Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00025264 | ||
Relator: | LOPES ROCHA | ||
Descritores: | VIOLAÇÃO DE MENOR DE 12 ANOS CÓPULA ACTO ANÁLOGO DA CÓPULA CONCEITO JURÍDICO | ||
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Nº do Documento: | SJ199411020463743 | ||
Data do Acordão: | 11/02/1994 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | BMJ N441 ANO1994 PAG7 - CJSTJ 1994 ANOII TIII PAG222 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Área Temática: | DIR CRIM - TEORIA GERAL / CRIM C/PESSOAS. | ||
Legislação Nacional: | CP82 ARTIGO 30 N2 ARTIGO 71 ARTIGO 72 ARTIGO 78 ARTIGO 201 N1 N2 ARTIGO 208 N3. | ||
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Sumário : | I - Para haver "cópula" não é preciso o orgasmo do agente, nem a ejaculação, nos orgãos genitais da vítima. II - É "acto análogo" da cópula aquele que, não sendo esta possível por razões de ordem anatómica ou outras, tenha potencialidade, para lesar o bem jurídico protegido, na violação, que é, como se sabe, a liberdade ou a autodeterminação sexual da pessoa ofendida. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 - A, casado enfermeiro, nascido em 16 de Fevereiro de 1939, foi condenado no Tribunal de Círculo de Penafiel, por acórdão de 2 de Dezembro de 1993 (folhas 196 - 203 dos presentes autos) na pena única de oito anos de prisão, na taxa de justiça de 50000 escudos, nas custas com 20000 escudos de procuradoria a favor dos Serviços Sociais do Ministério da Justiça e ainda na quantia de 10000 escudos a favor do Cofre Geral dos Tribunais, em termos do n. 3 do artigo 13 do Decreto-Lei n. 423/91 de 30 de Outubro. A referida pena resulta do cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares: a) De cinco anos de prisão como autor de um crime continuado de violação, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 201, n. 2, 30, n, 2 e 78, n. 5, todas do Código Penal, na pessoa da menor B; b) De quatro anos de prisão como autor de um crime continuado de violação previsto e punido pelas citadas disposições, na pessoa da menor C; c) De 20 (vinte) meses de prisão como autor de um crime continuado de atentado ao pudor, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 205, n. 2, 30, n. 2 e 78, n. 5, ainda do mesmo Código; 2 - Inconformado com o decidido, interpôs recurso para este Supremo Tribunal, condenando a respectiva motivação como segue: a) Os factos dados como provados quanto à menor Maria Adelina não preenchem o conceito de "acto análogo" ao de cópula, pelo que não se encontram preenchidos os requisitos típicos do crime de violação; b) De facto, foi dado como provado o contacto vulvar do pénis do recorrente na vulva da menor, não sendo dado como provado a "imissio seminis". c) Assim, o recorrente deveria ter sido absolvido do crime continuado de violação na pessoa da referida menor; d) Ao decidir de modo diverso o Tribunal Colectivo "a quo" violou o disposto nos artigos 201, n. 2, 30, n. 2 e 78 n. 5, todos do Código Penal; e) Tendo em conta a factualidade dada como assente no que toca às menores B e D, bem como os elementos de ordem atenuativa ligados à personalidade do recorrente, as penas parcelares aplicadas nunca deveriam ter sido superiores a 30 meses e 15 meses de prisão, respectivamente e em cúmulo jurídico na pena de 3 anos de prisão; f) Ao dicidir-se de modo diverso, violou-se o disposto nos artigos 71 e 72, ambos do Código Penal, devendo, por isso, ser dado provimento ao recurso, e em consequência, revogar-se a decisão recorrida substituindo-a por outra nos termos das anteriores conclusões. 3 - Na sua resposta ao recurso, o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público formulou as seguintes conclusões: a) Os factos dados como provados no aresto recorrido preenchem o conceito de "acto análogo" ao de cópula, no tocante à menor C; b) Tais factos correspondem a uma série de manobras levadas a cabo pelo recorrente (coito vulvar ou vestibular) na referida menor, de 12 anos de idade; c) Porque tais manobras em tudo se assemelham às relações sexuais de cópula heterossexual completo constituem um "acto análogo" ao de cópula, o qual não deixa de ser como tal considerado pelo facto de não se ter provado in casu "imissio seminis"; d) O elemento ejaculatório não é indispensável à conceptualização do "acto análogo" ao de cópula como não o é, de resto, em relação a esta; e) Neste sentido se pronunciou o aresto recorrido, e bem, citando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1990, in Boletim do Ministério da Justiça 400, página 221; f) No mesmo sentido se pronunciou também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Julho de 1987, in Boletim do Ministério de Justiça, 369, 325, do qual citamos: "II - O coito vulvar ou vestibular, mesmo com imissio seminis, não integra o conceito de cópula, mas se tiver lugar com menor de 12 anos deve ser qualificado, para efeitos de punição como acto análogo, subsumando-se à incriminação do artigo 201, n. 2 do Código Penal". g) Ao decidir assim, o aresto recorrido não violou, pois, o disposto nos artigos 201, n. 2, 30,n. 2 e 78, n. 5 todos do Código Penal, como sustenta o recorrente; h) Atenta a factualidade dada como assente relativa às menores B e D, bem como os elementos de ordem atenuativa ligados à personalidade do recorrente, as respectivas penas parcelares aplicadas e a pena única aplicada em cúmulo foram correctamente ponderadas de acordo com o disposto nos artigos 71 e 72 do Código Penal, pelo que deverão ser mantidas; i) Decorre, aliás, da fundamentação expressa no aresto recorrido, a necessidade de uma especial exigência de necessidade em obediência à lei e à justiça, no caso, como este, de violação continuada de menores, sendo certo que tal situação se tem vindo a verificar na área deste Círculo Judicial; j) A medida das respectivas penas correctamente aplicadas reflecte as referidas exigências de prevenção e, por outro lado, já contempla uma certa benevolência situando-se não muito longe dos níveis médios das respectivas molduras penais abstractamente aplicadas, atendendo aos elementos atenuativos relativos ao recorrente; l) Assim, também não foram violados os artigos 71 e 72 do Código Penal, pelo douto Acórdão recorrido,termos em que se considerou correctamente ponderadas e aplicadas as penas parcelares e a respectiva pena única; m) Como tal, deve ser mantido o Acórdão recorrido em seus precisos termos. 4 - Recebido o recurso neste Supremo Tribunal, correram os vistos legais e procedeu-se à audiência com observância do preceituado na lei de processo. Cumpre apreciar e decidir. Não foi suscitada qualquer questão que obstasse no seu conhecimento nem relativa à rejeição. Nenhum meio de impugnação foi deduzido, dos previstos ns. 2 e 3 do artigo 410 do Código de Processo Penal. Logo, o recurso visa exclusivamente o reexame de matéria de direito. As questões a realçar são as seguintes: 4.1 - Se os factos provados relativamente à menor C excluem o preenchimento do tipo legal de crime de violação, com a absolvição do recorrente em caso de resposta negativa; 4.2 - Se, relativamente às ofendidas menores B e D, os factos e os elementos atenuativos ligados à personalidade do recorrente aconselhariam penas parcelares inferiores às determinadas no Acórdão impugnado e, consequentemente, uma pena única sensivelmente inferior à aplicada; como tudo consta das conclusões da motivação do recurso, acima reproduzidas. 4.3. - Se, consequentemente, foram violadas as disposições do Código Penal indicadas nas mesmas conclusões. 5 - São os seguintes os factos que o Tribunal Colectivo considerou provados: 5.1- E e esposa F são caseiros do arguido desde Fevereiro de 1991, explorando, nessa qualidade, uma quinta que este possui, sita em Barrosendo, concelho de Amarante e habitando com sua família numa casa existente na dita quinta; 5.2 - O referido casal tem duas filhas menores, a B, nascida em 14 de Fevereiro de 1982 e a G, nascida em 10 de Julho de 1983, as quais vivem com os pais; 5.3 - O arguido é ainda dono de uma outra quinta, situada em Aboim, concelho de Amarante a qual vem a ser explorada, desde Dezembro de 1992, por H e esposa I, os quais residem com os seus filhos numa casa existente nessa quinta e também pertencente ao arguido; 5.4 - H e I são pais das menores D, nascida a 4 de Maio de 1983, de C, nascida a 7 de Setembro de 1984 e de J, nascido a 3 de Maio de 1982, que vivem com aqueles; 5.5 - O arguido deslocava-se frequentemente, aos fins de semana, à sua quinta em Barrosendo; 5.6 - Aí e a pretexto de a menor B lhe prestar pequenos serviços, tais como lavar garrafas e apanhar lenha, o arguido levava-a consigo, de automóvel, para a sua quinta de Aboim; 5.7 - Aí alojados, o arguido encaminhava a B para o quarto de dormir de uma casa que aí possuía e, na cama, levantava-lhe a saia, tirava-lhe as cuecas e abria-lhe as pernas; 5.8 - Seguidamente, o arguido despia as suas próprias calças e cuecas, deitava-se em cima da B e colocava o pénis erecto na vulva da menor aí o esfregando até ejacular; 5.9 - O descrito relacionamento do arguido com a B foi reiterado por inúmeras vezes em datas que não foi possível apurar mas situadas no período compreendido entre o Natal de 1992 e Maio de 1993; 5.10 - Também em datas não apuradas do período compreendido entre o Natal de 1992 e Maio de 1993 o arguido, na sua quinta de Aboim e por três vezes, em dias diferentes, levou a D para a vacaria e para o alambique e aí lhe tirou as cuecas; 5.11 - Seguidamente, o arguido despiu as próprias calças e cuecas, exibiu o pénis erecto à menor D, e acariciou a vagina desta com uma mão enquanto com a outra se masturbou até ejacular; 5.12 - Ainda em datas que não foi possível apurar mas que se situam no mesmo período compreendido entre o Natal de 1992 e a Páscoa de 1993, e na sua quinta de Aboim, o arguido por diversas vezes levou a C para um monte junto da casa que ali possui, onde a deitou de costas e lhe tirou a saia e as cuecas e lhe abriu as pernas; 5.13 - Seguidamente, o arguido despiu as suas próprias calças e cuecas e deitou-se em cima da C, colocou o pénis erecto na vulva da mesma aí o esfregando; 5.14 - O arguido agiu sempre livre e conscientemente, valendo-se do ascendente que tinha sobre as menores e determinado pelo propósito de satisfazer os seus instintos sexuais; 5.15 - Tinha perfeito conhecimento da idade das menores B, D e C e sabia que as suas condutas eram proibidas por lei; 5.16 - Foi anteriormente condenado pela prática de crimes de furto e encobrimento; 5.17 - É enfermeiro de profissão exercendo a sua actividade no Hospital de Santo António e no Hospital da Lapa, ambos na cidade do Porto, auferindo, em conjunto, um vencimento mensal de 343000 escudos; 5.18 - No decurso da sua actividade profissional que vem exercendo há dezenas de anos, o arguido tratou e acompanhou muitos homens, das mais variadas camadas sociais e de todos escalões etários, sendo conceituado e estimado no meio profissional; 5.19 - Vive com a esposa, doméstica e com dois filhos de 24 e 25 anos, ambos estudantes ainda a seu cargo, em casa própria; 5.20 - Tem o 2 ano do ciclo preparatório como habilitações literárias; 5.21 - Negou a sua apurada conduta. 6 - É jurisprudência uniforme e pacífica deste Supremo Tribunal, que o âmbito do recurso penal e os poderes de cognição se delimitem pelas conclusões da motivação (cf. inter aliás, os acórdãos de 20 de Janeiro de 1994, processo n. 45861, e de 12 de Maio de 1994, processo n. 46843). São por conseguinte, irrelevantes e impertinentes as considerações, expendidas na motivação do recurso, no tocante ao modo como decorreu a produção da prova na audiência de julgamento perante o Tribunal Colectivo, designadamente as referências ao comportamento das menores ofendidas, nessa audiência, e aos depoimentos indirectos das testemunhas, bem como à convicção formada pelos julgadores em sede de apuramento dos factos. E, como anteriormente se disse, o recorrente absteve-se, em particular, de invocar qualquer dos meios de impugnação referidos no artigo 410 do Código de Processo Penal, a despeito de uma vaga alusão a deficiente interpretação dos factos e errada interpretação do direito, depois de discorrer sobre o "modo como as coisas se passaram e a injustiça que o vitimou", tendo declarado (e bem) não pretender nem desejar que "a materialidade que infra destaca, embora de modo sintético, seja apreciada (que não o será) com vista à decisão do fundo da causa". Cingida, por isso, a apreciação deste Supremo Tribunal de Justiça, - às questões de direito concretamente suscitadas nas conclusões da motivação, é altura de decidir se assiste razão ao recorrente. 7 - Relativamente às quatro primeiras conclusões, o tema a decidir é o do preenchimento do conceito de "acto análogo à cópula", do artigo 201, n. 2, do Código Penal. O tema foi proficientemente abordado e tratado no acórdão recorrido, apoiado em abundantes referências doutrinárias e jurisprudênciais, como se vê do exposto na parte II, pontos 1 a 3 do acórdão condenatório, que aqui se dão por reproduzidas. Pode indefinidamente continuar a discutir-se o exacto sentido da expressão "acto análogo", como é próprio de todas as normas que utilizam expressões desta natureza. Com efeito, o legislador renunciou deliberadamente a uma enunciação exaustiva de acto concreto que quis equiparar à cópula, delegando essa tarefa na doutrina e, sobretudo, na jurisprudência. Tem consciência, visivelmente, da dificuldade que consistiria numa definição, suficientemente precisa, de "acto análogo" e do consequente risco de lacunas indesejáveis. Ou seja, do risco latente na velha fórmula de Javoleno, Omnis definitio in jure civile periculosa est: parum est emim, ut non subverti posset. Certo que um legislador hábil e competente tem o dever de evitar ao máximo, entre outros,o recurso a conceitos indeterminados e, numa perspectiva positiva, a função de garantia da lei penal significa que deve exigir-se-lhe o universo de determinação dos tipos legais (nullem crimen sine lege certa). A razão desta exigência de determinação ou de certeza, reside em que a reserva de lei só pode desenvolver toda a sua eficácia quando a vontade do órgão representativo do povo se exprima tão claramente que envolva uma decisão subjectiva e arbitrária do juiz. Cf., a propósito, o artigo "A função de garantia da lei penal e a técnica legislativa", publ. na revista "Legislação. Caderno de Ciência de Legislação", INA, n. 6, Janeiro/Março de 1993, página 40. Mas nem sempre é possível levar o apuro técnico a tal ponto que possa eliminar-se radicalmente o recurso à utilização de conceitos como o que está em causa no presente recurso. Então, o que pode exigir-se ao legislador é que deixe transparecer a razão de política criminal que o levou a decidir-se pelo seu emprego. Essa razão existe e não passou despercebida à Comissão Revisora do Código anterior. Logo aí, o autor do anteprojecto (Professor Eduardo Correia) chamou a atenção para a possibilidade de a expressão "acto análogo" levantar problemas, chegando a ponderar-se a sua dispensabilidade e a sua eliminação. Mas aquele Professor avançou uma justificação para a necessidade de a incluir no tipo: "É que, segundo alguns, não é possível cópula com menor de 12 anos, antes só actos análogos. Em relação a maiores (n. 1) o âmbito de aplicação deste artigo limita-se à cópula. Quanto ao coito anal ou bucal devem ser incluídos no atentado ao pudor". Seguidamente, o artigo foi aprovado por unanimidade. Cf. Actas da Comissão - Parte especial, páginas 191 e 192. Ora, essa razão de política criminal transparece do texto da norma em análise: "quem, independentemente dos meios empregados, tiver cópula com menor de 12 anos ... ou acto análogo". Quer isto dizer que, se for possível a cópula, tudo dependendo das circunstâncias do caso concreto, nada se acrescenta ao tipo da violação, apenas se dispersando os meios especificados (violência, grave ameaça, tornar inconsciente ou colocar a vítima na impossibilidade de resistir ou ainda, pelos mesmos meios, a constranger a ter cópula com terceiro), porque a lei deve contentar-se com a prática do acto, dada a particular e normal vulnerabilidade da ofendida. Se a cópula não é possível, por razões anatómicas ou semelhantes, então a punição alarga-se ou estende-se a actos que, com aquela, normatizante falando, tenham a mesma potencialidade de lesar o bem jurídico protegido que é, como se sabe, a liberdade ou a autodeterminação sexual da vítima. Esse bem jurídico é particularmente sensível quando a vítima é menor, quer pela sua natural diminuição da capacidade de resistência ao agente, quer pela imatura compreensão ou consciência dos efeitos sociais da violação, quer ainda pelo trauma decorrente da agressão, de consequências sempre imprevisíveis no desenvolvimento da sua personalidade. A analogia fundamenta-se na proporção e na semelhança entre coisas e, em direito, na coerência do sistema jurídico, que impõe a adopção da mesma solução para casos análogos. Atenta a redacção do preceito legal em análise, nem sequer pode falar-se em lacuna ou em caso omisso, hipóteses em que a analogia seria proibida. O legislador quis, intencionalmente, não deixar de fora a punição de actos ou comportamentos que, não constituindo cópula, todavia são idóneas para levar o bem jurídico protegido, em atenção às particulares condições da vítima, prescindindo mesmo, por isso, da exigência de certos meios típicos para alcançar o resultado querido pelo agente. A violação de menores é, pois, um conceito mais alargado e a solução legislativa não pode criticar-se por falta de coerência, no espírito do sistema. É que, são precisamente as menores de 12 anos quem mais carece de protecção, no critério do legislador, que importa respeitar. Como correctamente se prenderem no acórdão recorrido, a manobras que o arguido levou a cabo com as menores C (coito vulvar ou vestibular) são as que mais se assemelham às relações sexuais completas: nada mais aparentado com a natural união heterossexual do que a actuação do arguido, deitado em cima daquelas menores, submetendo-as à satisfação dos seus (dele) desejos libidinosos - no sentido de que aquele que fricciona o pénis nos órgãos genitais de menor de 12 anos comete um crime de violação - por tal se considerando acto análogo ao de cópula, citando jurisprudência pertinente. Nem o recorrente, aliás, discute essa semelhança no que respeita à menor B. Admitindo estar provado o referido contacto vulvar, defende que, para se preencherem os elementos típicos da violação, seria ainda precisa a "imissio seminis", que não se provou, relativamente à ofendida C. Mas ainda aqui lhe não assiste razão. Em que pese alguma hesitação da jurisprudência temos como a mais fundamentada a teoria de que no conceito de cópula se não exige a dita "immissio seminis" ainda que nos órgãos exteriores da ofendida. Exigir-se na violação consumada o orgasmo ou a ejaculação, como por vezes se lê, é um puro preciosismo, atendendo à essência do bem jurídico protegido, a autodeterminação sexual da vitima. Deste ponto de vista, a norma incriminadora contenta-se com a introdução do pénis na vagina, total ou parcial. A ser de outra maneira, não poderiam ser agentes do crime os incapazes de orgasmo, os que se dedicassem à prática do chamado "coitus interruptors" e até os que utilizassem preservativos, sem que se descortine uma razão válida de política criminal para sustentar tal distinção. Cremos existir aqui um velho preconceito relativo ao perigo de gravidez - que também pode resultar no caso de coito vulvar ou vestibular - mas esse resultado n(gravidez) mais não é do que circunstância agravativa da pena (cf. artigo 208, n. 3 do Código Penal). Para um preceito, em tudo semelhante, do Código Penal espanhol (artigo 429), a doutrina mais reputada sempre defendeu, com apoio na jurisprudência, que para a consumação da cópula basta a coninactio membrorum, não sendo necessário nem a immissio seminis nem que a immissio penis seja completa, nem sendo essencial a ejaculação. E no que aí se chama a violacion presunta em que se inclui a violação de mulher de doze anos, tão pouco se exigem tais requisitos. Concordam, quanto a este enunciado, Rodriguez Devesa, in "Derecho Penal Español - Parte Especial", Madrid 1983, páginas 163 e seguintes e Manzanares Samaniego - Albacar López, in "Código Penal (Comentários y Jurisprudência", Pomares, página 937 e seguintes; como já assim se entendia em "Derecho Penal", Tomo II (parte especial)", 10 Edição Bosch - Barcelona, de Eugénio Coelho Calon, páginas 537 e seguintes, onde se sublinha que o elemento Jacimento não necessita se realize de um modo completo e que não é mister a ejaculação. Também no direito penal brasileiro, perante um tipo legal semelhante ao nosso (artigo 213 do Código Penal, aí qualificado de "estupro"), tuteladora da liberdade sexual da mulher contra o acto de a constranger à conjunção carnal, mediante violência ou ameaça, ou ter entendido que o crime ocorre com a introdução, completa ou incompleta, do pénis na vagina da ofendida, bastando, pois, a introdução parcial, não se exigindo a ejaculação. Cf. a até propósitos o "Código Penal anotado", de Damásio de Jesus, Ed. Saraiva, páginas 560 e 561, com citação de jurisprudência. A resultados semelhantes se chega face ao recente Código Penal francês, em que o "viol" tem como elemento essencial qualquer acto de penetração, seja qual for a sua natureza, cometido com violência, coacção, ameaça da surpresa, em nada modificando a definição do artigo 332 do Código anterior, apenas agravando a repressão (cf. "Nouveau Code penal, mode d'emploi", U.G.E., 1993, página 83). Também no Código alemão, a Vergewaltigung (violação) se contenta com o Beischlof (relação sexual, acto, comercio sexual, coito, do parágrafo 177), naturalmente entre pessoas de sexo diferente. A violação, como a Sexuelle Nottigung do parágrafo 178 (coacção sexual), constam do título da "infracção contra a autodeterminação sexual" (Straftalen gegen die sexuelle Selbstibastimmung), o que bem demonstra ser esta o bem jurídico protegido e não o modo como a relação sexual se efectua (completa ou incompleta, fisiologicamente consumada ou não, com orgasmo ou sem ele). Volvendo à descrição do n. 2 do artigo 201 do nosso Código e tendo em conta o tradicional conceito de "cópula", em sentido médico legal (introdução total ou parcial do membro viril na vagina da mulher), por "acto análogo" só pode entender-se qualquer contacto físico entre os mesmos órgãos que, não sendo "cópula", todavia é idóneo para lesar ou ofender o bem jurídico protegido na norma incriminadora, independentemente da circunstância de ter havido "immissio seminis". Com efeito, não sendo esta "imissio" exigida para a cópula, não se vê que possa sustentar-se que o seja para o "acto análogo". Como vimos, o conceito de "cópula" está longe de exigir a concepção atávica da ejaculação do parceiro masculino. Das teorias em confronto - a acolhida no acórdão recorrido e a propugnada pelo recorrente é a primeira que, bem vistas as coisas, menores probabilidades de erro apresenta e a que melhor resiste à critica. Concluíram, por conseguinte, que o Tribunal "a quo" decidiu bem e não violou, no que concerne à menor C, as disposições invocadas na quarta conclusão da motivação do recorrente. 8 - Melhor sorte não merecem a duas últimas conclusões. A matéria de facto aprovada mostra que o recorrente agiu com dolo directo intenso, com o fim, censurável, de satisfazer paixões lascivas em menores e em circunstâncias que deveras facilitaram os contactos sexuais com as mesmas, para além da natural vulnerabilidade delas, de que se aproveitou e com abuso das especiais relações com os respectivos progenitores. Nenhuma dúvida se oferece quanto ao elevado grau de ilicitude dos factos. Nenhuma circunstância atenuante de relevo se provou a começar pela negação das condutas que lhe eram imputadas; que durante o exercício da sua actividade profissional tivesse procedido à realização de tratamentos e acompanhamento em muitas senhoras e crianças e que a todos tivesse tratado com esmero, dedicação e respeito, sendo conceituado e estimado socialmente; nem que tivesse bom comportamento e que sempre tivesse tratado com respeito e amizade os seus inquilinos e demais pessoas da vizinhança bem como todas as crianças por quem sente e sempre sentiu um grande carinho. Nada se provou, também, em matéria de conduta posterior aos factos, em especial que tenha procurado, até onde lhe era possível, reparar as consequências dos crimes, por natureza gravosas. Os elementos relativos à sua personalidade não apontam para um juízo favorável quanto a qualidades ou aspectos positivos, e, em especial, não se provou que sofresse de qualquer anomalia susceptível de explicar a revelada tendência para atracção sexual mórbida pelas crianças. Com isto, o recorrente mostrou ter omitido uma preparação, que lhe era exigível, para manter uma conduta licita, respeitando as menores, falta que se manifesta claramente nos factos apurados. O Tribunal "a quo" determinou criteriosamente as medidas das penas, parcelares e unitária, em função da culpa do recorrente e justamente invocou, neste plano, os fins de prevenção geral e especial, ínsitos nas mesmas penas, que se mostram proporcionadas à culpa revelada. Se algum reparo pudesse fazer-se seria uma certa benevolência que, apesar de tudo, as caracteriza. Nenhuma censura, por fim, se oferece quer relativamente à qualificação dos crimes e ao seu carácter continuado, aspecto que o recorrente, aliás, não põe em causa, quer quanto aos critérios de punição estabelecida no artigo 78 do Código Penal. Não se mostram violados, por conseguinte, nem aquele artigo nem os demais indicados nas conclusões da motivação do recurso (artigos 30, n. 2, 71 e 72 e 201, n. 2, todos do mesmo Código). 9 - Improcedendo, assim, todas as referidas conclusões, decidiu negar provimento ao recurso. O recorrente pagará a taxa de justiça 10 UCs, com procuradoria de 1/4 (um quarto). Fixam-se em 7500 escudos os honorários do defensor oficioso. A primeira instância tomará posição relativamente à aplicação: da Lei n. 15/94, de 11 de Maio, para não privar o recorrente do duplo grau de recurso, como tem sido entendido neste Supremo Tribunal. Lisboa, 2 de Novembro de 1994. Lopes Rocha; Ferreira Vidigal; Amado Gomes; Figueiredo Marçal. Decisão impugnada: Acórdão de 2 de Dezembro de 1993 do Tribunal do Círculo de Penafiel - 2 Secção. |