Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | PEREIRA MADEIRA | ||
Descritores: | CO-AUTORIA DOLO ROUBO INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO REENVIO DO PROCESSO | ||
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Nº do Documento: | SJ20061004033765 | ||
Data do Acordão: | 10/04/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | ANULADO O ACORDÃO RECORRIDO | ||
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Sumário : | I - Se é certo que a comunhão de esforços produz ou pode produzir uma acção material conjunta, também o é que tal não basta para suportar a co-autoria, pois pode haver comunhão de esforços sem conhecimento e ou vontade dessa comunhão. II - A comunhão pode ser fortuita ou acidental. Não é necessariamente um acto voluntário. III - Do ponto de vista subjectivo, cumpre saber da vontade e da consciência da actuação conjunta; para a co-autoria importa que haja também conjugação de vontades com inequívoca previsão e aceitação por cada um da actuação individual e ou conjunta de todos e cada um no objectivo comum por todos traçado e seus resultados. IV - Em termos factuais, à co-autoria, em caso de roubo, revela-se necessário precisar devidamente se, ao combinarem o assalto, os arguidos previram e aceitaram não apenas a possível actuação violenta individualizada e (ou) conjunta de todos e cada um, assim como os resultados dessas actuações. V - Em suma, cumpre apurar se as actuações violentas individualizadas a todos podem ser imputadas sob qualquer das modalidades de dolo previstas no art. 14.º do CP, nomeadamente: - se todos representaram a actuação violenta de todos e cada um deles e seus resultados e actuaram com intenção de a realizarem; - ou, se todos representaram a realização desses actos e suas consequências como consequência necessária dessas actuações; - ou, enfim, se todos representaram essas actuações e seus resultados como consequência possível da conduta decidida e se conformaram com aquela realização. VI - Só depois, de «preto no branco» se assentar nessa eventual consciência da globalidade da actuação de todos e cada um, com aceitação de todas as possíveis consequências dela, em qualquer das apontadas modalidades, se poderá, de consciência tranquila, igualizar a medida das penas aplicadas aos arguidos. VII - Até lá, a matéria de facto recolhida é insuficiente - art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP -, o que, na impossibilidade de ser suprido pelo STJ, nos termos do disposto no art. 426.º, n.º 1, do mesmo diploma adjectivo, motiva o reenvio do processo à Relação para superação do vício em causa nos termos do art. 426.º, n.º 1, citado, devendo o novo julgamento ser efectuado pelo tribunal respeitando o estatuído no art. 426.º-A, do mesmo diploma, nomeadamente, se possível, fazendo intervir no julgamento um colectivo diverso do que produziu a decisão ora recorrida. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. O Ministério Público acusou em processo comum, com a intervenção do tribunal colectivo AA, BB e CC, todos devidamente identificados, a quem imputa a prática de factos com o que se terão constituído na prática, em co-autoria material e em concurso real, de um crime de roubo qualificado, p. p. pelos art.ºs 210°, nºs 1 e 2, al. b), e 204°, nºs 1, al. f), 2, al. f), todos do Código Penal e um crime de roubo qualificado na forma tentada, p. p. pelos art.ºs 210°, nºs 1 e 2, al. b), e 204°, nº 1, al. f), 22° e 73° do mesmo diploma. Efectuado o julgamento, veio a ser proferida sentença que veio a ser anulada. Procedeu-se à realização de novo julgamento, após o que foi decidido, além do mais «julgar os arguidos AA, BB e CC co-autores da prática, em concurso real, de um crime de roubo, p. p. pelos art.ºs 210º, nºs 1 e 2, al. b), com referência ao art.º 204º, nº 1, al. f) e nº 2, al. f) e um crime de roubo na forma tentada, p. p. pelos art.ºs 22º, nº 1, 210º, nºs 1 e 2, al. b), com referência ao art.º 204º, nº 1, al. f) e, consequentemente, condenar cada um dos arguidos nas penas de: - oito (8) anos de prisão para o crime de roubo consumado e - dois (2) anos de prisão para o crime de roubo na forma tentada e - em cúmulo jurídico, condenar cada um dos arguidos na pena única de nove (9) anos de prisão.» Inconformado, recorreu à Relação de Lisboa o arguido AA, mas sem êxito, visto aquele tribunal superior haver negado provimento ao recurso confirmando «na sua plenitude» a decisão recorrida. Ainda irresignado, recorre agora ao Supremo Tribunal de Justiça o mesmo arguido, que assim delimita conclusivamente o objecto do recurso: - Tem 18 anos. - É primário. - Tem uma filha que nasceu depois de estar preso. - A pena aplicada deve ser fixada entre 3 e 5 anos, atenta a idade, o facto de ser primário e estar inserido socialmente, satisfazendo plenamente as necessidades de prevenção e reintegração. - Ao não entender assim o acórdão recorrido violou, entre outros, o disposto nos artigos 40.º, 71.º e 9.º, todos do Código Penal, e 4.º do DL 401/82, de 23/9. Respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido, em defesa do julgado. Subidos os autos, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta nada viu que impedisse a realização de audiência. A questão a decidir repousa apenas na medida da pena aplicada que o recorrente, com invocação do regime especial para jovens adultos, pretende ver fixada «entre 3 e 5 anos». Preliminarmente, porém, o relator suscitou como questão prévia a existência de vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão, motivo por que os autos vieram à conferência. 2. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Factos provados Os arguidos decidiram apoderar-se do dinheiro que MM e GM tivessem consigo no interior da sua residência, sita na Rua da 0000, nº 00, no F0000. Para tanto, agindo em comunhão de esforços, no dia 25 de Março de 2003, entre as 21.30 horas e as 21.45 horas, dirigiram-se à referida residência. Para não serem reconhecidos, os arguidos cobriram os rostos com meias de senhora. Por forma que não foi possível concretamente apurar, os arguidos introduziram-se no interior da residência após o que bateram no MM com um pau de madeira, com cerca de 65 cms de comprimento, atingindo-o nos ombros, cabeça e mãos. O arguido AA agrediu-o também o com uma faca desferindo-lhe golpes na cabeça. O ofendido, apanhado de surpresa, caiu no chão e não ofereceu qualquer resistência. Um dos arguidos revistou o MM e retirou-lhe a carteira que trazia no bolso das calças bem como os € 2050 que aí se encontravam. Um dos arguidos entrou no quarto do GM que, devido à sua deficiência auditiva, não se tinha apercebido do sucedido, revistou-o, apalpando-lhe as roupas, à procura da carteira deste. Assim que o ofendido GM se apercebeu da presença do arguido este desferiu-lhe um soco na face que o deixou atordoado. Seguidamente, na posse do dinheiro que retiraram ao ofendido MM, os arguidos saíram do local e puseram-se em fuga. Como consequência directa e necessária de tal conduta sofreu o ofendido MM fractura da extremidade distal da clavícula esquerda, contusão do ombro direito, fracturas multiesquirolosas do terceiro metacarpiano da mão esquerda, fractura da diáfise do terceiro dedo da mão esquerda, fractura distal da segunda falange do 5° dedo, ferida inciso-contusa com cerca de 10 cm de extensão na região occipital, ferida inciso contusa com cerca de 8 cm na região parietal esquerda, ambas suturadas, escoriações na região frontal, equimoses extensas da região cervical, ombro direito e esquerdo, equimoses extensas de ambas as mãos, que lhe provocaram cefaleias, dores a nível de ambos os ombros com dificuldade respiratória, rigidez dolorosa do 3° dedo da mão esquerda e 5° dedo da mão direita e dor à imobilização de ambos os ombros e limitação de ambos os ombros, que lhe determinou 70 dias de doença, todos com incapacidade para o trabalho, com rigidez permanente do 5° dedo da mão direita e 3° da mão esquerda e limitação da mobilidade de ambos os ombros, com uma incapacidade definitiva de 10 %. Os arguidos agiram livre, deliberada e conscientemente, de forma concertada e em comunhão de esforços, com o propósito de se apoderarem do dinheiro que sabiam não lhes pertencer, através do uso da força, bem sabendo que actuavam contra a vontade dos legítimos proprietários. Os arguidos só não se apoderaram de dinheiro ou outros valores pertença do ofendido GM por nada lhe terem encontrado na sua posse. Bem sabiam os arguidos que as suas condutas eram punidas por lei. O arguido AA, por decisão proferida em 06.11.02, no processo abreviado registado com o nº 25/02.1PBPVC, no Tribunal Judicial da Povoação, foi condenado a 240 dias de multa pela prática, em 07.03.02, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário. Aos restantes arguidos não são conhecidos antecedentes criminais. Não ficou provado que: - na véspera da data em que os factos ocorreram, o arguido AA percorreu as redondezas da residência dos ofendidos; - os arguidos bateram à porta da residência dos ofendidos e, assim que o MM abriu a porta, o empurraram com força para o interior da residência, taparam-lhe a boca e disseram-lhe “morres agora aqui”; - o ofendido MM desmaiou na sequência das agressões; - o arguido AA revistou o MM; - o arguido AA disse para o ofendido MM “anda lá que isto era mesmo para te matar”; - foi o arguido CC quem entrou no quarto do GM, o revistou e lhe desferiu um soco na cara. Não se provaram quaisquer outros factos. Importa, liminarmente indagar se a matéria de facto tem firmeza bastante para alicerçar a construção jurídica que sobre ela se pretende ver erigida, ou se, pelo contrário ostenta algum dos vícios a que alude o artigo 410.º n.º 2, do Código de Processo Penal. Pois bem. Os três arguidos foram condenados igualitariamente nas penas parcelares e única supra referidas, como co-autores dos factos descritos. Acontece que tal matéria de facto provada se mostra insuficiente para considerar igualitária a comparticipação de todos e cada um deles, e, mesmo, para a decisão no seu conjunto. Com efeito, o que de comum congeminaram foi apenas e só «apoderar-se do dinheiro que MM e GM tivessem consigo no interior da sua residência, sita na Rua da 0000, nº 000, no 00000.» Para tanto, «agindo em comunhão de esforços, no dia 25 de Março de 2003, entre as 21.30 horas e as 21.45 horas, dirigiram-se à referida residência.» Se é certo que a comunhão de esforços produz ou pode produzir uma acção material conjunta, também o é que tal não basta para suportar a co-autoria, pois pode haver comunhão de esforços sem conhecimento e ou vontade dessa comunhão. A comunhão pode ser fortuita ou acidental. Não é necessariamente um acto voluntário. Do ponto de vista subjectivo, importa saber da vontade e da consciência da actuação conjunta importa que haja também conjugação de vontades com inequívoca previsão e aceitação por cada um da actuação individual e ou conjunta de todos e cada um no objectivo comum por todos traçado e seus resultados. Mas, quanto a este ponto crucial da imputação subjectiva dos factos individual e ou colectivamente levados a cabo no desenvolvimento do acordo inicial de apoderarem-se do dinheiro das vítimas os factos provados nada esclarecem. Isto é: não se descortina na decisão de facto a aceitação dos actos levados a cabo por todos e cada um, ou seja, a cobertura desses actos por uma qualquer das modalidades do dolo, seja ele directo necessário ou eventual em relação a todas as concretas acções levadas a cabo na residência das vítimas, mormente as agressões físicas ali consumadas. O contrário parece mesmo resultar da fundamentação do acórdão de 1.ª instância por onde se pode concluir que haverá factos consumados individualmente sem que para eles se tenha verificado o acordo dos demais actores. É ver, por um lado, que não é crível que todos, separadamente ou em conjunto «bateram no MM com um pau de madeira, com cerca de 65 cms de comprimento, atingindo-o nos ombros, cabeça e mãos». Importa assim que se apure qual ou quais deles o fizeram, ou, pelo menos, se aquele – mesmo não se apurando a identidade – que o fez, o fez com conhecimento e acordo dos demais. Ou então que se explicite como é que «todos» bateram no MM com um pau de madeira». Tinham um pau cada um, ou agiram à vez? Em lado algum da matéria de facto se colhe que, acaso essa agressão tenha sido consumada apenas por um deles, tenha logrado esse conhecimento e acordo dos demais. Por outro lado, aparentemente em contrário disto mesmo, se se posiciona de algum modo o acórdão de 1.ª instância ao «realçar a actuação do arguido AA que, com a faca, fez golpes na cabeça do MM o que, (…), é um acto de violência gratuita, levado a cabo pelo simples prazer da sua prática», pois se esta actuação se deve ao simples prazer da sua prática, dificilmente se concebe que possa ter colhido o acordo dos demais, a menos que esse prazer pelo uso da violência tida por gratuita fosse igualmente compartilhado e aceite por todos. Para além disso, há nos factos descritos outros actos aparentemente solitários, como a agressão do AA com uma faca na cabeça do ofendido M, e o soco desferido no MM. Importa, em suma, precisar devidamente se, ao combinarem o assalto, os arguidos previram e aceitaram não apenas a possível actuação violenta individualizada e (ou) conjunta de todos e cada um, assim como os resultados dessas actuações nomeadamente as graves consequências ora definitivamente suportadas pelo ofendido MM, (1) em suma se essas actuações violentas individualizadas a todos podem ser imputadas sob qualquer das modalidades de dolo previstas no artigo 14.º do Código Penal, nomeadamente: - Se todos representaram a actuação violenta de todos e cada um deles e seus resultados e actuaram com intenção de a realizarem; ou - Se todos representaram a realização desses actos e suas consequências como consequência necessária dessa actuação, ou Enfim, se todos representaram essas actuações e seus resultados como consequência possível da conduta decidida e se conformaram com aquela realização. Só depois, de «preto no branco» se assentar nessa eventual consciência da globalidade da actuação de todos e cada um, com aceitação de todas as possíveis consequências dela, em qualquer das apontadas modalidades se poderá, de consciência tranquila, igualizar, como o fizeram as instâncias, a medida das 3 penas aplicadas. Até lá, a matéria de facto recolhida é insuficiente – art.º 410.º, n.º 2, a), do Código de Processo Penal. O que, na impossibilidade de aqui ser suprido, nos termos do disposto no artigo 426.º, n.º 1, do mesmo diploma adjectivo, motiva o reenvio do processo à Relação para superação do vício em causa nos termos do artigo 426.º, n.º 1, citado, devendo o novo julgamento ser efectuado pelo tribunal respeitando o estatuído no artigo 426.º-A, do mesmo diploma, nomeadamente, se possível, fazendo intervir no julgamento um colectivo diverso do que produziu a decisão ora recorrida. Assim fica prejudicado por ora o conhecimento do recurso. 3. Pelo exposto, ordenam o reenvio do processo ao tribunal recorrido para os fins mencionados, havendo depois de ser ali proferida nova decisão de direito em conformidade com o que resultar dos factos definitivamente assentes – eventualmente relativamente a todos os arguidos por força do disposto no artigo 402.º, n.º 2, a), do Código de Processo Penal – assim ficando prejudicado o conhecimento do mérito do recurso. Sem tributação. Supremo Tribunal de Justiça, 4 de Outubro de 2006 Pereira Madeira (relator) Santos Carvalho Rodrigues da Costa __________________________________ (1)«Fractura da extremidade distal da clavícula esquerda, contusão do ombro direito, fracturas multiesquirolosas do terceiro metacarpiano da mão esquerda, fractura da diáfise do terceiro dedo da mão esquerda, fractura distal da segunda falange do 5° dedo, ferida inciso-contusa com cerca de 10 cm de extensão na região occipital, ferida inciso contusa com cerca de 8 cm na região parietal esquerda, ambas suturadas, escoriações na região frontal, equimoses extensas da região cervical, ombro direito e esquerdo, equimoses extensas de ambas as mãos, que lhe provocaram cefaleias, dores a nível de ambos os ombros com dificuldade respiratória, rigidez dolorosa do 3° dedo da mão esquerda e 5° dedo da mão direita e dor à imobilização de ambos os ombros e limitação de ambos os ombros, que lhe determinou 70 dias de doença, todos com incapacidade para o trabalho, com rigidez permanente do 5° dedo da mão direita e 3° da mão esquerda e limitação da mobilidade de ambos os ombros, com uma incapacidade definitiva de 10 %». |