Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | HENRIQUES GASPAR | ||
Descritores: | COMISSÃO NACIONAL DE ELEIÇÕES COMPETÊNCIA MATERIAL PRINCÍPIO DA LEGALIDADE PRINCÍPIO DA TIPICIDADE CONTRA-ORDENAÇÃO ELEIÇÕES CONTRAVENÇÃO TRANSGRESSÃO COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA COMPETÊNCIA HIERÁRQUICA | ||
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Data do Acordão: | 12/09/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Sumário : | I - A competência de uma entidade pública constitui o conjunto de poderes jurídicos de que dispõe para a realização das suas atribuições, baseados e exercidos de acordo com determinado título jurídico, seja a lei, seja norma de valor correspondente. II - A competência é sempre definida por lei ou por regulamento – dispõe o art. 29.º, n.º 1, do CPA. III - Em matéria de determinação da competência externa impõe-se a observância do princípio da legalidade, tendo a lei (ou a norma administrativa) “não apenas um papel negativo (no sentido de definir os limites além dos quais a Administração não poderá ir em matéria de sacrifício dos direitos de propriedade e liberdade dos cidadãos), mas também a função positiva de definir todos os fins sociais que a Administração pode e deve prosseguir e os meios jurídicos que utilizará” (cf. “Dicionário Jurídico da Administração Pública”, 1990, entrada, «competência»). IV - Deste modo, em vez de simples limite, a lei constitui pressuposto ou condição da competência, quer estejam ou não em causa, direitos subjectivos fundamentais dos administrados. V - A competência material das entidades administrativas para o procedimento de contra-ordenações está prevista, em geral, no RGCO, e em especial, nos diversos conjuntos normativos que, em razão de matérias específicas, estabelecem e definem os comportamentos que constituem contra-ordenações, prevêem coimas aplicáveis e as entidades competentes para o seu procedimento e consequente aplicação de sanções. VI - No procedimento por contra-ordenações, a definição da competência em geral, administrativa e exercida na prossecução das atribuições de entidades da Administração deve estar directa e expressamente prevista na lei (ou em norma administrativa legalmente habilitada). O princípio da legalidade da competência não tem uma função de limite ou negativa, mas positiva ou de determinação expressa. VII - Estando em causa competência sancionatória – e em matéria sancionatória em que os princípios fundamentais da legalidade, tipicidade e competência se aproximam, e no essencial se identificam substancialmente como matéria penal e processual penal – a competência tem de ser expressa, directa e predeterminada; em matéria sancionatória não há competências implícitas, nem extensões de competência por analogia de matérias. Para evitar espaços vazios de competência, a lei tem de ser directa, expressa, clara e precisa, como são exigências do princípio da legalidade. VIII - A competência da CNE para o processamento de contra-ordenações previstas em matéria de ilícito eleitoral está fixada nos diplomas que estabelecem o regime para as eleições dos diversos órgãos, de modo fragmentário e sem unidade ou continuidade normativa sistemática. IX - A competência da CNE é, assim, delimitada dentro da competência material, por uma sub-repartição em razão da qualidade de determinados agentes da contra-ordenação. X - O ilícito eleitoral, compreendido nas categorias penais contemporâneas dos diplomas iniciais (de 1976 e de 1979), estava repartido por crimes e contravenções ou transgressões – arts 1.º e 3.º, do CP 1886. XI - A evolução da legislação eleitoral, com as sucessivas modificações dos regimes de 1976 e 1979, não abrangeu as adaptações às novas categorias de ilícito de mera ordenação social, mantendo, certamente por inércia e cuidado apenas parcelar, classificações do âmbito penal, que ficaram transitórias e em contra-ciclo com a repartição do ilícito sancionatório a partir de 1982 (CP e RGCO) em crimes e ilícito de mera ordenação social. XII - A prevista transformação das contravenções e transgressões ainda resistentes no ordenamento jurídico (incluindo, obviamente, a legislação eleitoral) em contra-ordenações foi apenas determinada através da Lei 30/06, de 11-07, que, para além de disposições específicas, prevê numa regra geral (art. 35.º, n.º 1) a “conversão” das contravenções e transgressões (ainda) previstos na legislação em vigor em contra-ordenações. XIII - O regime relativo à competência, no entanto, não foi fixado, ficando remetido para a lei geral – o RGCC – pelo que a competência da CNE não ficou estabelecida. XIV - Como também, fora dos casos de competência da CNE previstos nas leis (referendo e eleições para as autarquias), não está fixada qualquer especificidade de procedimento (no rigor, um regime especial) no que respeita à impugnação ou recurso. XV - O STJ não tem competência em razão da hierarquia para conhecer do recurso em que estão em causa ilícitos eleitorais, impondo-se a devolução da impugnação à entidade administrativa (art. 59.º, n.º 1, do RGCC), para que seja presente ao tribunal determinado no art. 61.º, n.º 1, do RGCC. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Na sequência de comunicação recebida na Comissão Nacional de Eleições, foi elaborado “Auto de Notícia” por factos que constituiriam infracção (violação do disposto no artigo 72° da Lei n° 14/79, de 16 de Maio), imputados a A... Comunicação Multimédia e Edição de Publicações. S.A. e ao Partido Socialista. São os seguintes os factos descritos no “Auto de Notícia”: 1. No âmbito da Eleição dos Deputados Portugueses ao Parlamento Europeu a CNE verificou que, na edição de 5 de Junho de 2009 do jornal “A...O...”, foi distribuído, sob a forma de encarte, um folheto elaborado pelo Partido Socialista, contendo propaganda política e eleitoral desse partido e apelo directo ao voto na sua candidatura ao Parlamento Europeu (cf. Docs.l e 2). 2. O folheto em causa, distribuído, sob a forma de encarte, na edição de 5 de Junho do jornal “A...O...”, contém o nome e a imagem do candidato açoriano do Partido Socialista, o símbolo, a sigla e a denominação do partido, à frente da qual surge um quadrado que tem aposta uma cruz, assinalando o voto. O referido folheto contém, ainda, o slogan “Pelos Açorianos, Na Europa 7 de Junho” e, sob o título “Nós Comprometemo-nos Com”, apresenta um texto escrito com as linhas programáticas da candidatura do PS ao Parlamento Europeu, mais relevantes para a região dos Açores. 3. O Partido Socialista contratou os serviços da empresa “A... Comunicação Multimédia e Edição de Publicações, S.A.”, proprietária do jornal "A...O...", para divulgar propaganda política e de apelo ao voto na sua candidatura ao Parlamento Europeu. A divulgação da propaganda eleitoral em causa, feita desta forma, consubstancia a utilização de um meio de publicidade comercial, o jornal. 4. A empresa A..., Comunicação Multimédia e Edição de Publicações, S.A., proprietária do jornal “A...O...” procedeu à distribuição da mensagem de propaganda eleitoral do Partido Socialista, utilizando o jornal “A...O...”. 5. A distribuição do referido folheto, nos moldes descritos, foi feita depois da publicação do Decreto do Presidente da República n° 25/2009 (Diário da República n° 58, I Série), que marcou o dia 7 de Junho para a realização da eleição para o Parlamento Europeu. No que respeita ao enquadramento legal dos factos, refere o “Auto”: «Dispõe o artigo 72° da Lei n° 14/79, de 16 de Maio que: A partir da publicação do decreto que marque a data das eleições é proibida a propaganda política feita directa ou indirectamente através de meios de publicidade comercial. Nos termos do artigo 131° da mesma Lei, Aquele que infringir o disposto no artigo 72° será punido com a multa de € 49.88 a € 498.80. Estas disposições legais são aplicáveis à eleição dos deputados portugueses ao Parlamento Europeu, por remissão expressa do artigo 1° da Lei n° 14/87, de 29 de Abril (Lei eleitoral para o Parlamento Europeu), na redacção dada pela Lei n° 4/94, de 9 de Março. O Partido Socialista promoveu a distribuição de propaganda política e eleitoral através da utilização de um meio de publicidade comercial, e essa distribuição foi efectuada pela empresa “A..., Comunicação Multimédia e Edição de Publicações, S.A.” através do jornal "A...O...", em 5 de Junho de 2009, último dia da campanha eleitoral. Os factos acima descritos, praticados pelo Partido Socialista, entidade promotora da propaganda, e pela empresa de comunicação social A... Comunicação Multimédia e Edição de Publicações, S.A., proprietária do jornal “A...O...”, que veiculou a propaganda feita através de um meio de publicidade comercial, consubstanciam uma infracção ao disposto no citado artigo 72° da Lei n° 14/79, de 16 de Maio, punível nos termos do artigo 131° da mesma Lei, com multa de € 49,88 a €498,80. Face ao regime constante da Lei n° 30/2006, de 11 de Julho, designadamente no seu artigo 35°, verifica-se que a norma contida no referido artigo 131° da Lei n° 14/79, de 16 de Maio assume natureza contra-ordenacional, sendo a CNE a entidade competente para a instauração do respectivo processo contra-ordenacional pela prática da infracção prevista no artigo 72° da Lei n° 14/79, de 16 de Maio.» 2. Por deliberação da Comissão Nacional de Eleições, tomada na reunião plenária de 30 de Junho de 2009, foi instaurado processo de contra-ordenação ao Partido Socialista e à A... Comunicação Multimédia e Edição de Publicações, S.A., empresa proprietária do jornal “A...O...”, por violação do disposto no artigo 72° da Lei n° 14/79, de 16 de Maio. 3. Efectuada a instrução, foi elaborado relatório, de que constam os seguintes factos: «Através de participação apresentada pela CDU-Açores no âmbito da eleição dos Deputados Portugueses ao Parlamento Europeu a CNE tomou conhecimento que, na edição de 5 de Junho de 2009 do jornal “A...O...”, foi distribuído, sob a forma de encarte, um folheto elaborado pelo Partido Socialista, contendo propaganda política e eleitoral desse partido e apelo directo ao voto na sua candidatura ao Parlamento Europeu. O folheto em causa foi, efectivamente, distribuído, sob a forma de encarte, na edição de 5 de Junho do jornal “A...O...” e contém o nome e a imagem do candidato açoriano do Partido Socialista, o símbolo, a sigla e a denominação do partido, à frente da qual surge um quadrado que tem aposta uma cruz, assinalando o voto. O referido folheto contém, ainda, o slogan “Pelos Açorianos, Na Europa 7 de Junho” e, sob o título “Nós Comprometemo-nos Com”, apresenta um texto escrito com as linhas programáticas da candidatura do PS ao Parlamento Europeu, mais relevantes para a região dos Açores. O Partido Socialista contratou os serviços da empresa “A... Comunicação Multimédia e Edição de Publicações, S.A.”, proprietária do jornal “A...O...”, para divulgar, sob a forma de encarte no referido jornal, propaganda política e de apelo ao voto na sua candidatura ao Parlamento Europeu. A empresa A..., Comunicação Multimédia e Edição de Publicações, S.A., proprietária do jornal “A...O...” procedeu à distribuição do folheto de propaganda eleitoral do Partido Socialista, na edição de 5 de Junho de 2009 do jornal “A...O...”, último dia da campanha eleitoral. Pelos serviços prestados, a empresa A... facturou ao Partido Socialista a quantia de € 570. A distribuição do referido folheto, nos moldes descritos, foi feita depois da publicação do Decreto do Presidente da República n° 25/2009 (Diário da República n° 58,1 Série, de 24 de Março de 2009), que marcou o dia 7 de Junho para a realização da eleição para o Parlamento Europeu. Os factos acima descritos, praticados pelo Partido Socialista, entidade promotora da propaganda, e pela empresa de comunicação social A... Comunicação Multimédia e Edição de Publicações, S.A., proprietária do jornal “A...O...”, que veiculou a propaganda feita através de um meio de publicidade comercial, consubstanciam uma infracção ao disposto no artigo 72° da Lei n° 14/79, de 16 de Maio, punível nos termos do artigo 131° da mesma Lei, com multa de € 49,88 a € 498,80.» O relatório conclui, assim, que o Partido Socialista contratou os serviços do jornal “A...O...” para este distribuir, sob a forma de encarte, um folheto elaborado pelo Partido Socialista contendo propaganda política e eleitoral desse partido e apelo directo ao voto na sua candidatura ao Parlamento Europeu, na edição de 5 de Junho de 2009 do jornal “A...O...”, ultimo dia da campanha eleitoral. Refere também que o folheto, de propaganda eleitoral, «contém o nome e a imagem do candidato açoriano do Partido Socialista, o símbolo, a sigla e a denominação do partido, à frente da qual surge um quadrado que tem aposta uma cruz, assinalando o voto; contém, ainda, o slogan “Pelos Açorianos, Na Europa 7 de Junho” e, sob o título “Nós Comprometemo-nos Com”, apresenta um texto escrito com as linhas programáticas da candidatura do PS ao Parlamento Europeu, mais relevantes para a região dos Açores» e que «o jornal “A...O...” apresentou ao Partido Socialista a factura n° 09001342, reproduzida a fls. 97, pelo serviço de distribuição efectuado.» Com base nos factos constantes do relatório de instrução, que assumiu como fundamento, o plenário da Comissão Nacional de Eleições na sessão de 21 de Setembro de2010, deliberou, por unanimidade dos Membros presentes, condenar o Partido Socialista e a A... - Comunicação Multimédia e Edição de Publicações, S. A., pela prática de uma contra-ordenação por violação do disposto no artigo 72° da LEAR, nas coimas de 498,80 € (Partido Socialista) e de 49,88 € (à A... - Comunicação Multimédia e Edição de Publicações, S. A). 4. Não se conformando, o Partido Socialista impugnou judicialmente a deliberação da entidade administrativa, com os fundamentos constantes da motivação que apresentou e que termina com a formulação das seguintes conclusões: 1ª- A Comissão Nacional de Eleições é incompetente (em razão da matéria) para instruir e decidir o presente processo por contra-ordenação uma vez que não detêm poderes para instruir, muito menos para decidir, processos por contra-ordenação por ilícitos eleitorais vertidos na Lei n° 14/79, uma vez que tal competência não lhe está legalmente confiada, atento o disposto no artigo 34° do RGCO. 2ª- A Lei n° 14/79, de 16 de Maio (Lei Eleitoral para a Assembleia da Republica), aplicável à eleição para o Parlamento Europeu, por força da Lei n° 4/94, de 09 de Março, em momento algum atribui competência à CNE para instrução e decisão de ilícitos eleitorais, no qual se enquadra a alegada infracção praticada pelo arguido impugnante. 3ª- Nos termos da Lei n° 14/79, de 16 de Maio (Lei Eleitoral para a Assembleia da Republica), a CNE detém competências ao nível do n° 3 do artigo 13° (mapa e distribuição dos Deputados), ao nível do art° 22° (denominações e siglas), n° 3 do artigo 31° (sorteio), n° 1 do artigo 36° (listas definitivas), ai. c) e d) do artigo 59° (liberdade de reunião), n° 3 do artigo 62° (emissões e direito de antena), n° 3 do artigo 63° (distribuição de tempos de antena), n° 1 e 4 do artigo 64° (publicações), artigo 71° (esclarecimento cívico), artigo 78° (fiscalização das contas), n° 2 do artigo 95° (boletins de voto), n° 2 do artigo 113° (acta do apuramento geral), preâmbulo do artigo 115° (mapa nacional de eleições), n° 2 do artigo 118° (comunicação do resultado de recursos), e n° 2 do artigo 120° (actas do apuramento geral). 4ª- Contudo, e remetendo para o Título VI da Lei n° 14/79, de 16 de Maio, que define e sanciona os ilícitos eleitorais, o legislador não faz qualquer referência à competência instrutória e decisória da CNE, sendo a lei completamente omissa, pelo que a CNE, ao arrepio do disposto no n° l do artigo 34° do RGCO a CNE arrogou-se - indevidamente - o direito de tramitar e decidir os autos por contra-ordenação (que ela própria lavrou), punindo o arguido no pagamento da coima que vem invocada na decisão, sendo que o Governo, em momento algum, atribuiu poderes de decisão à CNE, nos termos definidos pelo n° 2 do artigo 34° do RGCO. Aliás, caso o legislador pretendesse conceder competências à CNE sobre esta matéria, tal teria ficado vertido no texto da lei n° 30/2006, de 11 de Julho (que procedeu à conversão em contra-ordenações de contravenções e transgressões), silenciando qualquer referência à competência da CNE para instruir e decidir autos nos termos em que aqui vem impugnado. 5ª- Até porque, compulsado o ponto B) da decisão condenatória notificada ao arguido, com o título: “Entidade competente para o processamento da contra-ordenação e aplicação da coima”, facilmente se percebe que o autor de tal decisão não logrou sustentar juridicamente a competência instrutória e decisória da CNE, o que teria unicamente uma razão, a saber, que a CNE não detém competência legal para intervir neste tipo de processos sancionatórios, pelo menos ao abrigo da legislação que vem invocada. 6ª- O processo em causa situa-se no âmbito de matéria contra-ordenacional, cujo regime geral (RGCO) se encontra previsto no Decreto-Lei n.° 433/82, de 27-10, com as alterações decorrentes dos Decretos-Lei n.° 356/89, de 17-10, 244/95, de 14-09, e da Lei n.° 109/2001, de 24-12, sendo, por força do disposto nos seus artigos 32.° e 41.°, as normas do Código Penal e Código de Processo Penal são subsidiariamente aplicáveis no que respeita à fixação do regime substantivo e processual das contra-ordenações, pelo que, e atento o disposto na al. d) do artigo n° 119° Código de Processo Penal (CPP), o processo por contra-ordenação é nulo. 7ª- Dispõe, com interesse in casu o n° 1 do artigo 75° dos Estatutos do Partido Socialista: «O Secretário-Geral representa o Partido ...», sendo que, tais estatutos conferem - em exclusivo - ao seu Secretário-Geral o poder de celebrar negócios jurídicos com terceiros - empresas ou particulares -, adquirir ou alienar património, aceitar doações e, de forma genérica toda e qualquer operação comercial (ou não) que permite o regular funcionamento do PS. 8ª- No caso, e como a Lei assim o impõe (“vide” artigo 21° da Lei 19/2003, de 20 de Junho), foi nomeado um mandatário nacional para as eleições ao PE de 2009, e outorgada procuração com poderes para representar, ao nível local, o PS, sendo que a referida procuração não concede poderes em ordem a representar o Partido em negócios jurídicos com terceiros, esta procuração é, em si mesma, eminentemente de cariz político. 9ª- Assim, resulta evidente que os «representantes concelhios do Partido Socialista» não podem agir em nome e no interesse do PS, para efeitos da celebração de contratos, na medida em que o PS apenas pode ser representado - em termos estatutários - pelo seu Secretário-geral, pelas razões que ficaram assentes em sede de alegações. 10ª- Dispõe, quanto a esta matéria, o n° 1 do artigo 268° do Código Civil, com o título “Representação sem poderes”: «O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação celebre em nome de outrem é ineficaz em relação este, se não for por ele ratificada», pelo que, o aqui impugnante apenas pode figurar nos autos na qualidade de arguido, caso os factos (celebração dos contratos) possam ser, validamente, imputados ao PS, o que não acontece, pois que, como ficou assente, os contratos são ineficazes em relação ao PS por falta de legitimidade dos representantes locais para agirem em nome do ora impugnante. 11ª- Agindo os «representantes locais» em nome próprio e no seu interesse, a contra-ordenação deve ser imputada aos seus autores e não ao PS, pois é pacífico no ordenamento jurídico nacional que as pessoas colectivas actuam, necessariamente, através dos seus órgãos ou seus representantes, pelo que, os factos ilícitos que estes pratiquem, em seu nome ou interesse, são tratados pelo direito como factos daquelas, nomeadamente quando deles advenha responsabilidade contra-ordenacional, não podendo os alegados «representantes locais» - não identificados pela CNE - nunca, em momento algum agiram em nome e interesse do Partido Socialista, mas sim em nome próprio. 12ª- Quanto à questão da facturação dos serviços ao PS (Sede Nacional), constitui questão completamente diferente, na medida em que o PS tem sistematicamente recusado assumir o pagamento destes contratos, invocando precisamente a norma do n° 1 do artigo 75° dos Estatutos do Partido Socialista, não podendo, em consequência, o Partido Socialista ser tido como agente de facto ilícito nem este lhe deve ser imputado, pois que, falta o pressuposto essencial para a aplicação da sanção em causa, que é a imputação do ilícito ao impugnante. 13ª- De uma forma sintética, dolo pode ser definido como o conhecimento e vontade de praticar o facto, e reveste qualquer uma das modalidades previstas no art. 14°, do C. Penal, ex vi, art. 32°, do RGCO, a saber: dolo directo [o agente representa o facto que preenche o tipo e actua com intenção de o realizar], dolo necessário [o agente representa a realização de um facto que preenche o tipo como consequência necessária da sua conduta] e dolo eventual [o agente representa a realização de um facto que preenche o tipo como consequência possível da sua conduta e actua conformando-se com aquela realização]; por sua vez, a negligência consiste sempre num actuar do agente sem que proceda com o cuidado a que, segundo as circunstâncias concretas, está obrigado e de que é capaz. A negligência consiste portanto, na omissão pelo agente, de um dever de cuidado (art. 15° do C. Penal). 14ª- Remetendo para a decisão condenatória da CNE, resulta que nunca o PS, através do seu Secretário-geral - única entidade que representa a pessoa colectiva Partido Socialista, quis a publicação do anúncio identificado pela CNE, não podendo, em consequência, existir, dolo por parte dos órgãos que - verdadeiramente - representam o Partido Socialista na medida em que, nunca, em momento algum, o PS contactou/contratou com o proprietário do identificado Jornal para publicação do anúncio que vem identificado no auto de notícia lavrado pela CNE. 15ª- O regime sancionatório da lei não prevê especialmente a punibilidade da infracção por negligência, o que implica que a sanção, a existir, apenas pode ser imputada a título de dolo, sendo certo que o ordenamento jurídico português consagra actualmente a possibilidade de responsabilização contra-ordenacional das pessoas colectivas (cf. art. 7º do Regime do ilícito de mera ordenação social, aprovado pelo DL. n.° 433/82, de 27/10, pressupõe no nosso sistema a prática do facto com dolo ou, nos casos especialmente previstos, com negligência (art. 8º do RGCO), estando assim excluída a responsabilidade objectiva; da factualidade vertida no auto de notícia notificado ao PS não constam expressamente factos de onde possa concluir-se a existência de actuação com dolo por parte do PS, seus representantes ou funcionários, em alguma das suas conhecidas formas de dolo directo, necessário ou mesmo eventual, ou seja, tendo a intenção de contratar com o periódico identificado na decisão condenatória, para publicar o alegado anúncio; do auto de notícia não resulta que os factos foram cometidos a título de dolo (nem sequer é referido se foram cometidos a título de negligência), o que significa que só agora, na decisão condenatória, a entidade administrativa CNE vem pronunciar-se sobre o elemento subjectivo da culpa. 16ª- Sancionar o PS, nos termos descritos no auto de notícia, sem que seja provado o dolo directo do arguido - n.° 1 do artigo 14° do Código Penal, implica a violação do artigo 8º n.° 1 do DL. n.° 433/82, de 27/10 e, bem assim o artigo 13° do Código Penal, aplicável por força do disposto no artigo 32° do RGCO; consubstanciando tal sanção uma nulidade insanável. 17º- O PS não tem representação regional, e os militantes que contratualizaram com o periódico - também arguido neste processo - fizeram-no em nome próprio e não em nome do partido; 18ª- Até porque, na decisão condenatória, e por diversas vezes, a CNE faz referência a uma alegada factura emitida a favor do PS, contudo, nunca, em momento algum comprova que a factura foi efectivamente liquidada, ficando desde já assente que não foi paga porque pura e simplesmente o serviço nunca foi encomendado pelo aqui impugnante; 19º- Por outro lado, do texto da decisão condenatória resulta provado que o PS - sede nacional, através dos órgãos que verdadeiramente representam o partido - enviaram boletins informativos a todas as federações informando sobre as normas que regem as campanhas eleitorais, o que, por si só comprova que o aqui impugnante nunca poderia ter agido com dolo, na medida em que desde sempre tem dado instruções para os militantes respeitarem as leis eleitorais, pois é bem conhecida actuação da CNE em "acusar" o partido por actos cometidos por militantes menos atentos. 20ª- Não é possível ao PS controlar a actuação dos militantes e candidatos por forma a evitar actos como os descritos no auto de notícia da CNE, pois que, a nível regional, os militantes actuam autonomamente e completamente à margem da "vontade" do PS/sede. 21ª- A CNE apenas subsume a actuação dos militantes e candidatos a título de dolo, fazendo recair essa actuação sobre os órgãos que representam o partido porque sabe que esta a única forma de sustentar os autos de noticia lavrados por esta entidade administrativa, e bem assim sustentar as decisões condenatórias - ilegitimamente decididas. 22ª- Ora, o argumento apresentado - da existência de dolo - não colhe, na medida em que o dolo dos alegados representantes regionais - que não existem - nunca poderá ser imputado aos órgãos do partido socialista. 23ª- Assim, a entidade administrativa através deste argumento (os seus representantes regionais, representou e quis a publicação do anúncio e tinha conhecimento do comando legal que proíbe a realização de propaganda política através dos meios comerciais - sic) desacompanhado de quaisquer outros elementos concretizadores, nada adianta quanto à caracterização de uma conduta dolosa, pois que, mais não é que uma fórmula demasiado vaga, que não integra um qualquer facto, ainda que interior, susceptível de através dele se afirmar uma conduta dolosa, em qualquer uma das modalidades acima indicadas, visando apenas sustentar uma decisão condenatória, ilegitimamente assumida pela CNE. 24ª- Assim, só sendo punível o facto se praticado com dolo e não podendo concluir-se da matéria de facto apurada pela decisão impugnada pela verificação do dolo, a condenação não pode subsistir, impondo-se a absolvição do arguido. 25ª- Remetendo para o auto de notícia, e bem assim para decisão condenatória ilegitimamente decidida pela CNE, e acreditando nos factos ali vertidos, e bem assim nas provas carreadas para o processo, não está em causa qualquer tipo de publicidade comercial. 26ª- Ora, remetendo para o ponto I) da decisão condenatória, sob o título: "Factos que constituem a infracção", é a própria CNE que dá como provado que o folheto - objecto do processo - foi elaborado pelo Partido Socialista, contendo propaganda política (...), sendo inquestionável que não é caso de publicidade comercial, mas sim perante propaganda política, falecendo - por completo - os factos vertidos no auto de notícia da CNE, e bem assim na decisão condenatória. 27ª- Por outro lado, resulta evidente que os factos enunciados não são, na economia da decisão e na função constitutiva que lhes é própria, verdadeiramente factos com o sentido processual - ocorrências e acontecimentos materiais, de circunstâncias de tempo e espaço, e relativos a relação subjectiva entre o autor e os factos, porque a entidade administrativa CNE não fundamenta minimamente a decisão condenatória, bem sabendo que, atento o disposto no ai. b) n.° 1 do art. 58.° do RGCO, a decisão que aplique a coima e as sanções acessórias deve conter, entre outros elementos: «a indicação dos factos imputados com indicação das provas obtidas». 28ª- Com efeito, a decisão condenatória não faz qualquer referência a quem elaborou o encarte, nem quando foi celebrado o alegado contrato entre os militantes do PS e o jornal "Açoriano Oriente", sendo que a data da alegada celebração do contrato, e bem assim os pressupostos de tal contrato - que o órgãos que representam o PS também desconhecem - é reportada de fundamental para sustentar a acusação, e essencial para defesa do arguido, pois que, por hipótese podemos considerar que o contrato foi estabelecido muito antes da marcação das eleições, para publicação, da mesma forma, antes de ser estabelecida a data das eleições, sendo que neste caso, a responsabilidade recairia - sem sombra de dúvida - única e exclusivamente sobre o jornal identificado na decisão da CNE; a CNE, na sua decisão condenatória não estabelece a data da celebração do contrato, limitando-se a receber uma queixa de uma outra força política e a partir daí construiu uma tese que culmina com a condenação impugnada. 29ª- São elementos essenciais da fundamentação, factos considerados provados e que constituem a base imprescindível à aplicação das normas chamadas a intervir, impondo-se a indicação precisa e discriminada dos elementos indicados na norma do art. 58°, n.° 1, do RGCO, por forma a garantir ao arguido uma cabal defesa, que só poderá ser efectiva com o adequado conhecimento dos factos imputados, das normas que integrem e das consequências sancionatórias que determinem, o que não aconteceu, porque a CNE não enquadra nem comprova - como devia -os pressupostos do alegado contrato estabelecido pelos militantes do PS e o jornal, limitando a fazer referência a tal contrato sem concretizar se foi celebrado (ou não) antes do conhecimento da data das eleições e se a publicação estava (ou não) agendada para antes do conhecimento de tal data, a consequência da falta deste elemento reportado de essencial - que constituem a centralidade da própria decisão - implica a nulidade da decisão condenatória, por aplicação do disposto no art. 374.°, n.° 1, al. a), do CPP, por remissão do art. 41° do RGCO. Termina pedindo a declaração de nulidade do «processo por contra-ordenação decidido pela CNE, que não poderá subsistir, «devendo tal decisão ser julgada improcedente por não provada», concluindo-se pela não aplicação de qualquer coima ao Partido Socialista e pelo arquivamento do processo de contra-ordenação. Indicou testemunhas e juntou um documento. 5. Notificado para efeitos do disposto no artigo 64º, nº 2 do RGCO, o impugnante e o Ministério Público não se opuseram à decisão por despacho. Após vistos, o processo foi à conferência, cumprindo decidir. 6. A impugnação judicial da decisão administrativa vem formulada, em síntese, pelos seguintes fundamentos: (i) - Incompetência da CNE, em razão da matéria, para instruir e decidir o processo de contra-ordenação por ilícito eleitoral, por a competência lhe não estar legalmente confiada pela Lei nº 14/79, de 16 de Maio – cl. 1ª a 6ª; (ii) - Os factos não poderão ser imputados ao arguido, pessoa colectiva, porquanto apenas o secretário-geral tem poderes para celebrar negócios jurídicos com terceiros, nos termos do artigo 75º, nº 1 dos Estatutos – cl 7ª a 12º, (iii) – Não existe imputação a título de dolo aos órgãos estatutários do arguido, que não publicaram ou contrataram a difusão do anúncio – cl. 13ª a 24ª; (iv) – Os factos provados não constituem qualquer tipo e publicidade comercial – cl. 25ª; (v) – A decisão da entidade administrativa não contém factos essenciais para sustentar a acusação – cl. 26ª a 29ª. 7. A impugnação invoca como primeiro fundamento a questão da (in)competência material da CNE para instrução e decisão do processo e contra-ordenação pela infracção imputada, prevista no artigo 72º e punida no artigo 131º da Lai nº 14/79, de 16 de Maio (Lei Eleitoral para a Assembleia da República). A competência de uma entidade pública constitui o conjunto de poderes jurídicos de que dispõe para a realização das suas atribuições, baseados e exercidos de acordo com determinado título jurídico, seja a lei, seja norma de valor correspondente. A competência é definida por lei ou por regulamento – dispõe o artigo 29º, nº 1 do Código do Procedimento Administrativo. As entidades públicas não podem, assim, praticar todos os actos ou toda a espécie de procedimentos que considerem necessários á prossecução das respectivas atribuições, mas tais poderes estão limitados pela lei ou por outras normas, especialmente quanto aos poderes cujo exercício determina a produção de efeitos na esfera jurídica de terceiros, seja nos direitos subjectivos, seja em interesses reflexamente protegidos. Vale, pois, em matéria de determinação da competência externa o princípio da legalidade, tendo a lei (ou a norma administrativa) «não apenas um papel negativo (o de definir os limites além dos quais a Administração não poderá ir em matéria de sacrifício dos direitos de propriedade e liberdade dos cidadãos), mas também a função positiva de definir todos os fins sociais que a Administração pode e deve prosseguir e os meios jurídicos que utilizará» (cf. “Dicionário Jurídico da Administração Pública”, 1990, entrada, «competência»). Em vez de simples limite, a lei constitui pressuposto ou condição da competênci, quer estejam, quer não estejam em causa direitos subjectivos fundamentais dos administrados. A competência material das entidades administrativas para o procedimento de contra-ordenações está prevista, em geral, no RGCO, e em especial, nos diversos conjuntos normativos que, em razão de matérias específicas, estabelecem e definem os comportamentos que constituem contra-ordenações, prevêem coimas aplicáveis e as entidades competentes para procedimento a aplicação: «o processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas e sanções acessórias competem às autoridades administrativas», dispõe o artigo 33º do RGCO, e a competência em razão da matéria «pertencerá ás autoridades administrativas determinadas pela lei que prevê e sanciona as contra-ordenações» - artigo 34º, nº 1 do RGCO. No procedimento por contra-ordenações a definição da competência – competência que é, em geral, administrativa e exercida na prossecução das atribuições de entidades da Administração – deve estar directa e expressamente prevista na lei (ou em norma administrativa legalmente habilitada); o princípio da legalidade da competência não tem uma função de limite ou negativa, mas positiva ou de determinação expressa. Estando em causa competência sancionatória – e em matéria sancionatória em que os princípios fundamentais da legalidade, tipicidade e competência se aproximam, e no essencial se identificam substancialmente como matéria penal e processual penal – a competência tem de ser expressa, directa e predeterminada; em matéria sancionatória não há competências implícitas, nem extensões de competência por analogia de matérias. Para evitar espaços vazios de competência, a lei tem de ser directa, expressa, clara e precisa – como são exigências do princípio da legalidade. A competência da CNE para o processamento de contra-ordenações previstas em matéria de ilícito eleitoral está fixada nos diplomas que estabelecem o regime para as eleições dos diversos órgãos (Presidente da República; Assembleia da República; Parlamento Europeu; Autarquias; regime do Referendo), de modo fragmentário e sem unidade ou continuidade normativa sistemática. Na lei eleitoral para o Presidente da República (Decreto-Lei nº 319-A/76, de 3 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 377-A/76, de 19 de Maio; Decreto-Lei nº 445-A/76, de 4 de Junho; Decreto-Lei nº 446-A/76, de 8 de Junho; Decreto-Lei nº 472-A/76, de 15 de Junho; Decreto-Lei nº 472-B/76, de 15 de Junho; Decreto-Lei nº 495-A/76, de 24 de Junho; Lei nº 69/78, de 3 de Novembro; Lei nº 45/80, de 4 de Dezembro; Lei nº 8/81, de 15 de Junho; Lei nº 28/82, de 15 de Novembro; Lei nº 143/85, de 26 de Novembro; Decreto-lei nº 55788, de 26 de Fevereiro; Lei nº 31/91, de 10 de Julho; Lei nº 72/93, de 30 de Novembro; Lei nº 11/95, de 22 de Abril; Lei nº 35/95, de 18 de Agosto; Lei nº 110/97, de 16 de Setembro; Lei 13/99, de 22 de Março; Lei Orgânica nº 3/2000, de 24 de Agosto; Lei Orgânica nº 2/2001, de 25 de Agosto; Lei Orgânica 4/2005, de 8 de Setembro e Lei Orgânica nº 5/2005,de 8 de Setembro) não está prevista a competência da CNE em matéria de processamento e sancionamento de ilícito eleitoral qualificado como contra-ordenações – e a previsão de ilícitos consta dos artigos 117º a 156º. Na Lei Eleitoral para a Assembleia da República (Lei nº 14/79, de 16 de Maio, com as várias alterações introduzidas pela Lei 8/81, 15 Junho; Lei 28/82, 15 Novembro; Lei 14-A/85, 10 de Julho; Decreto-Lei 55/88, 26 Fevereiro; Lei 5/89, 17 Março; Lei 18/90, 24 Julho; Lei 31/91, 20 Julho; Lei 55/91, 10 Agosto; Lei 72/93, 30 Novembro; Lei 10/95, 7 Abril; Lei 35/95, 18 Agosto; Lei Orgânica 1/99, 22 Junho; Lei Orgânica 2/2001, 25 Agosto), com extensa dimensão na previsão de ilícitos eleitorais (Título VI – artigos 121º a 168º), a competência da CNE está apenas prevista no artigo 132º, nº 2, acrescentado pela Lei nº 35/95, de 8 de Agosto, para aplicação das coimas previstas no nº 1 (violação dos deveres das estações de rádio e televisão, por remissão para os artigos 62º e 63º), sem referência a qualquer especialidade em matéria de procedimento, nomeadamente no que respeita à impugnação judicial. A Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu (Lei nº 14/87, de 29 de Abril) não contém qualquer autonomia ou especificidade em matéria de ilícito eleitoral ou de competências da CNE, remetendo (artigos 14º e 16º) para a legislação aplicável à eleição dos deputados para a Assembleia da República. A Lei Orgânica do Regime do Referendo (Lei nº 15-A/98, de 3 de Abril) estabelece, pela primeira vez, uma referência normativa completa sobre a competência da CNE quanto ao ilícito de mera ordenação social em matéria eleitoral. O artigo 224º, nº 1 da Lei 15-A/98 dispõe, com efeito, que «compete à Comissão Nacional de Eleições, com recurso para a Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, aplicar as coimas a contra-ordenações relacionadas com a efectivação do referendo cometidas por partido político ou grupo de cidadãos, por empresa de comunicação social, de publicidade, de sondagens ou proprietária de sala de espectáculos». A competência da CNE é, assim, delimitada dentro da competência material, por uma sub-repartição em razão da qualidade de determinados agentes da contra-ordenação. Em todos os casos de ilícito eleitoral de mera ordenação, em que o agente não detenha as referidas qualidades, a competência para a aplicação da coima cabe «ao presidente da câmara municipal da área onde a contra-ordenação tiver sido cometida», «com recurso para o tribunal competente». A Lei Eleitoral para os órgãos das Autarquias Locais (aprovada pela Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica nº 5-A/2001, de 26 de Novembro e Lei Orgânica nº 3/2005, de 29 d Agosto), por seu lado, também contém disposições específicas sobre a competência da CNE em matéria de ilícito eleitoral. O artigo 203º (“Disposições Gerais” – Secção I do Capítulo III) determina que «compete à Comissão Nacional de Eleições, com recurso para a Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, aplicar as coimas a contra-ordenações praticadas por partido político, coligações ou grupos de cidadãos, por empresas de comunicação social, de publicidade, de sondagens ou proprietárias de sala de espectáculos», em formulação aproximada à disposição da lei sobre o referendo – nº 1. Nos demais casos, isto é, relativamente a infracções eleitorais classificadas como contra-ordenações, que não sejam «praticadas por partido político, coligações ou grupos de cidadãos, por empresas de comunicação social, de publicidade, de sondagens ou proprietárias de sala de espectáculos», e tal como na lei sobre o referendo, a competência para a aplicação da coima cabe «ao presidente da câmara municipal da área onde a contra-ordenação tiver sido cometida com recurso para o tribunal competente» - nº 2. A disposição do artigo 203º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, não obstante não especificar o âmbito de aplicação, tem um objecto determinado, definido no artigo 1º: «regula a eleição de titulares para os órgãos das autarquias locais». A competência que prevê, sendo que a competência resulta da lei e não pode ir além da lei, está limitada ao âmbito e ao objecto da lei que a prevê, e, por isso, ao limite material do ilícito de mera ordenação social relativo á eleição para os órgãos das autarquias locais. 8. A fragmentaridade e alguma ausência de coerência sistémica na definição da competência da CNE em matérias de ilícito eleitoral qualificado (actualmente) como contra-ordenações, podem ter sido motivadas pela instabilidade normativa dos momentos de passagem e de mudança das classificações categoriais sobre a natureza da ilicitude de certos factos. O ilícito eleitoral, compreendido nas categorias penais contemporâneas dos diplomas iniciais (de 1976 e de 1979), estava repartido por crimes e contravenções ou transgressões – artigos 1º e 3º do Código Penal de 1886. A evolução da legislação eleitoral, com as sucessivas modificações dos regimes de 76 e 79, não abrangeu as adaptações às novas categorias de ilícito de mera ordenação social, mantendo, certamente por inércia e cuidado apenas parcelar, classificações do âmbito penal, que ficaram transitórias e em contra-ciclo com a repartição do ilícito sancionatório a partir de 1982 (Código Penal e RGCO) em crimes e ilícito de mera ordenação social (contra-ordenações). Exemplo de instabilidade e de menor coerência sistémica terá sido a introdução pela Lei 35/95, de 18 de Agosto, de uma (única) contra-ordenação no artigo 133º da Lei Eleitoral para a Assembleia da República, mantendo de pé a necessária transitoriedade das classificações no domínio criminal (contravenções ou transgressões) de boa parte do ilícito eleitoral que previa. A falta de adaptação legislativa gerou distonias que necessariamente afectam o equilíbrio nas qualificações e, em consequência, nas competências e nos procedimentos. A prevista transformação das contravenções e transgressões ainda resistentes no ordenamento jurídico (incluindo, obviamente, a legislação eleitoral) em contra-ordenações foi apenas determinada através da Lei nº 30/2006, de 11 de Julho, que, para além de disposições específicas, prevê numa regra geral (artigo 35º, nº 1) a «conversão» das contravenções e transgressões (ainda) previstos na legislação em vigor em contra-ordenações. Desta conjugação e sequência normativa resulta que apenas com o artigo 35º, nº 1, da Lei nº 30/2006, os ilícitos eleitorais que constituíam contravenções ou transgressões (previstos na lei relativa à eleição do Presidente da República e na lei eleitoral para a Assembleia da República, e por remissão para esta, na lei eleitoral para o Parlamento Europeu) passaram então a «assumir» a natureza de contra-ordenações. O regime relativo à competência, no entanto, não foi fixado, ficando remetido para a lei geral – o RGCO. É o que resulta do artigo 35º, nº 5, da Lei nº 30/2006 - «são competentes para o processamento e aplicação das coimas previstas para as contra-ordenações […] os serviços designados nos termos do nº 2 do artigo 34º de regime geral do ilícito de mera ordenação social e respectivo processo». A competência da CNE não ficou, assim, estabelecida. Como também, fora dos casos de competência da CNE previstos nas leis (referendo e eleições para as autarquias), não está fixada qualquer especificidade de procedimento (no rigor, um regime especial) no que respeita à impugnação ou «recurso». E só uma norma específica, como as dos artigos 224º, nº 1 da Lei nº 15-A/98, de 3 de Abril e do artigo 203º, nº 1 da Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto, prevê o recurso da decisão da CNE para o STJ, acrescentando competência ao STJ para além da estabelecida na lei estatutária de organização e funcionamento dos tribunais. Por isso, o STJ não tem competência em razão da hierarquia para conhecer da impugnação (do «recurso») que lhe vem dirigida. 9. Nestes termos, e dada a incompetência do STJ em razão da hierarquia, determina-se a devolução da impugnação à entidade administrativa (artigo 59º, nº 1 do RGCO), para que seja presente ao tribunal determinado no artigo 61º, nº 1 do RGCO. Supremo Tribunal de Justiça, 9 de Dezembro de 2010 Henriques Gaspar (relator) Armindo Monteiro Pereira Madeira |