Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02A4277
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ARMANDO LOURENÇO
Nº do Documento: SJ200301140042776
Data do Acordão: 01/14/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 1878/01
Data: 05/21/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

A e mulher B propuseram esta acção contra o filho C e mulher D.

Dizem-se donos de um prédio e que cederam gratuitamente parte dele a seu filho e nora .

Pedem que se reconheça o seu direito sobre o prédio e que se declare a resolução do contrato de comodato e se condene os réus a entregá-lo .

Os réus contestaram e formularam o seguinte pedido para o caso de a acção proceder:
"Serem os AA. condenados a pagarem aos RR a quantia de 10.000.000$00, acrescida de juros" , por benfeitorias realizadas.

A acção foi julgada procedente e parcialmente procedente a reconvenção.
Os réus foram condenados a entregar o andar que ocupavam e os AA condenados "a pagar aos RR a quantia de 3.350.000$00 pelas benfeitorias , acrescido de juros."

No recurso para a Relação , os RR , além de impugnarem a decisão , entendem que a sentença ao condená-los na entrega devia tê-lo feito sem prejuízo do direito de retenção.

Na Relação foi dito que "O exercício do direito de retenção por parte dos RR não foi posto à consideração do tribunal a quo , quando da formulação do pedido reconvencional."
Não tinha o tribunal a quo que conhecer de tal questão e não pode este tribunal conhecer dela por ser questão nova."

Agora apresentou as seguintes conclusões:
1- Não se pronunciou o acórdão sobre a questão suscitada na conclusão 5 , que impugnaram a matéria de facto no que respeita á determinação do valor atribuído ás benfeitorias que , segundo os hora recorrentes , foi , em boa parte ,preterida , sem justificação plausível , a vistoria técnica realizada , no âmbito do processo.
2- O que constitui nulidade prevista no artº 668º nº1 d) do CPC , a que alude o nº3 do artº 722º.
3- Não constitui qualquer violência processual o condicionamento da entrega ao pagamento da indemnização , na sequência do exercício do direito de retenção.
4- Tal condicionamento não se prende apenas e directamente com o pedido reconvencional , mas também e sobretudo com o pedido de entrega do imóvel , o que não contende com o normativo do artº 661º do CPC.
5- E sobretudo parece dever impor-se face ao resultado final a que se chegou após um processo dinâmico.
6- Esse resultado é justamente o da existência de dois direitos antagónicos - o da entrega e o da indemnização , cuja satisfação real e efectiva impõe condicionar a prestação correspondente à de um à prestação correspondente á do outro.
7- Aqui justifica-se plenamente a aplicação do disposto no artº 663º do CPC.
8- No evolutivo e dinâmico decurso dos presente autos , os RR lograram alegar e provar factos constitutivos do seu direito e modificativos do direito dos AA , que impõem uma nova relação ou equilíbrio de forças dos direitos controvertidos.


Após vistos cumpre decidir.

1ª Questão - Da nulidade por omissão de pronúncia.

Na conclusão 5ª das alegações de recurso de apelação o recorrente disse:
"Todavia , a douta decisão de facto não chegou a apresentar qualquer motivação que explicasse o desvio para menos dos valores fixados nessa vistoria , vendo os RR mais uma vez frustradas as suas legítimas expectativas."

Para melhor entendimento desta conclusão temos de ter presente que o apelante divide as conclusões em duas partes.
Uma , com os números 1 a 5 , outra , com os números 6 a 9.
Na primeira começa por afirmar que - "tal como se defendeu no agravo , a eliminação dos quesitos.....acabou por limitar a profundidade e alcance da vistoria do senhor perito que invocou expressamente no seu relatório o desconhecimento do estado anterior do prédio."
"Foi justamente pelo facto de o auto de vistoria apresentar as reticências que acabámos de assinalar que a douta sentença acabou por fixar valores ressarcitórios para as mesmas ainda inferiores aos apontados pela aludida vistoria."
Seguiu-se imediatamente a conclusão 5.

Nas conclusões seguintes segue-se a questão do direito de retenção.

Sobre o dispêndio dos RR com a realização de obras e valorização do prédio foram elaborados dois quesitos:
24º- Relativo ás obras referidas nos artº 19 a 23.
31º Relativo às obras referidas nos artº 26,28 e 29.
Os RR requereram uma vistoria e formularam 9 quesitos , alguns com alíneas.
A vistoria foi admitida , mas restringida aos quesitos : 4º a)e b), 5º b) e c) , 6º, 8º a) , b) e c) , 9º .
O recorrente interpôs recurso de agravo do despacho, na parte em que eliminou alguns quesitos.
Os quesitos 6º e 9º visavam o custo das obras e valorização do prédio.
Os peritos disseram que não tinham elementos quanto ao custo de construção , mas fixaram um custo aproximado das obras à data da vistoria.
Disseram que também lhes era impossível determinar um montante de valorização , sem conhecimento do estado anterior do prédio.
O tribunal veio a fixar um valor inferior ao fixado pelos peritos , com base no depoimento de testemunhas e no relatório dos peritos.

As razões invocadas pelo agravante - apelante , prendiam-se com a eliminação de quesitos aos peritos , que , no seu entender , os levaram a dar as respostas aos quesitos 6ºe 9º.
Esta questão da eliminação dos quesitos está resolvida pela decisão do agravo.

A questão sobre a qual , segundo o A., há omissão de pronúncia é tão só a falta de fundamentação da fixação de um valor inferior ao dos peritos.

Como vimos, essa questão prendia-se com a questão do gravo.
Influência da eliminação dos quesitos no resultado da vistoria e, consequentemente, na decisão da matéria de facto.
Ora, a Relação debruçou-se largamente sobre essa questão, ao conhecer previamente do agravo .
Não há, pois, omissão de pronúncia.
Mesmo que se pudesse entender aquela conclusão como deficiente fundamentação das respostas, teríamos que a encarar á face do nº 5 do artº 712º do CPC.
Mas, este artº , além de exigir um requerimento de fundamentação dá á Relação o poder de ordenar ou não a fundamentação.
A Relação ao dar por reproduzida a matéria de facto , ao abrigo do artº 713º do CPC, implicitamente reconheceu que era suficiente a fundamentação dada.
Não há nulidade.

2º Questão - Uso da faculdade do artº 663º nº1 do CPC.
- "Sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto ás condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente á proposição da acção, de modo que a decisão corresponda á situação existente no momento do encerramento da discussão."
Parece-nos evidente que esta norma não se coaduna com a situação presente.
Os factos causais do pretenso direito de retenção já existiam quando foi formulado o pedido reconvencional e mantiveram-se. A obrigação e a sua garantia a existirem nasceram com a realização das benfeitorias.
O que acontece é que o recorrente só pediu que lhe reconhecessem a obrigação. Não pediu , e só ele sabe porquê, que lhe reconhecessem o direito de reter a coisa para garantia do seu crédito.
O juiz, como bem se diz na Relação, não podia conhecer do que se lhe não pediu.
Como nem todas as obrigações, mesmo com causa em despesas com coisas, estão garantidas com retenção, não se pode dizer que, sem contraditório, o reconhecimento da obrigação implicava o reconhecimento da garantia.
Em face do exposto negamos a revista.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 14 de Janeiro de 2003
Armando Lourenço
Azevedo Ramos
Silva Salazar