Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S1425
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: AGRAVO EM SEGUNDA INSTÂNCIA
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO DA PETIÇÃO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ALTERAÇÃO DO HORÁRIO DE TRABALHO
TRABALHO EM DIAS DE DESCANSO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: SJ200902050014254
Data do Acordão: 02/05/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Sumário :
1. Face ao disposto no n.º 3 do art.º 510.º do CPC, na versão que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25/9, o despacho saneador, transitado em julgado, só constitui caso julgado formal relativamente aos pressupostos processuais e às nulidades processuais no que toca às questões que nele tenham sido concretamente apreciadas.
2. Assim, a declaração genérica, tabelar, proferida no mencionado despacho, de que não existem excepções nem nulidades não tem relevância processual, para efeito do disposto no art.º 754.º, n.º 2, do CPC (agravo continuado).
3. O Supremo não pode conhecer do recurso de revista, na parte em que o recorrente se limita a reproduzir as alegações que já havia apresentado na apelação, sem atacar minimamente a fundamentação e a decisão proferidas ex novo pela Relação, por tal equivaler a falta de alegação.
4. A faculdade prevista no art.º 72.º, n.º 1, do CPT não é restrita aos factos que só tenham ocorrido ou que só vieram ao conhecimento das partes após os articulados.
5. A entidade empregadora não pode alterar unilateralmente o horário de trabalho que, em sede do contrato de trabalho, foi expressamente acordado com o trabalhador.
6. Estando provado que o período normal de trabalho do autor (vendedor de veículos automóveis) decorria de segunda-feira a sexta-feira, sendo os sábados e domingos dias de descanso semanal, o trabalho por ele prestado nestes dias deve ser remunerado com o acréscimo previsto na cláusula 88.ª (e não com o acréscimo previsto na cláusula 52.ª) do CCT celebrado entre a ACAP e a FETESE (BTE n.º 4/99).
7. Estando provado que, ao longo de vários anos, o autor nunca deduziu oposição pelo trabalho prestado aos sábados, mas que sempre questionou e reclamou da retribuição que lhe era paga a esse título, a entidade empregadora não tinha razões para confiar que ele não viesse, no futuro, a reclamar judicialmente os créditos salariais que, por via disso, lhe eram devidos, o que afasta o abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium.
8. Por outro lado, também não se pode afirmar que a conduta do autor, ao vir peticionar os ditos créditos seja minimamente atentatória dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico do direito em questão.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório
Na presente acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho, proposta por AA contra S... C... – I... M... e V... de T..., S. A., no Tribunal do Trabalho de Lisboa, o autor pediu que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia global de € 29.320,93, acrescida de juros de mora, contados desde a citação, sendo € 2.926,33 a título de diferenças nas comissões de vendas, € 24.141,06 a título de trabalho prestado aos Sábados e Domingos, nos anos de 1994 e seguintes até Maio de 2003, e € 2.253,54 a título de trabalho suplementar prestado de 2.ª a 6.ª-feira, sendo € 1.037,11 referentes às primeiras horas e € 1.216,43 às restantes horas.

Em resumo, o autor alegou o seguinte:
- a ré é uma empresa que se dedica à indústria e comércio de veículos automóveis;
- o autor foi admitido ao serviço da ré em 23 de Agosto de 1994, com a categoria profissional de vendedor e tinha ultimamente como local de trabalho as instalações da ré sitas em Prior Velho;
- à relação laboral existente entre as partes era aplicável o CCT celebrado entre a ACAP e a FETES, publicado no BTE n.º 39/82, com alterações nos BTE’s n.os 8/96 e 12/97;
- por aviso afixado na empresa, com invocação do art.º 37.º, n.º 3, da LCT, foi comunicado ao A. que, em Maio de 2003, as instalações onde ele vinha desempenhando a sua actividade iam ser transmitidas para a sociedade S... C... – C... de A..., S. A., como efectivamente sucedeu;
- na sequência do referido aviso, o autor escreveu à sociedade adquirente do estabelecimento reclamando os créditos no valor de e 39.883,18, mas a adquirente recusou o seu pagamento, alegando que os mesmos não eram devidos;
- a verdade é que os aludidos créditos existem e reportam-se a trabalho suplementar prestado de segunda a sexta-feira, 2.ª a 6.ª-feiras, a trabalho prestado aos sábados e domingos e à redução unilateral por parte da ré dos valores das comissões de vendas;
- na verdade, a partir de 2001, a média das comissões auferidas pelo autor desceu e tal ficou a dever-se a uma alteração, imposta pela ré, dos critérios de atribuição das comissões;
- com efeito, até 2001, o valor da comissão mantinha-se igual na venda dos dois primeiros veículos, subindo na venda do terceiro e, a partir de 2001, passou a ser igual na venda dos três primeiros veículos, aumentando só na venda do quarto, sendo que o autor dificilmente conseguia vender quatro veículos no período de referência das comissões;
- a alteração imposta pela ré traduziu-se numa diminuição da retribuição e, violação do disposto no art.º 21.º, n.º 1, al. c), da LCT, assistindo-lhe, por isso, o direito a receber o diferencial entre a média mensal das comissões auferidas nos anos de 1999 e 2000 (€ 692,36) e a média das comissões recebidas nos anos de 2001, 2002 e 2003 (até Maio) no montante de € 2.926,33;
- nos termos do art.º 82.º da LCT e da cláusula 79.ª, n.º 3, do CCT aplicável, a retribuição mensal do autor integra, para todos os efeitos, a retribuição de base e a média das comissões, devendo considerar-se que o valor média das comissões nos anos de 2001, 2002 e 2003 era de € 692,36;
- enquanto esteve ao serviço da ré, o autor teve como dia de descanso semanal o domingo e como dia de descanso complementar o sábado;
- nos termos da cláusula 74.ª do CCT aplicável, o trabalho prestado no dia de descanso complementar é pago com um acréscimo de 300%;
- e, nos termos da cláusula 73.ª do mesmo CCT, o trabalho suplementar é pago com um acréscimo de 50% na 1.ª hora e com um acréscimo de 75% nas restantes horas;
- desde a sua admissão, o autor prestou trabalho aos sábados 27 vezes por ano, uma vez que alternava meses em que trabalhava dois sábados com meses em que trabalhava três sábados;
- além disso, cada vendedor e, por isso, também o autor, prestava trabalho em dois domingos por ano ou na FIL, por ocasião dos Salões Automóveis, ou nos Centros Comerciais, para exposição dos veículos;
- e, em cada ano, o autor também prestava um número mínimo de 30 horas de trabalho suplementar, para assegurar o funcionamento dos stands de vendas, de acordo com as escalas de serviço organizadas pela ré;
- a ré nunca pagou ao autor o trabalho prestado aos sábados e domingos nem o trabalho suplementar prestado nos outros dias.

A ré contestou, alegando, fundamentalmente, o seguinte:
- os pedidos formulados pelo autor são praticamente ininteligíveis;
- o autor afirma ter auferido, desde 1994 a 2003, uma média anual a título de comissões, mas tais valores não se encontram minimamente demonstrados, fundamentados ou concretizados;
- de qualquer modo, sempre se dirá que as comissões são, por natureza, variáveis;
- é falso que a média das comissões tenha descido, a partir de 2001;
- os números indicados pelo autor referentes aos anos de 2001 a 2003 são, no mínimo, em larga medida, superiores aos auferidos nos anos de 1994 a 1998, inclusive;
- se alguma diminuição houve relativamente às comissões pagas nos anos de 2001 a 2003 em comparação com o ano de 2000, tal ficou e dever-se à diminuição do número de unidades automóveis vendidas pelo autor, ou pela sua natureza diversa;
- em 2000, o autor vendeu 8 viaturas novas e 110 usadas; em 2001, vendeu 25 viaturas novas e 23 usadas; em 2002, vendeu 46 viaturas novas e em 2003, em cinco meses, vendeu 17 viaturas;
- como é evidente, o esquema comissional entre viaturas novas e viaturas usadas é totalmente diferente, e, por isso, só se poderia verificar se tinha havido diminuição relativa da comissão se os critérios de aferição fossem únicos;
- é lícito à ré proceder à alteração dos critérios que estabelecem os valores comissionais conquanto não resulte diminuição da retribuição e da mera alteração dos critérios em causa não decorre que o autor tenha sofrido efectivamente qualquer quebra de retribuição;
- é do conhecimento comum que o mercado automóvel é, por excelência, dinâmico e o comércio automóvel é o primeiro dos mercados a sofrer as consequências do contexto económico envolvente;
- tal facto determina que, à semelhança do que aconteceu com a ré, os critérios de atribuição de comissões não sejam estabelecidos consensualmente entre a empresa e os vendedores, mas antes determinados unilateralmente pela ré, em função do contexto económico e comercial e apenas para um período temporal específico, findo o qual poderão ser revistos ou substituídos por outros;
- desde logo, porquanto não é possível tornar imutáveis ao longo dos anos todas as condições que determinam o estabelecimento de uma dada grelha comissional, seja porque os próprios modelos automóveis têm de ser alterados, renovados ou substituídos por outros, seja porque a própria ré está dependente dos critérios económicos e comerciais impostos pelo respectivo fornecedor;
- por outro lado, como também é do conhecimento comum, o período em causa, 2001 a 2003, constituiu um dos períodos mais negativos para a indústria e o comércio automóvel em Portugal, envolvido num contexto económico recessivo e com redução drástica de investimento público e privado que, necessariamente, resultou numa diminuição avassaladora do número de unidades comercializadas;
- o autor não ignora que a diminuição dos valores auferidos a título de comissões deverá ser imputada ao próprio mercado e não á alteração dos critérios de remuneração;
- por via do autor conhecer tal situação se justifica o facto de se ter limitado, vagamente, a invocar a diminuição da média de comissões sem identificar especificamente em que situações terá ficado prejudicado;
- a parte variável da retribuição do autor estava dependente do número de vendas em que intervinha e os autos não contêm qualquer indicação do número de unidades vendidas pelo autor, em cada mês especificamente, respectivos modelos e, em cada caso, o valor que o autor considera ser devido, sendo certo que são tais dados que permitem a verificação, ou não, de a eventual diminuição da retribuição por tal via e com referência a cada mês em concreto;
- o autor alega que, entre 1994 e 2003, trabalhou em 27 sábados por ano, mas os documentos que juntou para provar tal alegação não têm essa virtualidade;
- o autor teria de alegar quais os sábados em que efectivamente trabalhou e, sobretudo, quais as horas prestadas em cada um deles;
- a presença do autor aos sábados insere-se na prestação normal de um vendedor, transferindo-se o dia de descanso complementar para outro dia da semana seguinte;
- por outro lado, o autor bem sabe que, nos termos da cláusula 52.ª, n.º 3, alíneas a), b), e) e f), do CCT aplicável ao sector, tinha direito, pelo trabalho prestado ao sábado de manhã, a um acréscimo de 2%, calculado sobre o salário base, ou a um acréscimo de 5% se o trabalho fosse prestado ao longo de todo o dia, para além do pagamento do próprio dia, ou parte do dia, em causa;
- acresce que no próprio contrato de trabalho, que o autor juntou como doc. 1 da p. i., consta da cláusula 7.ª que o autor dá o seu acordo à alteração do horário de trabalho estabelecido, o que significa que ele concordou e beneficiou com o facto de ter trabalhado alguns sábados, mas em regime de trabalho ao abrigo do citado preceito convencionado no CCT;
- aliás, o autor, sempre que trabalhou ao sábado, descansou na segunda-feira seguinte;
- o autor bem sabe que tais quantias, quando efectivamente devidas, lhe foram pagas, e bem sabe também que sempre teve direito ao descanso compensatório nos termos do CCT;
- o referido obsta a que o autor tenha direito ao pagamento do trabalho prestado ao Sábado com um acréscimo de 300%;
- quanto ao alegado trabalho suplementar prestado em 30 horas/ano, o autor não indicou qual o horário normal de trabalho que prestava;
- acresce que a prova do trabalho suplementar prestado há mais de cinco anos só é possível mediante documento idóneo, documento que é omitido pelo autor;
- por outro lado, a prestação de trabalho suplementar tem de ser prévia e expressamente determinada pela entidade empregadora, sob pena de o respectivo pagamento não ser exigível;
- assim, considerando que o próprio autor não esclarece em que dias, em concreto, prestou trabalho suplementar e sendo certo é que a ré não determinou prévia e expressamente a prestação de qualquer trabalho suplementar ao autor nos moldes por ele alegados, não tem o autor direito, em caso algum, ao pagamento que reclama.

Na fase do saneador, “considerando a simplicidade da causa bem como a inexistência de outras excepções de carácter dilatório ou peremptório, de que cumpra conhecer ou que tenham sido invocadas pelas partes, tendo já Autor e Ré tomado posição sobre as diversas questões de facto e de direito que suscitaram nos articulados”, o M.mo Juiz decidiu que não haveria lugar à audiência preliminar.

E, depois de ter declarado que o tribunal era competente, que “[o] processo é o próprio e inexistem nulidades que, sendo de conhecimento oficioso, o invalidem”, que “[a]s partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, acham-se devidamente patrocinadas e, conforme o litígio se acha configurado pela Autora, possuem legitimidade para intervir na causa” e que “[i]nexistem outras excepções dilatórias, que, sendo de oficioso conhecimento, obstem à apreciação do mérito dos autos”, decidiu que, face à simplicidade da causa, se abstinha de enunciar os factos assentes e de fixar a Base Instrutória”.


Realizado o julgamento, com gravação da prova, foi proferida sentença julgando a acção improcedente no que toca ao pedido formulado a título de comissões sobre as vendas e parcialmente procedente relativamente aos pedidos atinentes ao trabalho prestado aos sábados e domingos e ao trabalho suplementar prestado noutros dias, tendo a ré sido condenada a pagar ao autor a quantia global de € 3.932,76, a título de trabalho suplementar prestado aos sábados e domingos e em dias úteis, no período de 1 de Junho de 1999 a 31 de Maio de 2003, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Tal decisão assentou na seguinte argumentação:
- o autor prestou trabalho suplementar em sábados e domingos (dias de descanso semanal) e em dias úteis, mas que, dada a ausência de prova documental nesse sentido, só podia ser levado em conta o trabalho suplementar prestado nos últimos cinco anos, com referência à data em que a ré foi citada (27.5.2004), ou seja, no período de 27.5.1999 até 31.5.2004 (data em que o autor deixou de trabalhar para a ré);
- face aos documentos para que a matéria de facto remete, o autor prestou 15 horas de trabalho suplementar em dias úteis, no período de 1 de Junho a 31 de Dezembro de 1999, 30 horas de trabalho suplementar em dias úteis, em cada um dos anos de 2000, 2001 e 2002, e 14 horas de trabalho suplementar em dias úteis no ano de 2003 (até 31 de Maio);
- face aos mesmos documentos, o autor trabalhou durante 13 sábados e 2 domingos, em 1999 (desde 1.6.999), durante 27 sábados e 4 domingos, em cada um dos anos de 2000, 2001 e 2002, e durante 14 sábados e 1 domingo em 2003 (até 31 de Maio);
- o trabalho suplementar prestado nos dias úteis devia ser pago com o acréscimo de 75%, devendo esse acréscimo incidir sobre a retribuição base, acrescida da média das comissões auferidas;
- o trabalho prestado aos sábados e domingos devia ser pago com o acréscimo de 5% previsto na cláusula 52.ª do CCT aplicável, mas devendo esse acréscimo incidir apenas sobre a retribuição base;
- o autor tinha direito, a esses títulos, à quantia global de € 4.383,08, mas que a essa quantia havia que deduzir a quantia de € 450,32 já paga pela ré.
- a inexistência de acordo escrito do autor, para trabalhar aos sábados, embora se traduza na falta de um requisito formal, não justifica que esse trabalho seja pago segundo o regime geral (Decreto-Lei n.º 421/83, de 2/12);
- ainda que assim não se entendesse, a conduta do autor configuraria uma situação de abuso de direito, uma vez que “o Autor sempre acedeu a fazer tal serviço ao sábado, ao longo de 9 anos, como ficou demonstrado, sem quaisquer reclamações quanto à sua execução mas tão somente quanto ao respectivo pagamento, que considera reduzido” e “nos parecer contrário aos princípios da boa fé vir pretender, ao fim de tantos anos e com fundamento num mero vício formal, relativamente ao qual nunca alertou a Ré (pelo menos nada ficou demonstrado nesse sentido nos autos), ser pago de acordo com o regime geral e não nos termos do CCTV”.

Ambas as partes recorreram da sentença.

O autor, por entender que no cálculo da retribuição devida pelo trabalho suplementar devia ter sido levada em conta a média das comissões que auferiu e por considerar que o trabalho prestado aos Sábados e Domingos devia ser pago nos termos da cláusula 74.ª do CCT, ou seja, com um acréscimo de 300%, e não nos termos do n.º 3 da cláusula 52.ª.

A ré, por entender que também devia ter sido absolvida dos pedidos referentes ao trabalho suplementar prestado em dias úteis e ao trabalho prestado aos sábados e domingos.

O Tribunal da Relação de Lisboa julgou parcialmente procedente o recurso da ré, absolvendo esta do pagamento das quantias peticionadas a título de trabalho suplementar prestado em dias úteis e relegando para o incidente de liquidação da sentença o apuro da quantia devida ao autor pelo trabalho suplementar prestado aos sábados e domingos (quatro domingos por ano), com dedução das quantias já pagas pela ré, a esse título.

E, no que toca ao recurso do autor, a Relação considerou que o comportamento do autor, ao vir pedir o pagamento do trabalho aos Sábados, nos moldes em que o fez, não configurava uma situação de abuso de direito e julgou totalmente procedente o recurso do autor, decidindo que o trabalho por ele prestado aos sábados deve ser pago com o acréscimo de 300%, nos termos da cláusula 88.ª do CCT celebrado entre a ACAP e o SITESC, publicado no BTE n.º 4/99, e que, para efeitos do cálculo da retribuição devida ao autor pelo trabalho prestado aos sábados e domingos, nomeadamente para o cálculo do valor/hora, deve ser levada em conta, nos termos da cláusula 85.ª, n.º 2, do referido CCT, a média da parte variável da retribuição por ele percebida nos últimos 12 meses, acrescida da parte fixa mensalmente auferida.

Mantendo o seu inconformismo, a ré interpôs recurso de revista, concluindo as respectivas alegações da seguinte forma:

a) A matéria de facto apurada contém insuficiências e contradições relativas ao horário de trabalho do autor que resultam da forma como ele desenhou a petição inicial;
b) O autor/recorrido não alegou, na petição inicial, os horários que praticou e, muito menos, os anos, dias e horas em que prestou trabalho suplementar;
c) Em face das imprecisões e insuficiências na exposição da matéria de facto, o M.mo Juiz deveria ter ordenado o aperfeiçoamento dos articulados, tal como aconteceu nos processos nºs 387/04.6TILRS e 388/04.4TILRS que seguem termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Loures; o recurso ao dispositivo no art.º 72.º, n.º 1 do Código do Processo do Trabalho prejudica o princípio do contraditório do art.º 3.º do Código do Processo do Trabalho no que concerne ao direito de defesa da ré recorrente;
d) O recurso à faculdade consagrada no art.º 72.º aplica-se a factos novos, não articulados, relevantes para a decisão da causa e não se aplica à deficiente, obscura e imprecisa petição inicial;
e) Ao fazer seguir os termos do processo, sem convidar ao aperfeiçoamento da petição inicial, resulta violado o dispositivo dos art.os 467.º, n.º 1, al. c), do CPC e 508.º do mesmo Código;
f) Da matéria de facto apurada alcança-se que o autor recorrido não tinha de cumprir um rígido horário de trabalho com horas de entrada e saída, mas antes praticava um horário flexível, ajustando, por si e sem necessitar de uma ordem da ré recorrente, os períodos de presença na ré ou de visita a potenciais clientes;
g) Os vendedores de automóveis, por regra, exercem a sua actividade com autonomia só condicionada a algumas horas de presença definidas pela ré, interessando a esta, fundamentalmente, o resultado da actividade exercida pelo vendedor;
h) Assim, os autos não revelam os períodos em que o autor recorrido tenha prestado trabalho suplementar;
i) Assim, “o Autor e os seus colegas, com excepção dos dias em que ficavam de serviço ao "stand", desempenhavam funções normalmente no exterior, podendo deslocar-se ou não às instalações da Ré durante o dia ou no final do mesmo, com vista a tratar de assuntos administrativos já pendentes relacionados com a actividade profissional desenvolvida durante o dia”;
j) O Autor sempre acedeu a fazer serviço ao Sábado, ao longo de 9 anos, como ficou demonstrado, sem quaisquer reclamações quanto à sua execução, mas tão somente quanto ao respectivo pagamento que considera reduzido, o que poderá configurar-se como uma situação de abuso de direito, nos termos e para os efeitos do art.º 334.º do Código Civil, [dado] que nos parece contrário aos princípios da boa fé vir pretender, ao fim de tantos anos e com fundamento num mero vício formal, relativamente o qual nunca alertou a Ré (pelo menos, nada ficou demonstrado nesse sentido nos autos), ser pago de acordo com o regime geral e não nos termos do CCTV (da douta sentença proferida).
k) É aplicável aos autos a Cláusula 52.ª do CCTV para o sector automóvel que estatui:
“3. a) Os vendedores de veículos automóveis, máquinas agrícolas, máquinas industriais e motociclos podem prestar trabalho ao sábado em stands, desde que o acordem por escrito com a empresa;
b) Não obstante as circunstâncias atrás referidas, haverá direito a 2 dias de descanso semanal, a cumprir no domingo e segunda-feira seguintes ou das 13 horas de sábado às 13 horas de segunda-feira, quando o trabalho ao sábado abranja apenas o período da manhã;
c) Por acordo entre as partes, pode o descanso de segunda-feira ser substituído por igual período em outro dia dentro da mesma semana;
d) Quando mais que um vendedor acorde na prestação de trabalho ao sábado, será instituído um sistema rotativo entre eles, de forma a que o estabelecimento esteja aberto ao público, mas sem que todos os vendedores estejam presentes;
e) Por cada manhã de Sábado em que o vendedor preste a sua actividade, terá direito a uma retribuição complementar correspondente a 2% do valor da remuneração mínima mensal fixa para o nível 8 da tabela que lhe seja aplicável.
l) É neste dispositivo que se insere o trabalho prestado pelo Autor e a cláusula 52.ª é clara ao determinar que o trabalho prestado ao Sábado, nas circunstâncias descritas no normativo, é trabalho prestado nos “períodos normais de trabalho”.
k)(1) Apurou-se que:
“35 - A Ré procedia ao pagamento do serviço prestado ao Sábado pelo Autor e demais vendedores, em função do que se mostra previsto no CCTV aplicável (2% -manhã ou 5% - todo o dia), através da rubrica "Abonos diversos c/ss (e só ela), que não era só utilizada para esse fim, mas servia também para dar pagamento a outras realidades (encargos com telemóveis, por exemplo), sendo certo que a empresa Ré só processava a remuneração respeitante ma metade do dia (2%), como se o Autor e os colegas só tivessem desempenhado funções durante a manhã;
“36 - A Ré, embora não processasse, nos dias de Sábado e Domingo em que o Autor e o colega prestavam serviço, subsídio de refeição, pagava-lhes o almoço que haviam tomado nesses dias, até um certo limite máximo, em termos de valor, mediante apresentação de factura que, depois de rubricada, pelo menos, pelo chefe dos vendedores, era apresentada na caixa, onde era liquidada ao vendedor respectivo;
"38 - As escalas dos dias úteis, sábados e domingos eram elaboradas pelo secretariado do chefe dos vendedores, por sua determinação e sob a sua orientação, apondo para o efeito a respectiva rubrica, sendo as mesmas comunicadas mensalmente ao Autor e colegas (que relativamente a elas podiam fazer trocas pontuais) e remetidas oportunamente ao departamento de recursos humanos, para efeitos de levantamento dos Sábados em que o Autor e colegas haviam prestado serviço;
"39 - O Autor e os demais comerciais da Ré não se opunham à realização de serviço aos Sábados, questionando e reclamando do seu não pagamento ou dos valores (que no seu entender eram baixos) que lhe apareciam nos recibos;
"40 - A Ré concedia que o Autor e os demais comerciais compensassem o serviço prestado ao Sábado na segunda-feira seguinte ou noutro dia da semana seguinte àquele serviço, mas nunca tomou medidas no sentido da concretização desse esquema de “folgas” compensatórias, tendo havido, um trabalhador ou outro que gozou algumas dessas folgas;
l) (2) A Recorrente deu sempre cumprimento ao dispositivo na Cláusula 52.ª transcrita, pagando ao Autor recorrido a percentagem referida na mesma c1áusula concedendo, ainda um dia de descanso na segunda-feira seguinte ou em outro dia da semana.
m) Era no interesse do Autor o trabalho prestado ao Sábado e bem reflectido no ponto 34 que reza assim:
“34 - No que toca ao serviço prestado ao Sábado, havia interesse, quer da empresa, quer dos vendedores, em que o mesmo fosse realizado, devido à maior afluência de público (e portanto, de potenciais clientes) que ocorria nesse dia, permitindo uma maior concretização de negócios ou, pelo menos, de contactos ou negociações que poderiam desembocar em vendas de viaturas automóveis, com os inerentes reflexos ao nível da actividade da Ré e das comissões do Autor e colegas, muito embora essa afluência e contactos variasse em função da localização do "Stand" em concreto;
n) O M.mo Juiz “a quo”, ao considerar na douta sentença, para efeitos de condenação da R. ora Apelante, estimativas resultantes de presunções que a matéria de facto apurada em caso algum autoriza, violou o disposto no art. 659.º, n.º 2, do C.P. Civil, pelo que,
o) Não tendo o Autor, na p. i., cumprido o dever de alegação dos factos concretos e objectivos como o impõe o art.º 467.º do C. P. Civil (al. d) do referido art.º 467.º do C.P.C.), deveria o M.mo Juiz a quo ter absolvido a R. do pedido, por ininteligibilidade do mesmo pedido, no que se refere à matéria tratada no presente recurso relativa ao pretenso trabalho suplementar;
p) A falta de alegação pelo A., ora recorrido, dos dias e horas concretos em que terá prestado trabalho suplementar impediu a R., ora recorrente, de exercer o direito ao contraditório relativamente a cada um dos dias e horas que o tribunal acabou por considerar apenas a título de estimativa, o que configura uma errónea interpretação do art.º 467.º do C.P.C., já atrás referido, bem como a violação do disposto no art.º 3.º, n.º 3, do mesmo C.P.C.
q) - Competindo ao A. a alegação e prova dos dias e horas em que realizou o pretenso trabalho suplementar, quando é certo que nem sequer alegou qual o respectivo horário de trabalho, o M.mo Juiz a quo procedeu a uma errónea aplicação da lei, no que se refere ao art.º 467.º, n.º l, alínea d), do C.P.C., pois não foram expostos os factos que serviram de fundamento à acção, não podendo o M.mo Juiz a quo ter suprido tal falta de alegação, como o fez, através do recurso a estimativa, violando, assim, o disposto no citado art.º 467.º n.º l, alínea d) do C.P.C.
r) Tendo o Autor recorrido sido contratado por contrato de trabalho reduzido a escrito e nele tendo sido consagrado que o horário de trabalho podia ser alterado em função das necessidades da empresa, resulta satisfeita a exigência consagrada na parte final da al.. a) do n.º 3 da cl.ª 52.ª do CCTV aplicável;
s) Assim, o trabalho prestado pelo Autor recorrido, aos Sábados, insere-se na previsão da dita Cl.ª 52.ª e deve ser pago de acordo com a al. e) da dita cláusula;
t) Ao decidir que o trabalho prestado nesses dias deveria ser considerado como trabalho prestado em dias de descanso semanal, o douto Acórdão da Relação violou o disposto na referida cl.ª 52.ª e o disposto no art.º 2.º do Decreto-Lei nº 421/83, de 2 de Dezembro, porquanto o trabalho prestado pelo Autor ao Sábado ocorreu dentro do horário de trabalho definido e aceite;
v)[ - Sic. A ré não utilizou a letra u).] Ao conhecer e declarar julgar procedente o recurso interposto pelo Autor, no que concerne ao cálculo da retribuição devida pelo trabalho prestado aos Sábados e Domingos, o douto acórdão do Tribunal da Relação violou o disposto no art.º 678.º do Código de Processo Civil, porquanto a douta sentença do tribunal “a quo” acolheu as mesmas regras de cálculo que a Relação [supõe-se que a recorrente quis dizer 1.ª instância] entende serem as aplicáveis.

A ré terminou as suas alegações pedindo a sua integral absolvição do pedido.

O autor contra-alegou, suscitando a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, na parte em que implicitamente invoca a nulidade da sentença, por esta não ter sido arguida no requerimento de interposição de recurso, e defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se pela improcedência da questão prévia e pela confirmação do julgado, em “parecer” a que as partes não responderam.
Corridos os vistos dos juízes adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Os factos que, sem qualquer impugnação, vêm dados como provados desde a 1.ª instância são os seguintes:
1) A Ré é uma empresa que se dedica à indústria e comércio de veículos automóveis.
2) O Autor foi admitido ao serviço da Ré no dia 23/08/1994, tendo sido acordado que o mesmo iria exercer as funções próprias da categoria profissional de Vendedor, por um período de seis (6) meses, renovável, sob as ordens, direcção e fiscalização daquela e mediante o recebimento de uma contrapartida pecuniária mensal ilíquida de Esc. 66.900$00 x 14 meses.
3) O Autor e a Ré, para o efeito, assinaram o documento, denominado "Contrato de Trabalho a Termo Certo", datado de 23/08/994 e junto aos autos a fls. 1 4 e 1 5, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4) De acordo com o ponto 2. desse "Contrato de Trabalho a Termo Certo", "o local de trabalho do segundo Outorgante será nas instalações que a primeira Outorgante possui na Av. ..., ..., 1300 Lisboa, e ainda nos locais onde a primeira Outorgante tenha trabalhos a efectuar, para os quais determine a intervenção do segundo".
5) Ainda nos termos desse "Contrato de Trabalho a Termo Certo", a que se referem as alíneas anteriores, determina a Cláusula 6.ª:
- "o horário de trabalho que o Segundo Outorgante se obriga a cumprir é o seguinte: Entrada às 09,30 horas[,] Saída às 19,30 horas. Descanso diário das 13,00 às 14,00 horas, à Sexta-Feira, Saída às 18,30 horas. Sábado: Descanso Complementar[,] Domingo: Descanso Semanal,
- o trabalhador, Segundo Outorgante, dá, desde já, o seu acordo à alteração do horário, estabelecido na Cláusula anterior para qualquer outro, desde que a alteração seja determinada, por razões imperiosas de funcionamento da primeira Outorgante".
6) De acordo com a cláusula 1.ª, parágrafo único, à categoria do Autor compete "promover e vender veículos automóveis, máquinas industriais, pneus, peças e acessórios, por conta exclusiva da entidade patronal dentro e fora do estabelecimento".
7) A relação profissional emergente do "Contrato de Trabalho a Termo Certo" a que se refere a alínea 2) veio a converter-se, em data não apurada, numa relação por tempo indeterminado, tendo o Autor passado a integrar os quadros da empresas, como efectivo.
8) O Autor desempenhou funções de vendedor, designadamente, no "stand" da Ré situado em Loures, exercendo as mesmas ultimamente nas instalações da empresa situadas no Prior Velho.
9) O Autor começou por ser vendedor de viaturas usadas (muito embora não lhe estivesse vedado vender veículos novos, caso lhe surgisse essa oportunidade), só no ano de 2001, em data não apurada, tendo sido afecto à venda preferencial de viaturas novas.
10) O Autor passou a cumprir, a partir de data não apurada, um horário semanal de 40 horas, durante cinco dias por semana (segunda a sexta feira).
11) O Autor recebeu da Ré, entre 1994 e 2003, as seguintes quantias, a título de remuneração base mensal:
a) 1994 - Esc. 66.900$00 (Euros 333,70) + Esc. 8.400$00 (Euros 41,90), a título de subsídio de alimentação;
b) 1995 - Esc. 70.300$00 (Euros 350,65) + Esc. 8.800$00 (Euros 43,89), a título de subsídio de alimentação;
c) 1996 - Esc. 73.500$00 (Euros 366,62) + Esc. 9.000$00 (Euros 49,88), a título de subsídio de alimentação;
d) 1997 - Esc. 76.100$00 (Euros 379,59) + Esc. 10.400$00 (Euros 49,88), a título de subsídio de alimentação;
e) 1998 - Esc. 78.800$00 (Euros 393,05) + Esc. 11.500$00 (Euros 57,36), a título de subsídio de alimentação;
f) 1999 - Esc. 81.150$00 (Euros 404,77) + Esc. 12.000$00 (Euros 59,83), a título de subsídio de alimentação;
g) 2000 - Esc. 83.650$00 (Euros 417,24) + Esc. 13.000$00 (Euros 64,84), a título de subsídio de alimentação;
h) 2001 - Euros 432,00 + Euros 82,28, a título de subsídio de alimentação;
i) 2002 - Euros 449,00 + Euros 74,80, a título de subsídio de alimentação;
j) 2003 - Euros 449,00 + Euros 74,80, a título de subsídio de alimentação.
12) O Autor recebeu da Ré, a título de comissões por viaturas novas e usadas pelo mesmo vendidas, pelo menos, os montantes que se mostram mencionados nos recibos de remunerações que se encontram, juntos aos autos a fls. 21 a 30, 105 a 146 e 307 a 364 dos autos, bem como nos documentos constantes de fls. 372 e seguintes e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
13) O Autor, nos anos de 1998 e de 2000 a 31/5/2003, vendeu para a Ré as seguintes viaturas novas e/ou usadas: 1998 - 28 viaturas novas; 2000 - 8 viaturas novas e 110 usadas; 2001 - 25 viaturas novas e 23 usadas; 2002 - 46 viaturas novas; 2003 (5 meses) - 17 viaturas.
14) O Autor e a Ré acordaram em aplicar, à relação profissional que mantinham, o CCTV do Sector Automóvel outorgado entre a Associação de Comércio Automóvel de Portugal (ACAP) e várias associações sindicais representativas do sector (FETESE).
15) O Autor, para além de uma contrapartida pecuniária mensal fixa, que foi sendo sucessivamente actualizada, auferia igualmente montantes variáveis, a título de comissões, que normalmente eram processadas no mês subsequente à concretização do negócio a que respeitavam.
16) A Ré, até 30/612001, tinha instituída e cumpria, no que respeita às comissões a pagar a todos o seus vendedores de viaturas novas, o esquema comissional que se mostra descrito no documento n.º 1 5, junto a fls. 31 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
17) A Ré, a partir de 1/7/2001, instituiu e passou a utilizar, no que respeita às comissões a pagar a todos o seus vendedores de viaturas novas, o esquema comissional que se mostra descrito no documento n.º 16, junto a fls. 32 e seguintes dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
18) Quer num esquema comissional como noutro, verifica-se o seguinte:
- As vendas de veículos para efeitos da sua aplicação são referidas ao mês;
- Os vendedores recebiam comissões no valor correspondente ao veículo vendido, ou seja, o montante da comissão da última viatura vendida referia-se não só a esta, mas como a todos os demais carros comercializados anteriormente pelo mesmo vendedor;
- O sistema atrás descrito era aplicado uniforme e independentemente do modelo vendido em último lugar, do seu preço e da comissão aplicada ao mesmo, quando comparado com os modelos, preços e comissões dos carros comercializados anteriormente pelo mesmo vendedor;
- Os vendedores podiam praticar descontos até certos limites fixados previamente pela Ré ou autorizados, no caso concreto, pela mesma.
19) As principais diferenças existentes entre as duas tabelas comissionais consistiam no seguinte:
- Na primeira registava-se uma alteração do valor comissional do segundo para o terceiro veículo vendido, ao passo que na segunda tal passou a acontecer somente do terceiro para o quarto veículo;
- Ocorreu, da primeira para a segunda tabela, uma diminuição variável no valor das comissões referentes aos dois primeiros carros;
- Ocorreu, da primeira para a segunda tabela, uma diminuição mais acentuada, embora variável, no valor das comissões referentes ao terceiro carro;
- Ocorreu, da primeira para a segunda tabela, um aumento no valor comissional referente à quarta viatura, o mesmo acontecendo com os veículos que lhe sucediam nas mesmas.
20) As duas tabelas comissionais também não se referem, exactamente, às mesmas marcas e modelos, que variam todos os anos, sendo atribuídos códigos diferentes a tais modificações e em função delas.
21) O novo esquema remuneratório, relativo à atribuição e cálculo da parte variável da remuneração dos seus vendedores, que se mostram descritas nas alíneas 16) a 20), criaram no Autor e demais colegas da área comercial, a convicção que as novas condições e objectivos eram mais difíceis de executar e atingir, com as inerentes consequências negativas ao nível dos respectivos valores comissionais.
22) Tal novo sistema comissional imposto pela Ré visava incentivar os técnicos de vendas, como o Autor, a venderem mais viaturas, justificando­-se, na sua perspectiva, pela crise vivida pelo sector automóvel, que estava em queda, pela enorme competitividade do mercado, por alterações ao nível fiscal (aumento do Imposto Automóvel para certas classes de veículos), por modificações no público alvo (progressiva predominância dos particulares sobre os comerciais) e pela manutenção da actividade da empresa em níveis economicamente sustentáveis.
23) Os "stands" da Ré onde o Autor desempenhou funções funcionavam normalmente, de 2.a a Sábado, entre as 9,00 e as 19,00 horas, com encerramento para almoço durante, pelo menos, uma hora, praticando aos Domingos, em que funcionavam, idêntico horário, sem prejuízo das alturas especiais a que alude a alínea seguinte, em que o mesmo (em qualquer dia da semana) podia ser mais prolongado.
24) Os referidos "stands" da Ré abriram também, em alturas especiais (lançamentos de novas viaturas ou outro tipo de promoções comerciais) em que funcionava também ao Domingo (com o mesmo horário de Sábado) ou mesmo à noite, quer ao fim de semana, quer nos dias úteis de serviço, conforme documentos juntos a fls. 77 a 90 dos autos, como n.os 53 a 65 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
25) O Autor e os demais vendedores também desempenharam funções aos Sábados, Domingos, feriados e em noites dos dias úteis da semana (2.a a 6.a Feira), fora das instalações da Ré, em feiras (FIL, por exemplo, que se realiza de dois em dois anos e durante 10 dias seguidos) e em centros Comerciais.
26) O Autor e os colegas, por ano, desempenhavam funções, em média, durante 4 Domingos por ano.
27) O Autor e os seus colegas praticavam, habitualmente e quando não estavam de serviço ao "Stand" (escalas), o seguinte horário: de 2a a 6a feira, das 9,00 horas às 18,00, com uma hora para almoço, sendo certo que, consoante o serviço existente também podiam deixar de o fazer, por vezes, mais cedo ou ficar a prestar serviço até mais tarde, tendo o Sábado e o Domingo como dias de descanso semanal.
28) O Autor e os seus colegas, com excepção dos dias em que ficavam de serviço ao "stand", desempenhavam funções normalmente no exterior, podendo deslocar-se ou não às instalações da Ré durante o dia ou no final do mesmo, com vista a tratar de assuntos administrativos já pendentes ou relacionados com a actividade profissional desenvolvida durante o dia.
29) A Ré, na pessoa do chefe dos vendedores, organizava escalas de serviço aos seus "Stands", de forma a ficar em cada dia útil da semana, em permanência, um vendedor durante o horário de funcionamento daquele espaço, conforme documentos juntos a fls. 37 a 45 dos autos, como n.os 17 a 45 e a fls. 365 e 366, como documentos n.os 60 e 61 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
30) A Ré, através do chefe dos vendedores, organizava igualmente escalas de serviço ao seu Stand, de forma a ficar aos Sábados, em permanência, um vendedor, durante o horário de funcionamento daquele espaço (todo o dia), com excepção da hora de almoço, em que encerrava, conforme documentos juntos a fls. 37 a 45 dos autos, como n.os 17 a 45 e a fls. 365 e 366, como documentos n.os 60 e 61 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
31) O Autor e os seus colegas eram escalados para o "stand" da Ré três vezes por mês, no que respeita ao Sábado (muito embora houvesse meses em que tal acontecia por duas ou uma vez) e entre duas a cinco vezes por semana no que se refere às escalas dos dias úteis.
32) O Autor e os demais vendedores da Ré tinham uma grande liberdade de movimentos, de maneira a poderem desempenhar as suas funções com o máximo de eficácia e rentabilidade para a empresa, não sendo obrigados, no quadro dessa livre movimentação e desde que o serviço não o exigisse, a deslocar-se, durante o dia ou no final do mesmo, às instalações da Ré.
33) A Ré exercia um controle mínimo sobre a forma como o Autor e os colegas ocupavam o seu tempo de trabalho, designadamente, através das reuniões de trabalho que, normalmente, aconteciam todas as segundas feiras de manhã (9,00 horas), de relatórios diários e de natureza comercial que tinham que apresentar e de contactos aleatórios que, por razões de serviço, eram efectuados, ao longo do dia pelo chefe de vendas ou outros serviços ou responsáveis da Ré.
34) No que toca ao serviço prestado ao Sábado, havia interesse, quer da empresa, quer dos vendedores, em que o mesmo fosse realizado, devido à maior afluência de público (e portanto, de potenciais clientes) que ocorria nesse dia, permitindo uma maior concretização de negócios ou, pelo menos, de contactos ou negociações que poderiam desembocar em vendas de viaturas automóveis, com os inerentes reflexos ao nível da actividade da Ré e das comissões do Autor e colegas, muito embora essa afluência e contactos variasse em função da localização do "Stand" em concreto.
35) A Ré procedia ao pagamento do serviço prestado ao Sábado pelo Autor e demais vendedores, em função do que se mostra previsto no CCTV aplicável (2% - manhã ou 5% - todo o dia), através da rubrica "Abonos diversos c/ss! (e só ela), que não era só utilizada para esse fim, mas servia, também, para dar pagamento a outras realidades (encargos com telemóveis, por exemplo), sendo certo que a empresa Ré só processava a remuneração respeitante a metade do dia (2%), como se o Autor e os colegas só tivessem desempenhado funções durante a manhã.
36) A Ré, embora não processasse, nos dias de Sábado e Domingo em que o Autor e o colega prestavam serviço, subsídio de refeição, pagava-­lhes o almoço que haviam tomado nesses dias, até um certo limite máximo, em termos de valor, mediante apresentação de factura que, depois de rubricada, pelo menos, pelo chefe dos vendedores, era apresentada na caixa, onde era liquidada ao vendedor respectivo.
37) O Autor foi sempre considerado pela Ré como um bom vendedor.
38) As escalas dos dias úteis, sábados e domingos eram elaboradas pelo secretariado do chefe dos vendedores, por sua determinação e sob a sua orientação, apondo para o efeito a respectiva rubrica, sendo as mesmas comunicadas mensalmente ao Autor e colegas (que relativamente a elas podiam fazer trocas pontuais) e remetidas oportunamente ao departamento de recurso humanos, para efeitos de levantamento dos Sábados em que o Autor e colegas haviam prestado serviço.
39) O Autor e os demais comerciais da Ré não se opunham à realização de serviço aos Sábados, questionando e reclamando do seu não pagamento ou dos valores (que em seu entender, eram baixos) que lhe apareciam nos recibos.
40) A Ré concedia que o Autor e os demais comerciais compensassem o serviço prestado ao Sábado na segunda-feira seguinte ou noutro dia da semana seguinte aquele serviço, mas nunca tomou medidas no sentido da concretização desse esquema de "folgas" compensatórias, tendo havido, um trabalhador ou outro que gozou algumas dessas folgas.
41) Por aviso sem data, mas afixado, com a invocação do artigo 37.º, n.º 3, do Decreto--Lei n.º 49408 de 24/11/1969, em Maio de 2003, foi comunicado ao Autor que as instalações onde o mesmo desempenhava as funções de vendedor iriam ser transmitidas, a partir de 1/6/2003, para a empresa S... C... – C... de A..., S.A.
42) No dia 1/6/2003, a empresa S... C... – C... de A..., S.A. passou a funcionar nas instalações onde anteriormente a Ré desenvolvia a sua actividade, tendo o Autor transitado do quadro desta última para aquela, como vendedor, com o estatuto profissional e remuneratório que possuía na demandada.
43) Na sequência do Aviso a que se refere a alínea 41) [e não alínea 18), como, por manifesto lapso, se disse na sentença e foi repetido no acórdão da Relação], o Autor remeteu à empresa S... C... – C... de A..., S.A., a carta, datada de 23/05/2003, que se mostra junta a fls. 16 e 17 dos autos, como documento número 2 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde aquele, em síntese, reclama o pagamento do montante de Euros 34.539,18, a título de trabalho suplementar realizado em muitos sábados, domingos e mesmo feriados não pago, bem como durante fins-de-semana, e da quantia de Euros 5.344,00, a título de diferenças comissionais em virtude das alterações que a Ré introduziu, unilateralmente, no âmbito dos esquemas comissionais.
44) A empresa S... C... – C... de A...., S.A., respondeu a tal carta do Autor através da carta, datada de 30/05/2003, que se mostra junta a fls. 18 dos autos, como documento número 2 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde a mesma não assume qualquer responsabilidade pelo pagamento dos créditos reclamados pelo demandante, por entender que não são devidos.
45) A Ré enviou também ao Autor a carta, datada de 30/05/2003, que se mostra junta a fls. 19 e 20 dos autos, como documento número 4 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde manifesta a sua surpresa pelos créditos reclamados pelo demandante e informa não reconhecer nenhum deles.

3. O direito
Como decorre das conclusões do recurso, as questões nele suscitadas são as seguintes.
1.ª - Saber se a matéria de facto apurada contém insuficiências e contradições relativamente ao horário do trabalho do autor, resultantes da forma como o autor desenhou a petição inicial (conclusão a));
2.ª - Saber se a petição inicial contém imprecisões e insuficiências, no que toca à exposição da matéria de facto, se, por esse motivo, o M.mo Juiz devia ter ordenado o aperfeiçoamento dos articulados, e se, ao fazer seguir os termos do processo sem ter feito aquele convite, violou o disposto nos artigos 467.º, n.º 1, al. c) e 508.º, do CPC (conclusões b), c) e e));
3.ª - Saber se o recurso ao disposto no art.º 72.º, n.º 1, do CPT prejudicou o direito de defesa da ré, por violação do princípio do contraditório (conclusão c));
4.ª - Saber se, in casu, era permitido o recurso à faculdade prevista no art.º 72.º, n.º 1, do CPT (conclusão d));
5.ª - Saber se a matéria de facto provada permite concluir que o autor praticava um horário de trabalho flexível (conclusões f), g), h) e i);
6.ª - Saber se o trabalho prestado pelo autor aos sábados se insere na cláusula 52.ª do CCT aplicável (conclusões k), l), k), l), m), r) e s));
7.ª - Saber se o M.mo Juiz violou o disposto no art.º 659.º, n.º 2, do CPC, ao considerar na sentença, para efeitos de condenação da ré, estimativas resultantes de presunções que a matéria de facto apurada não autoriza (conclusão n));
8.ª - Saber se o M.mo Juiz devia ter absolvido a ré do pedido referente ao trabalho suplementar, por ininteligibilidade do mesmo, pelo facto do autor não ter cumprido o dever de alegação dos factos concretos e objectivos, como impõe o art.º 467.º, al. d), do CPC, (conclusão o));
9.ª - Saber se a falta de alegação pelo autor dos dias e horas concretos em que terá prestado trabalho suplementar impediu a ré de exercer o direito do contraditório relativamente a cada um dos dias e horas que o tribunal acabou por considerar apenas a título de estimativa e se tal configura uma errónea interpretação do art.º 467.º do CPC e uma violação do disposto no art.º 3.º, n.º 3, do mesmo Código (conclusão p));
10.ª - Saber se, competindo ao autor a alegação e prova dos dias e horas em que realizou o pretenso trabalho suplementar e sendo certo que ele nem sequer alegou qual era o seu horário de trabalho, podia o M.mo Juiz ter suprido tal falta de alegação, através do recurso à estimativa, e, se ao proceder desse modo, violou o disposto no art.º 467.º, n.º 1, al. d), do CPC (conclusão q));
11.ª - Saber se o acórdão recorrido violou o disposto no art.º 678.º do CPC, ao conhecer e julgar procedente o recurso do autor, no que concerne ao cálculo da retribuição devida pelo trabalho prestado aos sábados e domingos, dado que a sentença tinha acolhido as mesmas regras de cálculo que a Relação entendeu serem aplicáveis (conclusão v));
12.ª - Saber se a conduta do autor é subsumível na figura do abuso de direito (conclusão j)).

Como se constata do elenco referido, todas as questões, excepto a 1.ª, 5.ª, 6.ª 12.ª, têm natureza processual e, por razões de precedência lógica, é por elas que iremos começar a nossa apreciação.

Mas antes disso, importa fazer um esclarecimento relativamente às questões de natureza processual e conhecer da questão prévia de não conhecimento do recurso, suscitada pelo autor/recorrido, nas suas contra-alegações.

Comecemos pelo esclarecimento.

No que toca às questões de natureza processual poderia colocar-se a dúvida sobre a admissibilidade do recurso nessa parte, face ao disposto no art.º 722.º, n.º 1, do CPC, com referência ao estabelecido na primeira parte do n.º 2 do art.º 754.º do mesmo Código.

Esclarece-se, todavia, que o disposto nos referidos normativos não tem aplicação ao caso, uma vez que, na 1.ª instância, as questões processuais suscitadas no recurso de revista não foram objecto de apreciação concreta.

É certo que, no despacho saneador, o M.mo Juiz declarou (como supra já foi referido em “1. Relatório”): que o processo era o próprio; que inexistiam nulidades que, sendo de conhecimento oficioso, o invalidem; que as partes eram dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, que estavam devidamente patrocinadas e que possuíam legitimidade para intervir na causa; e que inexistiam outras excepções dilatórias, que, sendo de oficioso conhecimento, obstassem à apreciação do mérito dos autos.

Trata-se, todavia, de uma decisão de natureza genérica sobre a qual não se forma caso julgado formal, face ao disposto no art.º 510.º, n.º 3, do CPC, com referência ao disposto na alínea a) do n.º 1 do mesmo artigo, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro.

Com efeito, nos termos das disposições citadas, no despacho saneador o juiz deve conhecer das excepções dilatórias e das nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente (alínea a) do n.º 1), mas, relativamente a essas matérias, o despacho, logo que transitado, só constitui caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas (1.ª parte do n.º 3) – sublinhado nosso –, o que vale por dizer que o despacho saneador deixou de ter qualquer relevância processual no que toca aos pressupostos processuais e às nulidades processuais, quando o juiz se limita a afirmar, de uma forma tabelar e genérica, que não existem nulidades nem excepções dilatórias.

Como sublinha Lopes do Rego (in Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, em anotação ao art.º 510.º) “[e]stabelece-se claramente que o despacho saneador (n.º 3) só adquire força de caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas - generalizando-se, deste modo, a solução que, em sede de competência, constava do art.º 104.º, n.º 2, do CPC, na redacção anterior à reforma; e caducado, consequentemente, a solução afirmada, no âmbito da legitimidade, pelo Assento do STJ de 1/2/1963 – cfr. Ac. do STJ de 3/5/2000, in CJ II/00, p. 41”.

Deste modo, [acrescenta aquele autor] e por manifesta inutilidade, deverá deixar de ter lugar a genérica e tabelar declaração de “existência” de todos os pressupostos processuais, apenas cumprindo ao juiz apreciar as questões de natureza adjectiva suscitadas pelas partes ou que, por transparecerem do processo, entenda dever apreciar oficiosamente.

Como refere Miguel Teixeira de Sousa (Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1997, p. 316--318), a referência à apreciação concreta passou a ser uma exigência para a aquisição do estatuto do caso julgado formal, não se bastando este com o despacho meramente tabelar.

No mesmo sentido, vide, entre outros, os acórdãos do STJ de 1.10.98 (proc. 539/98); de 20.4.99 (proc. 525/98), de 15.11.99 (proc. 291/99); de 5.7.2001 (proc. 1704/07) e de 9.10.2008 (proc. 953/08).

Ora, não se formando caso julgado formal sobre o despacho saneador, na parte em que este, de forma genérica, se limita a declarar que não há nulidades nem excepções – como no caso dos autos aconteceu –, é óbvio que tal despacho também não pode assumir qualquer relevo processual para efeitos do disposto no art.º 754.º, n.º 2, do CPC.

Feito o esclarecimento que julgamos conveniente, passemos à apreciação da questão prévia.

3.1 Da questão prévia
Segundo o autor, “[p]or todo o recurso interposto pela R. perpassa a arguição de nulidade da sentença de 1.ª instância e do Acórdão recorrido que a confirmou[,] por a sentença ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento, quer por alegadamente não terem sido os factos invocados pelo A. na petição [e não na contestação, como, por manifesto lapso, é dito pelo recorrido] ou [quer] por não constarem da matéria de facto dada como provada”, e “[t]al configura inequivocamente a arguição da nulidade da sentença nos termos da segunda parte da alínea d) do n.º 1 do art.º 668.º do Código de Processo Civil”.

Ou seja, “[a] sentença de 1.ª instância não configura uma incorrecta percepção do art.º 467.º, d), do Código de Processo Civil[,] com a consequente violação do art. 659.º, n.º 2, do mesmo Código, mas, nos termos em que é interposto o recurso[,] a sentença seria nula nos termos do normativo atrás referido, nulidade que afectava também o Acórdão recorrido[,] por não ter acolhido a pretensão deduzida a esse respeito pela R.[,] em sede de apelação”.

Porém, acrescenta o recorrido, “[a] nulidade da sentença no processo laboral tem de ser invocada expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso […] sendo uniforme a Jurisprudência no sentido de que, não tendo tal sido feito, não se poderá tomar conhecimento do recurso interposto” e “[s]endo Jurisprudência assente que tal regra se aplica também ao recurso de revista”, regra essa “que deverá também ser aplicável ao presente recurso interposto pela R.”.

Por outras palavras, o autor entende que os fundamentos do recurso se reconduzem à figura de nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, e que o facto desse vício não ter sido arguido expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso obsta a que deste se conhecesse.

O recorrido tem razão quando afirma que as nulidades da sentença da 1.ª instância têm de ser, expressa e separadamente, arguidas no requerimento de interposição do recurso, sob pena de não poderem ser conhecidas.

E também tem razão quando diz que tal regra se aplica às nulidades dos acórdãos dos Tribunais da Relação.

Este é, de facto, o entendimento que, reiteradamente, tem vindo a ser perfilhado pela Secção Social deste Supremo Tribunal.

E também é verdade que no requerimento de interposição do recurso de revista a recorrente não arguiu a nulidade do acórdão recorrido.

Deste modo, se se viesse a concluir que os fundamentos do recurso eram de qualificar como nulidades do acórdão recorrido, a questão prévia levantada pelo recorrido teria de ser necessariamente julgada procedente.

Acontece, porém, que, perpassados em revista todos os fundamentos do recurso, não vislumbramos que qualquer deles possa ser subsumível a alguma das situações previstas nas alíneas do n.º 1 do art.º 668.º do CPC, mormente à referida na al. d).

A recorrente invoca, é certo, a violação de diversas normas processuais, mas a violação dessas normas não acarreta a nulidade do acórdão recorrido.
Com efeito, a sentença só é nula nos casos taxativamente previstos nas alíneas do n.º 1 do art.º 668.º do CPC e o mesmo acontece com os acórdãos da Relação, por força do disposto no art.º 716.º, n.º 1, e com os acórdãos do Supremo, ex vi art.º 732.º, do mesmo Código, sendo que os acórdãos da Relação e do Supremo são nulos ainda quando forem lavrados contra o vencido ou sem o necessário vencimento (art.os 716.º, n.º 1, e 732.º).

E, como do elenco das situações referidas no art.º 668.º, n.º 1, decorre, as nulidades da sentença (e dos acórdãos) traduzem-se num vício intrínseco da sentença ou do acórdão, seja por vício de forma, seja por vício de conteúdo, que nada tem a ver com as irregularidades cometidas ao longo do processo, por inobservância das preceitos a que essa tramitação deve obedecer.

Ora, como facilmente se constata das alegações e conclusões formuladas pela recorrente, as disposições legais de natureza processual que ela diz terem sido violadas nada têm a ver com os vícios previstos no art.º 668.º, n.º 1, do CPC. Dizem todas respeito à tramitação processual e a sua violação é susceptível de configurar apenas um caso de nulidade processual, que, como é sabido, é um tipo de nulidades que não se confunde com as da sentença.

Improcede, por isso, a questão prévia suscitada pelo recorrido.

3.2 Do convite ao aperfeiçoamento da petição inicial (2.ª questão do elenco supra)
Relativamente a esta questão, a recorrente alegou que, na petição inicial, o autor se limitou a fazer referências genéricas ou conclusivas quanto ao horário de trabalho que praticava e quanto ao pretenso trabalho suplementar e aos dias de descanso em que diz ter trabalhado, e que, perante tais insuficiências e imprecisões, o M.mo Juiz devia ter convidado o autor a aperfeiçoar a petição, sendo que, ao fazer seguir o processo sem esse convite, violou o disposto nos artigos 467.º, n.º 1, al. c) [a recorrente queria, certamente, dizer n.º 1, al. d) e não n.º 1, al. c)] e 508.º do CPC.

Esta questão já tinha sido colocada pela recorrente no recurso de apelação e o Tribunal da Relação dela conheceu, tendo decidido que a arguição da falta do despacho de aperfeiçoamento se afigurava completamente intempestiva, com os seguintes fundamentos:
- a falta do despacho de aperfeiçoamento da petição inicial prende-se com a ininteligibilidade da petição;
- esta constitui um caso de nulidade processual prevista no art.º 193.º, n.º 1 e n.º 2, al. a), do CPC, e só pode ser arguida até à contestação ou neste articulado (art.º 204.º do CPC);
- a apelante não a arguiu expressamente na contestação;
- mas, ainda que se entendesse que tinha sido tacitamente arguida no art.º 19.º da contestação e que o decidido, de forma genérica, no despacho saneador acerca da inexistência de nulidades do processo não fazia caso julgado formal relativamente à ineptidão da p. i., a verdade é que a referida ineptidão tem de ser obrigatoriamente apreciada no despacho saneador, se antes não tiver sido já apreciada pelo juiz, salvo se não houver despacho saneador, caso em que poderá ser conhecida até à sentença (art.º 206, n.º 2, do CPC);
- a não arguição da ineptidão na contestação e o seu não conhecimento nos momentos referidos faz precludir a sua arguição;
- deste modo, quer porque a questão da ineptidão da petição inicial não foi expressamente suscitada na contestação, quer porque não foi suscitada nem apreciada no despacho saneador, cumpre considerar como intempestiva a sua arguição nas alegações do recurso.

No recurso de revista, a ré limitou-se a repetir a alegação que já tinha produzido no recurso de apelação. Nada alegou no sentido de rebater a fundamentação e a decisão proferidas ex novo pela Relação (uma vez que a questão em apreço foi colocada pela primeira vez no recurso de apelação), que é a decisão que ora está em recurso.

E, sendo assim, tudo se passa como se alegação não tivesse havido, o que obsta a que se conheça da questão em apreço, por falta da correspondente motivação, sendo que a mesma também não é de conhecimento oficioso (referimo-nos naturalmente à questão de saber se a Relação decidiu bem ou mal, ao considerar que os vícios invocados pela ré se reconduziam à ineptidão da petição inicial e que a arguição da correspondente nulidade processual estava precludida e, de qualquer modo, sanada).

3.3 Do recurso ao art.º 72.º, n.º 1, do CPT e da violação do princípio do contraditório (3.ª e 4.ª questões do elenco supra)
Na parte da sentença referente à matéria de facto, o M.mo Juiz referiu que alguns dos factos dados como provados não tinham sido alegados, mas que tinham resultado da discussão da causa, “nos termos e para os efeitos do artigo 72.º, número 1, do Código de Processo do Trabalho”.

No recurso de apelação, a ré contestou a utilização que, in casu, foi feita do art.º 72.º, alegando que a mesma violou o princípio do contraditório (art.º 3.º do CPC).
Conhecendo dessa questão, a Relação decidiu julgar improcedente o recurso, nessa parte, com a seguinte fundamentação:
- não resulta da lei que o juiz fique impedido de recorrer ao disposto no art.º 72.º, n.º 1, do CPT, quando não tenha utilizado, seja inicialmente, seja até ao início da audiência de discussão e julgamento, o poder dever que lhe é conferido na alínea b) do art.º 27.º do CPT;
- pois, temos com assente que a norma em apreço confere ao juiz amplos poderes inquisitórios, permitindo-lhe ampliar a base instrutória ou tomar em consideração na decisão da matéria de facto os factos considerados relevantes que tenham surgido no decurso da produção da prova, ainda que não tenham sido articulados, desde que sobre eles tenha incidido discussão;
- no caso concreto, o M.mo Juiz deitou mão dessa norma, mas nenhuma das partes suscitou qualquer questão a esse respeito, no momento da leitura da decisão sobre a matéria de facto, sendo que os seus mandatários também se encontravam presentes;
- a inobservância do princípio do contraditório gera nulidade processual, praticada a montante da decisão e o meio próprio para se reagir contra a nulidade processual que não esteja abrangida por despacho judicial é a reclamação perante o juiz do processo onde a mesma foi cometida, não podendo impugnar-se directamente no recurso que venha a ser interposto da decisão proferida a jusante;
- além disso, acresce que, em sede de recurso, a ré não pôs em causa que na audiência de julgamento não tenha havido discussão relativamente aos factos que foram dados como provados ao abrigo do disposto no art.º 72.º, n.º 1, do CPT;
- por sua vez, quanto à afirmação, em termos genéricos e teóricos, de que o recurso ao disposto no art.º 72.º, n.º 1, prejudica o princípio do contraditório contido no art.º 3.º, n.º 3, do CPC, no que concerne ao direito de defesa da ré/recorrente, tal não corresponde à verdade, uma vez que, como daquela norma resulta, os factos só podem ser tomados em consideração, desde que sobre eles tenha incidido discussão, ou seja, desde que sobre os mesmos tenha sido exercido o contraditório.

Na revista, a ré defende o entendimento de que a faculdade concedida ao juiz, no art.º 72.º, n.º 1, do CPT, não pode ser usada para suprir as insuficiências ou imprecisões alegatórias da petição inicial, mas tão somente para levar em conta factos novos surgidos no decurso da audiência de discussão e julgamento, que se mostrem relevantes para a decisão da causa, em obediência ao princípio do apuramento da verdade material, e o entendimento de que o recurso ao disposto naquele normativo prejudica o princípio do contraditório, no que concerne ao seu direito de defesa.

Esta questão foi devidamente apreciada pela Relação, nos termos que já referimos e inteiramente subscrevemos.

Acrescentaremos apenas que a letra do n.º 1 do art.º 72.º não permite a interpretação que, aparentemente, a ré lhe pretende dar, qual seja a de que só podem ser levados em consideração os factos surgidos depois dos articulados e que, por isso, não podiam ser neles alegados.

Na verdade, o n.º 1 do art.º 72.º limita-se a dizer que “[s]e no decurso da produção da prova surgirem factos que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve ampliar-se a base instrutória ou, não a havendo, tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto, desde que sobre eles tenha incidido discussão”. E, ao referir-se aos factos não articulados, não faz qualquer distinção entre aqueles que as partes podiam e, quiçá, deviam ter inserido nos seus articulados e aqueles que por elas não podiam ter sido alegados, seja por ainda não terem ocorrido, seja por ainda não serem delas conhecidos.

Por outro lado, a razão de ser da norma também não favorece a tese da ré, pois, trata-se de uma norma que visa naturalmente, através da verdade material, obter uma solução justa e, por essa via, a preservação da paz social, e cujo âmbito de aplicação terá como limite apenas a causa de pedir (Leite Ferreira, Código de Processo do Trabalho, Coimbra Editora, 1989, p. 278).

Por sua vez, no que toca à alegada violação do princípio do contraditório, diremos apenas que a observância do contraditório encontra-se salvaguarda não só pela necessidade de discussão que o n.º 1 do art.º 72.º exige, mas também, e de forma mais expressa e inequívoca, pelo teor do n.º 2 do mesmo artigo, nos termos do qual, se for ampliada a base instrutória nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respectivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal, provas que devem ser requeridas de imediato ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias, sendo que a recorrente nada alegou quer acerca na inexistência de discussão sobre os factos que foram dados como provados com recurso ao disposto no art.º 72.º, n.º 1, quer acerca da não concessão da faculdade de indicar testemunhas relativamente aos mesmos.

Improcede, pois, o recurso, nesta parte.

3.4 Da absolvição do pedido referente à prestação de trabalho suplementar, por ininteligibilidade do mesmo (8.ª questão do elenco supra)
Na alínea o) das conclusões, a recorrente alega que, não tendo o autor cumprido o dever de alegação dos factos concretos e objectivos, como impõe o art.º 467.º, n.º 1, al. d), do CPC, deveria o M.mo Juiz ter absolvido a ré do pedido, “por ininteligibilidade do mesmo, no que se refere à matéria tratada no presente recurso relativa ao pretenso trabalho suplementar”.

Todavia, tal como já havia sucedido no recurso de apelação, no corpo das alegações a ré nada alegou acerca da referida questão, o que obsta a que dela se conheça.

3.5 Dos factos dados como provados com base em estimativas (7.ª, 9.ª e 10.ª questões do elenco supra)
Na petição inicial, o autor alegou que, enquanto esteve ao serviço da ré, os seus dias de descanso semanal eram o sábado e o domingo. E mais alegou que tinha trabalhado em 27 sábados e em quatro domingos, por ano, e que, nos dias úteis tinha prestado, no mínimo, 30 horas de trabalho suplementar, por ano.

Em sede da matéria de facto, deu-se como provado que o autor trabalhou, em média, em quatro domingos, por ano (facto n.º 26), mas não se deu como provado o número de sábados em que ele trabalhou nem o número de horas de trabalho suplementar que prestou em dias úteis.

A tal respeito, apenas se deu como provado o seguinte:
- o horário habitual do autor era de segunda a sexta-feira, das 9 às 18, com uma hora de intervalo para o almoço, tendo o sábado e o domingo como dias de descanso semanal (facto n.º 27);
- os "stands" da Ré, onde o Autor desempenhou funções, funcionavam, normalmente, de 2.a a Sábado, entre as 9,00 e as 19,00 horas, com encerramento para almoço durante, pelo menos, uma hora, praticando aos Domingos, em que os mesmos funcionavam, idêntico horário, sem prejuízo das alturas especiais a que alude a alínea seguinte, em que o mesmo (em qualquer dia da semana) podia ser mais prolongado (facto n.º 23);
- a ré, na pessoa do chefe dos vendedores, organizava escalas de serviço aos seus "Stands", de forma a ficar em cada dia útil da semana, em permanência, um vendedor durante o horário de funcionamento daquele espaço, conforme documentos juntos a fls. 37 a 45 dos autos, como n.os 17 a 45 e a fls. 365 e 366, como documentos n.os 60 e 61 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (facto n.º 29);
- a ré, através do chefe dos vendedores, organizava, igualmente, escalas de serviço ao seu Stand, de forma a ficar aos Sábados, em permanência, um vendedor, durante o horário de funcionamento daquele espaço (todo o dia), com excepção da hora de almoço, em que encerrava, conforme documentos juntos a fls. 37 a 45 dos autos, como documentos n.os 17 a 45 e a fls. 365 e 366, como documentos n.os 60 e 61, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (facto n.º 30);
- o autor e os seus colegas eram escalados para o "stand" da Ré três vezes por mês, no que respeita ao Sábado (muito embora houvesse meses em que tal acontecia por duas ou uma vez) e entre duas a cinco vezes por semana no que se refere às escalas dos dias úteis (facto n.º 31).

Todavia, na sentença, o M.mo Juiz veio a concluir, com base nos factos referidos e nos documentos para que os mesmos remetiam, que o autor tinha trabalhado: em 13 sábados e 2 domingos, em 1999; 27 sábados e 4 domingos em cada um dos anos de 2000, 2001 e 2002; 14 sábados e 1 domingo em 2003; 15 horas de trabalho suplementar, em dias úteis, no ano de 1999; 30 horas de trabalho suplementar, em dias úteis, em cada um dos anos de 2000, 2001 e 2002 e 14 horas de trabalho suplementar, em dias úteis, no ano de 2003.

No recurso de apelação, a ré insurgiu-se contra o assim decidido pelo M.mo Juiz, por entender, em resumo, que o M.mo Juiz não podia suprir, com base em presunções extraídas das “Escalas de Serviço”, a falta de alegação do autor no que toca à concretização dos meses, dias, e horas em que prestou trabalho suplementar.

No que diz respeito ao trabalho suplementar prestado em dias úteis, a Relação considerou que a prestação desse trabalho não estava provada e absolveu a ré do correspondente pedido.

No que concerne ao trabalho aos sábados e domingos, a Relação entendeu que os factos dados como provados permitiam concluir que o autor tinha efectivamente trabalhado em sábados e domingos, mas que o M.mo Juiz não dispunha de elementos para dar como provado o número exacto de sábados em que o autor tinha trabalhado e, consequentemente, relegou para execução de sentença o apuro da quantia devida pelo trabalho prestados aos sábados e domingos.

Face ao assim decidido pela Relação, não se percebe por que é que, no recurso de revista, a ré se volta a insurgir contra o que decidido foi pelo M.mo Juiz relativamente ao número de horas de trabalho suplementar prestadas pelo autor em dias úteis e ao número de sábados e domingos em que trabalhou, imputando-lhe a violação do disposto nos artigos 467.º, n.º 1, al. d) e 659.º, n.º 2, do CPC.

Tal só pode ter acontecido por manifesto lapso da recorrente. E, sendo assim, não se conhece das questões em referência.

3.6 Da violação do disposto no art.º 678.º do CPC (11.ª questão elenco supra)
Na alínea v) das conclusões do recurso, a ré alega que o acórdão recorrido violou o disposto no art.º 678.º do CPC, “ao conhecer e declarar julgar procedente o recurso interposto pelo Autor no que concerne ao cálculo da retribuição devida pelo trabalho prestado aos sábados e domingos”, porquanto a sentença da 1.ª instância já havia acolhido as mesmas regras de cálculo que a Relação entendeu serem as aplicáveis”.

A esse respeito, no corpo das alegações a ré alegou que o acórdão recorrido tece doutas considerações a propósito do conceito de retribuição, para efeitos de pagamento do trabalho suplementar, mas que tal actividade resultou de uma questão que tinha sido colocada pelo autor, no seu recurso de apelação, sem que, todavia, tivesse qualquer fundamento para o fazer, dado que a 1.ª instância já tinha considerado, e bem, que a retribuição do autor tinha natureza mista, composta por uma parte fixa e por uma parte variável, sendo com esse pressuposto que o M.mo Juiz efectuou os cálculos para chegar ao montante em que condenou a ré: € 3.932,76, acrescidos de juros de mora.

A recorrente não qualifica o vício que diz ter sido cometido pelo acórdão, mas os termos da sua alegação e a invocação que faz do art.º 678.º fazem supor que o seu entendimento é o de que a Relação não devia ter conhecido do recurso de apelação, nessa parte, pelo facto da decisão da 1.ª instância ter sido favorável ao autor relativamente à questão da retribuição a considerar para efeitos do cálculo da quantia que lhe era devida a título de trabalho suplementar, sábados e domingos incluídos.

Todavia, face ao que já foi dito em “1. Relatório”, é fácil de verificar o equívoco da ré.

Na verdade, a sentença não foi totalmente favorável ao autor no que toca ao valor da retribuição a levar em conta no cálculo das quantias por ele reclamadas a título de trabalho suplementar prestado em dias úteis e a título do trabalho efectuado em dias de descanso semanal (sábados e domingos).

Na petição inicial, o autor alegou que a retribuição de referência devia incluir a retribuição base (fixa) e a média das comissões por ele auferidas em cada ano.

Na sentença, porém, o M.mo Juiz não acolheu cabalmente a pretensão do autor, dado ter decidido, como supra já foi referido, no ponto “1. Relatório”, que o acréscimo devido pelo trabalho suplementar prestado em dias úteis devia ser calculado com base na retribuição base acrescida da média das comissões e que o trabalho prestado aos sábados e domingos devia ser pago com o acréscimo de 5% previsto na cláusula 52.ª do CCT aplicável, mas incidindo este acréscimo apenas sobre a retribuição base.

Como é óbvio, o autor ficou vencido relativamente ao acréscimo remuneratório pelo trabalho prestado aos sábados e domingos e ao valor da retribuição a levar em conta no cálculo desse acréscimo.

Assistia-lhe, por isso, o direito de recorrer da sentença (art.º 680.º, nº 1, do CPC), uma vez que o valor da acção (€ 29.320,93) era superior à alçada da Relação e a sentença lhe tinha sido desfavorável em valor também superior a metade da alçada daquele tribunal – recorde-se que o autor pediu que a ré fosse condenada a pagar-lhe e 29.320,93 e que a sentença só a condenou a pagar a quantia € 3.932,76 – (art.º 678.º, n.º 1, do CPC).

Foi o que o autor fez e fê-lo, precisamente, por entender que o trabalho aos sábados e domingos devia ser pago com o acréscimo de 300% e não de 5% e por considerar, ainda, que a média anual das comissões auferidas também devia ser incluída na retribuição de referência para o cálculo do dito acréscimo. A Relação apreciou naturalmente as duas questões suscitadas pelo autor, como lhe competia, não tendo, por isso, qualquer cabimento a alegação da ré no que toca à violação por parte da Relação do disposto no art.º 678.º do CPC.

Improcede, pois, o recurso, nesta parte.

3.7 Das insuficiências e contradições da matéria de facto relativamente ao horário de trabalho do autor (1.ª questão do elenco supra)
Na alíneas a) e b) das conclusões do recurso, a ré alega que “[a] matéria de facto apurada contém insuficiências e contradições relativas ao horário de trabalho do Autor que resultam da forma como o Autor desenhou a petição inicial”, sendo que “[o] Autor recorrido não alegou, na petição inicial, os horários que praticou e, muito menos, os anos, dias e horas em que prestou trabalho suplementar”.

O que importa averiguar é, pois, se a matéria de facto sofre, ou não, de insuficiências e/ou de contradições, no que toca aos horários de trabalho que foram praticados pelo autor, pois, a verificar-se algum dos referidos vícios, ao Supremo não restará outro caminho – caso entenda que os vícios em questão são de molde a inviabilizar a decisão jurídica do pleito –, que não seja o de ordenar a remessa do processo ao tribunal recorrido, para que a decisão sobre a matéria de facto seja ampliada e/ou expurgada das contradições de que padeça (art.º 729.º, n.º 3, do CPC).

Acontece, porém, que, compulsadas as alegações da recorrente, nelas não encontrámos qualquer referência às concretas insuficiências e contradições de que a matéria de facto enfermaria.

Com efeito, embora o ponto III das suas alegações tenha como título “Da deficiência e insuficiência da matéria de facto: contradições”, a verdade é que a recorrente se limitou a alegar, em resumo, que “o Autor desenhou a petição inicial, quanto à exposição dos factos e do direito de forma incompreensível e manifestamente inepta”, por se ter limitado “a fazer referências genéricas ou conclusivas quanto ao horário de trabalho que praticava e quanto ao pretenso trabalho suplementar e em dias de descanso que afirmava ter realizado”, e a afirmar – depois de ter transcrito a alegação feita pelo autor a esse respeito – que, perante tal forma de expor os factos, o M.mo Juiz devia ter convidado o autor a corrigir aquele articulado, não lhe sendo permitido lançar mão do disposto no art.º 72.º do CPT “para suprir insuficiências e imprecisões facilmente detectadas na petição inicial e que acabaram por conduzir a uma grave contradição da matéria de facto apurada e que, no fundo, está na base das diferentes posições de direito aplicadas pela 1.ª instância e pelo Venerando Tribunal da Relação”.

Ora, como se constata do assim alegado pela ré, esta não concretizou minimamente os pontos de facto referentes ao horário de trabalho do autor, que, em sua opinião, estariam em contradição, nem apontou as deficiências que seria necessário suprir, para que se pudesse avançar para uma correcta e segura decisão jurídica do litígio.

Por outro lado, compulsada a matéria de facto, também não vislumbramos que a mesma padeça de algum dos aludidos vícios, pois, como de seguida se verá – ao tratar da questão referente ao horário de trabalho do autor – dos factos provados resulta claramente que o seu período normal de trabalho era prestado de segunda a sexta-feira, sendo o sábado e o domingo dias de descanso semanal.

Deste modo, falece a procedência do recurso, nesta parte.

3.8 Do horário de trabalho do autor (5.ª questão do elenco supra)
Nos termos do art.º 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 409/71, de 27/9, em vigor à data dos factos em apreço na presente acção (recorde-se que a relação laboral do autor com a ré cessou em 31.5.2003 – vide n.os 41 e 42 da matéria de facto – e que o Código do Trabalho só entrou em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003 – vide art.º 3.º, n.º 1, da Lei 99/2003, de 27 de Agosto), “[e]ntende-se por “horário de trabalho” a determinação das horas do início e do termo do período normal de trabalho diário, bem como dos intervalos de descanso”.

Importa, porém, esclarecer (absolvida que foi a ré do pedido de pagamento do trabalho suplementar prestado pelo autor em dias úteis, ou seja, em dias que, para o autor, não eram de descanso semanal) que o que está em causa no presente recurso de revista não se prende propriamente com a questão de saber quais eram as horas do início e do termo do período normal de trabalho do autor e quais eram os intervalos de descanso de que ele dispunha.

O que está realmente em causa é saber se o trabalho por ele prestado aos sábados trabalho esse que a ré não contesta deve ser considerado como trabalho prestado em dia de descanso semanal, ou não, sendo que a ré não pôs em causa que o trabalho prestado aos domingos fosse de considerar como trabalho em dias de descanso semanal.

Na decisão recorrida entendeu-se que o horário de trabalho do autor não abrangia os sábados e que estes deviam ser reputados como dias de descanso semanal complementar. E, para decidir dessa forma, a Relação considerou que, nos termos da cláusula 62.ª do CCT aplicável, o sábado era considerado dia de descanso semanal complementar; que para não ser considerado como tal, era necessário, por força do disposto no n.º 3 da cláusula 52.ª do mesmo CCT, que a ré e o autor tivessem acordado por escrito na prestação de trabalho ao sábado; e que essa formalidade ad substantiam não se mostrava cumprida.

No recurso de revista, a ré esgrime a tese de que o trabalho prestado pelo autor aos sábados deve ser considerado inserido no período normal de trabalho, alegando, em resumo, o seguinte:
- o horário de trabalho do autor era flexível, como é típico da sua profissão de vendedor;
- quando o autor foi admitido ao seu serviço, acordou com ele a possibilidade de alteração do horário de trabalho, desde que tal se mostrasse necessário ao funcionamento da empresa;
- a grande autonomia com que a profissão dos vendedores de automóveis é exercida implica que estes não estejam obrigados a cumprir um rígido horário de trabalho;
- o trabalho prestado ao sábado era do interesse do autor;
- a formalidade prevista na alínea a) do n.º 3 da cláusula 52.ª do CCT é simplesmente ad probationem e mostra-se cumprida pelo facto de, no contrato de trabalho, ter ficado consignado que o autor aceitava a alteração do horário de trabalho em função das necessidades da empresa.

Não colhe, porém, a argumentação da ré, uma vez que é frontalmente contrariada pelos factos dados como provados e pela posição assumida, na contestação, pela própria ré. Senão, vejamos.

Com interesse para a questão em apreço, provou-se que a ré se dedica à indústria e comércio de veículos automóveis e que o autor foi admitido ao seu serviço, em 23.8.1994, para exercer as funções de vendedor, mediante a celebração de contrato de trabalho que foi reduzido a escrito e que se encontra junto a fls. 14-15 dos autos (vide factos n.os 1, 2 e 3 e documento neste último referido); que, aquando da celebração do contrato de trabalho, as partes acordaram que o horário de trabalho que o autor ficaria obrigado a cumprir seria de segunda-feira a sexta-feira, com entrada às 9h30 e saída às 19h30, excepto, à sexta-feira, em que a saída seria às 18h30, e com intervalo para descanso das 13 às 14 horas, sendo o sábado e o domingo dias de descanso (vide facto n.º 5 e cláusula 6.ª do contrato); que, porém, o autor deu, desde logo, o seu acordo à ré para esta proceder à alteração daquele horário de trabalho, desde que a alteração fosse determinada por razões imperiosas de funcionamento da empresa ré (vide facto n.º 5 e cláusula 7.ª do contrato de trabalho); e que, a partir de data não apurada, o autor passou a cumprir um horário semanal de 40 horas, durante cinco dias por semana, de segunda a sexta-feira (vide facto n.º 10).

Face à factualidade referida, temos de concluir que o autor foi contratado para prestar a sua actividade à ré, dentro de um horário de trabalho que previamente havia sido concertado entre eles, o qual se desenrolava de segunda a sexta-feira, funcionando os sábados e os domingos como dias de descanso semanal.

Não se ignora que “[c]ompete às entidades patronais estabelecer o horário de trabalho do pessoal ao seu serviço, dentro dos condicionalismos legais” (art.º 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 409/71, atrás já citado) e reconhece-se que esse direito compreende não só o poder de fixar o horário de trabalho inicial, mas também a faculdade de posteriormente o alterar.

Todavia, o direito da entidade empregadora alterar, unilateralmente, o horário de trabalho deixa de existir quando o trabalhador tiver sido contratado para prestar a sua actividade mediante um horário que foi objecto de acordo expresso.

Essa proibição legal passou a ser inequívoca, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 61/99, de 30 de Junho, que, além do mais, alterou a redacção do art.º 12.º do Decreto-Lei n.º 409/71, introduzindo-lhe mais dois números (os n.os 3 e 4), estipulando, na al. b) do n.º 3, que “[n]ão podem ser unilateralmente alterados os horários acordados individualmente”.

É certo que a Lei n.º 61/99 ainda não tinha sido publicada quando, em 23 de Agosto de 1994, o contrato de trabalho entre as partes foi celebrado (vide facto n.º 3 e contrato de fls. 14-15), mas a verdade é que a jurisprudência, e uma boa parte da doutrina, já vinha perfilhando o entendimento que o legislador veio a consagrar na referia Lei (vide, a título de ex., os acórdãos do STJ de 29.1993 (CJ - STJ- ano 1993, tomo III, p. 276), de 13.11.2002 (proc. 3443/01, da 4.ª Secção) e de 1.3.2007 (proc. 3542/06 e proc. 3549/06, ambos da 4.ª Secção; e vide Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, I, 9:º edição, p. 320), Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, Abril 2002, p. 490) e Liberal Fernandes (Alteração Unilateral do Horário de Trabalho, in revista “Questões Laborais, ano 1994, n.º 3, p. 192).

No seguimento daquele entendimento, que nós também perfilhamos, por ter cabal apoio no disposto nos artigos 405.º e 406.º do Código Civil, teríamos de concluir que, em princípio, não seria lícito à ré alterar unilateralmente o horário de trabalho estabelecido no contrato de trabalho que celebrou com o autor.

Acontece, porém, que, como daquele contrato ficou a constar, o autor deu, desde logo, autorização à ré para alterar o horário de trabalho que no contrato fora estabelecido, desde que a alteração fosse determinada por razões imperiosas de funcionamento da empresa.

Deste modo, verificadas que fossem aquelas ponderosas razões, a ré poderia unilateralmente alterar o horário de trabalho inicialmente acordado, respeitados que fossem, também, os condicionalismos legais.

Acontece, porém, que da matéria de facto não consta que a ré tivesse alterado o horário de trabalho do autor, nomeadamente que tivesse alterado os dias de descanso semanal estabelecidos no contrato, sendo certo que a ré nunca tal alegou sequer, seja na contestação, seja nas alegações dos recursos de apelação e de revista.

Pelo contrário, no art.º 1.º da contestação a ré expressamente afirmou aceitar o vertido nos artigos 1.º a 6.º, 8.º e 20.º a 22.º da petição inicial, sendo que, no art.º 20.º da petição, o autor tinha precisamente alegado que “[e]nquanto esteve ao serviço da R.[,] o A. teve como dia de descanso semanal o Domingo e como dia de descanso complementar o Sábado”.

Não se compreende, por isso, a posição sustentada pela ré de que o trabalho prestado, ao sábado, pelo autor estava incluído no seu período normal de trabalho e, implicitamente, no seu horário de trabalho.

E nem se diga, como parece deduzir a ré, que a factualidade contida nos n.os 34, 35, 36, 38, 39 e 40 da matéria de facto permite concluir no sentido pretendido pela ré, pois o que daqueles factos decorre, conjugados com os demais, nomeadamente com os referidos nos n.os 23, 27, 30 e 31, é que os stands da ré também estavam abertos aos sábados, das 9 às 19 horas, e que a ré, na pessoa do chefe dos vendedores, organizava escalas de serviço, de forma a que naqueles dias ficasse um vendedor, nos stands, durante aquele período de funcionamento, com excepção da hora de almoço, em que os mesmos estavam encerrados.

Dos factos mencionados, ou de quaisquer outros, não resulta que o sábado tivesse deixado de ser dia descanso semanal do autor. Deles apenas se retira que o horário de trabalho do autor se processava de segunda-feira a sexta-feira e que ele trabalhou em alguns sábados para a ré, para assegurar a abertura e o funcionamento dos stands, nesses dias.

Resumindo, diremos que cabia ao autor, nos termos do art.º 342.º, n.º 1 do C.C., alegar e provar que o seu período normal de trabalho não incluía os sábados, ou seja, que estes eram, para si, dias de descanso semanal, e que a nossa convicção vai do sentido de que ele logrou cumprir cabalmente aquele ónus (tanto mais que, na contestação, a ré expressamente aceitou, como já se disse, que os dias de descanso do autor, enquanto esteve ao seu serviço, tinham sido o sábado e o domingo), o que nos leva necessariamente a concluir que o trabalho prestado aos sábados pelo autor tem de ser considerado, para efeitos de remuneração, como trabalho prestado em dias de descanso semanal.

Improcede, por isso, o recurso, nesta parte.

3.9 Do acréscimo devido pelo trabalho prestado aos sábados e domingos (6.ª questão do elenco supra)
Face à resposta dada à questão anterior, a solução a dar à questão agora em apreço torna-se extremamente fácil e não poderá ser diferente da que lhe foi dada pela Relação.

Vejamos porquê.

Conforme está provado, as partes acordaram que a relação laboral entre si existente seria regulada pelo CCT do sector automóvel celebrado entre a Associação de Comércio Automóvel de Portugal (ACAP) e a FETESE – e não entre a ACAP e o SITESC, como, por lapso, se disse na decisão recorrida (vide n.º 14 dos factos).

Na 1.ª instância decidiu-se que, para a acção, só era relevante o trabalho suplementar prestado em dias úteis e aos sábados e domingos que tivesse ocorrido no período de 27.5.99 e 31.5.2003 (face ao disposto no art.º 38.º, n.º 2, da LCT e à inexistência nos autos do documento nele referido), uma vez que a relação laboral cessara em 31.5.2003 e a ré fora citada em 27.7.2004.

Tal decisão transitou em julgado, sendo que a Relação também acolheu aquela restrição (vide acórdão recorrido, a fls. 733, três últimas linhas) e o autor não recorreu de revista.

Ora, nos termos da cláusula 88.ª, n.º 2, do CCT celebrado entre a ACAP e a FETESE, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 4, de 29.1.1999, com portaria de extensão, aliás, no BTE n.º 33, de 8.9.1999, “[a]s horas de trabalho prestadas nos dias de descanso semanal obrigatório ou complementar serão pagas pelo valor correspondente a três vezes a remuneração normal, isto é: R = 3xNxRN, sendo: R = remuneração correspondente ao trabalho em dia de descanso semanal obrigatório ou complementar; N = número de horas de trabalho prestado; RN = remuneração/hora normal”.

Bem andou, pois, a Relação ao condenar a ré a pagar ao autor o trabalho por ele prestado aos sábados e domingos nos moldes previstos na cláusula 88.ª do CCT celebrado entre a ACAP e a FETESE.

Com efeito, ao contrário do que a ré defende, a cláusula 52.ª do referido CCT (nos termos da qual “[p]or cada manhã de sábado em que o vendedor preste a sua actividade terá direito a uma retribuição complementar correspondente a 2% do valor da remuneração mínima mensal fixa para o nível 8 da tabela que lhe seja aplicável” – n.º 3, al. e) – sendo essa percentagem de 5% por cada sábado completo em que o vendedor preste a sua actividade – n.º 3, al. f) –) não é aplicável ao caso, uma vez que tal cláusula nada tem a ver com o trabalho prestado nos dias de descanso.

Na verdade, como, desde logo, resulta da sua epígrafe (“Períodos normais de trabalho”) a cláusula 52.ª refere-se ao período normal de trabalho e não ao trabalho em dias de descanso.

E o mesmo decorre do seu contexto. Senão, vejamos.

No seu n.º 1, a cláusula começa por estipular que “[s]em prejuízo de horários de menor duração que já estejam a ser praticados[,] o horário de trabalho é de trinta e nove horas semanais para empregados de escritório e quarenta para os restantes trabalhadores, distribuídos de segunda-feira a sexta-feira, com excepção do disposto nos números seguintes”.

De seguida, no seu n.º 2, a cláusula prescreve que “é permitida às empresas que nos subsectores de garagem, estações de serviço, parques de estacionamento, postos de abastecimento de combustível e postos de assistência a pneumáticos pratiquem, à data da entrada em vigor do presente contrato, um horário de segunda-feira até às 13 horas de sábado continuarem a praticá-lo naqueles subsectores”.

E, nesse mesmo n.º 2, acrescenta que “[o]s trabalhadores desses subsectores que pratiquem este período de trabalho semanal podem, no entanto, optar por um período de descanso semanal compreendido entre as 13 horas de sábado e as 13 horas de segunda-feira” e que “[p]or acordo entre as partes, pode o descanso de segunda-feira ser substituído por igual período de tempo doutro dia da mesma semana”.

Por sua vez, no n.º 3, al. a), a cláusula admite que “[o]s vendedores de veículos automóveis, máquinas agrícolas, máquinas industriais e motociclos podem prestar trabalho ao sábado em stands, desde que o acordem por escrito com a empresa”.

Ora, como facilmente se constata do teor da cláusula, o acordo escrito previsto na alínea a) do seu n.º 3 prende-se com a fixação do período normal de trabalho e visa permitir que o período normal de trabalho dos vendedores possa incluir o sábado (afastando, assim, a regra contida no n.º 1 da cláusula) e o acréscimo de retribuição previsto nas alíneas e) e f) destina-se a compensar o trabalho prestado ao sábado quando este dia faça parte do período normal de trabalho do vendedor.

No caso em apreço, provou-se que o sábado não integrava o período normal de trabalho do autor, constituindo antes o seu dia de descanso complementar semanal, o que torna a cláusula 52.ª indubitavelmente inaplicável ao caso em apreço, sendo, por isso, irrelevante apurar se o acordo escrito referido na alínea a) do seu n.º 3, constitui uma formalidade ad substantiam ou uma formalidade ad probationem.

E, sendo assim, a improcedência do recurso, nesta parte, impõe-se.

3.10 Do abuso do direito
No que concerne que a esta questão, a ré alega que a conduta do autor, ao vir peticionar o pagamento do trabalho aos sábados nos termos em que o fez, ultrapassa os limites da boa fé, dos bons costumes e atenta contra o fim social e económico do direito, uma vez que, ao longo de 9 anos, sempre se tinha conformado com a prestação do trabalho aos sábados, sem nunca ter reclamado do facto de faltar qualquer formalidade, designadamente o acordo escrito.

Nos termos do art.º 334.º do Código Civil, “[é] ilegítimo o exercício do direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”

O abuso do direito ocorre, pois, como se disse no acórdão deste Supremo Tribunal, de 17.5.2007 – proc. 4479/06, da 4.ª Secção - (4), quando o titular de determinado direito, ao exercê-lo, ultrapassa claramente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. E a sua justificação assenta em razões de justiça e de equidade e prende-se com o facto das normas jurídicas serem gerais e abstractas.

Na verdade, como refere Almeida e Costa - (5), as normas jurídicas, porque são gerais e abstractas, disciplinam relações-tipo, atendem ao comum dos casos e, por isso, pode acontecer que um determinado preceito legal, certo e justo para as situações normais, venha a revelar-se injusto na sua aplicação a uma hipótese concreta, devido às particularidades ou circunstâncias especiais que nela ocorrem. O princípio do abuso do direito constitui um dos expedientes técnicos ditados pela consciência jurídica para obtemperar, em algumas dessas situações particularmente clamorosas, aos efeitos da rígida estrutura das normas legais. E haverá abuso, continua aquele autor, quando um determinado direito, em si mesmo válido, seja exercido de modo que ofenda o sentimento de justiça dominante na comunidade social.

Não basta, pois, um qualquer excesso aos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Exige-se que o “excesso cometido seja manifesto - (6)., que seja exercido “em termos clamorosamente ofensivos da justiça” - (7) ou que haja uma “clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante” (8), embora não seja necessário que o titular do direito tenha a consciência de que a sua conduta é contrária à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social e económico do direito exercido.

A dificuldade estará em saber quando é que o exercício de determinado direito excede, e excede manifestamente, os limites da boa fé, dos bons costumes ou do seu fim social e económico, uma vez que os três conceitos utilizados pelo legislador são conceitos indeterminados.

Caberá ao julgador fazer, caso a caso, essa aferição, tendo presente que a boa fé a que se refere o art.º 334.º é a boa fé em sentido objectivo, ou seja, tem o alcance de um princípio geral do direito (princípio normativo) que se traduz numa regra de conduta, nos termos da qual os membros de uma comunidade jurídica devem adoptar uma linha de correcção e probidade tanto na constituição de relações entre eles como no desempenho das relações já constituídas, respeitando a palavra dada e a confiança que a sua conduta incute nos outros, que os bons costumes correspondem ao conjunto de regras de convivência, de práticas de vida que, num dado ambiente e em certo momento, as pessoas honestas e correctas comumente aceitam e que o fim social ou económico do direito corresponde ao interesse ou interesses que o legislador visou proteger através do reconhecimento do direito em causa.

Dos factos provados, mostram-se relevantes para a apreciação da questão do abuso do direito, os seguintes:
- o trabalho aos sábados era do interesse da Ré, mas também dos próprios vendedores, devido à maior afluência de público (e portanto, de potenciais clientes) que ocorria nesses dias, permitindo uma maior concretização de negócios ou, pelo menos, de contactos ou negociações que poderiam desembocar em vendas de viaturas automóveis, com os inerentes reflexos ao nível da actividade da Ré e das comissões do Autor e colegas (facto n.º 34);
- o Autor e os demais comerciais da ré não se opunham à realização do trabalho aos Sábados, questionando e reclamando do seu não pagamento ou dos valores (que, em seu entender, eram baixos), que lhe apareciam nos recibos (facto n.º 39).

Como decorre dos factos mencionados, é verdade que o autor nunca deduziu qualquer oposição pelo trabalho prestado aos sábados, ao longo de vários anos, mas também é que sempre questionou e reclamou da retribuição que lhe era paga a esse título. E, sendo assim, é óbvio que a ré não tinha quaisquer razões para confiar que ele não viesse, no futuro, a reclamar judicialmente os créditos salariais referentes ao trabalho prestado aos sábados, o que afasta a abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium.

Por outro lado, também não se pode afirmar que a conduta do autor, ao vir peticionar os ditos créditos, seja minimamente atentatória dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico do direito em questão.

Improcede, desta forma, a revista, também nesta parte.

4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela ré.

LISBOA, 5 de Fevereiro de 2009

Sousa Peixoto (Relator)

Sousa Grandão

Pinto Hespanhol

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1- Sic. A ré repetiu a letra k).

2- Sic. A ré repetiu a letra m).

3- Sic. A ré não utilizou a letra u).

4- De que foram relator e adjuntos os mesmos juízes que subscrevem este.

5- Direito das Obrigações, 9.ª edição revista e aumentada, p. 71.

6- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição revista e actualizada, p. 298.

7- Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, p. 63.

8- Vaz Serra, Abuso do direito, in B.M.J., n.º 85, p. 253.