/1999 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL COIMBRA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 1873/96 | ||
Data: | 03/11/1997 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Área Temática: | DIR PROC CIV. DIR COM. | ||
Legislação Nacional: | |||
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Sumário : | I - Antes da nova red. do CPC (a de 1995), era proíbido o arresto contra comerciantes se a dívida proviesse de actos relacionados com o exercício do seu comércio (comercialidade substancial), salvo provando o arrestante que aquele não estava matriculado ou, estando-o, nunca exerceu o comércio ou deixou de o exercer há mais de 3 meses. II - A intenção do legislador era a de protecção da actividade comercial (a garantia podia ser substituída pela falência, que melhor acautelava a defesa dos interesses dos credores) e evitar o abuso cometido pelo devedor (matricular-se como comerciante sem exercer ou deixando de exercer, de facto, o comércio). III - O CCOM contempla, no seu artigo 2, os actos comerciais - objectiva (1.parte) e subjectivamente (na 2. parte; os que, em princípio, têm conexão com o comércio dos seus agentes - presunção juris tantum - só o não são os actos que, por sua natureza, não podem ser particados em conexão com o comércio dos seus autores). IV - É mercantil o contrato de empreitada cujo resultado seja economicamente produtivo e a obra realizada através de uma empresa. V - A expressão "se o contrário do próprio acto não resultar" significa que um acto de um comerciante só pode ser objectivamante comercial se não resultar do próprio acto que este não tem aquela conexão. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: A, requereu, na comarca de Coimbra, procedimento cautelar de arresto contra B, o qual veio a ser decretado. Inconformada, a requerida agravou com o fundamento de que a dívida era comercial, e fê-lo com êxito já que a Relação, revogando a decisão de 1. instância, ordenou o levantamento do arresto. Desta vez, quem se não conformou foi a requerente do arresto, que pediu revista, tendo concluído as suas alegações pela forma seguinte: 1- O contrato de empreitada é um contrato meramente civil, pelo que não é mercantil a dívida cuja garantia é assegurada pelo arresto decretado pelo tribunal. 2- O acórdão recorrido violou os artigos 1207 do CC, 2. do CCOM. e 403 n. 3 do CPC, na sua redacção anterior ao DL 329-A/95 de 12 de Dezembro. Contra-alegando, a recorrida pugna pela manutenção da decisão. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir, para o que começaremos por elencar os seguintes factos que as instâncias consideraram provados: 1- Entre a requerente e a requerida foi celebrado um contrato de empreitada destinado a restaurar o prédio urbano sito em Coimbra, composto de cave, rés-do-chão e 1. andar, inscrito na matriz sob o artigo 910 e descrito na Conservatória do Registo Predial e aí inscrito a favor da requerida. 2- Em cumprimento do contrato, a requerente procedeu à realização das obras de restauro dos interiores ao longo de mais de um ano, com recurso a trabalhadores seus assalariados e com incorporação de materiais, em grande parte por si fornecidos. 3- Por carta de 15 de Março de 1996, a requerida solicitou à requerente que removesse do prédio todo o material que lhe pertencia e comunicou-lhe a intenção de encerrar o prédio. 4- Nessa altura ainda não se encontravam terminadas as obras contratadas, faltando efectuar alguns trabalhos e acabamentos no interior do prédio, tendo a requerente abandonado o prédio e colocado cadeado nas portas. 5- Nesta data, a requerida devia cerca de 7000000 escudos pelos trabalhos efectuados que a requerida se recusou a pagar. 6- Durante o mês de Fevereiro de 1996, quando os trabalhos ainda decorriam, compareceram no local várias pessoas interessadas em adquirir o edifício, acompanhadas de mediadores imobiliários e do próprio representante da requerida. 7- Não são conhecidos à requerida (e não requerente, como por lapso foi escrito no acórdão, que repetiu o lapso já cometido na 1. instância) outros bens imóveis ou móveis de valor na cidade de Coimbra ou noutro local. 8- A requerida é uma sociedade por quotas que tem por objecto a construção civil, estudos económicos e projectos, aquisição, mediação e venda de propriedades e representações comerciais. A questão a apreciar consiste em saber se a dívida em que se baseou o pedido de arresto é comercial ou civil. Enquanto para a recorrente a dívida tem natureza civil, já a Relação enveredou pela natureza mercantil, entendendo que competia à requerente provar que a dívida não era comercial. O artigo 403 do CPC (redacção anterior à reforma, por ser a aqui aplicável) dispõe no seu n. 3: "Se a dívida for comercial e o arrestado comerciante, provar-se-à que ele não está matriculado ou que, embora matriculado, nunca exerceu o comércio ou deixou de o exercer há mais de três meses". A intenção do legislador, com a norma citada, ao proibir o arresto dos bens de comerciante matriculado, visou proteger o exercício da actividade mercantil (R. Bastos, Notas ao CPC, 2., p. 275), porque a garantia respectiva pode ser substituída pela falência, que garante melhor a defesa dos interesses dos credores. Mas também procurou "evitar o abuso cometido pelo devedor que, para se subtrair ao arresto se fazia matricular como comerciante, sem exercer, de facto o comércio" (A. Reis, CPC anot., 2., p.26). Daí que, se o arrestado é comerciante e se a dívida é comercial, aquela protecção faça impender sobre o arrestante o ónus da prova de que o arrestado não está matriculado ou, estando-o, nunca exerceu o comércio ou deixou de o exercer há mais de 3 meses. Face ao facto provado, elencado sob o n. 8 supra, não há dúvida de que a requerida é uma sociedade comercial. É uma sociedade por quotas e tem por objecto a prática de actos de comércio (cfr. artigos 1 n. 2 do CSC e 230 n. 6 do CCOM.). Posto isto, importa averiguar que sentido se deve dar à expressão "dívida comercial". A doutrina, desde A. Reis, vem entendendo que a dívida tem de ser substancialmente comercial, isto é, a dívida tem de ser proveniente de actos relacionados com o exercício do comércio, não bastando a comercialidade formal para fazer funcionar o preceito (obra e vol. cits., p. 28 e R. Bastos, obra, vol. e loc. cits.). A dívida em causa resultou de um contrato de empreitada celebrado entre a requerente como empreiteira e a requerida como dona da obra (factos ns. 1 e 2 supra), em que esta se constituiu devedora em relação àquela (facto n. 5). O artigo 2 do CCOM. estatui que "são considerados actos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste código, e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar". Na 1. parte da norma estão contemplados os actos objectivamente comerciais e na 2. os subjectivamente comerciais. Relativamente a estes, seguimos o caminho traçado pelo Prof. Ferrer Correia (Lições de Direito Comercial, 1. p. 101, ed. 1965), quando ensina que a 2. parte do artigo 2 contém uma presunção de que os actos aí referidos têm, em princípio conexão com o comércio dos seus agentes, ligam-se à sua complexa actividade mercantil. Então, porque a presunção é juris tantum, relativa, é ilidível através do mecanismo das ressalvas previstas na última parte do segmento da norma: serem os actos de natureza exclusivamente civil e se o contrário do próprio acto não resultar (vide no mesmo sentido, Dr. Pupo Correia, Direito Comercial, ed. 1996, p. 53). Como o contrato de empreitada vem regulado no CC (artigos 1207 e ss.), a questão cai na 2. parte do artigo 2, sendo à luz desta que se deve resolver. E podíamos ficar por aqui, face à aludida presunção que não se mostra ilidida. Mas importa ir mais longe, e tentar averiguar se, in casu, o contrato de empreitada referido ou, pelo menos, a dívida, tem natureza comercial. Porque o facto de actos jurídicos serem praticados por comerciante não basta para os qualificar como comerciais. É necessário que, "além desta condição subjectiva, tenham uma certa conformação objectiva, que se traduz nestas duas fórmulas: não serem de natureza exclusivamente civil e se o contrário do próprio acto não resultar" (Prof. F. Correia, ibidem, p.54). Atentemos nos factos acima descritos sob os ns. 8, 1, 2 e 6 e por esta ordem, para melhor se perceber a sua conexão com a actividade mercantil da recorrida. E, agora, relembremos que a interpretação da expressão "actos de natureza exclusivamente civil" originou duas correntes doutrinárias. Para Veiga Beirão, G. Moreira e Pinto Coelho tais actos eram apenas os regulados no CC. Para Barbosa de Magalhães, F. Correia, Vasco Xavier e Pupo Correia, entre outros, só estão excluídos de uma eventual comercialização subjectiva os actos que, por sua natureza, não podem ser praticados em conexão com o comércio dos seus autores. Das duas, é a segunda a que seguimos, remetendo a opção para a argumentação do Mestre de Coimbra (fls. 103 e ss.). E, se dúvidas ainda houvesse, elas dissipar-se-iam trazendo à colação a opinião abalizada do Prof. Pedro Martinez, para quem "por força do artigo 2 do CCOM., poder-se-à considerar como mercantil o contrato de empreitada cujo resultado seja economicamente produtivo e a obra realizada através de uma empresa" (Contrato de empreitada, p.23). Quanto ao sentido a dar à expressão "se o contrário do próprio acto não resultar", e no seguimento da orientação tradicional, ele deve ser o de que um acto de um comerciante só pode ser objectivamente comercial se não resultar do próprio acto que este não tem qualquer conexão com o comércio do seu autor. O recorrente não só não ilidiu a presunção referida no artigo 2 do CCOM., como até, pela prova feita, existe uma relação de conexão com a actividade comercial que leva à qualificação de comercial da dívida. Não foram, portanto, violadas as disposições legais referidas na pretensão do recorrente, não merecendo censura o acórdão recorrido. Termos em que se nega a revista, com custas pela recorrente. Lisboa, 20 de Janeiro de 1999. Sousa Dinis, Miranda Gusmão, Sousa Inês. |