Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | FERNANDA ISABEL PEREIRA | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISÃO DOCUMENTO SUPERVENIENTE CASO JULGADO PRESSUPOSTOS ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM AÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM | ||
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Data do Acordão: | 06/29/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS. | ||
Doutrina: | - Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, vol. VI, 376/377. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): – ARTIGOS 608.º, N.º 2, 619.º, N.º 1, 696.º, AL. C). | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 26.01.1996, NO B.M.J. 443/317. -DE 17.09.2009, PROC. Nº 09S0318, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT . | ||
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Sumário : | I - O recurso extraordinário de revisão, regulado nos arts. 696.º e ss. do CPC, visa pôr cobro a situações em que a necessidade de segurança ou de certeza e as exigências da justiça conflituam de tal forma que o princípio da intangibilidade do caso julgado tem de ceder perante estas. II - Embora as referidas segurança e certeza jurídicas exijam que a decisão que conheça de mérito fique dotada de força obrigatória dentro e fora do processo logo que transitada em julgado (art. 619.º, n.º 1, do CPC), afastando a hipótese de nova discussão do litígio, casos existem em que a lei prevê, excepcionalmente, o afastamento do caso julgado em homenagem ao primado da verdade material, permitindo a alteração de uma decisão já transitada. São situações limite, que a lei enuncia taxativamente. III - De entre os fundamentos legais para alicerçar o recurso extraordinário de revisão, para que se verifique o fundamento previsto na al. c) do art. 696.º do CPC, é necessário que o documento superveniente em que se baseia se revele essencial para a decisão do litígio e seja susceptível de, por si só, alterar em sentido mais favorável ao recorrente a decisão revidenda em que ficou vencido. IV - Para tanto necessário se torna que se trate de documento novo e suficiente, requisitos que, além de indispensáveis, são de verificação cumulativa. V - A “novidade” significa que o documento não foi apresentado no processo onde se proferiu a decisão em causa, seja porque ainda não existia, seja porque, existindo, a parte não pôde socorrer-se dele. VI - Quanto à “suficiência”, ao contrário do que sucedia no CPC de 1939, não se exige já que o documento altere radicalmente a situação de facto em que assentou a sentença revidenda, basta que implique uma modificação dessa decisão em sentido mais favorável à parte vencida. VII - Só se estará perante documento dotado de “suficiência” se o documento, além de dotado de força probatória bastante para firmar ou infirmar factos, conduzir à prova ou afastar a prova de factos contemporâneos com os que consubstanciam a causa de pedir na acção onde foi proferida a decisão revidenda ou, ao menos, com a data da decisão revidenda. VIII - Não se reportando o documento apresentado – no caso, uma informação camarária sobre a divisibilidade do prédio – à data em que foi instaurada a acção para pôr termo à indivisão, nem sequer à data em que foi proferida a decisão revidenda, tal documento não põe em causa minimamente a justeza da decisão, pelo que improcede o recurso extraordinário de revisão. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório: AA e BB interpuseram por requerimento de 3 de Outubro de 2016, no Tribunal da Relação do …, recurso extraordinário de revisão, nos termos do disposto no artigo 696º al. c) do Código de Processo Civil, contra CC, pedindo que o acórdão proferido em 10 de Novembro de 2015, que declarou a indivisibilidade do prédio objecto da acção de divisão de coisa comum fosse revisto e, por conseguinte, alterado por outro que, depois de devidamente e novamente instruída e julgada a causa, declarasse tal prédio divisível. Alegaram, em síntese, que o acórdão proferido na referida acção, transitado em julgado, proferiu decisão de indivisibilidade com fundamento na inexistência de parecer favorável da entidade administrativa competente, a Câmara Municipal de V…, no sentido da possibilidade de divisão do mesmo em substância, tendo logrado obter agora – 29.09.2016 – documento de onde se alcança o parecer favorável daquela Câmara, autorizando a divisão do prédio em causa através de um processo de destaque. Na resposta deduzida os requeridos opuseram-se a tal pretensão e pugnaram pela manutenção da decisão que se pretende rever. O recurso de revisão foi admitido e os recorridos apresentaram resposta. O Tribunal da Relação do …, por acórdão de 10 de Janeiro de 2017, julgou improcedente o recurso de revisão formulado, mantendo incólume acórdão visado, também proferido por aquela Relação. Recorreram de revista desta decisão, aduzindo, em resumo e no que ora releva, na respectiva alegação a seguinte síntese conclusiva: 1ª O documento que instruiu o recurso de revisão é novo e superveniente; e, em simultâneo, é suficiente para modificar o Acórdão produzido em 10 de Novembro de 2015 num sentido mais favorável à parte vencida contrariamente ao decidido pelo Tribunal "a quo". 2ª Com base na decisão de facto fixada nos autos quer o Tribunal da primeira instância, quer o Tribunal da Relação do … decidiram pela indivisibilidade do prédio objecto da presente acção de divisão de coisa comum por não existir nos autos a competente autorização administrativa de destaque e/ou a informação prévia de viabilidade ao pretendido destaque. 3ª A solução encontrada foi sem dúvida uma decisão surpresa para os aqui Recorrentes porque estes últimos nunca equacionaram que o próprio artigo 1377º al. a) (que já é uma excepção à regra) poderia ele próprio ser derrogado pelas normas administrativas. 4ª E só nesse momento os recorrentes tomaram conhecimento de que aquela informação prévia da respectiva Câmara Municipal era, por si só, suficiente para modificar a decisão da 1ª instância e o acórdão de 10 de Novembro de 2015 num sentido manifestamente mais favorável aos Recorrentes, precisamente enquanto partes vencidas. 5ª Assim, face à especificidade da tramitação processual do tipo de acção intentada pelos Recorrentes, não lhes era objectivamente exigível que apresentassem um documento da respectiva Câmara para comprovar que o prédio em causa era divisível, conforme consta da solução apontada pelo douto acórdão de 10/11/2015. 6ª Pelo que a não produção do documento em causa na fase instrutória da primeira instância não é imputável aos aqui recorrentes. 7ª É verdade que a produção do documento é subsequente às decisões que declararam a inadmissibilidade da divisão do prédio em causa conforme refere o acórdão posto em crise. 8ª As decisões foram tomadas dentro de uma realidade fáctica existente à data das mesmas, mas, contrariamente ao decidido pelo acórdão posto em crise, tal realidade fáctica estava viciada conforme o vem demonstrar, peremptoriamente, o documento superveniente e que instruiu o recurso de revisão. 9ª Tal documento demonstra que o prédio em causa é divisível porque tem parecer favorável da autoridade administrativa competente. Sendo certo que esse parecer favorável é fruto do facto de o aludido prédio estar inserido em área de espaços urbanizáveis nível III, de acordo com o PDM de V… (facto dado como provado na decisão da matéria de facto). 10ª Pelo que o facto de o documento ter a data de 29/09/2016 não indicia de forma alguma que só a partir dessa data o prédio seja divisível e que tal poderá ser resolvido através de uma nova acção cível. Este entendimento viola frontalmente o princípio da economia processual. 11ª Tal documento novo e superveniente (artigo 696º, nº 2 alínea c) do CPC) junto aos autos constitui fundamento de revisão, relativo à formação do material instrutório, que visa a comprovação de facto alegado e discutido na acção onde foi proferido o acórdão a rever e que, só por falta de tal documento, foi julgada desfavoravelmente aos recorrentes. 12ª O documento em causa preenche também o requisito da suficiência (cfr. artigo 696º, nº 2 alínea c) do CPC), porque o seu teor infirma, por si só, os fundamentos do acórdão a rever, contrariamente ao decidido. 13ª Ora, o referido documento é fundamental para se alcançar a verdade material e, por força do predito documento ora junto, à matéria de facto dada como provada deverá necessariamente ser dado como provados os factos: "9. É Possível dividir o terreno em dois lotes, um com frente para Oeste e outro com frente para sul" "10. A Câmara Municipal de V…. emitiu parecer favorável à divisão do prédio em causo através de um processo de destaque." 14ª Face ao supra exposto, entendem os Recorrentes que o douto acórdão violou o estatuído nos artigos 362º, 363º, nº 2 do Código Civil e 696º, nº 2, al. c) do Código de Processo Civil. 15ª Pelo que deve dar-se provimento ao presente recurso e revogar-se o acórdão que declarou a improcedência do recurso de revisão, substituindo-o por outro que julgue a revisão procedente por provada, com todas as consequências legais. Contra-alegaram os recorridos. Defenderam a confirmação do julgado e, ampliando o objecto do recurso, formularam a seguinte síntese conclusiva: «1. O documento em que os recorrentes pretendem fundamentar o seu recurso comprova que, já depois de proferido o douto acórdão recorrido, os recorrentes obtiveram junto da Câmara Municipal de V…, um parecer prévio favorável à divisão, em dois lotes, do terreno em causa nos autos. Ora, 2. Como bem sustenta o douto acórdão recorrido, o acórdão da Relação do …, de 10.11.2015 não pode ser alterado com base numa decisão administrativa que lhe é posterior. 3. Pelo que o douto acórdão agora recorrido deverá ser confirmado. De todo o modo, sem conceder, ao abrigo do disposto no artigo 636° do Código de Processo Civil, sempre se dirá que: 4. Nunca se poderá entender que um simples parecer prévio substituiu a decisão final de um processo administrativo de destaque. 5. Sendo certo que, nos termos da legislação citada no citado douto acórdão de 10.11.2015, sem alvará de loteamento ou destaque qualquer divisão de um terreno para construção urbana, mesmo judicial, é nula. 6. Acresce que, se é certo que qualquer interessado pode pedir um parecer prévio de destaque, o destaque propriamente dito só por todos os consortes pode ser requerido. 7. Sendo perfeitamente justificável que a recorrida se recuse a assinar um pedido de destaque que pretende impor-lhe um lote com uma frente de apenas 11,8 metros - aquele onde está a sua casa -ficando os recorrentes com um lote com 47,65 metros. 8. Pelo que sempre será legítima e fundamentada - como tal insuprível - a recusa da requerida a subscrever um pedido de loteamento que manifestamente a prejudica. Acresce que, 9. O citado douto acórdão da Relação do … de 10.11.2015 acolheu plenamente a decisão de Primeira Instância. Ou seja, 10. Nos termos do referido douto acórdão, prédio dos autos foi declarado indivisível por duas ordens de razões: "a) a lei não consente que se proceda à divisão do prédio em substância sem prévia intervenção da autoridade administrativa competente que, no caso, é a Câmara Municipal de V…. b) a divisibilidade em áreas diferentes proposta pelos peritos é incompatível com um fraccionamento equivalente ao das quotas (que são de metade para cada uma das irmãs) e, por outro lado, a divisão em igualdade de quotas determinaria o pagamento de tornas por parte dos autores à ré, o que não é legalmente admissível". 11. Quanto muito, o documento que serve de base à presente revisão afastaria o primeiro daqueles fundamentos de indivisibilidade - o que não se concede pelas razões acima expostas. Porém, 12. Sempre subsistirá o segundo daqueles fundamentos de indivisibilidade. Ou seja, 13. O prédio dos autos sempre terá de ser julgado indivisível por a divisibilidade resultante do referido parecer prévio ser "incompatível com um fraccionamento equivalente ao das quotas (que são de metade para cada uma das irmãs) e, por outro lado, a divisão em igualdade de quotas determinaria o pagamento de tornas por parte dos autores à ré, o que não é legalmente admissível", 14. De modo que, o documento em que os recorrentes fundamentam o presente recurso, não é suficiente para, "por si só", alterar o citado douto acórdão dei 0.11.2015, no sentido defendido pelos recorrentes. Termos em que o presente recurso deve ser julgado improcedente, negando-se a revisão do acórdão da Relação do … de 10.11.2015, não só com o fundamento sustentado pelo acórdão recorrido, mas também - o que se requer em sede de ampliação do âmbito de recurso, ao abrigo do citado artigo 636° do Código de Processo Civil - com os fundamentos expostos» nas conclusões. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II. Fundamentos: De facto: Para o conhecimento do objecto do recurso releva a seguinte dinâmica processual: - Os recorrentes instauraram acção especial de divisão de coisa comum contra a recorrida CC, invocando que são comproprietários de um prédio, que identificaram, e que tal prédio é divisível em substância, não mantendo interesse na manutenção da situação de compropriedade. - A ré contestou a acção, alegando que o prédio é indivisível mas, caso assim não se entenda, requer a divisão do prédio em dois lotes de valor igual e não de área igual. - Realizou-se a competente perícia, procedeu-se à prova testemunhal e solicitaram-se informações adicionais às partes relacionadas com a existência de licenciamento para construção no prédio em apreço nos autos. - Após o que foi proferida decisão na 1ª instância com o seguinte dispositivo: “Assim sendo, atentas as características do prédio rústico em causa nos autos, nos termos do disposto no artigo 209º do Código Civil, a contrario sensu, e para os efeitos dos artigos 926º do novo Código de Processo Civil, declaro a sua indivisibilidade”. - Inconformados os recorrentes, ali autores, apelaram de tal decisão, tendo o Tribunal da Relação do … proferido acórdão, em 10 de Novembro de 2015, a julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida. - Na referida acção de divisão de coisa comum foram julgados provados os seguintes factos: 1. Por legado, CC adquiriu 1/3 do prédio rústico sito em …, freguesia de Fonte de A…, concelho de V…, composto de terra de cultura com a área de 3285m2, a confrontar do norte com DD, do sul com estrada municipal, do nascente com EE e do poente com estrada, aquisição registada a seu favor pela Ap. 50 de 2001/12/28. 2. Por doação, AA adquiriu 1/6 do prédio rústico descrito em 1, aquisição registada a seu favor pela Ap. 3 de 2002/12/02. 3. Por partilha judicial em inventário por óbito de FF e GG, que correu termos sob o nº 447/2002, AA e CC adquiriram, respectivamente 1/3 e 1/6 do prédio descrito em 1, aquisição registada pelas Ap. 8 de 2008/09/25 e 3 de 2008/12/02. 4. Em data não concretamente apurada, posterior a 06-12-1979, AA e BB mandaram edificar no prédio identificado em 1, do lado nascente e a confinar pelo sul com a EM334, uma casa de habitação, licenciando a construção através da licença de obras nº 1112. 5. Em data não concretamente apurada, CC mandou edificar no prédio identificado em 1, do lado poente, a confrontar com a Rua Dr. … (EM598), uma casa de habitação. 6. Do lado poente, o prédio identificado em 1 tem uma frente com a estrada de 11,8 metros e, do lado sul, uma frente com a estrada de 47,65 metros. 7. O prédio em causa tem uma configuração irregular, mais ou menos rectangular. 8. O prédio em causa está, de acordo com o PDM de V…, inserido em área de espaços urbanizáveis nível III. De direito: Em face das conclusões da alegação dos recorrentes, as quais delimitam o objecto do recurso, salvo questão de conhecimento oficioso, são duas as questões a dilucidar: - se o documento em que se fundamenta o recurso extraordinário de revisão preenche os requisitos exigidos pela alínea c) do artigo 696º do Código de Processo; - se prédio dos autos sempre terá de ser julgado indivisível, em virtude de a sua divisão ser incompatível com um fraccionamento equivalente ao das quotas e a divisão em igualdade de quotas determinar o pagamento de tornas pelos recorrentes à recorrida, o que não é legalmente admissível. 1. O recurso extraordinário de revisão, regulado actualmente nos artigos 696º e seguintes da nossa lei adjectiva, visa pôr cobro a situações em que a necessidade de segurança ou de certeza e as exigências da justiça conflituam de tal forma que o princípio da intangibilidade do caso julgado tem de ceder perante estas. Embora as referidas segurança e certeza jurídicas exijam que a decisão que conheça de mérito fique dotada de força obrigatória dentro e fora do processo logo que transitada em julgado, como resulta do disposto no artigo 619º nº 1, do Código de Processo Civil (ao qual se referirão todos os preceitos legais doravante citados sem outra menção), afastando a hipótese de nova discussão do litígio, casos existem em que a lei prevê, excepcionalmente, o afastamento do caso julgado em homenagem ao primado da verdade material, permitindo a alteração de uma decisão já transitada. São situações limite, que a lei enuncia taxativamente. Configura-se uma dessas situações quando a sentença ou acórdão transitados em julgado assentam em vícios tão anómalos e graves que ferem o mais elementar princípio da justiça e impõem a sua revisão. Para resolver estes casos a lei consagrou um regime de “compromisso entre a estabilidade que deve oferecer uma decisão com trânsito e a necessidade de se prever a rescisão de sentença cuja base está ferida de erro grave de facto posteriormente conhecido” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 1996, BMJ 443/317). A correcção de erros, ainda que protegidos pela força do caso julgado, admite-se, com sacrifício da segurança que advém do mesmo, sob pena de a sua irrevogabilidade implicar um dano social mais elevado e pesado do que o decorrente da limitação ao princípio da intangibilidade do julgado. Essa é a finalidade do recurso extraordinário de revisão, o qual faz ressurgir a instância que o caso julgado extinguiu (fase rescindente) e reabrir essa instância anterior (fase rescisória), permitindo que se alcance um novo exame da mesma causa (cfr. A. Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. VI, págs. 376/377). De entre os fundamentos legais para alicerçar o recurso extraordinário de revisão, releva aqui o previsto na alínea c) do artigo 696º, nos termos do qual pode ocorrer revisão “Quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida”. De acordo com a previsão desta alínea, é necessário um documento superveniente que se revele essencial para a decisão do litígio e susceptível de, por si só, alterar em sentido mais favorável ao recorrente a decisão revidenda em que ficou vencido. Para tanto necessário se torna que se trate de documento novo e suficiente, requisitos que, além de indispensáveis, são de verificação cumulativa. «A “novidade” significa que o documento não foi apresentado no processo onde se proferiu a decisão em causa, seja porque ainda não existia, seja porque, existindo, a parte não pôde socorrer-se dele. Quanto à suficiência, o Código de 1939 exigia que o documento tivesse a virtualidade de “destruir” a prova em que a decisão revidenda se havia fundado. O Código de 1961, e as alterações ulteriores, vieram “aligeirar” esse requisito: - não se exige já que o documento altere radicalmente a situação de facto em que assentou a sentença [acórdão] revidenda, basta que lhe implique uma modificação dessa decisão em sentido mais favorável à parte vencida» (Acórdão deste Supremo Tribunal de 17.09.2009, proc. nº 09S0318, disponível em www.dgsi.pt/jstj). No caso vertente, os recorrentes fundamentam o recurso extraordinário de revisão em documento emitido pela Câmara Municipal de V…, datado de 1 de Setembro de 2016, do qual consta informação favorável à divisão do prédio de que são comproprietários. Com tal documento procuram os recorrentes demonstrar que não subiste o impedimento legal à divisão do prédio, uma vez que o acórdão da Relação do … de 10 de Novembro de 2015, que constitui a decisão revidenda, considerou que “seria condição da divisão do prédio das partes a demonstração de que as entidades administrativas competentes para o efeito operaram a intervenção exigida por lei, quanto mais não fosse, no procedimento correspondente ao pedido de informação prévia previsto nos artigos 14º e segs. do citado Decreto-Lei nº 555/99”, de 16 de Dezembro. Entendeu o mesmo aresto que quer estivesse em causa um loteamento, quer se tratasse de um mero destaque, a operação de divisão do terreno sempre estaria dependente da verificação dos requisitos previstos nas leis aplicáveis a este tipo de intervenções urbanísticas. A informação camarária em questão constitui, sem dúvida, um documento superveniente, posto que é posterior quer à petição inicial, articulado que contém a alegação integradora da causa de pedir, quer àquele acórdão de 10 de Novembro de 2015. Trata-se de documento novo, sendo que a circunstância de o mesmo se ter formado depois de proferido o acórdão objecto do recurso de revisão não é impeditiva da sua invocação com tal finalidade. Necessário é que o documento seja também idóneo e bastante para com base nele ser modificada a facticidade provada de molde a conseguir-se uma decisão mais favorável aos recorrentes. Nisto reside a sua suficiência. Tal só se verificará, porém, se o documento, além de dotado de força probatória bastante para firmar ou infirmar factos, conduzir à prova ou afastar a prova de factos contemporâneos com os que consubstanciam a causa de pedir na acção onde foi proferida a decisão revidenda ou, ao menos, com a data da decisão revidenda. Só assim se estará perante documento dotado de suficiência. Acontece que, no caso em análise, o conteúdo documento apresentado não se reporta à data em que foi instaurada a acção para pôr termo à indivisão, nem sequer à data em que foi proferida a decisão revidenda. Apenas faz prova de que na data em que foi emitido – 1 de Setembro de 2016 –, quase decorrido um ano sobre a prolação do acórdão objecto do recurso de revisão, o parecer da Câmara era favorável à divisão do terreno. Logo, como se observou no acórdão recorrido, aquele “documento não põe minimamente em causa a justeza da decisão em apreço – quer a da primeira instância, quer a da segunda que a confirmou – pois o parecer favorável da Câmara de V… não existia à data em que foi articulada a causa de pedir, nem sequer à data da sentença e acórdão proferidos. Donde, quando estas decisões julgaram inadmissível a divisão do prédio em discussão por não existir, justamente, um parecer camarário de viabilidade relativo ao pretendido destaque, fizeram-no em total concordância com a realidade fáctica existente à data das mesmas. Propugnando por uma tese jurídica que assim o impunha, entenderam que, por não existir sequer esse parecer favorável, a divisão não poderia ocorrer”. Nesta conformidade, improcedem as conclusões da alegação dos recorrentes, quedando prejudicado o conhecimento das questões suscitadas pela recorrida na ampliação do âmbito do recurso, nos termos do disposto no artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil. III. Decisão: Termos em que se acorda no Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido. Custas pelos recorrentes. Lisboa, 29 de Junho de 2017 Fernanda Isabel Pereira (Relatora) Olindo Geraldes Nunes Ribeiro |