Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00023665 | ||
Relator: | VAZ DOS SANTOS | ||
Descritores: | CONCURSO DE INFRACÇÕES RECEPTAÇÃO ELEMENTOS DA INFRACÇÃO | ||
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Nº do Documento: | SJ199506070472043 | ||
Data do Acordão: | 06/07/1995 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Área Temática: | DIR CRIM - TEORIA GERAL / CRIM C/ PATRIMÓNIO. | ||
Legislação Nacional: | CPP87 ARTIGO 402 N2 A ARTIGO 410 N2. CP82 ARTIGO 30 N1 N2 ARTIGO 48 N2 ARTIGO 72 N1 N2 ARTIGO 78 N1 ARTIGO 329 N1. L 15/94 DE 1994/05/11. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1983/04/27. ACÓRDÃO STJ DE 1983/05/04. ACÓRDÃO STJ DE 1986/01/30. | ||
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Sumário : | I - O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. II - Quem, com intenção de obter para si vantagem patrimonial, dissimular coisa que foi obtida por outrem, mediante um facto criminalmente ilícito contra o património, a adquirir por qualquer título, ou de qualquer forma assegurar para si a sua posse, comete o crime de receptação previsto e punido no artigo 329 do Código Penal. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Pelo tribunal colectivo do Círculo Judicial de Matosinhos os arguidos A, B, C e D, todos com os sinais dos autos, foram submetidos a julgamento, tendo sido condenados: - o A como autor de 14 furtos qualificados previstos e punidos pelos artigos 296 e 297 ns. 1 alínea q) e 2 alíneas d) e e), em 14 meses de prisão por cada um; como co-autor de um crime de furto qualificado previsto e punido pelos artigos 296 e 297 ns. 1 alínea g) e 2 alíneas c) d) e e) em 14 meses de prisão; como autor de um furto qualificado previsto e punido pelos artigos 296 e 297 n. 1 alínea g) e 2 alíneas c), d) e e) em 14 meses de prisão; como autor de 5 crimes de furto qualificado previstos e punidos pelos artigos 296 e 297 n. 2, alíneas c) e d), em 14 meses de prisão por cada um; e como autor de 2 furtos qualificados previstos e punidos pelos artigos 296 e 297 n. 2 alínea c) em 14 meses de prisão por cada um. Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 7 anos de prisão. - o B, como co-autor de 1 crime de furto qualificado previsto e punido pelos artigos 296 e 297 ns. 1 alínea q) e 2 alínea d) e h), 76 e 77, na pena de 16 meses de prisão. - O C, como autor de 9 crimes de auxilio material ao criminoso com a agravante da reincidência previsto e punido pelos artigos 330, n. 1, 76 e 77, em 6 meses de prisão por cada um e, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão. - O D, como autor de 21 crimes de receptação dolosa previstos e punidos pelo artigo 329, n. 1, na pena de 7 meses de prisão e 21 dias de multa à taxa diária de 500 escudos, ou, em alternativa desta, 14 dias de prisão, por cada crime. Em cúmulo, foi condenado na pena única de 4 anos de prisão e 180 dias de multa à taxa diária de 500 escudos, ou, em alternativa desta 120 dias de prisão. (Os preceitos citados e os que se vierem a indicar sem menção de origem são do Código Penal). Foi ainda determinado que todos os objectos apreendidos nos autos serão entregues a quem provar pertencer-lhes, excepto a faca apreendida ao arguido A que foi declarada perdida a favor do Estado. 2. Inconformado, o arguido D interpôs recurso em cuja motivação formulou as seguintes conclusões: 1. O acórdão recorrido sofre de contradição insanável na sua fundamentação de facto, na parte em que considera primeiro provado que o arguido A em 6 de Fevereiro de 1993 furtou do veículo PD, duas caixas de sapatos, facto que depois nega quando refere como não provado que o arguido do mesmo veículo e na mesma data houvesse furtado tal mercadoria, sendo óbvio que a contradição, a resolver-se a favor do arguido A, implica a impossibilidade do recorrente se ter constituído na prática do 21. crime de receptação em que foi condenado. Esta evidente contradição implica o reenvio do processo para novo julgamento (artigos 433 e 436, com referência à alínea b) do n. 2 do artigo 410 do Código de Processo Penal). Sem prescindir; 2. Os factos que integram a conduta do recorrente consubstanciam o crime continuado de receptação previsto e punido pelos artigos 329, n. 1 e 30, n. 2, pelo que o acórdão recorrido, que condenou o recorrente pela prática de 21 crimes de receptação, fez errada interpretação da lei e viola as disposições legais citadas devendo nessa parte ser reformado. 3. A pena a aplicar deve ser substancialmente reduzida. - haja em vista que a actividade do arguido se subsume no tipo de crime continuado, o que evidencia uma menor culpa do agente bem como um menor grau de censura; - o recorrente foi em grande medida determinado à prática dos factos ilícitos a partir de uma relação inicial com o arguido A que lhe dificultou determinar-se livremente em conformidade com o direito; - não foi o recorrente que contribuiu decisivamente para a conduta criminosa dos restantes arguidos mas antes foram estes que, no prosseguimento de uma conduta criminosa anterior que o recorrente ignorava, arrastaram consigo o recorrente; impõe-se afastar a conclusão de que o recorrente foi objectivamente, pelo seu comportamento, responsável principal pelo sucesso da actividade criminosa dos demais arguidos; Considerando também as condições pessoais do recorrente, a sua situação económica e a sua irrepreensível conduta anterior aos factos estão preenchidos os pressupostos da atenuação especial da pena nos termos do n. 1 do artigo 73, à luz do que é desde logo manifestamente inadequada a pena de 4 anos de prisão em que foi condenado. Assim, de acordo com o disposto no n. 1 do artigo 329 e n. 1 do artigo 74 o limite da pena aplicável é de 32 meses de prisão. Dentro desta moldura da pena mantém-se todavia que o acórdão recorrido sobrevalorizou exigências de prevenção geral que no caso concreto manifestamente se não verificam. A pena que em concreto é adequada quer à necessidade de reprimir a conduta ilícita do recorrente quer às necessidades de prevenção geral, atentas todas as circunstâncias que concorrem na acção, a gravidade dos factos e suas consequências, a culpa do arguido, a sua situação familiar, social e profissional e o seu bom comportamento anterior e posterior, não deverá nunca exceder um terço da pena máxima determinada de acordo com as disposições legais anteriormente citadas, fixando-a no máximo em 7 meses de prisão nos termos do n. 5 do artigo 78, e declarada suspensa na sua execução por se verificarem as circunstâncias do n. 2 do artigo 48. Na sua resposta, o Ministério Público suscitou a questão do não conhecimento do recurso por o recorrente não ter observado o disposto no artigo 412, n. 2, alíneas a) e b) do Código de Processo Penal (C.P.P.) e, sem conceder, pronunciou-se pelo improvimento do recurso. Por acórdão deste Supremo Tribunal, junto a folhas 267 e seguintes, foi decidido desatender tal questão e ordenar o prosseguimento dos autos. Tendo o recorrente requerido que as alegações fossem produzidas por escrito foi fixado prazo para o efeito, tendo apenas alegado o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público neste Tribunal que se pronunciou no sentido do improvimento do recurso e da confirmação da decisão recorrida. Colhidos os vistos, cumpre decidir: 3. São os seguintes os factos que o acórdão recorrido considerou provados: 1) Em 25 de Fevereiro de 1993, cerca das 14 horas, o arguido A abeirou-se do veículo automóvel pesado de mercadorias com a matrícula SA, pertencente à firma "...", com sede em Salamanca, Espanha, que se encontrava estacionado na Estrada Nacional n. 107, no sentido Matosinhos/Porto, nas proximidades do posto de abastecimento da Galp, Senhora da Hora, área desta comarca, com o propósito de se introduzir na respectiva cabina e daí subtrair o que pudesse e lhe interessasse, designadamente dinheiro. Em execução de tal desígnio, o A partiu com uma pedra ambos os vidros das portas da cabine do indicado veículo, após o que se introduziu no seu interior, daí retirando uma maleta pertencente ao condutor E. Na posse dela, dirigiu-se para as traseiras do Estádio do Mar, área da comarca, onde se encontrou com o seu irmão, o arguido B. Aberta a referida maleta constatou o A que não continha quaisquer valores que lhe interessasse mas apenas os documentos relativos ao veículo (tractor e reboque) e a carta de condução do condutor E. O A abandonou naquele local a maleta e documentos e foi-se embora acompanhado do irmão B. No dia seguinte vieram a ser recuperados os documentos, à excepção do livrete relativo ao veículo pesado, pela G.N.R., por indicação do arguido A, na sequência da sua detenção. O A quis fazer daquela maleta e conteúdo coisa sua, como fez, sabendo que não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade e sem o consentimento do dono. 2) No dia seguinte, 26 de Fevereiro de 1993, cerca das 13 horas, os arguidos A e B, no seguimento do plano por ambos arquitectado na ocasião e de comum acordo, abeiraram-se do veículo pesado de mercadorias com a matrícula TX, que se encontrava estacionado nas proximidades da Rotunda dos Produtos Estrela, zona da Senhora da Hora, com o propósito de se apoderarem de algumas mercadorias nele transportadas. Em execução de tal desígnio, o arguido A rebentou o selo da porta do reboque que fora colocado pelo expedidor da mercadoria transportada no veículo e que visava garantir a inviolabilidade da respectiva carga. Uma vez aberta, os arguidos retiraram duas caixas, uma cada um, contendo cada uma delas 48 toalhas de rosto com o valor global de 48000 escudos que se preparavam para levar do local. Antes que o conseguissem, foram surpreendidos pelo motorista do dito veículo, F, que, com a intenção de deter pelo menos um deles, logrou agarrar o arguido B, com o qual se envolveu em luta. Aproveitando essa circunstância, o A fugiu do local levando consigo a caixa com toalhas de que se havia apropriado. Chamada ao local, a G.N.R. deteve o B após o que iniciou diligências com vista à captura do A. Este, depois de ter fugido, dirigiu-se ao estabelecimento do arguido D, conhecido com a alcunha de "O Carriço", a quem vendeu as toalhas por montante não superior a 3000 escudos, que aquele pagou de imediato, sem nada lhe perguntar, sabendo que o A não trabalhava, não tinha quaisquer rendimentos, e é toxicodependente, dedicando-se aos furtos para comprar heroína e para se sustentar. Mais tarde, o A veio a ser detido pela G.N.R. no lugar do Monte dos Pipos, Guifões, área desta comarca. As toalhas transportadas no TX, que é propriedade da firma de transportes "... Limitada", com sede em Alverca, destinavam-se a ser exportadas para a Alemanha, sendo seu exportador a firma "..., Têxteis Limitada com sede em Caldas de Vizela e importador a firma "...", com sede na Alemanha. As 48 toalhas de que se havia apoderado o B foram recuperadas e entregues ao motorista do TX. Actuaram os arguidos A e B mediante prévio acordo e conjugação de esforços, pretendendo fazer daquelas toalhas coisas suas, como fizeram, e sabendo que actuavam contra a vontade e sem o consentimento do dono. O D quis obter vantagem patrimonial com a futura venda das toalhas a terceiros, sabendo que estas eram furtadas. 3) Em 6 de Fevereiro de 1993, entre as 19 e as 20 horas, a coberto da escuridão própria da hora, que escolheu para mais facilmente executar os seus propósitos, o arguido A abeirou-se do veículo pesado de mercadorias com a matrícula PD, ao qual estava atrelado o reboque I-87400, pertencentes à firma "..., Limitada" com sede em Lisboa. Na ocasião, o veículo e reboque encontravam-se à guarda do seu motorista G, que o havia deixado estacionado na Estrada Nacional n. 107, zona fronteira do hipermercado "Continente", na Senhora da Hora. Com a ajuda de uma faca, o arguido rebentou com o selo do encerado do veículo que resguardava a carga, e dele retirou e levou consigo duas caixas de calçado (botas) para homem, de valor não apurado, indo escondê-las numa bouça existente nas proximidades. Nesse mesmo dia, com a ajuda do seu irmão, o arguido C, o A foi vender ao arguido D, no seu estabelecimento de mercearia, drogaria e vinhos, sito em Matosinhos, aquelas duas caixas de calçado, por 5 ou 6 mil escudos cada uma. O A quis fazer daqueles objectos coisa sua, como fez, sabendo que não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade e sem o consentimento do dono. O D quis obter vantagem patrimonial com a futura venda das botas a terceiros, sabendo que estas eram furtadas. O C quis auxiliar o irmão A a vender as caixas de sapatos, sabendo que estas tinham sido furtadas. 4) Em 13 de Fevereiro de 1993, cerca das 17 horas, o arguido A abeirou-se do veículo pesado de mercadorias com a matrícula DQ, ao qual estava atrelado o reboque com a matrícula P, pertencentes à firma "... Limitada", com sede em Matosinhos. Na ocasião, o veículo e reboque encontravam-se à guarda do seu motorista H, que o havia deixado estacionado na Estrada Nacional n. 107, junto ao posto de abastecimento de combustíveis da Galp, na Senhora da Hora. Com a ajuda de uma faca, o arguido rebentou com o selo do encerado do veículo que resguardava a carga, e dele retirou e levou consigo seis caixas de sapatos para homem, no valor de 150000 escudos, indo esconde-las numa bouça existente nas proximidades. O arguido C foi incumbido pelo irmão A de proceder à venda daquelas caixas ao D. Em execução de tal deliberação, e nesse mesmo dia, o C levou pelo menos duas dessas caixas ao estabelecimento comercial do Teixeira, que os comprou por montante não inferir a 6 ou 7 mil escudos, no total. O A quis fazer daqueles objectos coisa sua, como fez, sabendo que não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade e sem o consentimento do dono. O D quis obter vantagem patrimonial com a futura venda dos sapatos a terceiros, sabendo que estes eram furtados. O C quis auxiliar o irmão A a vender as caixas de sapatos, sabendo que estas tinham sido furtadas. A mercadoria transportada no semi-reboque P, de que faziam parte as indicadas caixas de sapatos, estava em trânsito para a Holanda, em regime de exportação, não se tendo apurado quem era o exportador nem o importador. 5) De princípios de Agosto a finais de Dezembro de 1992, em datas não inteiramente apuradas, e geralmente durante o dia, o arguido A logrou apoderar-se de quantidades indeterminadas de mercadorias, que subtraia. - de veículos pesados de transporte de mercadorias, e que se encontravam estacionados junto à Estrada Nacional n. 107, na zona compreendida entre o hipermercado "Continente" e o posto de abastecimento de combustíveis da Galp, na Senhora da Hora, área desta comarca; - ou de contentores e barcos localizados na doca do Porto de Leixões. Não foi possível identificar os proprietários desses veículos, contentores nem barcos. Na sequência das primeiras apropriações, o A contactou o D, ao qual passou a vender, sozinho, acompanhado do C, ou este último a seu pedido, todas as mercadorias que subtraía. Em regra, o A escondia os objectos furtados numa bouça existente nas proximidades do estacionamento dos veículos pesados, e depois, ele próprio, ele em conjunto com o irmão C, ou este último a seu pedido, transportavam no mesmo dia ou nos dias seguintes os objectos furtados para o estabelecimento do D, que os comprava. As quantias recebidas eram geridas pelo A e destinadas ao consumo de heroína dele e do C, e ao sustento deles. O estabelecimento do D vende ao público artigos próprios de mercearia, drogaria, papelaria e diversos produtos, tais como louça, sacos de tiracolo para senhora, etc. Assim: 5-I-a) Nas primeiras semanas do mês de Agosto de 1992, o A retirou de um veículo pesado estacionado na zona indicada 24 toalhas de banho ou de rosto, as quais vendeu ao D pelo preço de 12000 escudos e a quem disse que as havia adquirido na "doca" sem explicar mais nada. O D conseguiu vender todas estas toalhas a clientes seus, obtendo com a respectiva venda um lucro de 10000 escudos. O A quis fazer daqueles objectos coisa sua, sabendo que não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade e sem o consentimento do dono e o D quis obter vantagem patrimonial com a venda das toalhas a terceiros, como obteve, sabendo que estas eram furtadas. 5-I-b) Também nas primeiras semanas do mês de Agosto de 1992, o A retirou de um veículo pesado estacionado na zona indicada, 24 camisas de ganga, as quais vendeu ao D pelo preço de 12000 escudos. O D conseguiu vender todas estas camisas a clientes seus, obtendo com a respectiva venda um lucro de 24000 escudos. O A quis fazer daqueles objectos coisa sua, como fez, sabendo que não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade e sem o consentimento do dono e o D quis obter vantagem patrimonial com a venda das camisas a terceiros, como obteve, sabendo que estas eram furtadas. 5-II-a) Como os 2 primeiros negócios que fez com o A se mostraram altamente lucrativos, D predispôs-se a comprar-lhe e ao C as mercadorias que estes lhes oferecessem para venda. Na persistência de tal predisposição comprou ao A, numa das primeiras semanas de Setembro de 1992, 24 pares de sapatos com biqueira de aço, próprios para homem, pelos quais lhe deu a quantia total de 3 ou 4 mil escudos. Desses sapatos, o D apenas vendeu três pares, a 1500 escudos cada um, e aos restantes, que foram apreendidos, foi atribuído o valor global de 105000 escudos. Estes sapatos tinham sido subtraídos de um camião pelo A. 5-II-b) Cerca de uma semana depois, o D comprou ao A e ao C 66 pares de calças de homem, em fazenda aos quadradinhos, pelo preço total de 5 ou 6 contos que logo lhes pagou. Não conseguiu vender nenhum desses pares de calças por serem todas de tamanhos muito grandes, e foram-lhe todas apreendidas, tendo-lhes sido fixado o valor total de 132000 escudos. Estas calças tinham sido subtraídas pelo A de um camião, que as transportou para o estabelecimento do D com a ajuda do seu irmão C. 5-II-c) Volvida outra semana o D voltou a comprar ao A e ao C 24 pares de sandálias de senhora de cor preta, pelas quais pagou de imediato preço global não superior a 7000 escudos, não tendo conseguido vender nenhum, por serem de tamanho grande. Foram por isso todas apreendidas e avaliadas no montante global de 24000 escudos. Estas sandálias tinham sido subtraídas pelo A de um camião, que as transportou para o estabelecimento do D com a ajuda do seu irmão C. 5-II-d) Uma semana ou 15 dias depois, comprou ao A 12 pares de botas de senhora, pelas quais lhe deu a quantia total de 4 ou 5 mil escudos. Dessas botas, o D vendeu 10 pares a 1000 escudos cada uma, e às restantes, que foram apreendidas, foi atribuído o valor de 1000 escudos. Estas botas tinham sido subtraídas de um camião pelo A. 5-II-e) Nova semana decorrida, comprou ao C 6 pares de sapatos brancos unisexo, tipo sapatilha, pelos quais lhe deu a quantia total de 4 mil escudos. Desses sapatos o D vendeu 2 pares a 1500 escudos cada um, e aos 4 restantes que foram apreendidos foi atribuído o valor de 1000 escudos. Estes sapatos tinham sido subtraídos de um camião pelo A, limitando-se o C a proceder à venda dos mesmos. 5-II-f) Cerca de uma semana depois, comprou ao A 12 pares de sapatos de criança pelo preço global de 4000 escudos. Conseguiu vender 11 desses sapatos a 1000 escudos cada um, tendo-lhe sido apreendido o que sobrou que foi avaliado em 1000 escudos. Estes sapatos de criança tinham sido subtraídos de um camião pelo A. 5-II-g) Cerca de uma semana ou 15 dias depois, o D comprou ao A 565 pares de meias de mousse de meia perna (mini-meia) pelo preço global de 4000 escudos. Não vendeu nenhuma dessas meias que foram todas apreendidas e avaliadas pelo montante global de 56500 escudos. Tinham sido subtraídas pelo A da doca do porto de Leixões. 5-II-h) Uma semana depois, o D comprou ao A 18 caixas de meias collants com 10 unidades cada uma pelo preço global de 3500 escudos. Logrou vender a clientes seus 20 desses pares de collants a 150 escudos cada par. As restantes 16 caixas foram-lhe apreendidas e avaliadas pelo montante global de 80000 escudos. Estes collants tinham sido subtraídos pelo A da doca do porto de Leixões. 5-II-i) Cerca de uma semana depois, o D comprou ao A 24 bonecas acondicionadas em caixas individuais pelo preço global de 7000 escudos. Vendeu três dessas bonecas a 1500 escudos cada uma e as restantes foram apreendidas e avaliadas pelo montante global de 10500 escudos. Estas bonecas tinham sido subtraídas pelo A da doca do porto de Leixões. 5-II-j) Nova semana volvida, o D comprou ao A 4 coberturas de plástico para bebé pelo preço global de 4000 escudos. Não vendeu nenhuma dessas coberturas plásticas que foram todas apreendidas e avaliadas pelo montante global de 4000 escudos. Tinham sido subtraídas pelo A de uma carrinha de transportes de mercadorias. 5-II-l) Volvida outra semana o D voltou a comprar ao A e ao C 36 capas para colchão pelas quais pagou de imediato preço global não superior a 7000 escudos. Dessas capas logrou vender 9 a 400 escudos cada, e as restantes apreendidas foram avaliadas no montante global de 19500 escudos. Tais capas tinham sido subtraídas pelo A de um camião Tir, que as transportou para o estabelecimento do D com a ajuda do seu irmão C. 5-II-m) Uma semana depois o D voltou a comprar ao A e ao C 8 embalagens decorativas próprias para culinária, contendo cada uma delas 12 unidades, pelas quais pagou de imediato o preço global de 1000 escudos, não tendo conseguido vender nenhuma dessas embalagens, todas apreendidas e avaliadas no montante global de 10000 escudos. Tinham sido subtraídas pelo A de uma carrinha de transportes, sendo com a ajuda de seu irmão C que as transportou para o estabelecimento do D. 5-II-n) Nova semana decorrida, o D comprou ao A e ao C 36 camisolas cor de rosa, 24 camisolas verde e 11 camisolas brancas, todas de senhora, pelas quais pagou de imediato o preço global de não superior a 7000 escudos. Não logrou vender nenhuma dessas camisolas que por isso foram todas apreendidas e avaliadas no montante global de 35000 escudos. Tinham sido subtraídas pelo A de um contentor do porto de Leixões, sendo com a ajuda do seu irmão C que os transportou para o estabelecimento do D. 5-II-o) Cerca de uma semana depois o D voltou a comprar ao A 20 conjuntos de camisolas e calças, próprias para criança pelas quais pagou de imediato preço global não superior a 7000 escudos. Desses conjuntos vendeu 5 a diversos clientes pelo preço de 1000 escudos cada um e os restantes foram apreendidos e avaliados no montante global de 7500 escudos. Tais conjuntos haviam sido subtraídos pelo A de local não apurado. 5-II-p) Uma semana decorrida o D comprou ao A e ao C 20 camisolas vermelhas próprias para senhora, pelas quais pagou de imediato o preço global de 6000 escudos. Logrou vender 3 dessas camisolas a 500 escudos cada. As restantes foram apreendidas e avaliadas no montante global de 8000 escudos. Tinham sido subtraídas pelo A de um camião TIR, sendo com a ajuda do seu irmão C que as transportou para o estabelecimento do D. 5-II-q) Cerca de uma semana depois, já em Dezembro de 1992, o D comprou ao A 20 T-Shirts cinzentas, 20 T-Shirts pretas e 20 T-shirts azuis, todas de homem, pelas quais pagou de imediato o preço global de 3000 escudos. Algumas dessas T-Shirts foram dadas a pessoas conhecidas e as restantes apreendidas e avaliadas no montante global de 13000 escudos. Haviam sido subtraídas pelo A do porão de um navio no porto de Leixões. 5-II-r) Finalmente, em Dezembro de 1992 ou Janeiro de 1993, o D comprou ao A 66 camisolas floridas, para criança, por preço não apurado. O D logrou vender 3 dessas camisolas a 1000 escudos cada uma. As restantes foram apreendidas e avaliadas no montante global de 31500 escudos. Tais camisolas haviam sido subtraídas pelo A de local não apurado. 5-III Todas as subtracções imputadas ao arguido A no ponto 5-II ocorreram nos dias em que procederam às respectivas vendas ao D ou nos dias anteriores a essas vendas. 6) No dia em que foi detido, 26 de Fevereiro de 1993, o A trazia consigo uma faca de cozinha que guardava no bolso das calças que vestia com o comprimento total de 20 centímetros, sendo 11 centímetros de lâmina, a qual utilizava para quebrar os selos dos encerados que cobriam e vedavam as mercadorias transportadas em camiões TIR. 7) O D actuou sempre livre, deliberada e conscientemente. Conhecia o A e o C, via-os com frequência passar à porta do estabelecimento dele, durante o dia e a horas em que as pessoas estão a trabalhar, sabia que nenhum deles tinha emprego, que não tinham qualquer tipo de negócio ou rendimento que lhes permitisse a venda legitima de tantos e tão diversos produtos e que ambos se dedicavam ao consumo de estupefacientes. Sabia que o valor que lhes pagava por esses objectos e produtos era muito inferir ao valor real e ao valor de mercado. Sabia por isso e desde o início que as coisas que lhe vendiam eram por eles obtidas através de ilícitos contra o património. Além de que, sendo comerciante, bem sabia não poder ter à venda no seu estabelecimento nenhum objecto sem a respectiva factura ou recibo de compra. Não obstante, comprou todas as indicadas mercadorias com a intenção de obter para si, como obteve, vantagens patrimoniais ilegítimas. Sabendo também que a sua conduta é punida por lei. 8) O A actuou sempre livre, voluntária e conscientemente. Pretendeu fazer das coisas que retirou, coisas suas como fez, sabendo que não lhe pertenciam, e que actuava contra a vontade e sem o consentimento dos donos respectivos. Não tendo qualquer profissão, não exercendo qualquer actividade económica e não tendo quaisquer rendimentos, sobrevivia à custa dos furtos que praticava, do que fazia modo de vida. E sabia que a sua conduta é punida por lei. 9) O C actuou sempre deliberada, livre e conscientemente e ajudou o irmão A no transporte e venda dos objectos, sabendo que eles tinham sido subtraídos, como sabia que a sua conduta é punida por lei. 10) O A já foi condenado por crime de furto, nunca tendo estado anteriormente preso. Por factos praticados em 1988, o C foi condenado em penas de prisão nos processos comuns ns. 384/89, 322/88, 471/88 e 476/89, deste tribunal; em cúmulo, no processo 384/89, foi-lhe aplicada a pena unitária de 4 anos e 6 meses de prisão cujo cumprimento terminou em 8 de Fevereiro de 1992. O B foi condenado no processo de querela n. 4771/87, deste Tribunal, por factos cometidos em Junho de 1987, na pena unitária de 3 anos de prisão, cujo cumprimento concluiu em 25 de Setembro de 1990. Os arguidos A, B e C não trabalhavam, vivem sozinhos e entregues a si próprios, com duas irmãs e quatro sobrinhos, num contentor, são oriundos de uma família com 9 filhos, de muito humilde condição económico-social, lêem e escrevem com dificuldade e o seu crescimento foi marcado pelo alcoolismo do progenitor que maltratava a família e que se veio a suicidar há cerca de 6 anos. Começaram a ingerir bebidas alcoólicas desde muito novos, tendo as suas adolescências sido marcadas por comportamentos desviantes motivados pelo alcoolismo, inicialmente, e depois pelo consumo de estupefacientes, designadamente heroína que injectam com regularidade. Pelo menos um dos irmãos dos arguidos, I, encontra-se preso a cumprir a pena unitária de 8 anos de prisão pela prática de 14 crimes de furto em processo que correu termos neste Tribunal. Actualmente, a mãe destes arguidos, empregada doméstica, vive apenas com os três filhos menores. Confessaram os factos por eles praticados, tal como se descreveram e prestarem declarações com relevância para a descoberta da verdade, maxime o arguido A, sem cujas declarações quase nada se teria apurado. Mostram-se arrependidos. O D é delinquente primário, dono do estabelecimento comercial desde há 10 anos, tem rendimentos adequados ao exercício dessa actividade, a mulher é empregada de escritório e têm dois filhos menores a cargo. Apenas admitiu ter comprado alguns objectos aos arguidos A e C. E considerou não se terem provado: - que nos factos relatados em 1) tivesse participado o arguido B, nem que a maleta retirada pelo A contivesse além dos documentos, roupas do condutor; - que nos factos relatados em 3) A tenha rasgado o encerado do reboque com objecto cortante causando um prejuízo de 50000 escudos nen que dali tenha retirado quantidade indeterminada de candeeiros e calçado no valor de 1000000 escudos; - que nos factos relatados em 4) o A tenha rasgado o encerado do reboque com objecto cortante, nem que seu irmão C o tenha acompanhado quando foi retirar as caixas de sapatos do semi-reboque; e - que nos factos relatados em 5) tivesse participado o arguido C na subtracção de objectos dos veículos pesados. 4. Apenas o arguido D interpôs recurso essencialmente fundado em motivos estritamente pessoais, com excepção do ponto em que alega uma pretensa contradição insanável da fundamentação (relativo ao furto praticado em 6 de Fevereiro de 1993 pelo arguido A), em que estão envolvidos além deste arguido também o arguido C. Relativamente, pois, a esse ponto o recurso aproveita a esses arguidos não recorrentes (cf. artigo 402, n. 2, alínea a) do C.P.P.). Por outro lado importa acentuar, como é jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal, que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da sua motivação. No caso sub judice, são as seguintes as questões suscitadas pelo recorrente: - contradição insanável da fundamentação, - existência de crime continuado de receptação, - medida da pena e suspensão da sua execução. Apreciemo-las, pois 4.1 Contradição da fundamentação: Segundo o recorrente tal contradição resultaria de: por um lado, ter-se dado como provado que, em 6 de Fevereiro de 1993, entre as 19 e 20 horas, o arguido A retirou e levou consigo duas caixas de calçado do veículo pesado de mercadorias PD, ao qual estava atrelado o reboque, e que nesse mesmo dia, com a ajuda do seu irmão C, foi vender ao recorrente; por outro lado, ter sido dado como não provado que, relativamente a tais factos, o A tenha rasgado o encerado do reboque com o objecto cortante causando um prejuízo de 50000 escudos nem que dali tenha retirado quantidade indeterminada de candeeiros e calçado no valor de 1000000 escudos. Ora, perante isso, diz o recorrente: quanto ao furto, é dado primeiro como provado e depois como não provado. Não lhe assiste razão. Efectivamente, foi dado como provado (facto 3) que nessa data o arguido A abeirou-se desse veículo e com a ajuda de uma faca rebentou com o selo do encerado e dele retirou e levou consigo duas caixas de calçado de valor não apurado que depois, com a ajuda do irmão C, vendeu ao recorrente; mas não considerou provado que tenha retirado quantidade indeterminada de candeeiros e calçado no valor de 1000000 escudos e que tenha rasgado o encerado causando um prejuízo de 50000 escudos. Quer dizer: deu-se como provado que o A subtraiu apenas duas caixas de calçado de valor não apurado, mas não que tenha subtraído candeeiros e calçado em quantidade indeterminada no valor de mil contos. É óbvio que não há a mínima contradição entre o facto provado e o facto dado como não provado. Afastada a pretensa contradição e sendo evidente que da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não transparece qualquer outro dos vícios enunciados no n. 2 do artigo 410 do Código de Processo Penal, designadamente erro notório na apreciação da prova, temos como definitivamente assente a matéria de facto dada como provada pelo Colectivo. 4.2 Subsunção jurídico-criminal dos factos - crime de receptação sob a forma continuada. Não é objecto de recurso, relativamente aos arguidos A, B e C, a qualificação jurídico-criminal dos factos nem a punição que lhes foi imposta. Quanto ao recorrente também não oferece dúvidas que a sua conduta violou por 21 vezes o tipo legal do artigo 329, n. 1 (mais rigorosamente 22 vezes só que o Colectivo não tomou conhecimento do facto referido no ponto 2) por não constar da acusação nem da pronúncia). Com efeito, resulta dos factos provados que o recorrente, entre Agosto de 1992 e Fevereiro de 1993, por 21 vezes, adquiriu por compra aos seus co-arguidos A e C, que o primeiro havia furtado, diversas mercadorias sabendo perfeitamente da sua proveniência ilícita, procedendo assim com intenção de obter para si vantagens patrimoniais através dos lucros auferidos com a sua posterior venda a terceiros, como efectivamente obteve, tudo com conhecimento do carácter ilícito da sua conduta. A questão que o recorrente coloca é a de saber se a realização plúrima desse tipo de crime deve ser tratado no quadro de um concurso de crimes (tese do acórdão recorrido) ou antes se configura uma continuação criminosa constituindo um só crime. Como resulta do n. 2 do artigo 30 são pressupostos do crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, em que o modo de execução se apresenta por forma essencialmente homogénea, pressupondo a exigência de uma proximidade temporal entre as sucessivas condutas, desenvolvidas no quadro de uma mesma situação exterior que, mantendo-se, facilita as repetidas sucumbências, diminuindo a capacidade de resistência do agente para se determinar de acordo com o direito, por forma a tornar menos censurável o seu comportamento em resultado de uma diminuição considerável da sua culpa. Tem-se ponderado não constituir crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime se não foram as circunstâncias exteriores que levaram o agente a um repetido sucumbir, mas sem o desígnio inicialmente formado de, através de actos sucessivos, defraudar o ofendido (cf. acórdãos deste Supremo Tribunal de 27 de Abril de 1983, 4 de Maio do mesmo ano e de 30 de Janeiro de 1986, referidos no Código Penal Português, anotado e comentado, de Maia Gonçalves, 7. edição páginas 127 e seguintes). No caso sub judice, é inquestionável estar-se perante o mesmo tipo de crime, que protege o mesmo bem jurídico, concretamente o património, na sistemática da parte especial do Código Penal. Também se admite que o modo de execução dos crimes cometidos pelo recorrente teve lugar por forma essencialmente homogénea, dentro de uma relativa proximidade temporal (no espaço compreendido entre Agosto de 1992 e Fevereiro do ano seguinte). Não se verifica, porém, o elemento fundamental que caracteriza o crime continuado, ou seja, que as sucessivas condutas do recorrente tenham tido lugar "no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente". Com efeito, tal elemento exógeno só poderia configurar-se no facto de se ter criado, através da primeira actividade criminosa (aquisição pelo recorrente, em Agosto de 1992, de 24 toalhas de banho que haviam sido furtadas), um acordo, pelo menos implícito, entre aquele e os co-arguidos A e C no sentido de passar a comprar-lhes todos os objectos que estes viessem a furtar. Só que contrariamente ao que sustenta na sua motivação, o recorrente teve conhecimento desde a primeira hora que se tratava de mercadorias furtadas. Ele conhecia os co-arguidos, sabia que não tinham emprego nem rendimentos e que se dedicavam ao consumo de estupefacientes; e apesar de o A lhe ter dito, no momento da transacção, que havia adquirido tais toalhas na "doca", ele não acreditou, pois sabia que eram furtadas como expressamente se deu como provado. Da análise de toda a factualidade apurada pode concluir-se com toda a segurança que não foram os arguidos A e C (que viviam em condições de extrema miséria) quem impeliu irresistivelmente o recorrente para a prática do crime, antes foi este (dono de estabelecimento comercial) quem, conscientemente, sabendo que "explorava" aqueles (adquirindo-lhes objectos e produtos por um preço muito inferior ao valor real e de mercado), criou condições que os estimularam a continuar a furtar por saberem de antemão que tinham garantida a aquisição da mercadoria. Não foi, pois, o recorrente quem ficou nas "mãos" dos seus co-arguidos; pelo contrário, foi ele quem, na mira de obter ilícitas vantagens patrimoniais, acabou implicitamente por criar condições que contribuíram decisivamente para o prosseguimento por parte daqueles da actividade criminosa. De tudo resulta ser de excluir que o recorrente se tenha determinado no quadro de uma situação exógena que o impelisse de tal forma à prática do crime que se lhe tornasse menos exigível comportar-se de maneira diferente, ou seja que lhe diminuísse consideravelmente a culpa (este advérbio tem uma carga normativa que não pode desvalorizar-se). É de afastar, portanto, a hipótese de crime continuado, pelo que nenhuma censura merece o acórdão recorrido enquanto considerou ter a actividade do recorrente preenchido efectivamente 21 crimes de receptação (cf. n. 1 do artigo 30), a punir no quadro do concurso de crimes (cf. n. 1 do artigo 78). 4.3 Medida da pena: O crime de receptação da previsão do n. 1 do artigo 329 é punível com prisão até 4 anos e multa até 100 dias. Na determinação da medida concreta da pena há que ter presentes os parâmetros definidos no n. 1 do artigo 72, em que se põe o acento tónico na culpa do agente e nas exigências de prevenção de futuros crimes, sendo de ponderar todos os factores exemplificativamente enunciados nas várias alíneas do n. 2 desse preceito, enquanto circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor ou contra aquele. No caso sub judice, podem considerar-se médios o grau de ilicitude de cada facto autonomamente considerado e a gravidade das suas consequências, sendo porém de acentuar que o recorrente, na qualidade de comerciante com estabelecimento comercial, tinha especial obrigação de se abster da sua prática até porque sabia que não podia expor mercadoria à venda sem documentos comprovativos da sua aquisição. O dolo é directo e intenso. O recorrente, actuando desde todo o início com perfeita consciência da ilicitude dos seus actos, acabou por explorar a situação de miséria dos seus co-arguidos, que sabia até serem consumidores de droga, tendo sido ele quem mais lucros obteve, contribuindo para que estes, não obstante já terem antecedentes criminais, prosseguissem na senda do crime. O recorrente não confessou os factos, limitou-se a admitir ter comprado alguns objectos aos co-arguidos referidos. É delinquente primário, o que não é sinónimo de ter bom comportamento anterior, sendo certo que não se demonstrou que tivesse esse bom comportamento quer anterior quer posterior ou que com "a sua conduta séria e leal possibilitasse a apreensão das mercadorias". É casado, tem dois filhos menores a seu cargo, sendo média a sua condição económica. Não se indiciando ser portador de uma personalidade com tendência para o crime (além de ser primário, os actos delituosos ocorreram num período de tempo relativamente curto - cerca de 6 meses), a verdade é que não soube preparar-se para manter uma conduta licita, ou seja para se conduzir na vida com respeito pelo direito e pelos interesses patrimoniais dos outros e nesta perspectiva tem uma personalidade defeituosa merecedora da devida censura. Trata-se de um quadro global que nada o favorece em termos de culpa que consideramos acentuada. Por outro lado são prementes neste tipo de crime as necessidades de prevenção geral pois, como bem se diz no acórdão recorrido, "os receptadores são um importante factor da criminalidade na medida em que é devido à sua existência que se praticam tantos furtos". Tudo conjugado e valorado temos como adequadas e proporcionais, fixadas com equilíbrio, as penas parcelares em que o recorrente foi condenado, não se justificando, por não concorrerem os respectivos requisitos, a atenuação especial da pena; e tendo em conta a gravidade do ilícito global fornecido pelo conjunto dos factos apurados e a personalidade daquele afigura-se-nos correctamente doseada a pena única aplicada que por isso se confirma. A pretensão do recorrente no sentido de lhe ser declarada suspensa a execução da pena em que foi condenado não pode ser atendida, desde logo porque a pena ultrapassa 3 anos de prisão, depois porque não se verificam os pressupostos indicados no n. 2 do artigo 48 pois a simples censura do facto e a ameaça da pena não bastariam para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime. 5. De harmonia com o exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando-se o douto acórdão recorrido. O recorrente vai condenado em 6 UCs de taxa de justiça e nas custas com 1/3 de procuradoria. Na 1. instância apreciar-se-á a aplicação do perdão concedido pela Lei n. 15/94 de 11 de Maio. Lisboa, 7 de Junho de 1995. Vaz dos Santos. Costa Figueirinhas. Pedro Marçal. Silva Reis. Decisão impugnada: Acórdão de 24 de Fevereiro de 1994 do 2. Juizo do Tribunal Judicial de Matosinhos. |