Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | SOUTO DE MOURA | ||
Descritores: | HOMICÍDIO QUALIFICADO OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA GRAVE ARMA BRANCA FACA AGRAVANTE MOTIVO FÚTIL MEIO INSIDIOSO DESISTÊNCIA TENTATIVA MEDIDA CONCRETA DA PENA PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL CULPA ILICITUDE ARREPENDIMENTO ATENUANTE COMPRESSÃO | ||
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Data do Acordão: | 01/08/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | INDEFERIDO | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - FACTO / FORMAS DO CRIME - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA - CRIMES CONTRA A INTEGRIDADE FÍSICA. DIREITO PROCESSUAL PENAL - ACTOS PROCESSUAIS / FORMA DOS ACTOS E SUA DOCUMENTAÇÃO - SENTENÇA (NULIDADES) - RECURSOS. | ||
Doutrina: | - Anabela Rodrigues, “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, Rev. Port. de Ciência Criminal, Ano 12 nº 2, p. 154 e segs.. - Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2005, pp. 214, 227 e ss.. - P. P. Albuquerque, Comentário do CP, p. 137. - Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, 1999, p. 217. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO DE PENAL (CPP): - ARTIGOS 1.º, N.º1, AL.F), 100.º, N.º3, 379.º, N.º1, AL. B), 410.º, N.º 2. CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 24.º, N.º1, 40.º, 71.º, N.ºS 1 E 2, 132.º, N.º2, ALS. E), I), 143.º, 144.º, AL. D), 145.º, N.ºS 1, AL. B), E 2. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 18.º. | ||
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Sumário : | I - Da matéria de facto provada resulta que a vítima estava na varanda da sua casa, do 1.º andar do edifício onde morava, quando surgiu o arguido, que habitava o rés-do-chão do mesmo prédio, e «iniciou uma discussão com a mesma motivada pelo facto de aquela se recusar a ajudá-lo num serviço de limpeza». E, «na sequência dessa discussão», o arguido, aproveitando o facto de Y se encontrar de costas voltadas para si, sentada com o tronco inclinado sobre os pés, a pintar as unhas dos mesmos, e ao mesmo tempo que dizia “agora tu vais morrer” e “hoje tu vais morrer”, sacou de uma navalha, com aproximadamente 11 cm de lâmina, e desferiu na ofendida um golpe na região cervical. Está, assim, verificada a agravante qualificativa prevista no art. 132.º, n.º 2, al. e), do CP, «motivo fútil».
II - A agressão levada a cabo pelo arguido desencadeou-se de maneira imprevisível para Y. Não é por se estar a discutir com alguém que se tem que prever que esse alguém, sem ser visto, por agir pelas costas da vítima, a vai atacar com uma navalha na região cervical, quando ela estava sentada e reclinada para a frente a pintar as unhas dos pés. O arguido usou, assim, de um meio insidioso, nos termos previstos na al. i) do n.º 2 do art. 132.º do CP. III - Após ter desferido vários golpes, o arguido pegou na vítima e levou-a para a casa de banho do rés-do-chão, e, sobretudo, providenciou pela chamada dos socorros médicos que lhe salvaram a vida. Esta atuação, que envolve uma desistência livre e eficaz, deve ser valorada ao nível da absolvição pelo crime de homicídio, por o seu cometimento ter deixado se ser punido, mas não pelo crime consumado de ofensa à integridade física grave, qualificada. IV - Do art. 40.º do CP fica-nos a indicação de que a pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo (quer ao nível da prevenção geral positiva, ou até de intimidação, quer ao nível da prevenção especial), não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição qua tale da culpa. V - Assim, a partir da moldura legal do crime, haverá que formar uma submoldura para o caso concreto, limitada, no máximo, pelo ponto ótimo da satisfação das necessidades de prevenção geral positiva, e, no mínimo, pela medida ainda ajustável àquelas necessidades. As exigências de prevenção especial ditarão a pena concreta, tudo, evidentemente, sem ultrapassar o grau de censura que o agente pode suportar, ou seja a sua culpa. VI - No caso em apreço, o comportamento pelo qual o recorrente foi condenado, ofensas à integridade física graves e qualificadas, causa consabidamente alarme na comunidade, sobretudo estando em causa a superioridade física normal do homem agressor, em relação à mulher agredida, e ainda por cima fazendo ele uso de arma branca. Comportamentos como este causam naturalmente insegurança na população, pelo que as necessidades de prevenção geral são um facto. VII - Ao nível das suas condições pessoais, o recorrente tinha 37 anos quando cometeu os factos. Natural da Ucrânia, frequentou o ensino durante 12 anos, dos quais os 3 últimos, tirando um curso profissional de carpintaria, que lhe foi permitindo ter um trabalho regular na construção civil, embora nos últimos tempos com maior instabilidade, face à conjuntura. Veio para Portugal, já em 2001, e acabou por beneficiar de visto de permanência por 5 anos, e não de 1 ano como antes. Só lhe têm apontado qualidades ao nível das relações de vizinhança e no trabalho profissional. Apoiou economicamente irmãos seus e já trabalhava mesmo quando estava a estudar. É primário. Apresentou um discurso bastante crítico e desvalorizador da pessoa da vítima, de molde a beneficiar de alguma desculpa pelo seu comportamento, e, pontualmente, apareceu a consumir exageradamente álcool depois do trabalho. VIII - Por outro lado, o comportamento posterior à prática do crime, surge como sinal claro de arrependimento, devendo valorar-se como circunstância atenuativa geral. Na verdade, a desistência livre e profícua, da tentativa de homicídio, foi tomada em conta para efeito de não punibilidade, e por razões de política criminal estrita. O arrependimento ativo ainda não foi valorado ao nível do grau de culpa ou da ilicitude, com qualquer repercussão na medida da pena. Poderá sê-lo agora. As necessidades de prevenção especial não se mostram, tudo visto, prementes. IX - Numa moldura que vai de 3 a 12 anos de prisão, a pena justa a aplicar ao recorrente é de 6 anos de prisão [em substituição da pena de 9 anos de prisão fixada pelo tribunal recorrido]. | ||
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Decisão Texto Integral: | AA, solteiro, servente de pedreiro, natural da Ucrânia, onde nasceu a 5/4/1975, residente em S… B… de A… antes de estar preso preventivamente, no Estabelecimento Prisional de Faro, foi julgado no Tribunal Judicial de Faro, 1 ° Juízo Criminal, em processo comum e por tribunal coletivo, e condenado em acórdão de 11/7/2013 (e não de 11/7/2012, como por mero lapso aí se fez constar), pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo art. 145.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, por referência ao art. 132º, n.º 2, alíneas e) e i), do CP, na pena de 9 anos de prisão, para além da condenação em indemnizações cíveis, a pagar às instituições hospitalares que socorreram e trataram a vítima. Insatisfeito, recorreu para o STJ, em matéria de direito, relativamente à qualificação da sua conduta e à medida da pena. Levados os autos ao Tribunal da Relação de Évora, vieram a ser remetidos a este Supremo Tribunal. A – DOS FACTOS Deram-se por provados, no acórdão recorrido, os seguintes factos: "II. A1) Com relevância para as questões de saber se se verificaram os elementos constitutivos do crime de que vem acusado, se foi o arguido quem o praticou, se atuou com culpa ou se se verificou alguma causa que exclua a ilicitude ou a culpa: 1- No dia 15 de julho de 2012, cerca das 20h00, quando BB se encontrava no terraço/varanda da sua residência, localizada no 1º andar do número xxx - C, no sítio do C… da M…, em São Brás de Alportel, a pintar as unhas dos seus pés sentada numa cadeira, surgiu o arguido, residente no rés-do-chão do mesmo prédio, que iniciou uma discussão com a mesma motivada pelo facto de aquela se recusar a ajudá-lo num serviço de limpeza; 2- Na sequência dessa discussão, e aproveitando o facto de BB se encontrar de costas voltadas para si, sentada na cadeira com o tronco inclinado sobre os pés, a pintar as unhas dos mesmos, o arguido, ao mesmo tempo que lhe dizia, “agora tu vais morrer”; “hoje tu vais morrer”, sacou de uma navalha que já trazia consigo, com aproximadamente 11 cm de lâmina, e, com a mesma, deferiu em BB um golpe na região cervical; 3- De imediato, BB levantou-se da cadeira, gritou e correu pelo terraço para fugir ao arguido, mas este foi no seu encalço e logrou alcançá-la; 4- Nessa sequência, BB e o arguido agarraram-se mutuamente, tendo o arguido, na sequência de tal envolvimento, conseguido colocar-se atrás das costas de BB e, nessa posição, desferir um golpe, com a navalha que continuava a empunhar, no pescoço; 5- De seguida, o arguido tentou novamente golpear com a navalha BB na zona do pescoço, mas esta logrou levar as mãos a essa zona do corpo para se proteger, razão pela qual o golpe desferido pelo arguido a veio a atingir em ambas as mãos; 6- Em momento não apurado, o arguido logrou ainda desferir com a navalha um golpe na zona posterior e lateral do tórax direito de em BB; 7- Na sequência das feridas provocadas pelos golpes desferidos pelo arguido, BB sangrou abundantemente, o que a fez sentir-se desfalecer, ao que o arguido a transportou ao colo até ao rés-do-chão da casa, e levou-a até à casa de banho; 8- De seguida, o arguido transportou-a até ao exterior da residência, e solicitou ajuda, ao que um vizinho do arguido que ali se encontrava e que ligou para o n.º 112, que enviou duas ambulâncias, que transportaram o arguido e a ofendida ao Hospital de Faro, após terem prestado os primeiros socorros a ambos ainda no local; 9- Com a atuação descrita, o arguido causou na ofendida: a. Uma ferida incisa na zona posterior e lateral do tórax direito (dorsal paravertebral direita), de grande eixo longitudinal com trajeto ascendente, de bordos regulares, com cerca de 4 cm, uma ferida incisa cervical anterior, na linha media, longitudinal com cerca de 3 cm, de bordos regulares, uma ferida incisa no punho direito, feridas na região palmar esquerda e feridas longitudinais incisas dos dedos 2, 3 e 4 da mão esquerda, que lhe provocaram um período de doença por 21 (vinte e um dias), dos quais 12 (doze) dias com afetação da capacidade para o trabalho geral e para o trabalho profissional; b. Cicatrizes no segundo, terceiro e quatro dedos da mão esquerda, uma cicatriz vertical de 3 cm no pescoço, uma cicatriz de 6 cm axilar/escapular direita, uma cicatriz de 6 cm na axila direita, decorrente de toracotomia de drenagem axilar posterior direita, e uma cicatriz no 3º dedo da mão direita, que lhe causaram limitações da mobilidade da mão esquerda e perigo para a vida; 10- O arguido, ao desferir com a navalha golpes na cervical, no tórax e no pescoço de BB, atuou com o propósito de a matar, querendo, como resultado prévio à morte, atingir o corpo daquela, causando-lhe perigo para a vida; 11- Atuou de forma livre, voluntária e consciente; 12- Ao transportá-la para a casa de banho do rés-do-chão da moradia e ao pedir ajuda aos vizinhos para que chamassem uma ambulância para socorrer BB, o arguido pretendeu, de forma voluntária, impedir a que a morte da mesma viesse a ter lugar; 13- O arguido sabia que sua conduta descrita em 10 e 11 é proibida e punida por lei; 14- O arguido e BB viveram em união de cama, mesa e habitação de junho de 2011 a junho de 2012; 15- O arguido cortou-se a ele próprio com a navalha na mão direita; (…) II. A4) Com relevância para aferir das condições pessoais, socioeconómicas e passado criminal do arguido: 35- AA é oriundo de um agregado familiar composto por uma fratria de cinco elementos e com um estrato socioeconómico desfavorecido, sendo que, nesse contexto, o arguido, ainda enquanto estudante, desenvolvia, pontualmente, tarefas indiferenciadas para contribuir para a economia familiar; 36- Frequentou o sistema de ensino durante cerca de 12 anos, sendo os últimos três anos referentes a um curso técnico-profissional na área de carpintaria; 37- Na globalidade, o percurso laboral do arguido decorreu no setor da construção civil, registando pelo menos um período de emigração na Bielorrússia, na sequência de um mercado de trabalho instável no país de origem; 38- Autonomizou-se do agregado de origem em data não apurada, tendo vivido uma relação marital durante cerca de três anos, que terminou há cerca de 15 anos, na sequência do estabelecimento de uma relação extramarital por parte da então companheira; 39- Não obstante, manteve contactos próximos com o descendente – na atualidade com dezasseis anos de idade -, situação que se alterou nos últimos anos por motivos de desinteresse da mãe do filho; 40- A residir em Portugal desde 2001, com o objetivo de alcançar melhores condições de vida, fixou-se inicialmente – e juntamente com um irmão que viria a sair de Portugal decorrido um ano -, em Vila Real de Stº António, tendo reintegrado o mercado de trabalho no setor da construção civil, em moldes regulares mas para diferentes entidades patronais, pelo que, após um período de residência em Tavira, fixou-se em São Brás de Alportel há cerca de oito anos. 41- A estabilidade laboral possibilitou a regularização da permanência em Portugal, inicialmente de caráter anual, tendo a última autorização de residência sido concedida por um período de cinco anos, cuja validade terminou em abril; 42- Nesse contexto, deslocava-se anualmente ao país de origem, apoiando economicamente os irmãos (o pai faleceu em 2002), os quais, face à presente situação de reclusão não têm evidenciado uma atitude de solidariedade; 43- Nos últimos três anos, e na sequência das alterações do mercado de trabalho, o arguido vivenciava uma situação de instabilidade laboral – tendo usufruído de subsídio de desemprego -, mas compatível com o assegurar da sua manutenção (constituindo a despesa fixa mais relevante a renda habitacional no valor €250), desenvolvendo trabalhos diversos, conforme as solicitações; 44- Para além de trabalhos de manutenção de habitações para vizinhos, trabalhava, havia cerca de um ano, na fábrica de alfarroba em São Brás de Alportel, onde auferia € 40 ao dia; 45- O arguido é caracterizado como um vizinho disponível para ajudar terceiros, que geria de forma adequada os seus recursos económicos – mesmo, em situação de dificuldade económica, não solicitava apoio, optando por reduzir as suas despesas básicas -, um trabalhador empenhado e que mantinha adequadas relações com colegas e/ou entidade patronal. Socialmente privilegiava o convívio com concidadãos; 46- O arguido registava, pontualmente, no horário pós-laboral, situações de consumo excessivo de bebidas alcoólicas. 47- O estabelecimento da relação marital com a ofendida, cerca de um ano antes dos factos subjacentes ao presente processo, caracterizou-se, desde o início, por discussões regulares no período em que o arguido regressava ao domicílio, após o trabalho, situações justificadas pelo arguido pelo facto da ofendida não denotar interesse em diligenciar no sentido de desenvolver uma atividade remunerada; 48- O arguido embora denote capacidade de análise crítica relativamente ao bem jurídico em causa – atendendo ao dano e à existência de vítima -, tendenciosamente apresenta um discurso de desvalorização social da ofendida, enfatizando os hábitos de consumo de bebidas alcoólicas da mesma e a sua situação de extrema precariedade sócio laboral, em detrimento de uma adequada avaliação do seu comportamento que enquadra num contexto circunstancial; 49- Em meio prisional, o arguido tem registado um padrão comportamental coadunante às normas vigentes no mesmo, tendo-se inscrito no curso de português para estrangeiros, embora não tenha vindo a denotar motivação pela frequência do mesmo, e para desenvolver atividade laboral; 50- A situação de reclusão tem sido vivenciada com alguma penosidade, compreendendo a sua situação jurídico-penal e atendendo à ausência de apoio exterior, tendo apenas sido visitado pelo concidadão que no momento se encontra, temporariamente, no país de origem; 51- O arguido é primário;" B – RECURSO O recorrente terminou a motivação do seu recurso formulando as seguintes conclusões: " DA ERRADA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA I- O recorrente foi condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artº 145º nº 1 al. b) e nº 2 por referência ao artigo 132º nº 2 alíneas e) e i) do Código Penal, na pena de 9 (nove) anos de prisão; II- Os factos provados no seu conjunto, não permitem a qualificação do crime de ofensa à integridade física qualificada, não se tendo por verificadas quaisquer circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do recorrente, pelo que o arguido deveria ter sido condenado pelo crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. artº 144º al. d) do Código Penal, com a penalidade aplicável de dois a dez anos de prisão, tendo o tribunal a quo avaliado mal a conduta global do arguido e as circunstâncias do crime, o que determinariam a aplicação de uma pena menos gravosa, ao não fazê-lo o tribunal violou o disposto no artº 145º nº 1 al. b) e nº 2 por referência ao artigo 132º nº 2 alíneas e) e i) do Código Penal, que erradamente aplicou e o disposto no artº 144º al. d) do Código Penal. III- Não se apurou a qualificativa prevista no artº 132º nº 2 al. e) do C P, na parte motivo fútil ou torpe, uma vez que a verdade é que não se sabe que conversa houve entre o recorrente e a ofendida nos momentos que antecederam o crime e, portanto, ignora-se qual a real motivação que lhe presidiu. Essa conversa pode ter versado sobre a questão da recusa na ajuda ao arguido num serviço de limpeza ou em desavenças relacionadas com a relação que ambos tiveram desde Junho de 2011 a Junho de 2012 (facto provado nº 14), como pode ter sido por uma outra qualquer questão, relacionada com tema completamente diverso. Desconhecemos o que terá acontecido no percurso de tal discussão, com viabilidade bastante para romper com ímpeto a acção do arguido. De igual modo não se sabe os sentimentos que levaram o arguido à prática do crime. Tal falta de prova não pode prejudicar o arguido. IV- Não podemos concluir de modo algum que o arguido manifestou profundo desprezo pela vida da ofendida. V- É este mesmo arguido, que na hora e no local do crime pegou na vítima ao colo – sentindo-se desfalecer e sangrando abundantemente - e a transportou até ao rés-do-chão da casa e a levou até à casa de banho (facto provado 7). VI- É este mesmo arguido que de seguida, a transportou até ao exterior da residência e solicitou ajuda, ao que um vizinho do arguido, que ali se encontrava e que ligou para o 112 que enviou duas ambulâncias que transportaram o arguido e a ofendida ao Hospital de Faro, após terem prestado os primeiros socorros a ambos no local (facto provado nº 8) VII- É este mesmo arguido que, ferido como estava (facto provado 15) e tendo recebido primeiros socorros e depois transportado em ambulância para o Hospital de Faro (facto provado 8), presta assistência relevante e adequada à ofendida, evitando, dessa forma e pelo seu comportamento e acção, que mal maior lhe adviesse. Como conseguiu. VII- O arguido, com o seu comportamento, avaliado no seu conjunto, não agiu com egoísmo mesquinho e insignificante, pois, como se provou, o mesmo foi capaz de altruísmo e de actos de solidariedade espontânea relevantes para com a ofendida, na mesma ocasião, lugar e tempo do crime. VIII- De igual modo, errou o acórdão recorrido quando considerou verificada a qualificativa do artº 132º nº 2 al. i) do Código Penal, no que se refere a meio insidioso. IX- Na verdade, atentando na concreta actuação do arguido na perpetração dos factos, não consideramos que o arguido tenha actuado de modo a não deixar à ofendida qualquer possibilidade de defesa, de reacção. Pois tal reacção da ofendida ocorreu, cfr. (facto provado 3)- “De imediato, BB levantou-se da cadeira, gritou e correu pelo terraço para fugir ao arguido…..” Tendo os dois- ofendida e arguido - agarrando-se mutuamente (facto provado 4). Tendo a ofendida logrado levar as mãos a essa zona do corpo para se proteger (facto provado 5). X- De um modo geral, entende-se que o arguido ao cometer o crime, o fez em circunstâncias que não revelam especial censurabilidade ou perversidade, uma vez que o arguido auxiliou a ofendida, no local e no mesmo tempo do crime, cfr facto provado nº 12. XI- Assim não o entendeu o Tribunal “ a quo”, fazendo errada aplicação do artº 145º nº 1 al. b) e nº 2 do Código Penal, uma vez que, in casu, não se verificam as circunstâncias qualificativas previstas no artº 132º nº 2 als. e) e i) do mesmo CP. XII- Em consequência, deve a conduta do arguido ser enquadrada no crime de ofensa à integridade física grave, em conformidade com o disposto no artº 144º al. d) do Código Penal, com a penalidade prevista para o crime de pena de prisão de dois a dez anos. O que determina a redução da pena aplicada ao arguido, tendo em conta os critérios legais previstos nos artºs 40º nºs 1 e 2 e artº 71 do Código Penal para uma pena não superior a seis anos de prisão. DA MEDIDA DA PENA XIII- Na verdade, o tribunal a quo, não avaliou correctamente todas as circunstâncias que depõem a favor do arguido, e aplicou ao mesmo uma pena de prisão excessiva e desajustada, face aos factos provados, e que extravasa a medida da culpa e as exigências de prevenção, tendo violado o disposto nos artigos 40º nº 1 e 2 e artº 71º do Código Penal. XIV- O Tribunal “ a quo” não considerou suficientemente o que vem explanado no relatório social do recorrente, embora o tenha dado como provado (factos provados nºs 18 a 34). XV- Como resulta do relatório social (pág. 3) nos vários contactos efectuados não foram detectadas referências estigmatizantes. (pág. 4), o arguido mantinha contacto regular com a ofendida por sentimentos de solidariedade , apoiando-a ao nível alimentar. E bem assim das conclusões do relatório social (pág. 4) o arguido não é agressivo ou violento. XVI- Como resulta do acórdão recorrido, o arguido prestou declarações e admitiu, em parte, a prática do crime, tendo vários dos factos provados sido assim considerados pelo tribunal “ a quo” como fundamento nas suas declarações, como se retira da motivação da decisão de facto do acórdão recorrido. XVII- Mais verbalizou que estava arrependido (fls. 32 do acórdão). No entanto, o tribunal a quo considerou, erradamente, que tal declaração foi feita sem autenticidade e não revelando sincero arrependimento. Ao contrário, o arguido verbalizou o que sentia e fê-lo até pedindo desculpas. Tal arrependimento é sincero e deve ser valorado a favor do arguido. Na verdade, tal arrependimento não se retira apenas das suas palavras na audiência de julgamento. Tal arrependimento e arrependimento activo, verificou-se logo no dia, hora e local do crime, atente-se os factos provados nºs 7, 8, 12 e 15. XVIII- Tal arrependimento foi inclusivamente percepcionado pela ofendida, como pode ler-se na página 9 do acórdão recorrido, onde se transcreve as declarações da ofendida…conseguiu libertar-se do arguido e correr pelo terraço, mas por que sangrava muito, começou a perder as forças. Nessa altura, “ alguma coisa passou pela cabeça do arguido” por que ele pegou-lhe ao colo e levou-a para o rés-do-chão, após o que foi chamar os vizinhos….” A testemunha Emanuel Lopes Jesuíno declarou, entre o mais ….” Depois viu o arguido sair à rua, em pânico, a pedir socorro. Por esta razão, chamou o 112”, a fls., 9 do acórdão. XIX- O arguido não demonstrou indiferença perante as consequências do crime. Foi solidário com a ofendida. E fê-lo, em situação muito penosa e sofrida para si próprio, já que também ele sangrava abundantemente da mão direita (com feridas da face anterior dos 2º, 3º e 4º dedos da mão direita com secção dos tendões flexores profunda, cfr. relatório médico hospitalar de fls., 288 e 63 dos autos) e que nesse estado transportou a ofendida ao colo, descendo mais de 10 degraus desde o terraço até ao rés-do-chão da casa, e que também ao arguido foi no local logo prestado socorro (página 11 do acórdão) e que os vestígios da reportagem fotográfica constante dos autos, apontam para o transporte da ofendida pelo arguido para o rés-do-chão (página 11 do acórdão). XX- A conduta posterior- até concomitante- do arguido em relação à ofendida (artº 71º nº 2 al. e) do C P- deve ser considerada atenuante, tendo-se precisamente destinado a reparar e de forma muito relevante, as consequências do crime. Essa atitude para com a ofendida, adoptada de modo livre e espontâneo, é bem revelador dos sentimentos do arguido e do seu carácter e personalidade e bem assim à sua preparação para manter uma conduta lícita. XXI- São de pouca monta as exigências de prevenção especial. Trata-se de um arguido, sem passado criminal. A sua vida e a da ofendida encontram-se separadas e, a sua reclusão é já para si mesmo, especialmente penosa, já que não tem visitas, nem qualquer apoio exterior, nem da família. XXII- Ora, da leitura do Acórdão recorrido, verificamos que o Tribunal “a quo” ao aplicar ao arguido a pena de 9 anos de prisão não teve presente as finalidades de reintegração da pena de prisão, tendo violado o disposto no artº 40º do Código Penal. XXIII- Face aos factos e ao direito apurados em julgamento, mesmo no enquadramento normativo feito pelo colectivo “a quo”, a pena de prisão de 9 anos aplicada ao arguido, peca, por si só, por ser excessivamente gravosa, ultrapassando a medida da culpa. XXIII- Tal pena, nunca poderia além dos 6 anos de prisão, pelo que o Tribunal “ a quo” ao decidir como decidiu, violou o disposto no nº 2 do artº 40 e artº 71 do Código Penal." O Mº Pº respondeu e disse a concluir: " 1- Os factos apurados no decurso da audiência de discussão e julgamento, integram o crime de ofensas à integridade física qualificada p. e p. pelo artigo 145°, n° 1, alínea b) e n° 2, por referência ao artigo 132°, n° 2, alínea c) e i) do Código Penal - cfr. fls. 531 a 542e 542 a 556 que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais. 2- A pena em que o arguido foi condenado mostra-se criteriosa e judiciosamente fixada, de acordo com os critérios estabelecidos nos artigos 71° do Código Penal e 375°, do Código de Processo Penal; 3- Não se verifica nenhuma das violações legais mencionadas pelo recorrente; 4- Deve, pois, ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo-se, na íntegra o douto acórdão recorrido."
Já neste STJ, o Mº Pº defendeu, a dado passo do seu parecer:
"Questões prévias: 1- Da acta da audiência do dia 11/6/2013 a primeira testemunha a ir ser ouvida era Código Cívil que pediu para ser ouvida sem ser na presença do arguido, não se tendo oposto nem o M.P. nem o defensor oficioso do arguido. No entanto o despacho proferido pelo Mmº Juiz Presidente do Coletivo é completamente despropositado pois refere-se a uma testemunha de nome DD de 23 anos, estudante, residente em Olhão, que nem prestou juramento por ser filha da vitima!!!. Toda a fundamentação do despacho tem a ver com esta testemunha e não com a CC!!! (fls. 507). 2- Previamente à leitura do Acórdão condenatório, na acta de 11/7/2013, na reabertura da audiência foi comunicada uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação que foi ditada para a acta com os factos que constam nos seis parágrafos, sendo depois fundamentados a nível de factos e de qualificações. O MºPº e o defensor nada requereram para preparação da defesa. No entanto parece-nos que bem resulta da própria fundamentação que a alteração foi substancial nos termos do artº 358º nº 1 e 2 do CPP. 3- O acórdão condenatório assinado pelo Coletivo apesar de estar datado um ano antes – 2012, segundo a acta foi proferido no dia 11/7/2013. (…) I- Questão prévia ao conhecimento do recurso do arguido/recorrente AA. 1- O acórdão condenatório proferido pelo Circulo Judicial de Faro, absolveu o arguido AA de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artºs 131º, 132º, nºs 1 e 2, e) e j), artºs 23º, 72º e 73º nº 1 b) e nº 2, na pena de 9 anos de prisão. A decisão que levou à absolvição daquele crime tem por fundamento “os factos apurados constituem inequivocamente uma tentativa acabada de homicídio na pessoa BB”, mas a conduta consubstancia uma desistência relevante da tentativa que constitui um pressuposto negativo da punibilidade concretamente sob a forma de uma causa pessoal de exclusão da pena (cfr. Figueiredo Dias ob. cit. p.755) que impede que o arguido possa ser punido pela prática do crime de homicídio na forma tentada (Acórdão recorrido, fls. 547). E depois expressamente também é referido que “porém, o facto de o arguido não poder ser punido pela prática do crime de homicídio na forma tentada, tal não significa que a sua conduta fique impune”. 1- Esta afirmação não pode servir de fundamento a uma absolvição pelo crime de homicídio qualificado tentado e uma condenação por ofensas à integridade física agravada. Vejamos porquê. 2- O tribunal recorrido considerou provado que o arguido tinha feito um esforço sério para evitar a morte, pois também nos parece o comportamento voluntário do arguido I... revelou uma clara inversão do seu propósito de matar a vítima, impedindo que com a sua reação que as forças da natureza por ele postas em movimento determinassem a morte da ofendida (neste sentido Ac. do STJ de 12/2/99, p. 1415/99, 3ª sec.). O arguido com a sua primeira atuação havia criado todas as condições da realização típica do crime de homicídio, mas logo de seguida interveio ativamente em benefício da vítima. Daqui só se pode concluir que se verifica o crime de homicídio tentado, mas que, devido à sua desistência ativa, deixa de ser punido. O tribunal recorrido não pode absolver o arguido, porque o mesmo cometeu o crime de homicídio qualificado tentado, só que devido à sua desistência ativa, não pode aplicar uma pena condenatória, conforme dispõe o artº 24º do CP. Segundo Pinto Albuquerque, (in Comentário do CP), a desistência da tentativa é uma causa pessoal de exclusão da pena, que beneficia o desistente em virtude da falta de dignidade penal da tentativa, fls. 24, 117. Igualmente Figueiredo Dias, ensina que a impunibilidade da desistência funda-se na opção politico- criminal do legislador de considerar que, em casos tais (desistência da tentativa) o facto praticado não exige punição do ponto de vista, geral e especial (Dtº Penal, T.1, cap.26, 39). O arguido Ivan acabou por ser absolvido do crime de homicídio tentado, segundo nos parece para que os factos que integram este crime pudessem eventualmente ser considerados violadores do crime p. no artº 145º do C.P.. No entanto uma absolvição do arguido por autoria daquele crime mais grave, só podia verificar-se se os factos dados como provados não integrassem o crime p. nos artºs 22º, 23º, 131º, 132, 72º e 73º do C P. 3- Por isso os factos que constituem este crime de homicídio tentado, não podem ser duplamente valorados e integrarem também outro crime o de ofensas à integridade física agravada do artº 145º nºs 1 e 2 do CP. 3.1 Mas apesar disso no conjunto de agressões de que foi vítima a BB, há algumas que não poderão ter causado perigo de vida e só assim, se tal for entendido, é que podem ser autonomamente valoradas, integrando um crime de ofensa à integridade física do artº 143º do CP. 3.1.1 E esta interpretação resulta dos termos jurisprudenciais e doutrinais que se têm pronunciado sobre a questão suscitada. O regime da desistência nos casos dos crimes consumados, é restrito ao impedimento do resultado abrangido pelo dolo da tentativa, embora não compreendido no tipo de crime, pelo que continuam a ser punidos os crimes de resultado entretanto praticados, como sejam, v.g., a coação, as ameaças, as ofensas à integridade física, a introdução em casa alheia ou o crime de dano nos crimes de violação. O resultado de que fala o preceito é, pois, só o resultado que se pretendia com a tentativa e não outro (Cons. Simas Santos, Ac. de 5/7/2007, p. 2300/07). A consumação formal do crime verifica-se quando ocorre o resultado compreendido no tipo. O “resultado não compreendido no tipo” respeita ao exaurimento ou consumação material do crime, isto é, à “verificação do resultado” em função do qual se antecipou a tutela penal, … os crimes de perigo concreto… (Jorge Fonseca, 1986: 155 e 159, e Costa Pinto, 1992: 43 e 51). Mas estão excluídos do regime de não punibilidade os crimes de resultado consumados durante a tentativa, como por exemplo, a coação, as ameaças, a ofensa à integridade física e a violação de domicílio ou o dano cometidos durante as tentativas de violação, roubo, extorsão ou furto, como também estão excluídos os crimes de perigo abstrato entretanto cometidos (Sousa e Brito, in Actas CP/Figueiredo Dias, 1993:459) - (Paula Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, fls. 118). 3.2 Não podemos pois deixar de tentar defender que face à matéria de facto provado no acórdão proferido no Tribunal de Faro, o arguido AA cometeu o crime de homicídio qualificado tentado (artºs 131º, 132º nº 2 e) e j), 22º, e 23º do CP) sem que possa ser punido devido à desistência ativa p. no artº 24º também do CP. Daqui terá de resultar que eventualmente o arguido conjuntamente só poderá ser condenado por um crime de ofensas à integridade física do artº 143º do CP a ser fixada em 1 ano de prisão. II- Recurso interposto pelo arguido AA. 4- Se porém assim não for doutamente decidido então também nos parece que não resultam dos factos provados circunstâncias que preencham as qualificativas que o Tribunal recorrido considerou e com as quais o arguido/recorrente também discorda. 4.1 A doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça são no sentido que o crime base que o arguido/recorrente poderia ter cometido era o homicídio simples (embora tentado), conforme está determinado no artº 131º porque o homicídio qualificado é uma forma agravada do homicídio simples, não se podendo considerar o contrário - o homicídio simples ser uma atenuação do agravado. As circunstâncias referidas no exemplo-padrão (n.º 2 do artº 132.º) serão elementos que constituem o tipo de culpa que revelam “ser valor de atitude” que originam a especial censurabilidade, que também se aplicam às ofensas à integridade física, conforme dispõe o nº 2 do artº 145º. 4.2 O motivo fútil que o Tribunal recorrido considerou verificar-se na matéria de facto provada como circunstância de especial censurabilidade p. na al. e) nº 2 do artº 132º do CP resultou do arguido Ivan ter discutido e atacado à navalha a ofendida por esta se recusar a ajudá-lo num trabalho de limpeza. No entanto da própria fundamentação da doutrina ali referida parece resultar exatamente o contrário do decidido – que o motivo não se apresenta de importância mínima, frívola, leviana ou até gratuita. 4.2.1 Não podemos deixar de referir também jurisprudência do Supremo Tribunal, em que “motivo torpe é o indecoroso, impudico, sórdido que repugna à generalidade das pessoas” (Acs. do STJ de 18/2/98, proc. 1414/93, 3ª sec) ou “motivo torpe é … o que considera comummente como muito repugnante ou baixo” (Ac. do STJ de 12/4/2012 proc. 249/11.0PCSNT.S1, 5ª Sec.). Ou ainda o motivo fútil considerado no acórdão do STJ de 27/5/2010 da 5ª sec. p. 517/08.9JACBR.C1.S1.) - “para se avaliar se um motivo é fútil tem de se relacionar a gravidade do comportamento com o móbil do crime. E então, se nenhum motivo justifica causar a morte de outrem (daí ser crime), a grande desproporção entre o que se elege como motivo da acção e aquilo em que esta se analisa, transforma a conduta, não só em algo intolerável, como também em algo absurdo, sem explicação, à luz das conceções éticas correntes, da sociedade. A razão do cometimento do crime tem um valor irrisório para o normal dos cidadãos, comparado com o mal que se provoca com este”. 4.3 Não nos parece que o motivo seja frívolo ou leviano ou torpe ou fútil quando foi dado como provado que “o arguido iniciou uma discussão com a mesma pelo facto de aquela se recusar a ajudá-lo num serviço de limpeza” quando a mesma estava no terraço/varanda, sentada numa cadeira a pintar as unhas dos pés (pontos 1 e 2 da matéria de facto) conjugado com o facto da ofendida não denotar interesse em diligenciar no sentido de desenvolver uma “atividade remunerada”(fls. 30). Da matéria de facto dada como provada não nos parece pois que possa resultar que o arguido tenha agido em circunstâncias que se enquadrem no motivo forte ou fútil pois arguido e vítimas discutiram por causa de eventual prestação de “trabalho”. Por isso parece-nos também, tal como o arguido/recorrente pretende defender que não se verifica esta circunstância qualificativa, independentemente da conduta do arguido poder ser altamente censurável. 5- Outra das circunstâncias especialmente censuráveis que o acórdão da 1ª instância considerou para qualificar o crime de ofensas à integridade física foi a “utilização de meio insidioso”, depois de afastar a frieza de ânimo indicada pelo M.P. na acusação. 5.1 A circunstância “qualquer meio insidioso” foi posta a nível da utilização de veneno no CP de 1982 e é nesse contexto que tem sido e deverá ser considerado – “em função do uso do veneno” pois após o seu uso é difícil a defesa da vítima, porque ainda que reaja o veneno arrasta o perigo das lesões consequentes. Por isso, o “insidioso” será todo o meio cuja forma assuma características análogas às do veneno, do ponto de vista enganador, sub-reptício, dissimulado ou oculto (Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense I, 38 e 30 e do Ac. do STJ de 13/2/08, p. 4200/07, 5ª sec. em que o Exmo Conselheiro Relator foi Adjunto). 5.1.1 No caso concreto foi considerado pelos julgadores que o arguido “perpetrou sobre a vítima um ataque súbito e traiçoeiro, aproveitando-se do facto de se encontrar de costas…”. Mas estas circunstâncias – onde e como se encontrava a vítima, têm de ser conjugadas com todos os outros factos provados e de que resulta o afastamento do ataque súbito e traiçoeiro – a discussão surgida entre ambos devido à vítima se recusar a ajudar o arguido numa limpeza e ao mesmo tempo que lhe dizia “agora vais morrer” e “hoje tu vais morrer” é que o arguido sacou de uma navalha. Daqui resulta que o pequeno golpe nas costas da vítima (3 cm) só se verificou depois de o arguido “anunciar” sem o fazer sub-reptícia e traiçoeiramente. Depois de enunciar estas circunstâncias não conseguimos concluir que a culpa do arguido deva ser agravada por não haver uma correspondente agravação do conteúdo ilícito, na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosa (Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense, T. I, 29). Para se poder verificar “qualquer meio insidioso”, esta terá de resultar de uma “imagem global de facto agravado” (também neste sentido, o Ac. de 8/10/2011, p. 88/09, 5ª sec. do Exmo Conselheiro Relator e Figueiredo Dias, no Comentário Conimbricense do CP, T. I). Segundo nos parece pois, o arguido I... não revelou especial censurabilidade ou perversidade que possa qualificar o crime de ofensas à integridade física pelo que só poderá vir a ser condenado pelo crime de ofensas à integridade física sem que as circunstâncias em que foram produzidas tais ofensas revelem especial censurabilidade ou perversidade do arguido. 6- E continuando na hipótese de ser mantida a absolvição pelo crime de homicídio tentado, como na matéria de facto também se mostra provado que “querendo como resultado prévio à morte, atingir o corpo daquela, causando-lhe perigo para a vida” então só poderá ser integrado o crime p. no artº 144º, d) – ofensa à integridade física grave da vítima provocando-lhe perigo para a vida. III- Medida da pena. 7- A medida da pena de 9 anos aplicada na 1ª instância ao arguido Ivan por autoria do crime de ofensa à integridade física agravada na pessoa da ofendida foi encontrada partindo do limite mínimo de 3 anos e máximo de 12 anos. 7.1 A medida da pena aplicável se tivesse sido condenado pelo crime de que estava acusado – homicídio qualificado tentado teria como limite mínimo 2 anos, 4 meses e 24 dias e máximo 16 anos e 8 meses. 7.2 No entanto a pena de prisão aplicada ao arguido Ivan pelas ofensas à integridade física vai muito além do meio da pena aplicável que seria 7 anos e 6 meses, não nos parecendo que tenha sido determinada de acordo com os limites definidos no artº 71º do CP. 7.3 Já para o crime de ofensas à integridade física grave do artº 144º d) do CP a pena aplicável é de 2 a 10 anos de prisão e tal como o arguido/recorrente pretende, também nos parece que só este poderia ser o crime por si cometido, na hipótese de se manter a absolvição. 8- Embora seja de certa forma incongruente o arguido poder ser absolvido do crime de homicídio, quanto a nós simples, tentado, (cuja pena aplicável seria, nos termos dos artºs 22º, 23º, 24º, 73º, e 131º do CP de 1 ano 7 meses e 8 dias a 10 anos e 8 meses), apesar da desistência da tentativa e só por isso, passar a ser condenado por um crime consumado cuja pena mínima é superior (2 anos) e a pena máxima ligeiramente (8 meses) inferior. A manter-se esta incongruência então a pena a aplicar ao arguido terá de ser encontrada entre os 2 e os 10 anos previstos no artº 144º do C.P. 9- A determinação da medida da pena, nos termos do artº 71º, nº1, do C.P. “far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes”, mas dentro dos limites definidos na lei. Sem perder de vista a culpa do arguido Ivan para graduar a pena haverá que se ter em conta as suas funções de prevenção geral e especial, mas graduando-se também com as circunstâncias atenuantes e agravantes. Segundo Figueiredo Dias (As consequências do crime, 277 e ss) e a doutrina, “as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídica e, na medida do possível, na reinserção social do agente na comunidade – em concreto a pena terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos com atenção às normas comunitárias e como limite inferior o “quantum” abaixo do qual já não é comunitariamente suportável fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar” (Ac. STJ de 8/10/2011). Mas também, as penas aplicadas se têm de prender com o disposto no art.º 40º do CP – a pena ter por finalidade “a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e com a culpa pois “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. E ainda dentro destes critérios para determinação da pena concreta do arguido AA, a quem deverá ser sempre “utilitária” tal como impõe a Constituição no seu artº 18º. A reinserção social do agente integra-se na prevenção especial positiva mas já não dentro das finalidades da proteção dos bens jurídicos. E a integração geral positiva será um fim essencial da pena na linha doutrinária e também da jurisprudencial já atrás referida. A pena a aplicar ao arguido Ivan, para além da prevenção geral (atendimento do sentimento comunitário) também a prevenção especial terá de ser atendida com a “neutralização-afastamento” do delinquente no cometimento físico de outros crimes, para isso intimando-o a proporcionar, a moldar a sua personalidade (neste sentido. Ac. do STJ de 27/05/2011, proc. 517/08.9). 9.1 O arguido/recorrente atuou com dolo direto e intenso, mas desistindo da tentativa do crime, ser primário, com autorização de residir em Portugal desde 2001, sempre trabalhou, a ajudar a família na Ucrânia desde que o pai morreu (em 2002), muito bem referenciado pelos amigos conterrâneos e vizinhos na comunidade envolvente devendo ser por tudo isso bem avaliadas as exigências da necessidade de prevenção geral e das necessidades de prevenção especial. 9.1.1 Atendendo-se às circunstâncias que não fazem parte do crime, referidos no nº 2 do artº 71º do CP e em função da exigência da prevenção geral que são mais elevadas que as da prevenção especial, parece-nos que a medida da pena a aplicada ao arguido Ivan poderá/deverá ser próxima dos 4 anos, se condenado pelo crime p. no artº 144º do CP. 9.2 No entanto e continuando no campo das hipóteses menos prováveis, se se mantiver a sua condenação pelo crime p. no artº 145º do CP então, pelos mesmos fundamentos, a pena não deveria ser superior a 5 anos de prisão. 9.3 E quanto ao crime de ofensas corporais à integridade física do artº 143º do CP, sendo a pena máxima 3 anos de prisão, parece-nos que a pena aplicada não deveria ser superior a 1 ano de prisão. 9.4 E qualquer destas penas que nos parece poderem ser aplicadas nas várias hipóteses possíveis de ofensas à integridade física agravadas ou não agravadas, cujo máximo proposto é de 5 anos, então sempre qualquer delas poderia/deveria ser suspensa na sua execução conforme dispõe o artº 50º do CP por se verificarem todos os pressupostos especialmente um juízo de prognose favorável devido às circunstâncias do crime e à sua conduta anterior e posterior. Assim e por tudo isto parece-nos que: 1- Previamente deverá ser anulado o acórdão recorrido por ter absolvido o arguido AA pela autoria do crime de homicídio qualificado tentado devido à desistência da tentativa, devendo por isso ser o mesmo arguido condenado por esse mesmo crime, embora sem lhe ser aplicada qualquer punição tal como está previsto no nº 1 do artº 24º do C.P. E por via disso o arguido Ivan vir a ser condenado pelo crime de ofensas à integridade física p. no artº 143º do CP. 2- Subsequentemente se for mantida a absolvição o arguido AA poderá/deverá obter provimento parcial ao seu recurso quanto às circunstâncias qualificativas com consequências no crime pelo qual virá a ser condenado por- que, quanto a nós, só se mostrarão eventualmente preenchidos os pressupostos do crime de ofensas à integridade física agravada p. no artº 144º do CPP. 3- E ainda quanto à medida das penas eventualmente aplicadas devem ser iguais ou inferiores a 5 anos de prisão suspensas na sua execução (artº 50º e 71º nº 1 e 2 do CP)." Colhidos os vistos foram os autos levados à conferência.
C - APRECIAÇÃO São duas as questões objeto do presente recurso: I . A qualificação jurídica da atuação do recorrente. II. A medida da pena aplicada. No entanto, e previamente, atentemos nas considerações do Mº Pª junto do STJ, formuladas a abrir o seu parecer de fls. 613. a) Quanto à ata da audiência de 11/6/2013, verificamos que, a fls. 507, se relata o requerimento do Mº Pª para que fosse ouvida a testemunha "CC" sem a presença do arguido porque a mesma mostrou receio. O Mer. Juiz Presidente deferiu o requerido, e de facto, essa testemunha foi ouvida sem ser na presença do arguido, como resulta claramente do 4º § de fls. 508: "De seguida o Mmº Juiz Presidente sumariamente transmitiu ao arguido, o depoimento da testemunha CC, prestado na sua ausência." Terá havido lapso no despacho, ou na transcrição do despacho de deferimento do requerido, e onde se lê DD deveria estar escrito CC, na 2ª linha desse despacho, a fls. 507. Seja como for, tanto CC como DD foram ouvidas, e foram ouvidas sem ser na presença do arguido. Assim, entendemos que os eventuais lapsos, que neste domínio se constatam, não influem no decidido na sentença recorrida e no que cumpre agora apreciar. Cumprirá ao Merº Juiz Presidente do coletivo que julgou o arguido em 1ª instância, aquilatar das desconformidades e da necessidade da sua correção ao abrigo do nº 3 do art. 100.º do CPP. b) Em relação à ata de 11/7/2013 relata-se a comunicação de uma alteração não substancial dos factos, nada tendo o Mº Pº ou o defensor requerido, e tendo ainda este prescindido de qual quer prazo para preparação da defesa (fls. 570). Mas o Mº Pº no STJ vem agora dizer que, a seu ver, a alteração era substancial. Por um lado não fundamenta a afirmação, mas, por outro, importa ter em conta que, se fosse esse o caso, e manifestamente não é, estar-se-ia perante uma nulidade prevista no art. 379.º, nº 1, al. b), do CPP, que ninguém arguiu porque se não verifica. Conhecendo, dir-se-á que nos termos da al. f), do nº 1, do art. 1º, do CPP, os critérios e aferição da alteração substancial são a imputação de crime diverso (critério substancial), e a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis (critério formal). Não está em causa esta última hipótese, porque a passagem de uma imputação de homicídio tentado, como a da acusação, para a de ofensas à integridade física, não agrava os limites das sanções aplicáveis. Por outro lado, quer se encare a definição de crime diverso numa perspetiva normativa, como nos parece preferível, quer num enfoque histórico-natural, não estaremos, no caso, perante qualquer alteração substancial. Na primeira perspetiva, em virtude da relação de concurso aparente, sob a forma de consunção, entre o homicídio e as ofensas à integridade física. No segundo modo de encarar o crime diverso, por se estar manifestamente perante "o mesmo pedaço de vida". Perante duas configurações diferentes da factualidade, a qual porém se mantém como o mesmo acontecimento histórico. Versões dos factos que mantêm, aliás, uma repercussão social semelhante. c) Finalmente, e como já atrás se assinalou, ao datar-se o acórdão recorrido, por manifesto lapso, escreveu-se 2012 quando se deveria ter escrito 2013 (fls. 566). Sem consequências para o presente recurso.
I - Qualificação jurídica O recorrente considera que a ação do arguido não revela especial censurabilidade ou perversidade, e que, concretamente, não estão preenchidas as circunstâncias dos exemplos padrão das al.s e) e i), do nº 2, do art. 132.º, do CPP. Ou seja, a atuação do recorrente não terá sido determinada por motivo fútil nem houve utilização de qualquer meio insidioso.
a) Quanto à primeira circunstância, ela é negada pelo arguido com base, essencialmente, no facto de se não terem apurado os termos da discussão havida. O que é que disseram um ao outro, e em que termos. Disse-se na conclusão III: "(…) não se sabe que conversa houve entre o recorrente e a ofendida nos momentos que antecederam o crime e, portanto, ignora-se qual a real motivação que lhe presidiu. Essa conversa pode ter versado sobre a questão da recusa na ajuda ao arguido num serviço de limpeza ou em desavenças relacionadas com a relação que ambos tiveram desde Junho de 2011 a Junho de 2012 (facto provado nº 14), como pode ter sido por uma outra qualquer questão, relacionada com tema completamente diverso." Daqui duas consequências: por um lado, as qualificativas ilustrativas da especial censurabilidade do agente, no que se circunscreve às ofensas à integridade física, devem ser valoradas. Por outro lado, a não punibilidade do homicídio, enquanto tal, não arrasta a não punibilidade das ofensas à integridade física, como parece querer o Mº Pº no STJ, se bem alcançamos o seu pensamento (supra fls. 9 e 10). Não nos parece certo que se diga que " 3- Por isso os factos que constituem este crime de homicídio tentado, não podem ser duplamente valorados e integrarem também outro crime o de ofensas à integridade física agravada do artº 145º nºs 1 e 2 do CP." Na verdade, os golpes desferidos só foram valorados no acórdão recorrido uma vez, e para efeitos de condenação por ofensas à integridade física. Em relação ao crime de homicídio tentado, o que foi valorado (portanto com repercussão sobre o arguido), foi a desistência livre e profícua. Os golpes perpetrados antes não foram atendidos para efeito de punição pelo homicídio. Acresce que não se justifica, a nosso ver, a discriminação que quis fazer, a certo passo da tese desenvolvida: "3.1 Mas apesar disso no conjunto de agressões de que foi vítima a BB, há algumas que não poderão ter causado perigo de vida e só assim, se tal for entendido, é que podem ser autonomamente valoradas, integrando um crime de ofensa à integridade física do artº 143º do CP." Impedida a punição pelo crime de homicídio, todos os golpes causados passaram a relevar só em termos de ofensas à integridade física, sem interessar saber se uns puseram em perigo a vida e outros não. E também se não percebe porque é que a incriminação é, para a Exmª Procuradora Geral Adjunta só a do crime simples. Se o comportamento do agente passa a ser valorado só em termos de ofensas à integridade física, é o respeito pelo princípio da legalidade que impõe uma qualificação que acolha todas as circunstâncias modificativas com relevo. Incluindo a do art. 144.º, al. d) que torna a ofensa grave, e as das als. e) e i) do art. 132.º, por referência do art. 145.º, nº 2 todos do CP que a qualifica. Não é por se ter desistido do homicídio que as ofensas já praticadas deixam de por em perigo a vida, ou os golpes deixam de ter sido perpetrados de surpresa e com uma motivação que continua a ser completamente desproporcionada e portanto fútil. A desistência opera em relação ao crime tentado, no caso o homicídio. Não se pode desistir do que já se consumou, ou seja das ofensas à integridade física que entretanto também se praticaram. Como refere P. P. Albuquerque, com interesse para o caso, "(…) estão excluídos do regime de não punibilidade os crimes de resultado consumados durante a tentativa, como por exemplo, a coação, as ameaça, a ofensa à integridade física e a violação de domicílio ou o dano cometidos durante as tentativas de violação, roubo, extorsão ou furto (…)" [2] . É sabido que a não punibilidade da tentativa assenta para uns numa ideia de prémio, o mérito da desistência equilibraria o demérito da ação já levada a cabo. Ou então, a não punição mais não seria do que um estímulo à preservação de bens jurídicos (Maurach) e aqui entram fundamentalmente razões de política criminal, havendo ainda quem entenda essa não punibilidade como consequência direta da ponderação dos fins das penas, que não seriam prosseguidos se se mantivesse a punição, apesar da desistência da tentativa. De qualquer modo, a desistência é profícua quando se logra evitar a lesão do bem jurídico protegido pelo crime de que se desiste. No caso, a vida. Mas se outros bens jurídicos forem entretanto lesados terá o agente que responder por eles. O art. 24.º do CP fala, no seu nº 1, de desistência de prosseguir na execução ou impedir a consumação "do" crime, e não, de um crime. Na linha do acórdão recorrido, e citando Paula Ribeiro de Faria, no caso de se consumar o crime de ofensa à integridade física, tendo lugar ao mesmo tempo uma desistência da tentativa, relevante em relação ao crime de homicídio, deve punir-se o agente pelo crime consumado doloso, na medida em que o dolo de homicídio parece conter em si o dolo de ofensa à integridade física.[3] Tal significa que se mantém a condenação do recorrente pelo crime de ofensa à integridade física grave, qualificada, das disposições combinadas dos arts. 143.º, nº 1, 144.º, al. d), 145.º, nº 1 e al. b), e 132.º, nº 2 als. e) e i), todos do CP.
II. Medida da pena O acórdão recorrido aplicou ao arguido a pena de 9 anos de prisão, situada pois na metade superior da moldura que vai de 3 a 12 anos de prisão. Vejamos se a pena aplicada se revela correta. Tudo ponderado, entendemos que a pena justa a aplicar ao recorrente é de seis anos de prisão.
[1] Transcreve-se a passagem em questão (realce nosso), que tudo leva a crer que se reporta a um caso de homicídio consumado e num circunstancialismo diferente: "(…) Revertendo ao caso concreto, logrou-se apurar que os motivos que levaram o arguido a matar a sua ex-companheira foi o facto de ter ficado a saber que a vítima, sua ex-companheira, havia iniciado um nova relação amorosa e que, por isso, esta o queria que ele (arguido) saísse de casa, onde ainda habitava na qualidade de hóspede (cf. supra). Embora altamente reprovável a atitude do arguido (cf. supra), não se pode sustentar que o motivo apresenta importância mínima, seja frívolo, despropositado ou leviano avaliado segundo os padrões éticos geralmente aceites na comunidade." Mas logo a seguir escreve-se: "Revertendo ao caso concreto, logrou-se apurar que o que motivou a conduta do arguido foi o facto de a ofendida se ter recusado a ajudá-lo num trabalho de limpeza. Atacar uma pessoa à navalhada só porque a mesma se recusou a colaborar numa limpeza, quando essa pessoa não estava, por qualquer forma, vinculada a prestar tal colaboração, segundo as conceções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado um motivo pesadamente gratuito, um motivo frívolo, despropositado, leviano e, como tal fútil. Assim sendo, entende-se que a qualificativa em causa se mostra verificada". [2] Cf. "Comentário do CP", pág. 137. [3] Vide "Comentário Conimbricense do Código Penal", tomo I, pág. 217 (edição de 1999). [4] Assim Figueiredo Dias in ob. cit. pag. 214 e segs. v. g., ou Anabela Rodrigues in “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, Rev. Port. de Ciência Criminal, Ano 12 nº 2, pag. 154 e segs. [5] Cfr. “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2005, pags. 227 e segs. [6] Cfr. Idem pág. 229. Importa ter em atenção aqui as dificuldades de que pode revestir-se a aferição dessas expectativas comunitárias. Em primeiro lugar, há crimes que se cometem e são pouco ou nada conhecidos. A maior parte, no entanto, conhece-se. Ora esse conhecimento pode ter uma extensão muito diferente, desde o grupo restrito dos que conviviam com a vítima, até ao alarme nacional, ou mundial, relacionado com a notoriedade do agente (ou da vítima). Outra questão que pode colocar-se é a que resulta de algum pluralismo de valores da sociedade global que teve conhecimento do crime. Boa parte pode reprovar firmemente o facto tendo expectativas fortes de punição, e outra parte pode tender para a desculpabilização, desinteressando-se da punição daquele delinquente. Pense-se, por exemplo, na maneira díspar como se reage, na nossa sociedade, a crimes fiscais, de um modo geral à fuga ao fisco, ao tráfico de influências e à corrupção, ao aborto, à violação do segredo de justiça, aos crimes chamados “de honra” praticados no seio de certas etnias, ao pequeno tráfico de droga etc. etc. Finalmente, vivemos numa sociedade em que a comunicação social se interessa cada vez mais pelos casos de justiça, sobretudo se respeitam a crimes que envolvem gente conhecida ou menores. Haverá pois que ter em conta a diferença entre expectativas reais da população, e o que for resultado de um tratamento dado ao caso pela comunicação social. Tudo isto nos leva a concluir que a auscultação das expectativas da comunidade tem que ser realizada de uma forma bastante crítica. A leitura do sentimento comunitário tem que ser temperada pela adequação desse sentimento, em primeiro lugar, à ordem de valores jurídico-constitucional, e, em segundo lugar, ao padrão de um homem médio razoavelmente bem formado que o julgador construa para uso próprio. Em muitas situações o julgador terá que precaver-se da influência de certa comunicação social no estado de espírito dos membros da comunidade (e de si próprio), e tantas vezes terá mesmo que configurar o efeito provável que o crime teria na comunidade, se aí tivesse tido conhecimento alargado, nos casos em que isso não ocorreu. |