Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00001021 | ||
Relator: | MANSO PRETO | ||
Descritores: | RECURSO DEPOSITO DAS QUANTIAS DEVIDAS FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | SJ198801060379703 | ||
Data do Acordão: | 01/06/1988 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | DR IS N30 DE 1988/02/05, PÁG. 411 A 413 - BMJ Nº 373 ANO 1988 PÁG. 133 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PARA O PLENO | ||
Decisão: | FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA | ||
Indicações Eventuais: | ASSENTO DO STJ. | ||
Área Temática: | DIR PROC PENAL - RECURSOS. | ||
Legislação Nacional: | CCJU61 ARTIGO 192 N2. | ||
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Sumário : | O disposto no n. 2 do artigo 192 do Codigo das Custas Judiciais e aplicavel tão-so aos recursos interpostos dos acordãos da Relação. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em tribunal pleno, no Supremo Tribunal de Justiça. I - O Excelentissimo Procurador-Geral-Adjunto no Tribunal da Relação de Evora, por sua iniciativa e a requerimento da defesa, interpôs recurso extraordinario para este Supremo Tribunal, funcionando em tribunal pleno, nos termos do artigo 669 do Codigo de Processo Penal (CPP), do acordão daquela Relação de 9 de Abril de 1985, proferido no processo n. 24/85, por se encontrar em oposição com o acordão da Relação de Coimbra de 5 de Novembro de 1965, proferido no processo n. 6311 e publicado na Jurisprudencia das Relações, ano XI, pagina 1033. O recurso foi admitido e o recorrente apresentou alegação, nos termos do artigo 765, n. 3, do Codigo de Processo Civil (CPC), nela afirmando que o acordão recorrido encontra-se em oposição com o citado acordão da Relação de Coimbra sobre a mesma materia de direito - justamente a interpretação e aplicação do n. 2 do artigo 192 do Codigo das Custas Judiciais (CCJ). Com efeito, enquanto o acordão anterior de 1965 decidiu que tal norma so e aplicavel ao recurso interposto dos acordãos das relações para o Supremo Tribunal de Justiça, o acordão recorrido decidiu que a referida norma se aplica igualmente ao recurso interposto das decisões da 1 instancia, pelo que o pagamento do imposto devido pela interposição do recurso destas decisões deve ser acompanhado do deposito das quantias que o recorrente deva nesse momento garantir, sob pena de o recurso não ter seguimento. Alem desta manifesta oposição - refere o recorrente - verificam-se os restantes requisitos do recurso que interpõs. Apos parecer concordante do Excelentissimo Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo, a Secção julgou a questão preliminar, nos termos do artigo 766, n. 1, do Codigo de Processo Civil, decidindo verificarem-se todos os requisitos ou pressupostos do recurso em causa, a que aludem o artigo 699 do Codigo de Processo Penal e os ns. 2, 3 e 4 do artigo 763 do Codigo de Processo Civil, entre os quais a oposição relevante entre os arestos mencionados porquanto as soluções adoptadas num e noutro, ja apontadas traduzem um verdadeiro conflito de jurisprudencia - que e o fundamento fulcral do recurso para o tribunal pleno - a proposito de situações concretas identicas: em ambos os processos verificou-se condenação em 1 instancia, tendo os condenados interposto recurso, havendo quantias em divida (impostos, acrescimos e multas) e não beneficiando qualquer dos recorrentes de isenção ou dispensa de preparos e custas. Muito embora o acordão que reconheceu a existencia da oposição não impeça que se decida agora em sentido contrario (n. 3 do artigo 766 do Codigo de Processo Civil), este tribunal pleno, tendo reflectido sobre a questão preliminar, considera que não ha razões para dissentir do decidido pela Secção, impondo-se assim prosseguir para julgamento do conflito sub judice, sem esquecer o douto parecer do Excelentissimo Magistrado, que e no sentido de o n. 2 do artigo 292 do Codigo das Custas Judiciais ser aplicavel somente aos recursos interpostos de acordãos das relações. II - Tudo visto. Afigura-se-nos que a questão a decidir por este Tribunal podera beneficiar de uma curta reflexão, adequada a indole de uma decisão judicial, sobre o relevo juridico-constitucional dos recursos e de algumas das suas limitações. O artigo 20 da nossa lei fundamental consagra, ao mais alto nivel normativo, a protecção judicial dos direitos fundamentais e dos interesses juridicamente relevantes, incluidos nestes, segundo alguns autores, os chamados "direitos difusos" (categoria intermedia entre interesses individuais e interesses colectivos, respeitantes a um grupo indeterminado de individuos, como o interesse em respirar o ar não contaminado pela poluição das fabricas, o desfrutar de um banho numa praia limpa, etc.) (conferido Colaço Antunes, "Para uma tutela jurisdicional dos interesses difusos", in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, volume LX, 1984, pagina 191). O referido preceito constitucional menciona, ao lado do direito de acesso ao direito (n. 1), que engloba o direito a informação juridica e ao patrocinio juridico, o direito de acesso aos tribunais para defesa dos direitos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiencia de meios economicos (n. 2). Este direito de acesso aos tribunais ou a via judiciaria, ou ainda direito a jurisdição, estende-se a protecção contra os proprios actos jurisdicionais, o que supõe o direito de impugnação ou recurso dos mesmos para outro orgão jurisdicional hierarquicamente superior ao tribunal que os praticou e presuntivamente considerado mais idoneo para o reexame da materia em causa. E parece mais conforme a garantia constitucional de defesa dos direitos atraves dos tribunais que o direito ao recurso se estenda aos diversos graus de impugnação legalmente admitidos ate ao julgamento definitivo da causa (conforme Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da Republica Portuguesa Anotada, I, pagina 181, 2 edição). Isto não quer dizer, porem, que o reexame da questão, no esforço para encontrar o acerto e a justiça da decisão possa ir ate ao infinito, porque não ha de facto algum meio que conduza a realização absoluta daquelas preocupações ou valores. Mas a ordem juridica e sobretudo uma ordem pratica, que não tem menos necessidade de certeza que de justiça, e, por isso, ela podera, em dado momento, assentar sobre uma solução da controversia que não ofereça mais a possibilidade de modificação. Determinar quando se esta nesse momento, quando se conseguiu um grau suficiente de indagação e de apreciação, e tarefa da mesma ordem juridica, tendo em conta certos indices, como a estrutura do processo de primeiro grau, o valor da causa (a gravidade das infracções no processo penal), as proprias regras de experiencia (conforme S. Satta Diritto processuale civile, 1981, paginas 442 e seguintes). Ha, todavia, um minimo de garantia em materia de recursos consubstanciado no principio do duplo grau de jurisdição, que, no seu sentido rigoroso, significa que toda a controversia possa, apos o primeiro julgamento, passar ao exame, em todos os seus aspectos - de facto e de direito -, de um outro orgão jurisdicional, em regra, superior,a fim de ser julgada novamente, corrigindo-se desta forma os erros de actividade (errores in procedendo) ou os erros de julgamento (errores in indicando) do juizo de primeiro grau (conforme S. Satta, loc. cit., Liebman, Manuale diritto processuale civile, III, 3 edição, paginas 45 e seguintes, e G. Bettiel, Instituições de Direito e Processo Penal, 1974). Trata-se de um principio acolhido universalmente, e, como facilmente se intui, ele assume um relevo particular no dominio do processo penal, em que, mais que os bens, pode estar em causa - e quase sempre esta - a propria liberdade das pessoas. Não surpreende, por isso, que no Pacto Internacional sobre os Direitos Civil e Politico de 1976, aprovado por Portugal para ratificação pela Lei n. 29/78, de 12 de Junho, se estabeleça a garantia do duplo grau de jurisdição em processo penal (artigo 14, n. 5). Esta garantia e assim considerada indispensavel e, segundo certa orientação, suficiente. [Neste sentido se integra o sistema, a todos os titulos inovador, entre nos, do regime de recursos adoptado no novo Codigo de Processo Penal, que aboliu, em regra, o duplo grau de recurso (3 grau de jurisdição), conhecendo os tribunais da relação em ultima instancia das decisões finais do juiz singular e, em principio, das decisões interlocutorias do tribunal colectivo e do juri e o Supremo Tribunal de Justiça dos recursos, a interpor directamente, das decisões finais do tribunal colectivo e do juri (recurso per saltum) (conforme artigos 400 e 432 do citado diploma e do seu relatorio preambular, III, c).] Tendo o recurso das decisões da 1 instancia para a relação o alto relevo a que se vem aludindo, dentro de um sistema processual como o nosso actualmente vigente, compreende-se que a lei favoreça em lugar de o limitar, designadamente em materia de custas. Ja o mesmo não sucede com o recurso das relações para o Supremo, porquanto, embora seja idoneo a possibilitar uma mais perfeita decisão da causa, ele constitui, pelo menos em relação as causas menos importantes, uma via como que de "luxo", em principio reservada as causas de maior importancia e, por isso, aceita-se ja que o acesso a essa via so seja possivel mediante a satisfação de uma significativa "portagem", que e exactamente, para alem do pagamento do imposto de justiça devido pela interposição, o deposito das quantias que o recorrente deva nesse momento garantir, consoante dispõe o controverso n. 2 do artigo 192 do Codigo das Custas Judiciais. Sendo esta a posição mais razoavel, e de presumir que o legislador de custas a haja tido em atenção (conforme artigo 9, n. 3, do Codigo Civil), bem como aquela ideia - bastante cara a uns e repelida por outros - da necessidade pragmatica da limitação dos recursos sobretudo perante o Supremo Tribunal de Justiça, que, situado no vertice da piramide dos tribunais judiciais - ele proprio vertice e centro da função judicial, na expressão da Calamandrei -, não pode ser encarado como normal terceira instancia, pois lhe compete essencialmente, como tribunal de revista, "dizer" o direito, em sede jurisdicional, contribuindo, deste modo, para a desejavel uniformidade da jurisprudencia. No sentido de que a lei de custas em vigor contende com a defesa dos direitos, conforme Guilherme da Fonseca, "A defesa dos direitos - principio geral da tutela jurisdicional dos direitos fundamentais", in Boletim do Ministerio da Justiça, n. 344, paginas 80 e seguintes. Tambem a Resolução do Conselho da Revolução n. 56/82, de 18 de Março, bem como o Acordão da Comissão Constitucional de 25 de Março de 1983 in Boletim do Ministerio da Justiça n. 327, paginas 431, entenderam que as normas do n. 2 do artigo 192 e do n.1 do artigo 189 do Codigo das Custas Judiciais não podem aplicar-se, por inconstitucionais, desde que o recorrente não disponha de suficiencia economica para efectuar o deposito nelas previsto e se trate de multas e garantias da condenação a que aludem. O caso em apreciação não e, porem, subsumivel a doutrina da resolução e acordãos apontados. Cre-se, por conseguinte, levando em conta tudo quanto foi dito,que a interpretação da norma do n. 2 do artigo 192 do Codigo das Custas Judiciais tem de fazer-se em conjugação com o disposto do n. 1 do artigo 189 do mesmo diploma, que so aos recursos da relação se refere, do que resulta - e ainda porque não ha qualquer outra norma que o imponha - que o deposito das quantias mencionadas nos dois preceitos (impostos, custas e multas em divida) não e obrigatorio quando se trate de recurso interposto na 1 instancia. Tem sido este, alias, o entendimento predominante da jurisprudencia. (No mesmo sentido, Arala Chaves Codigo das Custas Judiciais Anotado, 1967, pagina 265). III - Nos termos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso, formulando o seguinte assento: O disposto do n. 2 do artigo 192 do Codigo das Custas Judiciais e aplicavel tão-so aos recursos interpostos dos acordãos da relação. Não e devido imposto de justiça. Lisboa, 6 de Janeiro de 1988 - Jose Alfredo Soares Manso Preto - Fernando Pinto Gomes - - Manuel Augusto Gama Prazeres - Antonio de Almeida Simões - Claudio Cesar Veiga da Gama Vieira - João Alcides de Almeida - Manuel Alves Peixoto - João de Deus Pinheiro Farinha (com a declaração de que se não pode falar em "via de luxo "mesmo nos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça em causas menos importantes) - João Augusto Pacheco e Melo Franco - João Solano Viana - Jose Manuel Meneres Sampaio Pimentel - Joaquim Jose Rodrigues Gonçalves - Cesario Dias Alves - Mario Sereno Cura Mariano - Joaquim Augusto Roseira de Figueiredo - Pedro Augusto Lisboa de Lima Cluny - Silvino Alberto Villa-Nova - Antonio Carlos Vidal de Almeida Ribeiro - Licinio Adalberto Vieira de Castro Caseiro - Augusto Tinoco de Almeida - Aurelio Pires Fernandes Vieira - Frederico Carvalho de Almeida Baptista - Julio Carlos Gomes dos Santos - Antonio Alexandre Soares Tome - Abel Pereira Delgado - Salviano Francisco de Sousa - Jorge de Araujo Fernandes Fugas - - Jose Saraiva - Jose Isolino Enes Calejo - Antonio Poças - Jose Manuel de Oliveira Domingues. |