Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02P3407
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA GUIMARÃES
Nº do Documento: SJ200302200034075
Data do Acordão: 02/20/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Vem o identificado arguido A, ao abrigo do disposto nos artigos 449, n. 1, alínea d) e seguintes, do Código de Processo Penal, interpor recurso extraordinário de revisão, do acórdão proferido, em 15 de Maio de 2001, pelo Tribunal Colectivo da Comarca da Maia e pelo qual condenado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido no artigo 21º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 15/93, de 22.1, na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão (cfr. acórdão de fls. 918 e seguintes, designadamente, fls. 947, do respectivo processo).
Apresentou como motivação, o que se colhe de fls. 2 a 10, concluindo, depois, como segue (cfr. fls. 10-11):
I - O acórdão que condenou o arguido A, não fundamenta a pena de sete anos e seis meses de prisão aplicada ao mesmo, tendo presente a moldura penal abstracta do tipo do crime de que arguido vem acusado, compreendida entre quatro a doze anos de prisão.
II - Atendendo a todas as circunstâncias quer anteriores, posteriores e até contemporâneas do caso em apreço, quer pela integração familiar do arguido, sendo o mesmo primário, não se revela qualquer necessidade de prevenção geral ou especial, que envolva a pena aplicada.
III - Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento apenas resultou ser o arguido destinatário da mercadoria que preenche o tipo de crime.
IV - Não resulta provado que o arguido tivesse conhecimento do conteúdo da respectiva mercadoria, que o mesmo tenha agido de forma livre e consciente.
V - Baseou-se o Tribunal não em factos provados, mas sim na livre convicção do julgador, para proceder à privação da liberdade de um pai de família, que garantia de forma cordial e honesta o sustento da mesma.
VI - Privando-o da sua família, inclusive de poder educar o seu filho menor que hoje tem nove anos de idade e se vê privado de quaisquer laços de afinidade ou carinho com o seu pai.
VII - Com suspeitas e sem certeza ninguém pode ser privado da sua liberdade.
VIII - Pelo que deve ser absolvido, e se assim não se entender, conforme melhor resulta da fundamentação do respectivo acórdão, deve a pena aplicada ao mesmo ser reduzida, nos termos do disposto nos arts. 40, 70, 71, 72 e 73, do Código Penal, de forma a que o arguido possa usufruir da liberdade condicional.
Termos em que não certamente pelo alegado, mas principalmente pelo D. suprimento desse Venerando Tribunal, dando-se provimento à Revisão do Acórdão, será feita como sempre a tão costumada
JUSTIÇA.

Arrolou a prova testemunhal, identificada na petição recursória, aí aventando, também, que se realizasse "Exame de pureza à droga apreendida a efectuar no LPC".
(Cfr. fls. 11-12)
Produzida foi tal prova testemunhal (cfr. fls. 122 e seguintes e, muito designadamente, o auto de transcrição de fls. 125 e seguintes) havendo sido indeferida a realização do requerido exame (cfr. despachos de fls. 106 e 121).
O meritíssimo Juiz do processo proferiu, sequentemente, douto despacho onde expressou "ser de negar a revisão peticionada por manifesta ausência de novos factos ou elementos probatórios que coloquem em causa a justiça da condenação" (cfr. fls. 147).
Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, após lúcidos considerandos (cfr. fls. 182 a 186), aduziu, em remate conclusivo (cfr. fls. 186):
- Que o artigo 449º, nº. 1, alínea d) do Código de Processo Penal como fundamento do recurso extraordinário de revisão, exige a descoberta de "... novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação";
- Que os novos elementos de prova testemunhal nada de vital e credível juntam à prova produzida, em nada alterando ou prejudicando os fundamentos da condenação, não os infirmando de molde a suscitarem-se graves dúvidas sobre a sua justiça;
- Que, assim, deverá ser negada a revisão.
Entendeu-se dar cumprimento ao preconizado no nº. 2 do artigo 417º, do Código de Processo Penal (cfr. despacho de fls. 188-188v. e cota subsequente).
Deu, o recorrente, a resposta de fls. 189 a 194 que, por via do despacho de fls. 196, veio a gerar, quer o douto parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto, de fls. 196v., quer o despacho do relator, de fls. 198-198v..
Satisfez-se a tramitação devida (cfr. nº. 2 do artigo 455º, do Código de Processo Penal).
E, recolhidos os legais vistos, à conferência se trouxeram os autos para deliberação e tomada de decisão (cfr. nº. 3 do artigo 455º, do Código de Processo Penal).

Decidindo:
Detendo legitimidade para interpor o recurso que desencadeou (cfr. alínea c) do nº. 1 do artigo 450º, do Código de Processo Penal) e devidamente representado se achando (cfr. alínea d) do nº. 1 do artigo 68º, do Código de Processo Penal), cabe, agora, ver se assiste razoabilidade à pretensão recursória do recorrente, fundada ela no requisito da alínea d) do nº. 1 do artigo 449º, do Código de Processo Penal, onde se plasma que "A revisão de sentença transitada em julgado (1) é admissível ..." (corpo do preceito) quando "Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação"..
Constitui o recurso extraordinário de revisão como que "um ensaio legislativo com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material. Entre o interesse de dotar de firmeza e segurança o acto jurisdicional e o interesse contraposto de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade e, através dela, a justiça, o legislador escolheu uma solução de compromisso que se revê no postulado de que deve consagrar-se a possibilidade - limitada - de rever as sentenças penais. A segurança é também um fim no processo penal, mas não é o seu único fim, ou sequer o fim prevalente, que é consubstanciado, sim, na justiça. Não pode, pois, sobrepor-se a segurança do injusto sobre a justiça" (cfr. conselheiros Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª. edição, 2002, pág. 218).
Mas como também bem escreveram Emilio Orbaneja e Vicente Quemada "... o que pode afirmar-se resolutamente é que em nenhuma (legislação) se adoptou o dogma absoluto do caso julgado frente à injustiça patente, nem a revisão incondicional de toda a sentença frente ao caso julgado se aceitarmos, pois, como postulado, que a possibilidade de rever as sentenças penais deve limitar-se, a questão que doutrinalmente se nos coloca é onde colocar o limite" (cfr. Derecho Procesal Penal, Madrid, 1986, 317, sublinhado nosso).
Ora, se é entre os pólos do justo e do injusto, em reporte às segurança e estabilidade dos julgados, que deve girar o accionamento e a viabilidade de um recurso da índole do da revisão, óbvio será que uma asserção como a de que "não pode sobrepor-se a segurança firmada por uma decisão injusta sobre a justiça afectada por essa decisão" haverá de ser complementada (ou temperada) por uma outra que proclame que aquela eventual sobreposição (ou o risco da eventualidade dessa sobreposição) tem de ser rigorosamente verificada e atestada, nunca, em caso algum, podendo assentar em suposições e conjecturas mas em factos convincentemente pertinentes, sempre sendo de exigir, portanto, suportes factológicos sérios, a partir dos quais se prefigurem (ou seja lícito prefigurar) as tais "graves dúvidas sobre a justiça da condenação" a que a lei alude, enquanto substância do próprio pressuposto, nas alíneas c) e d) do nº. 1 do artigo 449º, do Código de Processo Penal.
E por isto é, no fim de contas, que o recurso de revisão é rotulado de extraordinário, extraordinariedade que, afinal, explica a taxativa exigência dos seus requisitos.
Por isto é também que a revisão não visa um reexame ou uma reapreciação de anterior julgado mas, antes, a obtenção de uma nova decisão emergente de um novo julgamento do feito, apoiado, agora, em novos dados de facto, o que conduz a que verse apenas sobre a questão de facto, acentuando a expressividade da afirmação de Luís Osório quando escreveu que não se trata, aqui, e no fundo, de uma revisão do julgado "mas de um julgado novo sobre novos elementos (2)".
Nesta perspectiva, importa precisar que os factos de que se trata são os factos probandos, os que compõem o crime ou são seus elementos, os de cuja prova e por indução apreciativa ulterior se infira a pertinência de outros, numa palavra todos os que devem (ou deveriam) constituir "tema de prova"; e sendo que os elementos de prova são "as provas destinadas a demonstrar a verdade de quaisquer factos probandos ..." (3), resulta que é da pujança daquilo que novatoriamente se prove que pode gerar-se uma legítima (grave) reserva sobre a justiça da condenação aplicada, reserva formatada, assim, por factos novos ou provas novas, no sentido de não apreciados, nem produzidas no processo que ditou a condenação, embora não fossem ignorados pelo arguido na altura em que o julgamento teve lugar.
Importante é, ainda, que se frise que a revisão não se dá se os novos factos ou meios de prova poderiam fundamentar (ou conduzir) simplesmente a uma correcção dosimétrica redutora da "medida concreta da sanção aplicada" (cfr. nº. 3 do artigo 449º, do Código de Processo Penal, referenciado à hipótese contemplada na alínea d) do nº. 1 do mesmo preceito) (4).
Daqui decorre, então, que a revisão que se pretenda na base de factos novos ou de novos meios de prova permissivos (de per si ou combinados com os que foram objecto de apreciação no processo e que levaram ao decisório revidendo) de inculcarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, se esgota no pressuposto de uma evidenciável inocência ou na alternativa condenação - absolvição.

No que tange ao caso concreto em apreço mas, sempre, com o reforço dos princípios aludidos e das regras recordadas, logo é de convir que o recorrente - como, de resto, decorre das próprias conclusões recursórias que ofereceu - se circunscreve, em primeira linha, a reiterar a discordância com o julgado condenatório que almeja revisto, nos mesmos termos e moldes das outras conclusões, também recursórias, constantes das impugnações que, em sede de recursos ordinários, progressivamente debitou; e é tal desiderato que tonaliza o recurso agora interposto e não o de infirmar, através de novos factos ou meios de prova, a justiça da condenação estabelecida por aquele dito julgado.
Que assim é, patenteiam-no os termos e moldes das conclusões I, II, III, IV, V, VI e VII, sendo até certo que, na conclusão VIII, aventa mesmo a redução da pena então aplicada de forma a que "possa usufruir de liberdade condicional", o que, como já se encareceu, colide, face ao disposto no nº. 3 do artigo 449º, do Código de Processo Penal, com o escopo que informa o fundamento invocado (o da alínea d) do nº. 1 do preceito).
E, para além de esquecido dos limites com que a lei demarca e restringe o significado e a amplitude do requisito que escolheu, secundarizou, o recorrente, as não pouco importantes circunstâncias (aqui, visivelmente favorecedoras, à luz das seguranças e estabilidade jurídicas, da bondade e do acerto da decisão revidenda) derivantes do conjunto dos julgados que, sobre o feito, já se prolataram, quer na Relação do Porto, quer neste Supremo Tribunal de Justiça, quer no próprio Tribunal Constitucional, sucedendo que a condenação sofrida em primeira instância saiu "incólume de todas as reapreciações que foi submetida", como fez questão de relevar o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, acentuando, aliás, de seguida, que "esgotados estes recursos enveredou o recorrente por se socorrer do recurso extraordinário de revisão, com uma formulação mais própria de um recurso ordinário em que se peticiona ... a absolvição ou a redução da pena" (cfr. parecer de fls. 182 e seguintes, designadamente, fls. 184, sublinhado nosso).
Mas ainda que o juízo veiculado por tais sucessivas decisões - não abonando os também sucessivos recursos - pudesse não bastar, por si, à conclusão do fracasso da revisão pretendida, o que, realmente, é terminante e decisivo para tal conclusão, é a manifesta inocuidade e a evidente ineptidão das provas, agora, recolhidas e produzidas (cfr. fls. 125 e seguintes - auto de transcrição) para darem corpo à exigência inafastável das "graves dúvidas sobre a justiça da condenação" que é mister perfilarem-se, como, igualmente, frisou, no seu citado parecer, o ilustre magistrado do Ministério Público nas considerações, ali tecidas, considerações essas que nos dispensamos de repetir, por, de pleno, as sufragarmos.

Em síntese conclusiva:
Não se viabiliza a revisão impetrada, nem com base no fundamento invocado (o da alínea d) do nº. 1 ao artigo 449º, do Código de Processo Penal), nem com o suporte dos demais não aventados (alíneas a), b) e c), do nº. 1 do dito preceito).
E, assim, soçobra, nos seus méritos e escopo, o peticionado, certo que a justiça da condenação imposta pela decisão impugnada não ficou colocada em crise por via de dúvidas que sérias fossem e que, por graves, se avaliassem.
Desta sorte e pelos expostos fundamentos:
Vai negada a revisão.
Custas pelo mínimo, sem prejuízo do apoio judiciário concedido (cfr. fls. 101-102).
Lisboa, 20 de Fevereiro de 2003
Oliveira Guimarães,
Dinis Alves,
Carmona da Mota,
Pereira Madeira.
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(1) Mostra-se transitado o acórdão recorrido.
(2) Cfr. Comentário ao Código de Processo Penal, Vol. VI, 403.
(3) Cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, Revisão Penal, Scientia Iuridica, Tomo XIV, nº. 75/76, 522.
(4) Que é a dos autos.